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Relação entre os serviços públicos concedidos e o Direito do Consumidor

Relação entre os serviços públicos concedidos e o Direito do Consumidor

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O Direito do Consumidor passou a ser visto como instrumento útil e adequado para a tutela dos serviços públicos, tendo em vista a evolução do conceito de interesse público, mas sua aplicação encontra limites.

RESUMO

O presente estudo pretende analisar a relação existente entre os serviços públicos prestados mediante concessão e o direito do consumidor, no âmbito do sistema jurídico brasileiro. Para tanto, inicia-se procurando contextualizar os serviços públicos no Brasil, suas origens, bem como evolução histórica de sua conceituação. As novas concepções apresentadas no Estado Contemporâneo, expressadas pelo Estado Regulador, também são objeto de análise, visto que as mutações conceituais, hodiernamente, têm motivado um maior relacionamento com o Direito Consumerista. Estabelecido este primeiro ponto, parte-se para o estudo do instituto da concessão de serviços públicos, analisando-se a sua relação com o seu usuário. Ainda, é analisado o regime jurídico que envolve o seu exercício, com o escopo de viabilizar a conclusão do atual estudo. Por fim, o presente trabalho busca, então, estabelecer os limites de aplicação do Direito do Consumidor aos serviços públicos prestados mediante concessão. Parte-se, assim, da fundamentação para tal relacionamento, mencionando-se, portanto, a evolução do conceito de interesse público como elemento motivador da referida aproximação. Conclui-se, após analisar as teorias atualmente desenvolvidas sobre a posição jurídica dos usuários, bem como a distinção entre as espécies de serviços públicos como ponto fundamental para se estabelecer os parâmetros de aplicação, que o direito consumerista merece sofrer mitigações no âmbito dos serviços públicos, tendo em vista o caráter solidarista destes, assim como o regime jurídico próprio que apresenta, como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Serviços Públicos; Concessão; Direito do Consumidor.

Sumário: 1 Introdução; 2 Origem e evolução da noção de serviços públicos no Brasil; 3 Novas concepções dos serviços públicos no Estado Contemporâneo; 4 As concessões de serviços públicos e o usuário; 5 O regime jurídico e os serviços públicos; 6 a aplicação do Direito do Consumidor aos serviços públicos como evolução da noção de interesse público; 7 Os limites à aplicação do CDC aos serviços públicos; 7.1 Teorias aplicáveis sobre a posição jurídica dos usuários de serviços públicos; 7.2 As prestações “uti universi” e “uti singuli”: distinção como critério de aplicação do CDC aos serviços públicos; 7.3 A incidência do CDC aos serviços públicos remunerados por taxa e tarifa; 8 O aspecto solidarista dos serviços públicos como forma de mitigação da aplicação do CDC; 9 Conclusão; Referências bibliográficas.


1 INTRODUÇÃO

A evolução do conceito de serviço público, aliada à própria noção moderna de interesse público, motivou uma profunda transformação na forma como ele passou a ser prestado. De fato, a forte crise por que passou o Estado Social, este caracterizado por intenso intervencionismo, possibilitou a presença de uma nova forma de Estado: o Estado Regulador. Esta nova modalidade de Estado, menos presente e interventor, acarretou no surgimento do fenômeno das delegações de serviços públicos às empresas privadas. Nascem, assim, os contratos de concessão de serviços públicos.

Este acontecimento, por sua vez, ocasionou a seguinte indagação: é possível a aplicação do Direito do Consumidor na relação jurídica referente à prestação de serviços públicos? Se sim, em qual medida? A presente pesquisa pretende estudar e responder esta pergunta, procurando, para tanto, contextualizar o instituto dos serviços públicos no Brasil, pormenorizar os aspectos atinentes ao contrato de concessão de serviços públicos, além de analisar inúmeros fatores diretamente vinculados ao tema.

Vê-se que se trata de assunto de alta relevância, pois envolve o exercício de uma das funções essenciais do Estado – a prestação de serviços públicos –, em seus aspectos jurídicos, políticos e econômicos, e que na pragmática judiciária devem ser considerados, a fim de que a natureza dos institutos, bem como as suas finalidades, sejam observadas.

À evidência, estudar a extensão da aplicabilidade do Direito do Consumidor aos serviços públicos constitui-se em fator de notório interesse, já que possibilita determinar os aspectos importantes e fundamentais utilizados para a harmonização desse aparente conflito.

Tal conflito surge quando se vê, de um lado, a submissão do instituto da concessão ao regime jurídico de direito público e ao consequente princípio da supremacia do interesse público consubstanciado na dignidade da pessoa humana, e, de outro, o usuário, consumidor de serviços públicos, vulnerável e protegido pela legislação consumerista e Constituição Federal.

Neste enfoque, surgem os seguintes questionamentos a serem elucidados por este estudo, entre outros que se verá durante a exposição: Quais os efeitos gerados pela evolução da noção de Estado para os serviços públicos, considerando como base para a análise o Direito Pátrio? A concessão de serviços públicos possui natureza meramente contratual, estando, portanto, sob o regime de direito privado, ou tem, ainda, aspectos vinculados ao direito público? Quais os parâmetros e instrumentos necessários para se aferir a real extensão da aplicação do Direito Consumerista aos serviços públicos concedidos?

Para responder a tais indagações, o presente trabalho traça como seus objetivos: a) refletir sobre o instituto dos serviços públicos no Brasil, desde a sua origem até as transformações que vem sofrendo com a evolução do Estado; b) Identificar a elevada importância que o Direito do Consumidor passou a ter para os serviços públicos com a evolução do conceito de interesse público; e c) Examinar e elaborar conclusões a respeito da aplicação do Direito do Consumidor aos serviços públicos.


2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA NOÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL

A concepção de serviço público está vinculada, indiscutivelmente, a ideia de Estado e Sociedade, considerando-se como relevante, para a sua noção, o aspecto histórico-temporal. Assim, o seu conceito sempre esteve em constante mutação.

A finalidade do instituto, com efeito, encontra-se atrelada aos anseios e objetivos da sociedade à qual pertence.

Assim, necessário, para a fixação da tese desse trabalho, inicialmente conhecer as origens do serviço público no Direito Brasileiro e sua posterior evolução.

A doutrina brasileira, no âmbito do Direito Administrativo, desenvolveu-se com mais vigor a partir de meados do Século XX, sob a inspiração do Direito Francês e no pleno auge da doutrina liberal.

Com efeito, a noção de serviço público aparece no campo do Direito Administrativo sem que preexista uma definição legal que a tipifique e sem que se estabeleçam seus caracteres de uma maneira precisa. Por construção da jurisprudência e da doutrina francesa, se foi perfilando uma instituição, com um regime jurídico peculiar de Direito Público, destinada a reger as atividades de prestação tendentes a satisfazer necessidades de interesse geral que o Estado assumiu e que este passou a prestar, a partir do século passado, de forma direta ou indireta[1].

A definição clássica de serviço público, nos seus primórdios, reunia três elementos que o compunham: material, subjetivo e formal.

Sob o ângulo material ou objetivo, o serviço público consiste numa atividade de satisfação de necessidades individuais de cunho essencial. Sob o prisma subjetivo, trata-se de atuação desenvolvida pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes). No ângulo formal, configura-se o serviço público pela aplicação do regime jurídico de direito público[2].

Sobre esta reunião de elementos estruturantes da noção de serviço público no período clássico, ensina a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3]:

Quando surgiram as primeiras noções de serviço público, era válida a combinação desses três elementos. Isso ocorreu no período do Estado liberal, em que o serviço público abrangia as atividades de interesse geral, prestadas pelo Estado sob regime jurídico publicístico.

Marçal Justen Filho adverte, no entanto, que a qualificação formal é logicamente dependente dos outros dois elementos. O serviço público se peculiariza pela existência de um regime jurídico específico. Mas a aplicação desse regime depende da presença de certos requisitos. Ou seja, o regime jurídico responde à pergunta “como seria disciplinado o serviço público”, mas não a indagação “o que poderia ser considerado serviço público”[4].

Outrossim, referente ao elemento subjetivo, o doutrinador assinala que por ser o serviço público de titularidade do Estado não segue o raciocínio imediato e indeclinável de que toda atividade estatal seja “serviço público”.

Assim, para Marçal Justen Filho, o aspecto material ou objetivo é mais relevante do que os outros dois, sob o ponto de vista lógico. “Certa atividade é qualificada como serviço público em virtude de dirigir-se à satisfação direta e imediata de direitos fundamentais”[5].

