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Aplicação do princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material nos crimes militares

Aplicação do princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material nos crimes militares

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O artigo trata do princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material nos crimes militares.

RESUMO

O presente artigo trata do princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material com ênfase nos crimes militares. Para isso a referente pesquisa destaca o conceito analítico de crime, definição de crimes militares, requisitos para aplicação do princípio da insignificância segundo a doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como sua aplicação nos crimes militares.

Palavras-chave: crimes militares; princípio da insignificância; tipicidade material.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO ANALÍLICO DE CRIME. 3 MODALIDADE DE CRIMES MILITARES. 3.1 CRIMES MILITARES PRÓPRIOS. 3.2 CRIMES MILITARES IMPRÓPRIOS. 4 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 5 CRITÉRIOS QUE CARACTERIZAM O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 6 CRIMES MILITARES E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERENCIAS.


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo foca a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância nos crimes militares como meio de exclusão da tipicidade material.

Tal princípio vem sendo aplicado no direito penal comum, como meio de preservar os princípios da intervenção mínima, fragmentariedade e lesividade, respeitando a dinâmica constitucional, uma vez que o cárcere  deve ser considerado última ratio, ou seja, deve-se utilizar outros meios possíveis para sancionar o autor do ilícito como aqueles abarcados pelo direito administrativo ou civil.

Para estudar a aplicação do referido princípio será abordado o conceito analítico de crime, modalidades de crimes militares, critérios que caracterizam a aplicação do princípio da insignificância, bem como sua aplicação aos crimes militares próprios e impróprios.

Será elencado o posicionamento atinente ao princípio da insignificância tendo como escopo os vetores definidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Há de se ressaltar que já existem decisões em favor da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes militares de forma geral.

No entanto, não podemos nos olvidar que há posicionamentos que vão de encontro ao referido princípio devido aos pilares de disciplina e hierarquia no qual é submetido o militar no seu cotidiano dentro da caserna.

Diante do exposto, este trabalho tem o fito de discutir a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância nos crimes militares próprios e impróprios no âmbito da Justiça Militar.  


2 CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

O conceito analítico de crime, envolve uma busca, sob um prisma jurídico, de modo a proporcionar o intérprete, elementos para que se desenvolva um raciocínio em etapas e chegar a conclusão, se o ato cometido pelo cidadão é ou não um delito.

Esse conceito de crime para doutrina divide-se em duas grandes concepções que são: A teoria finalista e a teoria causalística.

A teoria finalista para alguns doutrinadores trata o crime como um fato típico e antijurídico, enquanto para outros o fato é típico, antijurídico e culpável. E para exemplificar esse posicionamento destacamos dois autores respectivamente.

a) Para MIRABETE (2004, p. 97)[1] o crime é um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade o meio de reprovação da conduta. O autor nesse contexto diz:

Se a conduta é um dos componentes de fato típico, deve-se definir o crime como fato típico e antijurídico. O crime existe em si mesmo, por ser um fato típico e antijurídico, e a culpabilidade não contém o dolo ou a culpa em sentido estrito, mas significa  apenas a reprovabilidade ou a censurabilidade de conduta. (grifo nosso)

b) Para NUCCI (2008, p. 161)[2] o crime é um fato típico, antijurídico e culpável.

O importante é estabelecer que a adoção da teoria tripartida é a mais aceita, por ora, dentre os causalistas, finalistas e adeptos da teoria social da ação. Não se pode acolher a concepção bipartida, que refere ser o delito apenas um fato típico e antijurídico, simplificando em demasia a culpabilidade e colocando-a como mero pressuposto da pena. (grifo nosso)   

Nucci ainda apresenta como diferença crucial entre o finalismo e o causalismo sendo que neste, tem-se o dolo e a culpa, abordado na culpabilidade ao contrário daquele, que dá ênfase no dolo e na culpa, ao analisar conduta do agente, que é um dos elementos para a definição do fato típico.

O causalismo busca ver o conceito de conduta despido de qualquer valoração, ou seja, neutro (ação ou omissão voluntária e consciente que exterioriza movimentos corpóreos). O dolo e a culpa estão situados na culpabilidade. Logicamente, para quem adota o causalismo, impossível se torna acolher o conceito bipartido de crime (fato típico e antijurídico), como ensina Frederico Marques, para quem o delito possui, objetivamente falando, dois elementos (tipicidade e antijuridicidade), mas não prescinde da parte subjetiva (culpabilidade) para formar-se completamente. (2008, p. 160).

Seja qual for à concepção e a teoria aceita de crime a tipicidade se faz presente no fato típico de todas as teorias.

Entretanto a tipicidade, elemento que compõe o fato típico, não pode ser analisada no atual contexto constitucional, somente em seu aspecto formal, pois em consonância com o vigente ordenamento jurídico brasileiro tem que se avaliar também para concluir a tipicidade do delito o seu aspecto material. Nesse sentido, destacamos os ensinamentos de (AZEVEDO; SALIM, 2012, p.62)[3];

Atualmente, segundo predomina na doutrina penal e jurisprudência do STF e do STJ, para que ocorra fato típico não basta a adequação típica legal (aspecto formal/legal da tipicidade), devendo ainda ser analisada a tipicidade em seu aspecto material, consistente na valoração da conduta e do resultado causado. Ou seja: TIPICIDADE PENAL = tipicidade formal + tipicidade material. Grifo nosso.

O presente trabalho está focado nesse contexto, porque o princípio da insignificância atua exatamente na tipicidade material. No caso concreto analisado preenchido os requisitos do princípio da insignificância o fato será considerado atípico. Mas, antes de ingressar no estudo do princípio da insignificância, faz-se necessário uma breve análise no conceito de crime militar.


3 MODALIDADE DE CRIMES MILITARES

Os crimes militares estão previstos no Decreto–Lei 1001, de 21 de outubro de 1969, Código Penal Militar (CPM), tipificados nos artigos 9º e 10º, como adiante se vê:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a)  por militar em situação de atividades ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contar militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

d)por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para àquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.

Art. 10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:

I – os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra;

II – os crimes militares previstos para o tempo de paz;

III – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente;

a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;

b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;

IV – os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.

Os crimes militares dividem-se em Crimes Propriamente Militares e Crimes Impropriamente Militares.

3.1 Crimes Militares Próprios

Os crimes propriamente militares são aqueles previstos no CPM e que somente podem ser cometidos por militares, como é o caso de recusa de obediência (artigo 163 do CPM), desacato a superior (artigo 298 do CPM), deserção (artigo 187 do CPM), violência contra superior (artigo 157 do CPM), dentre outros. Nesse sentido têm–se os posicionamentos dos autores Célio Lobão e Jorge Cesar de Assis.

Como crime propriamente militar entende-se a infração penal, prevista no Código Penal Militar, específica e funcional do ocupante do cargo militar, que lesiona bens ou interesses das instituições militares, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, do serviço e do dever militar. (LOBÃO, 2006, p. 84, grifo nosso)[4].

Crime militar próprio é aquele que só está previsto no Código penal Militar e que só pode ser praticado por militar, exceção feita, ao de Insubmissão, que apesar de só estar previsto no Código Penal Militar (art. 183), só pode ser cometido por civil. (ASSIS, 2007, p. 43, grifo nosso)[5].

Não há divergência quanto aos crimes propriamente militares, aqueles cuja prática não seria possível senão por militar, porque essa qualidade do agente é essencial para que o fato delituoso se verifique. É aquele que só é previsto no Código Penal Militar e que só pode ser praticado por militar, violando a disciplina, hierarquia, o dever ou serviço militar. (GIULIANI, 2009, 34, grifo nosso)[6].

3.2 Crimes Militares Impróprios

Os crimes impropriamente militares, embora sejam crimes militares, podem ser praticados por um cidadão comum, pois estão tipificados tanto no CPM como no Código Penal (CP), como é o caso de homicídio, roubo, lesão corporal e outros.

Crime impropriamente militar é a infração penal prevista no Código penal Militar que, não sendo “específica e funcional da profissão do soldado”, lesiona bens ou interesses militares relacionados com a destinação constitucional e legal das instituições castrenses. (LOBÃO, 2006, p. 98, grifo nosso).

Crimes militares impróprios são aqueles que estão definidos tanto no Código Penal Castrense quanto no Código penal comum e, que, por um artifício legal tornam-se militares por se enquadrarem em uma das várias hipóteses do in. II do art. 9º do diploma militar repressivo. (ASSIS, 2007, p. 43, grifo nosso).