No mesmo compasso, Ruy Cirne Lima conceitua o serviço público incrementando e valorizando a questão da essencialidade da atividade prestada: “Serviço Público é todo o serviço existencial à sociedade ou, pelo menos, assim havido num momento dado, que, por isso mesmo, tem que ser prestado aos componentes daquela, direta ou indiretamente, pelo Estado ou outra pessoa administrativa”[6].

Com efeito, a evolução do instituto originou a mitigação da clássica divisão do conceito nos três critérios suprarreferidos. Como explica Di Pietro, duas dissociações se fizeram quanto a esses elementos, tal como considerados em suas origens.

Em primeiro lugar, o fato de que o Estado, à medida que foi se afastando dos princípios do liberalismo, começou a ampliar o rol de atividades próprias, definidas como serviços públicos, visto que passou a assim considerar determinadas atividades comerciais e industriais que antes eram reservadas à iniciativa privada. Ou seja, a passagem para o Estado do Bem-Estar Social (“Welfare State”) gerou uma crescente demanda social, o que motivou o incremento de atividades então de iniciativa meramente particular ao interesse estatal[7].

Ao mesmo tempo, o Estado percebeu que não dispunha de organização adequada à realização desse tipo de atividade; em consequência, começou a haver a gestão de serviços públicos por particulares, por meio dos contratos de concessão de serviços públicos e, posteriormente, por meio de pessoas jurídicas de Direito Privado criadas para esse fim, sob regime jurídico predominantemente privado. Admitiu que certas atividades de empresas particulares tinham o caráter de serviço público, seja pela própria natureza delas, seja pela repercussão que atingiam em virtude do âmbito de sua ação. Restou, assim, completamente subvertida a noção clássica ou tradicional de serviço público[8].

Visualiza-se, portanto, nessa evolução, que dois elementos foram afetados; o elemento subjetivo, porquanto não apenas as pessoas jurídicas de direito público são executoras dos serviços públicos; além disso, o elemento formal, uma vez que nem todo serviço público é prestado exclusivamente sob o regime de direito público[9].

Por essa razão, os autores passaram a falar, na década de 50, em crise na noção de serviço público, entendendo que os três elementos normalmente considerados pela doutrina para conceituar o serviço público não são essenciais, porque às vezes falta um, ou até mesmo dois, dos elementos.

À evidência, houve um declínio da noção tradicional, que passou a mostrar-se em dissonância com a realidade, em face da mudança de condições sociais traduzidas em vários procedimentos do Estado pós-Liberal.


3 NOVAS CONCEPÇÕES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO ESTADO CONTEMPORÂNEO

Conforme já mencionado supra, a noção de serviços públicos passou por uma substancial mutação com o correr dos anos, o que motivou a denominação, por alguns, de “crise do serviço público”. Os contornos iniciais do instituto foram traçados nos fins do século XIX e início do século XX. De lá pra cá, o desenvolvimento do Estado, provocado por vários fatores, entre eles, o desenvolvimento da tecnologia, fez com que surgisse um novo modelo de se atender às inerentes necessidades dos cidadãos. Assim, a concepção clássica de serviço público foi revisitada e adaptou-se à nova realidade.

A suposta “crise” atual por que passam os serviços públicos pode ser identificada pelas adaptações destes aos diversos acontecimentos, dos quais se extraem três principais: avanços científico-tecnológicos, questionamento político, econômico e ideológico do modelo de Estado e do seu modo de atuação e modificações do direito comunitário europeu[10].

Com efeito, as novas manifestações dos serviços públicos no Direito Pátrio foram criadas, inicialmente, por mudanças científico-tecnológicas, as quais possibilitaram novas formas prestacionais e organizacionais dos serviços, muitas vezes sob influência estrangeira, em especial norte-americana e comunitária da União Europeia. A reformulação do modelo de Estado vem ocorrendo desde a edição do Decreto-Lei 200/67, com ênfase na década de oitenta, cujo momento decisivo foi a edição da Emenda Constitucional nº 19 de 1998. A proposta volta-se à redução da atuação direta do Estado e à alteração de um Estado Prestacional, vinculado às origens do “Welfare State” (Estado do Bem-Estar Social), para um Estado Regulador, instrumentalizado, entre outros, pelas Agências Reguladoras, o que requer revisão da intervenção estatal na economia e, em especial, na prestação de serviços públicos.

Agregado a este fator, tem-se também como motivo da transformação a influência gerada pela Comunidade Europeia.

A influência comunitária, segundo Marçal Justen Filho, “atenuou a distinção entre os regimes jurídicos de atividade econômica privada e serviço público. Há uma forte tendência à uniformização do regime jurídico ou ao surgimento de uma síntese dialética superadora de ambas as soluções”[11].

No mesmo sentido, avaliando esta nova posição dos serviços públicos no cenário contemporâneo, Almiro do Couto e Silva aduz:

Os serviços públicos fragmentaram-se, assumindo diversas formas, muitas das quais reclamam tratamento jurídico especial, ora mais severo, ora mais brando, ora com peso maior de normas de Direito Público, ora com um peso maior de normas de Direito Privado. Existem modalidades desses serviços cujo modo de prestação ideal é a que resulta da livre concorrência num mercado que é, em princípio aberto, mas que pode e deve sofrer, sempre que necessário conveniente, intervenções do Estado para afeiçoá-lo ao interesse público[12].

Vê-se, hodiernamente, que os antigos serviços públicos, de regime jurídico afrancesado e explorados diretamente pelo Estado, estão sucumbindo, com as empresas estatais virando particulares e o regime de exploração dos serviços sofrendo sucessivos choques de alta tensão[13].

Neste contexto, surgem as agências reguladoras como instrumento do novo modelo de Estado.

Com efeito, paralelamente à privatização, surgiu o movimento de agencificação, com a criação de autarquias de regime especial a quem a lei atribui a função de regulação.

Diz-se que, influenciado pelo sistema norte-americano da “commow Law”, as agências reguladoras possuem função “quase legislativa” e “quase judicial”[14].

A função é considerada “quase legislativa” porquanto elas recebem, por lei, quando criadas, o poder de editar normas com força cogente. No entanto, estas espécies normativas estão hierarquicamente abaixo das leis, podendo ser invalidada por decisão judicial quando as contrariar ou infringir “standards”, princípios ou diretrizes legais ou constitucionais.

Por outro lado, a função é “quase judicial” porque as agências resolvem conflitos de interesses entre prestadores de serviço ou destes com os usuários. Porém, tal resolução fica passível de apreciação judicial.

Estabelecendo a importância das agências no cenário atual, Carlos Ari Sundfeld[15] sublinha:

Apenas as missões já citadas seriam mais que suficientes para fazer das agências reguladoras entidades de grande significado: devem monitorar setores fundamentais da economia, garantindo seu funcionamento orgânico; impedir a degradação dos serviços e aumentar sua qualidade; lutar pela sua universalização, em benefício da justiça social; proteger o consumidor; atuar contra os abusos do poder econômico. Haja fôlego!

Ciente da nova concepção de serviços públicos no Estado Contemporâneo, e de suas características, resta analisar a questão atinente a sobrevivência (ou não) do serviço público no Brasil.

Sobre o tema, Marçal Justen Filho é enfático em defender a sua preservação. O autor assinala que é fundamental distinguir o regime jurídico privado, reservado para a exploração econômica em sentido estrito, daquele aplicável às atividades afetas ao interesse coletivo. Ou seja, conservando-se as diferenciações naturais ocorrentes em cada Sistema Jurídico, sempre existirá um núcleo reconduzível ao que se denomina “serviço público”[16].

Com efeito, o serviço público somente desaparecerá se e quando houver viabilidade de satisfação dos direitos fundamentais por intermédio, sempre, da iniciativa privada, sem o intervencionismo estatal. Como tal alternativa parece inviável, sob pena de se negar a justificativa para a existência do próprio Estado, afirma-se que deve haver limites para a substituição do serviço público pela regulação. Tal raciocínio é ainda mais evidente quando se tratam de atividades essenciais como a saúde e a educação, nos quais a atuação direta do Estado é uma garantia da manutenção da democracia e da fundamentalidade dos direitos individuais e sociais.


4 AS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS E O USUÁRIO

O regime da concessão de serviços públicos está intimamente conectado à noção de descentralização administrativa.

A descentralização administrativa pode ser subdividida, nos interesses deste estudo, em funcional ou técnica e por colaboração.

A descentralização funcional ou técnica, também denominada por parte da doutrina de descentralização “por outorga”, é a que se verifica quando o Poder Público, por meio de lei, cria uma pessoa jurídica de direito público e a ela atribui a “titularidade” e a “execução” de serviço público descentralizado. A descentralização por colaboração, também definida por “descentralização por delegação”, é a que se verifica quando, por meio de contrato ou de ato administrativo, se transfere a execução de determinado serviço público a pessoa jurídica de direito privado, previamente existente, conservando o Poder Público, “in totum”, a titularidade do serviço, o que possibilita ao ente dispor do serviço de acordo com o interesse público[17].