Os crimes impropriamente militares são aqueles que estão definidos tanto no Código penal Castrense quanto no Código Penal Comum e que, por previsão legal, se tornaram militares por se enquadrarem em uma das várias hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM. (GIULIANI, 2009, 35, grifo nosso)

A distinção entre um crime militar e um crime comum é de grande importância, pois o policial militar pode cometer tanto um crime militar como um crime comum, sendo que na primeira situação o policial terá foro privilegiado, ou seja, será julgado pela Justiça Militar, conforme o artigo 124 e 125 da CF/88 e os artigos 82,83 e 84 do Código de Processo Penal Militar (CPPM) e dentro de suas periculosidades.

Após fazer uma explanação referente ao conceito analítico de crime, bem como a apresentação da definição de crimes militares, será focado o principio da insignificância.


4. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Na esfera penal, vige o princípio da intervenção mínima, que impõe ao Estado uma limitação no seu poder de punir, pois estará afeto a este ramo do Direito  Penal  somente os bens juridicamente considerados mais importantes, ou seja, serão tutelados apenas uma pequena parcela das relações humanas pelo Direito Penal em  decorrência de seu caráter fragmentário.

Nesta ótica, os fatos insignificantes devem ser desconsiderado na esfera penal, sendo solucionados nas esferas de outros ramos como: direito civil e administrativo, como ensina ROTH (2011, p.522)[7]:

Revela a mens legis do Códex Penal castrense que fatos de pequena monta não devem ocupar o judiciário, podendo este remeter a apreciação do fato à Administração Militar, com maior adequação e vigor, pois a infração disciplinar não possui a possibilidade da suspensão condicional da pena e é menos suscetível à prescrição. (Grifo nosso).

O conceito de insignificância foi introduzido no sistema penal em 1964 por Claus Roxin, conforme CAPEZ(2005, p.14)[8]:

Insignificância ou bagatela: originário do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por, Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal.

De acordo com a sistemática do direito penal e com a sua principiologia, este ramo do direito deve ser aplicado em última ratio. Logo os fatos insignificantes devem ser considerados atípicos por exclusão da tipicidade material.

Nesse sentido, destacam-se os ensinamentos, respectivamente, de GOMES(2009, p.50)[9] e CAPEZ (2005, p. 14):

A consequência natural da aplicação do critério da insignificância (como critério de interpretação restritiva dos tipos penais ou mesmo como causa de exclusão da tipicidade material) consiste na exclusão da responsabilidade penal dos fatos ofensivos de pouca importância ou de ínfima lesividade. São fatos materialmente atípicos (afasta a tipicidade material). Grifo nosso.

Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. Grifo nosso.

É importante destacar que o princípio da insignificância (infração bagatelar própria) é diferente de irrelevância penal (infração bagatelar imprópria). O primeiro é causa de exclusão da tipicidade penal, enquanto que o segundo é causa de dispensa da pena.


5. CRITÉRIOS QUE CARACTERIZAM O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Os fundamentos que que caracterizam uma infração penal como insignificante  não são unânimes. Nesse contexto apresenta-se três correntes para a definição de uma infração bagatelar imprópria.

A primeira corrente com fundamento jurisprudencial leva em consideração para definir como insignificante a infração penal o desvalor da conduta ou o desvalor do resultado, bem como a sua combinação.

A segunda corrente que deriva de alguns julgados do STF (HC 106510 eHC 84412) tem como base quatro requisitos que são: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta; d) inexpressividade da lesão jurídica causada.

Abaixo estão destacadas as ementas dos referidos acórdãos, em que foi aplicado o princípio da insignificância levando em consideração os quatro requisitos supracitados, oportunidade em que foi reconhecida a atipicidade da conduta por exclusão da tipicidade material. 

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

Processo: HC 84412 SP 

Relator: Min. CELSO DE MELLO

Julgamento: 18/10/2004

Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação: DJe-112 DIVULG 10-06-2011 PUBLIC 13-06-2011

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA (CP, ART. 155, "CAPUT", C/C O ART. 14, II)- "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 70,00 -DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF -"HABEAS CORPUS" DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

Processo: HC 106510 MG

Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA

Julgamento: 22/03/2011

Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação: DJe-112 DIVULG 10-06-2011 PUBLIC 13-06-2011

A terceira e última corrente apresentada e menos aceita, dispõe que para configurar a insignificância tem que estar presente o desvalor da conduta, desvalor do resultado e o fato ser penalmente irrelevante.

Como já mencionado, a corrente que prevalece na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é a segunda, entretanto, é pacífico na atualidade a aplicação do princípio da insignificância, tanto na jurisprudência como na doutrina.