Com efeito, a Constituição Federal brasileira determina, no seu art. 175, que a prestação dos serviços públicos incumbe ao Poder Público, diretamente ou “sob o regime de concessão ou permissão”. Em várias outras passagens pelo seu texto, a CF/88 faz menção ao instituto da concessão de serviço público. Não existe, no entanto, uma formulação conceitual precisa, no plano constitucional, sobre os contornos da concessão de serviço público.

Tal definição só ocorreu em 1995, quando foi editada a Lei nº 8.987, que “dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços previsto no art. 175 da Constituição Federal”. Na citada lei, tem-se como concessão de serviço público “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado” (art. 2º, inciso II).

Marçal Justen Filho, analisando a definição legal, entende-a como precária e insuficiente. Para ele, grande parte da formulação verbal contemplada deve ser desconsiderada, “eis que não apresenta função descritiva (normativa), mas claramente prescritiva”[18].

Ainda segundo o posicionamento do autor, devem ser considerados pontos incontroversos do instituto da concessão, e que o ajudam a possuir identidade própria, os seguintes caracteres: a) manutenção do serviço como público, com a conservação, igualmente, do regime jurídico especial; b) temporariedade da delegação, com a possibilidade, inclusive, de extinção antes do termo inicial; c) natureza constitutiva da outorga da concessão, com a criação de “direitos” novos ao concessionário.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no mesmo tom crítico à definição apresentada pela lei, dado que esta não apresenta todos os elementos necessários para caracterizar o instituto, apenas servindo para os seus objetivos, procura definir a concessão de serviços públicos como sendo “o contrato administrativo pelo qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço”[19].

O que se extrai, portanto, da definição legal, conjugando-a com as definições apresentadas pela doutrina, é que a concessão é um instrumento de que se vale o Estado a fim de delegar à pessoa distinta a execução de atividade que lhe é própria, mantendo-se na titularidade dos referidos serviços. Frise-se que o núcleo da concessão é o seu objeto: prestação de serviços públicos. Assim, decorre a lógica importante de que a pessoa jurídica que se submeter a este instituto deverá observar todos os princípios e restrições peculiares a tais atividades.

Com efeito, consoante já afirmado, os serviços públicos possuem íntima relação com os direitos fundamentais. Assim, o instrumento utilizado para a sua prestação também deverá estar atento a este vínculo, sob pena de seu desvirtuamento teleológico.

Juarez Freitas, ao tratar do tema, assevera essa necessidade de observância aos superiores fundamentos:

O Controle principiológico das cláusulas e da execução das avenças realizadas pela Administração Pública, nessa qualidade, haverá de ser feito sempre à luz substancial dos princípios de Direito Administrativo, menos importando a regência normativa inferior – conquanto mais densa e menos abstrata –, pois esta haverá de se conformar àqueles ditames que lhe emprestam o fundamento e infundem juridicidade última à avença[20].


5 O REGIME JURÍDICO E OS SERVIÇOS PÚBLICOS

Preparando o debate para logo mais, quando serão avaliadas, entre outras coisas, as teorias aplicáveis à posição jurídica dos usuários do serviço público no contexto contemporâneo, cumpre estudar e fixar os principais pontos a respeito do regime jurídico ocorrente na prestação de serviços públicos, quer esta se dê de forma direta, pelo Estado, quer por terceiros especialmente habilitados e fiscalizados.

E para a compreensão exata do tema, importante previamente observar a reflexão realizada por Marçal Justen Filho:

O serviço público apresenta natureza institucional. Isso significa que a concessão de serviço público é um instrumento de agregação de sujeitos para ampliar os esforços necessários à concretização de um fim de grande relevância. O fim a ser obtido é a prestação das utilidades necessárias à satisfação de um direito fundamental. Essa ideia – satisfação de um direito fundamental – norteia a atuação de todos os sujeitos públicos. A concessão propicia que um particular se comprometa com a promoção desse fim[21].

Com efeito, vê-se que a atividade de serviço público é um meio de realizar fins indisponíveis para a comunidade. Os direitos fundamentais não podem deixar de ser realizados. Por isso, conclui-se que as atividades necessárias à sua satisfação direta e imediata devem estar subordinadas ao regime de direito público[22]. A atividade de serviço público é subordinada a este regime como consequência de sua natureza funcional.

Pode-se vincular, quando se estuda o regime jurídico de direito público, este à concepção de “relação de administração”, que Ruy Cirne Lima o conceitua como sendo “a relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente”[23].

De fato, tem-se a relação de administração quando o poder que emana de uma relação jurídica for caracterizado também como um concomitante “dever” (aspecto teleológico), visto que o seu objeto apresenta o elemento da indisponibilidade. Em outras palavras, por haver uma finalidade cogente, ou seja, um objetivo de atingir interesse alheio (leia-se, público), a relação não se resume ao atendimento de um direito subjetivo.

Frise-se, no entanto, que é possível a simultaneidade de relações jurídicas (relação de administração e relação do direito subjetivo). É o que se percebe nesta passagem do texto de Ruy Cirne Lima:

Podem, no Direito Administrativo, como no direito privado, nascer simultaneamente, do mesmo negócio jurídico, a relação do direito subjetivo e a relação de administração. No direito Administrativo, assim se desata, por exemplo, a controvérsia acerca da natureza jurídica da concessão de serviço público, da qual defluem simultaneamente, além da relação de administração, direitos subjetivos, recíprocos do concedente e do concessionário[24].

Tal entendimento reforça, como se vê, a natureza jurídica mista que Celso Antonio Bandeira de Mello visualiza no instituto da concessão de serviços públicos. Ao lado das cláusulas exorbitantes, que possibilitam ao poder concedente, por exemplo, a alteração unilateral de disposições da relação jurídica, existem as cláusulas econômicas, que buscam ao equilíbrio da avença e ao resguardo dos direitos subjetivos do concessionário.

Não obstante essa observação, prevalece, como se viu, na prestação dos serviços públicos, a natureza pública que emana do seu objeto indisponível. É, portanto, a relação de administração que domina o enfoque a ser dado quando se estuda o regime jurídico aplicável ao instituto da concessão de serviços públicos.

Com efeito, conforme acentua Marçal Justen Filho, “serviço público sob regime de direito privado é uma contradição em termos. A aplicação do regime de direito privado desnatura o serviço público”[25].

Assim, defende-se que a definição do regime jurídico aplicável encontra-se diretamente vinculada a presença ou ausência de relação com os direitos fundamentais.

A estruturação de entes e sujeitos, a vinculação de bens e o desenvolvimento de atividades para a satisfação dos direitos fundamentais exigem a aplicação de um regime jurídico diferenciado. Esse regime se caracteriza pelo afastamento de algumas características próprias da satisfação de interesses privados egoísticos.

Relacionado a esta concepção, encontra-se o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, que Celso Antônio Bandeira de Mello[26] o considera, ao lado do princípio da indisponibilidade, como sendo “pedra de toque” do regime jurídico-administrativo.

Tal princípio, assevera Maria Sylvia Zanella Di Pietro[27], vem sendo fortemente atacado na atualidade. Defendem os seus opositores que a existência de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos é incompatível com a sua presença. Assim, fala-se em ponderação de interesses para substituir a ideia de supremacia do interesse público.

No entanto, a mesma autora expõe que o que há é uma equivocada interpretação do seu significado. Segundo ela:

O principio da supremacia do interesse público não coloca em risco os direitos individuais, porque tem que ser aplicado em consonância com os princípios todos que informam o direito administrativo, como os da legalidade, impessoalidade, razoabilidade, segurança jurídica e tantos outros consagrados no ordenamento jurídico. Ele protege os direitos fundamentais.

À evidência, não se discute as transformações por que passou o Direito Administrativo nas últimas décadas, em especial no que diz com a crise de diferença entre este e o direito comum, com o seu aperfeiçoamento por meio de formas privatísticas. Tal acontecimento vem resumido de forma brilhante por Sabino Cassese[28]:

O fenômeno indicado se dá sob a pressão de duas forças: a dos interesses e a das ideologias. Os primeiros estimulam o direito administrativo a assumir vestes privatísticas a fim de agilizar a ação administrativa, obstaculizada pelos vínculos publicísticos. As segundas operam do mesmo modo que as correntes liberais de 1800, em favor da limitação do domínio do direito especial e da subtração da administração ao direito privado, mantido aquele mais conforme ao regime da liberdade.