6. CRIMES MILITARES E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Como já mencionado, o princípio da significância, respeitado os quatro requisitos predito, segundo posicionamento da doutrina e da jurisprudência leva a atipicidade da conduta, por exclusão da tipicidade material, nas infrações penais comuns. Agora fica a pergunta: nos casos de crimes militares também é aplicado o princípio da insignificância?

Esse ponto também é polêmico no mundo jurídico, porque no mundo militar há um regramento diferenciado, pois estão presentes em seu contexto os pilares da hierárquica e disciplina previstos constitucionalmente, além de diversas outras peculiaridades que  fazem parte do cotidiano do militar, como combater o perigo até mesmo com o sacrifício da própria vida, bem jurídico mais relevante para o cidadão comum.

Devido a essas diferenças em que é submetido o militar, surgem posicionamentos divergentes, isto é, que o princípio da insignificância é plenamente aplicado na esfera militar e os que defendem que tal princípio não pode ser utilizado no âmbito da Justiça Militar.

Com relação aos que defendem a aplicação do princípio da insignificância aos crimes militares destacamos GOMES e ROTH que diz:

Não há dúvida que também no âmbito dos crimes militares é possível ter incidência o princípio da insignificância.(GOMES, 2009, p,130).

O princípio da insignificância é uma realidade no ordenamento jurídico pátrio e, no Direito Penal Militar vem expresso para os delitos de lesões corporais, quando forem de natureza levíssima, e nos crimes patrimoniais, quando a res for de tão ínfima natureza que não chegue a constituir o pequeno valor. (ROTH, 2011, p. 521). (Grifo nosso)

Roth frisa bem que no Código de Direito Penal Militar o princípio da insignificância é previsto expressamente, ao contrário da legislação comum, como por exemplo nos crimes de lesão corporal e contra o patrimônio como adiante se vê:

Art. 209 CPM - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.

(...) § 6º No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar.

Art. 240 CPM - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

(...) § 1º Se o agente é primária e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. (...)

No contexto da caracterização dos requisitos que configura o princípio da insignificância aplicado aos crimes militares em consonância com o Supremo Tribunal Federal enfatizamos os dizeres de ROTH (2011, p.528):

Dos requisitos para o reconhecimento da incidência do princípio da insignificância no caso concreto. A par do que a doutrina defende, é certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido o princípio da insignificância, inclusive nos crimes militares, tendo como base o caráter subsidiário do sistema penal e o princípio da intervenção mínima do Poder Público, aliado ao relevo material da tipicidade na presença de quatro vetores:

1- a mínima ofensividade da conduta do agente;

2- nenhuma periculosidade social da ação;

3- o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

4- a inexpressividade da lesão jurídica provocada. (Grifo nosso)

Também nessa mesma direção, tem-se os posicionamentos jurisprudenciais do STF HC 89104 MC/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO; HC 874789 PA, Rel. Min. EROS GRAU;  e HC 945830 Rel. Min. CEZAR PELUSO. Para melhor compreensão dos assuntos tratados nestas decisões foram elencadas as ementas de cada um respectivamente.

Ementa:  PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES. IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL. CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. DELITO DE FURTO. INSTAURAÇÃO DE "PERSECUTIO CRIMINIS" CONTRA MILITAR. "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 59,00 (EQUIVALENTE A 16,85% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR). DOUTRINA. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. C...

Ementa: HABEAS CORPUS. PECULATO PRATICADO POR MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONSEQÜÊNCIAS DA AÇÃO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A circunstância de tratar-se de lesão patrimonial de pequena monta, que se convencionou chamar crime de bagatela, autoriza a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de crime militar. 2. Hipótese em que o paciente não devolveu à Unidade Militar um fogão avaliado em R$ 455,00 (quatrocentos e cinqüenta e cinco) reais. Relevante, ...

Ementa: AÇÃO PENAL. Crime militar. Posse e uso de substância \\entorpecente. Art. 290 , cc. art. 59 , ambos do CPM . Maconha. Posse de pequena quantidade (8,24 gramas). Princípio da insignificância. Aplicação aos delitos militares. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim, vencida a Min. ELLEN GRACIE, rel. originária. Precedentes (HC nº 92.961, 87.478, 90.125 e 94.678, Rel. Min. EROS GRAU). Não constitui crime militar a posse de ínfima quantidade de substância entorpecente por militar, a que...(grifo nosso)

Observa-se que os três acórdãos citados envolvem bens jurídicos tutelados distintos, ou seja, patrimônio (furto), administração pública (peculato) e saúde pública (posse de substância entorpecente dentro do quartel). Em todos eles foi reconhecida a atipicidade da conduta com base no princípio da insignificância.