No entanto, o mesmo autor, em seguida, assinala a limitação desse fenômeno evolutivo: “Esta atenuação das diferenças não reduz o dualismo dos direitos, tornando o real o impossível sonho daqueles que o desaprovam, em nome do monismo: o dualismo permanece, ainda quando por formas diversas” [29].

Assim, o que se procura defender é que, malgrado a evidente evolução da concepção de Estado e, por efeito, da noção de serviços públicos, com as consequências aqui apresentadas, importante se faz manter a necessária presença de um regime jurídico diferenciado no trato do instituto das concessões de serviços públicos, tendo em vista a indisponibilidade de seu objeto e a vinculação à satisfação dos direitos fundamentais dos cidadãos.


6 A APLICAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR AOS SERVIÇOS PÚBLICOS COMO EVOLUÇÃO DA NOÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO

A mutação parcial do conceito de serviço público, no decorrer do tempo, como foi possível verificar nos primeiros momentos deste trabalho, só pôde ser realizada em razão da mudança na concepção de interesse público. Com efeito, vê-se não mais um interesse público mítico, ligado ao Estado ou à sociedade abstratamente considerada, mas um interesse público traduzido como a maior satisfação concreta na vida dos indivíduos.

Referida mudança de concepção encontra-se sustentada com a inserção da concorrência na prestação de serviços públicos, que fez com que estes passassem a ser atividades total ou parcialmente regidas pelo mercado, sendo necessária, consequentemente, a aplicação, pelo menos em parte, do Direito do Consumidor, que constitui um dos pilares da disciplina jurídica do mercado.

À evidência, tal evolução é demonstrada nas palavras de Sandie Chillon:

O usuário foi por muito tempo percebido como uma pessoa abstrata, não claramente individualizada, submetida à boa vontade do gestor do serviço público. Todavia, aos poucos a figura de cliente foi se substituindo àquela de usuário. A exigência de um serviço individualizado é a principal consequência da abertura à concorrência e da comparação entre o setor público e o setor privado. Essa exigência traduz a rejeição da imagem de um usuário submetido ao serviço público[30].

A evolução da noção de interesse público é melhor entendida quando analisada a distinção existente no conceito no Direito Anglo-saxão e no Direito Europeu. Enquanto nos Estados Unidos e no Reino Unido o interesse público é considerado como intrinsecamente ligado aos interesses individuais (satisfação dos indivíduos equivale à satisfação do interesse público), nos Estados de raiz germânico-latina o interesse público é considerado superior à mera soma dos interesses individuais, sendo superior e mais perene que eles, razão pela qual é protegido e perseguido pelo Estado e constitui o fundamento de um regime jurídico próprio distinto do que rege as relações entre os particulares[31].

De fato, a evolução do Estado está provocando com que a noção européia de interesse público, inspiração para o Direito Pátrio, esteja se aproximando daquela anglo-saxônica, com consequências diretas sobre a aplicação do Direito do Consumidor aos usuários de serviço público, sobre os quais, junto com os concessionários, a incidência de uma série de prerrogativas de Direito Público exercidas pelo Estado sempre foi considerada natural.

Em tal medida, Marçal Justen Filho assinala: “O Direito do Consumidor foi concebido como instrumento de defesa daquele que se encontra subordinado ao explorador de atividades econômicas, organizadas empresarialmente para a produção e apropriação do lucro”[32]. Assim, com a mudança de paradigma e a cada vez mais crescente desestatização dos serviços públicos, realizáveis em regime de concorrência, visualiza-se a possível aplicação do Direito do Consumidor ao instituto.

Com a ciência dos acontecimentos e mutações conceituais, não é por acaso que o art. 7º da Lei Geral das Concessões, no seu “caput”, prevê a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos serviços públicos concedidos[33].

O próprio Código de Defesa do Consumidor, em alguns de seus dispositivos, inclui o serviço público no âmbito de sua abrangência. É o que se verifica nos arts. 4º, VII, 6º, X, e 22.

Outrossim, a lei consumerista ao definir o conceito de fornecedor[34], nele incluiu as pessoas jurídicas de direito público, o que possibilita a interpretação de ser aplicável ao instituto dos serviços públicos o Direito do Consumidor.

A transformação de perspectiva, portanto, faz com que uma disciplina de autoridade, que pressupunha uma relação vertical entre Estado e cidadão (administrado), e orientada à persecução de objetivos macroeconômicos, passa agora a formas de controle e de regulação voltadas a garantir em prol dos cidadãos a transparência e a prestação do serviço pelos melhores preços e condições possíveis, adaptados, na medida do possível, às necessidades individuais de cada um[35].

Outro fator relevante para a modificação na relação entre o usuário do serviço público e o seu titular é a expansiva eficácia que os direitos fundamentais possuem no Estado contemporâneo.

Com efeito, Ingo Wolfgang Sarlet assim leciona sobre os direitos fundamentais:

A dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de deveres e direitos fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos[36].

Vê-se, assim, que, atualmente, a maior satisfação possível dos usuários como meio de atendimento aos seus direitos fundamentais é o importante marco regulatório dos serviços públicos. Tal finalidade é alcançada, defendem alguns, não pela potencialização das prerrogativas do Estado, mas sim pela sua retirada, tanto como agente econômico ou como regulador, deixando como principal instrumento de satisfação dos interesses dos usuários a concorrência[37].

Ocorre, contudo, que tal solução é digna de crítica, já que aplicar indistintamente o Código de Defesa do Consumidor às relações que envolvam a prestação de serviços públicos pode acarretar na violação de conceitos básicos relacionados ao conceito de Estado e a princípios da Administração Pública.

De fato, apesar da tendência de identificação dos usuários de serviços públicos como consumidores comuns e da aplicação a eles da legislação consumerista, há peculiaridades inerentes ao próprio conceito de serviço público que fazem com que seja mantido um grau de critérios de direito público aplicáveis à relações entre o usuário/consumidor e o prestador do serviço público[38].

Frise-se, portanto, e como será melhor abordado nos tópicos seguintes, que tal aplicação merece ser melhor analisada, sob o ponto de vista de verificar quais os limites e possibilidades de sua realização.


7 OS LIMITES À APLICAÇÃO DO CDC AOS SERVIÇOS PÚBLICOS

O Direito do Consumidor teve a sua origem na cultura anglo-saxã, mormente na experiência norte-americana. Importante assinalar que, nos EUA, não se adota a noção de serviço público vigente nos países de cultura europeia. Todas as atividades econômicas se subordinam aos princípios fundamentais da livre iniciativa, com algumas ressalvas e limitações. Naquela cultura, ignora-se a concepção da titularidade estatal de certas atividades e inexiste figura exatamente idêntica à da concessão de serviço público[39].

Assim, destaca-se que o modelo norte-americano resultava na ausência de poderes estatais para disciplinar atividades econômicas de interesse coletivo, intervindo em favor do interesse do usuário.

Sobre o tema, assevera Marçal Justen Filho:

O Direito do Consumidor desempenha, no ordenamento jurídico norte-americano, a função assumida entre nós pelo instituto do serviço público. São alternativas diversas para a tutela dos mesmos princípios e valores. Vale dizer, o sistema anglo-saxão remeteu a satisfação das necessidades essenciais à iniciativa privada, mas reservou a aplicação de um regime próprio e peculiar, destinado a tutelar o usuário. A mesma necessidade conduziu outros ordenamentos a atribuir a titularidade do exercício das mesmas atividades ao Estado, subordinando seu desempenho ao regime de Direito Público[40].

Com efeito, viu-se já neste trabalho que o instituto do serviço público encontra-se moldado sobre a concepção da necessidade de restrição e limitação do poder econômico e de mercado de certos agentes econômicos. Para assegurar a satisfação dos interesses coletivos, determinou-se sua integração no patrimônio e no regime de direito público.

Percebe-se, portanto, que o acolhimento entre nós do Direito do Consumidor provoca dificuldades no âmbito do serviço público, especialmente porque o regime de serviço público assegura ao poder concedente algumas faculdades e prerrogativas anômalas, não conhecidas no ambiente anglo-saxão. Tais competências estatais derivam da concepção de incumbir ao Estado promover a tutela e a defesa dos usuários do serviço público.

De fato, o instituto do serviço público, tal como foi impregnado na nossa cultura, é um instrumento de satisfação dos direitos fundamentais, em que as condições unilateralmente fixadas pelo Estado refletem o modo de satisfazer o maior número de sujeitos, com o menor custo possível.

O regime de direito público, portanto, que se traduz em competências estatais anômalas, é indispensável para assegurar a continuidade, a generalidade, a adequação do serviço público. Se cada usuário pretendesse invocar o maior benefício individual possível, por meio das regras do direito do consumidor, os efeitos maléficos recairiam sobre outros consumidores[41].

Ciente dessa particularidade que envolve os serviços públicos, quando de sua relação com o Direito do Consumidor, tem-se o seguinte posicionamento:

O regime, porém, dos contratos concluídos com a administração é especial: mesmo se regido por leis civis, não perde a relação seu caráter dito de “verticalidade”, reservando-se a administração faculdades que quebram o equilíbrio do contrato. Se poderão as normas do CDC reequilibrar, na prática, esta relação é uma pergunta difícil. Certo é que cabe à administração cumprir as leis, e, em realidade, o CDC impõe a ela e a seus concessionários, enquanto fornecedores de serviços e eventualmente de produtos, deveres específicos, muitos deles relacionados ao equilíbrio do contrato. A nova disciplina dos contratos de fornecimento de serviços públicos deverá conciliar as imposições do direito constitucional, com a proteção do consumidor e as prerrogativas administrativas[42].

Aliás, não é por acaso que o art. 27 da Emenda Constitucional nº 19/98 previra que seria elaborada, no prazo de 120 dias, uma lei de defesa do usuário de serviços públicos. A regra acaba por reconhecer, então, a inviabilidade de aplicação automática e indiferenciada do Código de Defesa do Consumidor ao âmbito dos serviços públicos.

Outro aspecto importante nesta relação é o significado que o termo “adequação” precisa possuir no que tange aos serviços públicos. Deve-se ter em mente que a exigência de um serviço absolutamente perfeito equivale a produzir elevação do valor pago pelos usuários. Isso poderia provocar a existência de um serviço da mais alta qualidade, de que não poderiam usufruir grande parte dos usuários por carências de condições econômicas.

Assim, um serviço de caráter qualitativo suficiente, de alto custo, poderia, no âmbito do serviço público, ser considerado inadequado, já que não atenderia às necessidades dos cidadãos, de forma generalizada.

Com isso, o conflito entre essas duas lógicas acaba por criar várias correntes de pensamento sobre a categorização jurídica dos usuários de serviços públicos, as quais serão objeto de análise a seguir.

7.1 Teorias aplicáveis sobre a posição jurídica dos usuários de serviços públicos

a)     Teorias Privatistas

Por esta teoria, sustenta-se que o nexo entre o concessionário e o particular é de natureza civil (consumerista/privatista), já que o contrário seria admitir-se a existência de relações jurídicas de Direito Público entre particulares. Mas a afirmação da natureza privada da relação não ilidiria a existência de uma série de normas de Direito Público sobre elas incidente, o que, aliás, é uma expressão do fenômeno intervencionista de administrativização das relações jurídicas privadas[43].

Dessa forma, essa corrente entende que não é pelo fato de haver normas de direito público incidentes sobre as relações contratuais que elas passam a ser relações de direito público.

Ela encontra maior amparo nos serviços públicos classificados como industriais ou comerciais, financiados por remuneração paga pelo particular que dele usufrui, principalmente nos casos em que tiverem sido delegados à iniciativa privada.

b)     Teorias Publicistas

Esta teoria defende que é o Direito Público que rege a relação entre o particular e o prestador do serviço público, seja este industrial ou não (concepção solidarista/publicista). Tal relação seria de Direito Público por se referir a uma tarefa da Administração Pública e repousar sobre um direito de natureza jurídica pública, qual seja, o direito do administrado à prestação do serviço.

Assim, seria o procedimento regulamentar, mais que o contratual, que melhor se adequaria a essa relação, considerando o grande número de pessoas que usufruem do serviço público em condições semelhantes, o que permite uma regulação uniforme.

Com efeito, na esteira de tal teoria, Gabino Fraga argumenta:

Na verdade, usuário e concessionário de serviços públicos não têm qualquer liberdade minimamente significativa para discutir o contrato que entre eles será celebrado, estando as suas cláusulas já previamente estabelecidas estatutariamente, seja em normas legais ou regulamentares, constantes de atos normativos ou da própria concessão[44].

Para essa corrente, o termo usuário estaria mais de acordo com a identificação à cidadania política do que o termo “cliente” ou “consumidor”. Ele retrataria o particular que usufrui de um serviço como parte integrante do corpo social que constituiu o Estado como instrumento de proteção e fortalecimento dos valores transcendentes da pessoa humana.

A margem de autonomia contratual para criar cláusulas não previstas previamente na lei ou nos regulamentos, possivelmente existente entre o usuário e o prestador de serviço público, não invalida os argumentos defendidos por essa doutrina. Isso porque a referida autonomia e a possibilidade de aplicação de normas de Direito Privado nunca poderão contrariar as condições do serviço, haja vista que a Administração Pública possui a prerrogativa de alterá-las, visando ao interesse público.

Segundo Alexandre Santos de Aragão[45], o grande erro da teoria publicista é partir de uma concepção exacerbada da autonomia da vontade como sendo o único e particular modelo explicativo dos mecanismos contratuais. Ou seja, ela desconsidera que o próprio Direito Privado contemporâneo incorpora uma série de figuras contratuais com forte ingerência publicista, tais como os contratos coativos, autorizados, de adesão, entre outros. Desse modo, defender que os usuários de serviços públicos têm uma relação puramente estatutária com o seu prestador seria igualá-la às relações jurídicas estatutárias existentes no Direito Administrativo com a dos servidores públicos.

E nesse último ponto, portanto, estar-se-ia confundindo a clássica lição que distingue a sujeição geral, que ocorre entre a Administração Pública e seus administrados, de uma maneira indeterminada, da sujeição especial, que relaciona o indivíduo ao Poder Público mediante uma particularidade (especificidade).

c)     Teorias Mistas

Conforme o próprio nome demonstra, esta teoria busca conciliar as anteriores, já que visualiza uma relação híbrida entre o usuário do serviço público e o seu prestador.

Com efeito, para ela, não existe teoria privatista pura quanto à caracterização jurídica dos usuários, já que, como visto, mesmo os que defendem a natureza privada do vínculo admitem o forte influxo de normas de Direito Público concernentes ao serviço.

Defensor desta teoria, Roberto Dromi assim estabelece a relação:

O usuário (ou cliente ou consumidor) se encontra unido à prestadora do serviço por um contrato [...]. Deste modo, a relação jurídica que mantém com a empresa que gere o serviço é contratual. Todavia, a necessidade ou o interesse público que deve ser satisfeito através do serviço público justificam que o seu regime jurídico (marco regulatório, ordenação e organização, fiscalização e regime sancionatório) seja estabelecido pelo Estado. Na relação jurídica contratual que se produz entre os usuários ou clientes e as empresas prestadoras privadas, o regime jurídico apresenta características mistas, correspondendo à aplicação do Direito Privado, sem prejuízo dos aspectos de Direito Administrativo, e do marco regulatório especial que rege justamente por se tratar de serviço público[46].

É notório, portanto, para essa teoria, que se devam incidir especificidades publicistas na relação contratual existente entre o usuário e o prestador do serviço público, já que esta envolve uma forte dimensão política.

À evidência, a prestação de serviços públicos, especificamente quando delegados à iniciativa privada, é regida parcialmente pelo estatuto de regulamentação pública. Porém, segundo esta doutrina, só se entra sob a incidência desse estatuto mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços entre dois particulares – usuário e concessionário –, que, como tal, é de natureza civil em todos os aspectos que não contrariem a situação estatutária.

Esta relação mista se fortalece, ademais, quando se tem a ciência de que o serviço público se apresenta como um exercício de aplicabilidade e satisfação dos direitos fundamentais do cidadão. Logo, necessário se faz incrementar na essencialidade do instituto instrumentos do regime jurídico de direito público.

7.2 As prestações “uti universi” e “uti singuli”: distinção como critério de aplicação do CDC aos Serviços Públicos

Os serviços públicos, quanto aos seus destinatários e forma de expressão, podem ser classificados em gerais (ou “uti universi”) e individuais (ou “uti singuli”). Tal classificação é um importante parâmetro para se verificar a incidência ou não do Direito do Consumidor aos serviços públicos, e sua extensão.

Os serviços públicos “uti universi” são aqueles prestados de forma indiscriminada, sem usuários predeterminados. O Estado oferece o serviço independentemente de remuneração específica. Assim, é ele custeado mediante a cobrança de impostos.

Os serviços “uti singuli”, por sua vez, são os mensuráveis e divisíveis, custeados mediante taxa ou tarifa (preço público), conforme sua compulsoriedade ou facultatividade, respectivamente.

A doutrina divide-se, no ponto, quanto à extensão de aplicação do CDC, alguns se posicionando pela aplicação indiscriminada e ampliativa da lei consumerista, abrangendo tanto os serviços gerais quanto os individuais, e outros pela restrição de aplicação, para alcançar somente os serviços “uti singuli”, prestados direta ou indiretamente pelo Estado, mediante remuneração específica do usuário. Para esta última corrente, portanto, os serviços “uti universi” não sofreriam a incidência do CDC.

A diferenciação de posicionamento encontra-se na distinta interpretação que se faz do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, que prevê, entre outras normas, que o serviço público deve ser remunerado para a incidência da lei.

Com efeito, Luiz Rizzato Nunes[47], defensor da primeira corrente, interpreta que, quer o usuário pague, quer não, pelo serviço público, não é esse o fator que irá afastar a incidência da norma. Essa afirmação se sustenta no raciocínio de que, mesmo na hipótese de ausência de pagamento direto e imediato, o serviço será custeado pelo particular de alguma forma, mesmo que de forma indireta. Ademais, afirma-se que o Código não exige remuneração específica, podendo o serviço ser custeado mediante impostos.

Outro fundamento da corrente extensiva encontra-se em buscar a intenção do legislador, que foi a de incutir, no âmbito do serviço público, a mesma dinâmica proposta pra o setor privado, de harmonização das relações de consumo. Excluindo-se os serviços “uti” universi”, uma parcela considerável da sociedade, que vive em condições precárias, não estaria albergada pela legislação protetiva do consumidor, desatendendo-se, assim, o princípio da universalidade da tutela.

Por outro lado, defendendo a aplicação restritiva, a maior parte da doutrina argumenta que o vínculo existente entre o usuário de serviço público “uti universi” e o Poder Público é tão somente de caráter cívico, não havendo caracteres de relação consumerista nesta prestação. Assim, estender a aplicação do Código a estes casos seria desvirtuar o conceito de consumidor e fornecedor dado pelo legislador, já que o artigo 3º é expresso ao utilizar o termo “mediante remuneração”. Além disso, o imposto, por força de lei, não pode ser vinculado, de modo que a sua exigência não gera dever jurídico de contraprestação para o Estado.

Com efeito, Adalberto Pasqualotto, em artigo a respeito do tema, assim pondera:

A disciplina correta dos serviços públicos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor deve considerar a inter-relação existente com a disciplina desses mesmos serviços no Direito Constitucional e no Direito Administrativo. Segundo esses parâmetros, não são abrangidos no Código de Defesa do Consumidor os serviços públicos próprios, prestados uti universi diretamente pelo Estado, mantido pelos tributos gerais, porque falta-lhes, sob a ótica do Código do Consumidor, o requisito da remuneração específica[48].

Para rebater a primeira corrente, deve-se lembrar que no sistema tributário vige o princípio da capacidade contributiva, segundo o qual a contribuição é proporcional à renda da pessoa, tudo com vistas à redistribuição, em tese, de riquezas. Sob esse ângulo, verifica-se que não é necessariamente quem paga mais tributo que usufruirá mais dos serviços, dado que usufrui dele quem dele precisa, independentemente do quanto foi pago, ou se houve pagamento. Logo, não há como se falar em “remuneração”, uma vez que é potencial usuário inclusive aquele que nunca tenha recolhido tributos.

Portanto, para esta corrente, os serviços gerais ou “uti universi” não sofreriam a incidência do CDC, já que custeados mediante impostos.

Há, por fim, quem defenda ainda a não aplicação da lei consumerista, quer para os serviços “uti universi”, quer para os “uti singuli”. Defende-se que o liame estabelecido entre o usuário de serviço público e a concessionária não equivale ao que se forma numa transação consumerista, de modo que não resta caracterizada a presença de consumidor e fornecedor nos polos opostos da relação contratual.

Antônio Carlos Cintra do Amaral[49], posicionando-se neste último sentido, assim estabelece:

Considerar o usuário como consumidor do serviço público a ele prestado pela concessionária talvez seja possível sob a ótica econômica. Mas sob a ótica jurídica o usuário de serviço público e o consumidor estão em situações distintas. Uma coisa é a relação jurídica de serviço público. Outra a de consumo.

Com efeito, para ele, a relação jurídica entre a concessionária e o usuário não pode ser equiparada à existente entre duas pessoas privadas, que atuam na defesa de seus interesses específicos. O serviço público, cujo exercício é atribuído à concessionária, continua na titularidade e sob a responsabilidade do poder concedente. Perante a relação de consumo, diversamente, o Poder Público atua como “protetor” da parte considerada hipossuficiente, que, em regra, é o consumidor[50].

Pois bem, estabelecida estas variações de pensamento, resta ainda aferir a questão atinente à diferenciação, no toca aos serviços “uti singuli”, dos remunerados por meio de taxa dos mediante tarifa ou preço público.

7.3 A incidência do CDC aos serviços públicos remunerados por taxa e tarifa

No item anterior, verificou-se que, a despeito de existirem algumas posições divergentes, grande parte da doutrina entende que somente haverá incidência do Código de Defesa do Consumidor quando o serviço público prestado caracterizar-se por ser mensurável individualmente e provier de remuneração específica.

Ocorre, contudo, que tal modalidade de serviço pode apresentar como remuneração tanto a taxa, espécie tributária que se particulariza pela sua compulsoriedade, quanto à tarifa, receita originária equiparável ao preço público e que possui caráter facultativo.

Marçal Justen Filho[51], tratando do tema, apresenta três critérios distintivos entre os dois elementos: 1º) o regime jurídico; 2º) o princípio da legalidade, e; 3º) o princípio da anterioridade.

Com efeito, segundo o primeiro critério, a diferença entre taxa e tarifa se relaciona com a cobrança por serviços potenciais, colocados à disposição do usuário. O regime jurídico da taxa se caracteriza pela possibilidade de exigência do pagamento da prestação tributária mesmo quando não tiver ocorrido a fruição efetiva do serviço público. Já o regime jurídico da tarifa não comporta solução exatamente idêntica, ainda que se possível a existência de tarifas mínimas. Não é permitido que o usuário seja constrangido, contra a sua própria vontade, a usufruir o serviço e pagar a tarifa.

O segundo elemento diferenciador consiste no princípio da estrita legalidade, característico do direito tributário. Insculpido no art. 150, inciso I, traduz-se na necessidade de todos os aspectos do tributo serem definidos por lei, eliminando-se a discricionariedade administrativa. Assim, uma taxa de serviço público apenas pode ser cobrada se tiver sido instituída em lei, e é necessário que seu montante conste de um mandamento normativo legal. A tarifa, por sua vez, tem regime jurídico distinto, sendo fixada na via administrativa. Não se sujeita ao princípio da estrita legalidade, seja no tocante à sua instituição, seja no relativo à sua modificação.

Por fim, a terceira diferença reside no princípio da anterioridade, pelo qual nenhum tributo será exigido no mesmo exercício em que tiver sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou (art. 150, inciso III, “b”, da Constituição Federal). Tal princípio se aplica às taxas, espécie tributária, e não às tarifas[52].

Conclui-se, portanto, ao se analisar as respectivas distinções, que somente é possível atribuir ao particular o desempenho dos serviços por conta e risco próprios se a remuneração a ele atribuída estiver sujeita a um regime jurídico específico. Esse regime jurídico específico funda-se na intangibilidade da equação econômico-financeira.

Com efeito, como a recomposição da equação econômico-financeira faz-se na via administrativa, a variação da remuneração do concessionário independe de previsão em lei. Pode-se fazer-se a qualquer tempo, e não está sujeita ao princípio da legalidade.

Quanto ao tema, relevante a posição de José Geraldo Brito Filomeno[53]:

Importante salientar-se, desde logo, que aí [conceito de serviço no CDC] não se inserem os “tributos”, em geral, ou “taxas” e “contribuições de melhoria”, especialmente, que se inserem no âmbito das relações de natureza tributária.

Não se há de confundir, por outro lado, referidos tributos com as “tarifas”, estas, sim, inseridas no contexto dos “serviços” ou, mais particularmente, “preço público”, pelos “serviços” prestados diretamente pelo Poder Público, ou então mediante sua concessão ou permissão pela iniciativa privada.

O que se pretende dizer é que o “contribuinte” não se confunde com “consumidor”, já que no primeiro caso o que subsiste é uma relação de Direito Tributário, inserida a prestação de serviços públicos, genérica e universalmente considerada, na atividade precípua do Estado, ou seja, a persecução do bem comum.

À evidência, não há relação contratual entre o Poder Público, arrecadador de tributos, e o particular, visto que não há consensualidade na relação jurídica. Frise-se que, quando o Estado exerce a competência tributária, está atuando com “ius imperii”. A relação não é de coordenação, mas sim de subordinação.

No mesmo sentido, assevera o professor Cláudio Bonatto:

Quanto aos serviços denominados uti singuli, somente estarão diretamente abrangidos pelas regras do CDC, na medida em que esteja completa a relação jurídica de consumo, com a participação efetiva de um consumidor, pelo que, afastados desta condição estariam os serviços públicos remunerados por taxas, eis que nestes está presente a figura do contribuinte[54].

Vê-se, com tudo isso, que a controvérsia sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor se fundamenta na forma de remuneração dos serviços prestados, bem como na relação existente entre as pessoas envolvidas. Tal discussão é relevante, já que orienta a forma de aplicação do regime jurídico adequado à situação fática apresentada.

 


8 O ASPECTO SOLIDARISTA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS COMO FORMA DE MITIGAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CDC

Sem prejuízo dos argumentos anteriores, que servem, inclusive, de paradigma demonstrativo do atual cenário pelo qual está inserido o assunto, outro importante aspecto que viabiliza a sustentação da tese que ora se propõe, qual seja, da necessária e lógica limitação da aplicação do Direito Consumerista ao instituto dos serviços públicos, é o caráter coletivo atinente a esse tipo de serviço, sua caracterização como instrumento de efetivação da solidariedade social e as consequentes incongruências com o Código de Defesa do Consumidor.

Conforme já mencionado ao longo deste trabalho, vê-se que o título habilitador do direito da empresa exercer a atividade de serviço público é totalmente diverso do existente nas atividades econômicas “stricto sensu”, em que o direito decorre diretamente da proteção constitucional à livre iniciativa e à economia de mercado (Art. 170, CF), que coloca na relação jurídica prestacional apenas a empresa e o consumidor. No caso do serviço público, o título habilitante não é a livre iniciativa, inexistente no caso, mas sim um contrato de concessão celebrado pela empresa com o Estado, de maneira que a relação prestacional é subjetivamente complexa, envolvendo, a um só tempo, o Poder Público, a concessionária e todos os usuários do serviço público[55].

Assim, ao contrário das relações do concessionário com eventuais parceiros privados, as suas relações com usuários podem variar de acordo com as determinações de serviço do Poder Concedente, não tendo o usuário-consumidor “direito adquirido” ou “ato jurídico perfeito” para impor a manutenção das condições iniciais de prestação do serviço, que podem ser unilateralmente alteradas pelo “jus variandi” da Administração Pública, respeitado o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

Marçal Justen Filho[56], especificadamente neste caso, apresenta um exemplo elucidativo:

Segundo o Direito do Consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, então, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulamentação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção do regime jurídico. Mas sua pretensão poderia encontrar respaldo no regime característico do Direito do Consumidor.

Com efeito, diante desse exemplo, visualiza-se que os serviços públicos possuem uma conotação coletiva muito mais ampla que as atividades econômicas privadas. Eles objetivam a coesão social, sendo um instrumento técnico de distribuição de renda e realização da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), com o financiamento, através das tarifas dos usuários que já têm o serviço, da sua expansão aos que ainda não possuem acesso. Se fosse aplicável integralmente o CDC, estas tarifas seriam consideradas abusivas, visto que ultrapassariam o valor razoável para uma atividade individualmente utilizada.

Dito em outras palavras, na prestação dos serviços públicos, deve-se distinguir e tomar como relevante a diferenciação entre usuário efetivo e usuário em potencial. Em nome da integração deste, os interesses daquele precisam ser mitigados. E isso não reproduz prática ilícita, consoante o Direito Consumerista iria propor caso sua aplicação fosse ampla. Apresenta-se, sim, como uma medida justa, efetivadora da noção de justiça social insculpida na Constituição Cidadã de 1988.

Assim, verifica-se que analisar os valores da tarifa de serviço público apenas sob o ponto de vista da legislação do consumidor é desprezar o fato de que ela não representa apenas a contraprestação das prestações concretamente recebidas pelo usuário, sendo, ainda, um elemento fundamental da preservação do equilíbrio da política pública e do projeto de infra-estrutura consubstanciados na concessão.

Alexandre Santos de Aragão refere, quando a esse assunto, a questão do “subsídio interno ou cruzado”. Segundo ele:

Há algumas fórmulas tradicionalmente empregadas como mecanismo de implantação de políticas tarifárias. Uma das mais freqüentes é a prática de subsídios cruzados. Nesse sistema, o Poder Público, adotando determinada política tarifária, faz com que um grupo de usuários arque com parte dos custos decorrentes da prestação de serviços a outros usuários. Trata-se de uma forma de distribuir os custos do serviço de uma maneira independente do ônus que cada um tenha gerado. Na maioria das vezes em que o sistema é adotado, busca-se cobrar mais da parcela de usuários teoricamente detentora de maior poder aquisitivo, para que seja possível cobrar menos de usuários com capacidade econômica inferior[57].

A tarifa de serviço público não pode, portanto, para ser considerada abusiva, ser aferida apenas diante da prestação que determinado usuário recebe, mas sim face ao complexo equilíbrio de despesas e receitas envolvidas no contrato de concessão, que normalmente possui o prazo de décadas e visa ao bem-estar das pessoas com um todo[58].

Outro aspecto relevante diz com a questão intergeracional que a prestação de serviços públicos precisa visualizar e proteger. A sua gestão não pode apenas ter em conta os interesses das atuais gerações, necessitando dos investimentos necessários para assegurar que as futuras gerações também lhe tenham acesso. Assim, os serviços públicos e as atividades econômicas “stricto sensu” têm uma relação distinta com o tempo: estas visam à satisfação imediata do sujeito, ao passo que aqueles visam à realização dos interesses de longo prazo dos cidadãos enquanto membros de uma dada sociedade.

Por tudo isso, chega-se a conclusão de que, pelas notórias distinções, a aplicação do direito consumerista ao instituto dos serviços públicos precisa ser melhor analisada. Em que pese o próprio Código de Defesa do Consumidor faz menção aos serviços públicos, como já se viu anteriormente, a sua aplicação encontra alguns limites na peculiaridade e na finalidade inerente a estes, quais sejam, o caráter social e público.

Com efeito, é a posição do professor Alexandre Santos de Aragão:

Apesar dessas peculiaridades inerentes ao regime jurídico dos serviços públicos (políticas, jus variandi da Administração Pública, etc.), a aplicação do CDC aos serviços públicos não pode ser excluída, até porque há dispositivos legais expressos nesse sentido. Todavia, por outro lado, a aplicação do CDC não pode ser absoluta, devendo, ao contrário, ser realizada com extrema cautela, sob pena de desnaturar a atividade como serviço público, privilegiando os interesses de consumidores individualmente considerados, e postergando os seus objetivos maiores de solidariedade social.

No mesmo sentido, corrobora com a tese a manifestação de Marçal Justen Filho: “A disciplina do Direito do Consumidor apenas se aplicará na omissão do Direito Administrativo e na medida em que não haja incompatibilidade com os princípios fundamentais norteadores do serviço público. [...] O que é certo é a impossibilidade de aplicação pura e simples, de modo automático, do Código de Defesa do Consumidor no âmbito dos serviços públicos”[59].

Vê-se, portanto, e conforme foi referido ao longo deste estudo, que o instituto dos serviços públicos, cujo objetivo primordial é a satisfação dos direitos fundamentais da pessoa humana, encontra-se impregnado por normas de direito público que acabam por mitigar a atuação do direito consumerista. Isso se reflete não na supressão de direitos subjetivos, mas sim na tutela social e justa do interesse coletivo.


9 CONCLUSÃO

Neste trabalho, procurou-se analisar a relação envolvendo o instituto dos serviços públicos prestados mediante concessão e o Direito do Consumidor, utilizando-se de paradigmas históricos e evolutivos para melhor se estabelecer a atual extensão de sua aplicação, bem como de argumentos jurídicos que expõem os limites necessários condizentes à problemática.

Primeiramente, foi objeto de estudo e análise os serviços públicos no Direito Brasileiro, suas origens e suas novas concepções no Estado Contemporâneo. Percebeu-se que o conceito originário de serviço público sofreu forte mutação, tendo em vista a evolução histórico-cultural do Estado. Ou seja, de um Estado Prestador passou-se para um Estado Regulador, em que as denominadas agências reguladoras começaram a possuir forte funcionalidade social, regulando os serviços públicos delegados a esfera particular.

Outro objetivo presente neste trabalho refere-se ao estudo e reflexão do instituto da concessão de serviços públicos e sua relação com o usuário. Apreendeu-se seu disciplinamento constitucional e infraconstitucional, além da devida pontuação do regime jurídico aplicável ao tema. Foi objeto também a posição jurídica dos usuários.

Desta análise, conclui-se que, dada a natureza jurídica peculiar apresentada pelo contrato de concessão de serviços públicos (relação que envolve três partes: poder concedente, concessionária e usuários), o regime jurídico aplicável a este instituto não deve moldar-se exclusivamente pelo caráter privatista que, aparentemente, possa ser o indicado. Com efeito, a presença de objetivos maiores, tais como a satisfação dos direitos fundamentais pelo exercício dos serviços públicos, enseja a aplicação de normas cogentes, aliadas a um regime jurídico de Direito Público que acaba por mitigar a mera relação concessionária-usuário. Assim, tem-se que o usuário do serviço público é, além de titular de direito subjetivo, detentor de direitos fundamentais.

Outrossim, partindo da referenciação de que o Direito do Consumidor passou a ser visto como instrumento útil e adequado para a tutela dos serviços públicos, tendo em vista a evolução do conceito de interesse público, iniciou-se a verificação de aspectos limitadores à sua aplicação irrestrita.

Com efeito, analisando-se a questão atinente à posição jurídica dos usuários de serviços públicos, verificou-se a existência de três teorias: a teoria privatista, a teoria publicista e a teoria mista. Elas visam a estabelecer a real natureza da relação jurídica que envolve o usuário e a concessionária de serviços públicos. Neste ponto, chega-se a conclusão de que, por possuir natureza trilateral, esta relação exige a sua sustentação em normas estatutárias/regulamentadoras, ao lado da relação contratual/privatista existente entre ambos os personagens. Assim, vê-se que a presença do regime jurídico público, limitador de algumas faculdades privadas, é necessária nesta relação jurídica.

Outro aspecto apresentado, e que contribui na formulação da tese deste trabalho, é a presença do caráter solidarista dos serviços públicos como instrumento de efetivação da justiça social. Assim se diz porque a prestação de serviço público corresponde na manifestação de uma função pública e, por essa razão, muitas restrições ou limitações impostas ao consumidor do serviço público são justificadas pelo interesse público.

Frise-se que tal não significa referir que o usuário não possui “direitos” frente ao prestador de serviços públicos. O que se pretende apresentar neste estudo é que se faz necessário estabelecer parâmetros harmonizadores na relação envolvendo a aplicação da lei consumerista aos serviços públicos, tendo como escopo principal a proteção do interesse público e a satisfação da justiça social.

Por tudo isso, entende-se que as ideias apresentadas neste estudo científico, longe de querer esgotar a temática sobre o assunto, evidenciam-se relevantes para a atual discussão e abordagem do tema, visto envolver um assunto que diz respeito à tutela dos direitos fundamentais e ao exercício de uma das principais funções do Estado, qual seja, a prestação de serviços públicos.

 


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12.                   GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação. In: Sundfeld, Carlos Ari (coord.); Nusdeo, Ana Maria de Oliveira (et al.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 39-71.

13.                   JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

14.                   JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003.

15.                   LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

16.                   MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74 aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

17.                   MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

18.                   NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material. São Paulo: Saraiva, 2000.

19.                   PASQUALOTTO, Adalberto. Os serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor. Revista da Ajuris. Porto Alegre. v. 18. n. 53. nov. 1991. p. 182-200.

20.                   SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2007.

21.                   SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às Agências Reguladoras. In: Sundfeld, Carlos Ari (coord.); Nusdeo, Ana Maria de Oliveira (et al.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Malheiros, 2000. p. 39-71.


Notas

[1] GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. p. 45.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 20.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 112.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 697.

[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 698.

[6] LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 203-204.

[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 113.

[8] GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. p. 49.

[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 113.

[10] BOURGES, Fernanda Schuhli. Serviços públicos concedidos: acesso e remuneração. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/31062/submission/copyedit/31062-34047-1-CE.pdf>. Acesso em: 20/12/2009. p. 41.

[11] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 714.

[12] COUTO E SILVA, Almiro do. Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas por particulares. Serviço Público à brasileira? Revista de Direito Administrativo – RDA, v. 230, 2002, p. 60.

[13] SUNDFELD, Carlos Ari apud GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação. In: Sundfeld, Carlos Ari (coord.); Nusdeo, Ana Maria de Oliveira (et al.). Direito Administrativo Econômico. p. 45.

[14] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 54.

[15] SUNDFELD, Carlos Ari. Teoria Introdução às Agências Reguladoras. In: Sundfeld, Carlos Ari (coord.); Nusdeo, Ana Maria de Oliveira (et al.). Direito Administrativo Econômico, São Paulo: Malheiros, 2000. p. 39-71. p. 35.

[16] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 718.

[17] ALVARENGA, José Eduardo de. O Serviço Público. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos (Org.). Curso de direito administrativo econômico. p. 364.

[18] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. p. 54.

[19] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 298.

[20] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p 344.

[21] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 721.

[22] “O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho de atividades e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta e indiretamente à realização dos direitos fundamentais, caracterizado pela ausência de disponibilidade e pela vinculação à satisfação de determinados fins” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 57).

[23] LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. p. 105.

[24] LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. p. 108.

[25] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 696.

[26] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 67.

[27] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 36.

[28] CASSESE, Sabino. As transformações do Direito Administrativo do século XIX ao XXI. Revista Interesse público. Porto Alegre, ano 5, n. 24, (março/abril. 2004), p. 13-23. p. 20.

[29] CASSESE, Sabino. As transformações do Direito Administrativo do século XIX ao XXI. Revista Interesse público. p. 21.

[30] CHILLON, Sandie apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008). Disponível em: < http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-15-AGOSTO-2008-ALEXANDRE%20ARAGAO.pdf>. Acesso em: 20/12/2009. p. 6.

[31] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[32] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 711.

[33] “Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários [...]”.

[34] Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[35] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[36] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2007. p. 75.

[37] O Superior Tribunal de Justiça vem expressamente identificando as relações das quais participam usuários de serviços públicos específicos e remunerados como uma relação de consumo. Já há decisões nesse sentido em relação aos usuários pagantes de pedágio pela manutenção de rodovias (RESP nº 467.883), aos usuários de serviços de distribuição domiciliar de água potável (RESP nº 263.229) e de correios (RESP nº 527.137), entre outros.

[38] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[39] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. p. 555.

[40] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. p. 555.

[41] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 711.

[42] MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74 aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 330.

[43] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[44] FRAGA, Gabino apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[45] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[46] DROMI, Roberto apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[47] NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 318.

[48] PASQUALOTTO, Adalberto. Os serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor. Revista da Ajuris. Porto Alegre. v. 18. n. 53. nov. 1991. p. 182-200. p. 199.

[49] AMARAL, Antonio Carlos Cintra do. Distinção entre usuário de serviço público e consumidor. Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, ano 2, n.5, p.133-138, abr/jun. 2004.

[50] AMARAL, Antonio Carlos Cintra do. Distinção entre usuário de serviço público e consumidor. Revista Brasileira de Direito Público.

[51] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 721.

[52] Exemplo relevante que demonstra a inaplicabilidade do Código Tributário Nacional (CTN), por ausência de natureza tributária, às tarifas encontra-se na recente orientação sumulada do Superior Tribunal de Justiça, de dezembro de 2009. Com efeito, é a redação da Súmula nº 412: “A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil”.

[53] GRINOVER, Ada Pellegrini (Et al.). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 44.

[54] BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no código de defesa do consumidor: principiologia, conceitos, contratos atuais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 121.

[55] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[56] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. p. 557.

[57] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites da aplicação do CDC. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, n. 15, (ago/set/out. 2008).

[58] Acolhendo a tese proposta neste trabalho, verifica-se a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – POLÍTICA TARIFÁRIA NO FORNECIMENTO DE ÁGUA – COLOCAÇÃO DE HIDRÔMETROS.[...] 2. A política de tarifação dos serviços públicos concedidos, prevista na CF (art. 175), foi estabelecida pela Lei 8.987/95, com escalonamento na tarifação, de modo a pagar menos pelo serviço o consumidor com menor gasto, em nome da política das ações afirmativas, devidamente chanceladas pelo Judiciário (precedentes desta Corte). 3. Acórdão que, distanciando-se da lei, condena o valor do consumo mínimo estabelecido pela política nacional de tarifas e contempla a utilização da tarifa social. 4. A Lei 8.987/95, como o Decreto 82.587/78, revogado em 1991 pelo Decreto 5, deu continuidade à prática do escalonamento de preços. 5. Recurso especial provido. (REsp 485842/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2004, DJ 24/05/2004 p. 237)”. Importante referir que, em novembro de 2009, o STJ editou a Súmula nº 407, ratificando este posicionamento: “É legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo”.

[59] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. p. 560.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCARIOT, Marcos Alan. Relação entre os serviços públicos concedidos e o Direito do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3231, 6 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21682. Acesso em: 25 abr. 2024.