Em sentido contrário de não aplicação do princípio da insignificância tem-se o HC 917593-MG  Rel. Min. Menezes Direito.

Ementa: Habeas corpus. Constitucional. Penal Militar e Processual Penal Militar. Porte de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar (art. 290 do CPM). Não-aplicação do princípio da insignificância aos crimes relacionados a entorpecentes. Precedentes. Inconstitucionalidade e revogação tácita do art. 290 do Código Penal Militar. Não-ocorrência. Precedentes. Habeas corpus denegado. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte Suprema no sentido de não ser aplicável o princípio da insignificância ou bagatela aos crimes relacionados a entorpecentes, seja qual for a qualidade do condenado. 2. Não há relevância na argüição de inconstitucionalidade considerando o princípio da especialidade, aplicável, no caso, diante da jurisprudência da Corte. 3. Não houve revogação tácita do artigo 290 do Código Penal Militar pela Lei nº 11.343/06, que estabeleceu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, bem como normas de prevenção ao consumo e repressão à produção e ao tráfico de entorpecentes, com destaque para o art. 28, que afasta a imposição de pena privativa de liberdade ao usuário. Aplica-se à espécie o princípio da especialidade, não havendo razão para se cogitar de retroatividade da lei penal mais benéfica. 4. Habeas corpus denegado e liminar cassada. (grifo nosso).

Nesse julgado, bem como no HC 103684[10], que envolve a posse de substância entorpecente, não foi concebida a ordem para aplicação do princípio da insignificância. Percebe-se que os ministros além de destacarem os princípios da Hierarquia e Disciplina, enfatizam a circunstância do militar estar na posse de substância entorpecente e armamento, o que traz um risco para sociedade. Da mesma forma corroborou o Presidente do Superior Tribunal Militar ao ser entrevistado a respeito do HC em lide.

Dentro dessa ótica, observa-se que na verdade, nesses casos como há um perigo para sociedade a conduta não é considerada ínfima, porque não preenche os requisitos delineados para a configuração do princípio da insignificância.

Este também é o entendimento de ROTH (2011, 531p.):

A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no que tange ao delito de tráfico de entorpecentes, tem afastado a incidência do princípio da insignificância tendo em vista que nessa infração penal estão ausentes os vetores capazes de descaracterizar, em seu aspecto material, a própria tipicidade penal e, assinalado, que a pequena quantidade de substância tóxica apreendida em poder do agente não afeta nem excluiu o relevo jurídico penal do comportamento transgressor do ordenamento jurídico. (Grifo nosso).


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após pesquisa aprofundada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e na doutrina, verifica-se que o princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material é aplicado tanto nos crimes comuns quanto nos delitos militares.

Para a aplicação desse princípio e a consequentemente caracterização da atipicidade da conduta, basta preencher os quatro requisitos definidos pela Suprema Corte que são: a mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta  e a inexpressividade da lesão jurídica causada.

É importante frisar que no caso de uso de entorpecente na qual o Supremo Tribunal Federal não reconheceu o princípio da insignificância enfatizando o perigo de um militar usar, portar, ter em depósito dentre outros, a substância entorpecente em posse de um armamento, que pode trazer perigo para as pessoas que estão ao seu redor.

Nesse sentido, o Presidente do Superior Tribunal Militar, em seu discurso, também defende a não aplicação do princípio da insignificância.

Todavia, percebe-se que a conduta do militar que envolveu substância entorpecente na posse de armamento, traz perigo para a sociedade, de modo que não preenche os requisitos estipulados pela Corte Suprema. Logo não cabe o princípio da insignificância, o que não quer dizer que o referido princípio é inaplicável aos crimes militares.

De acordo com os vetores delineados, não importa o bem jurídico tutelado pela norma, nem mesmo as condições pessoais do agente como maus antecedentes ou reincidência, pois a exclusão do crime pela atipicidade em decorrência do princípio da insignificância não quer dizer que o autor do fato ficará imune. Ele estará sujeito a outros ramos do direito como o civil e, principalmente, o administrativo. Por isto, as Instituições Militares, devem ter um regulamento disciplinar para resolver estas condutas consideradas ínfimas pelo direito penal.

Nesse contexto destaca-se que diferentemente da legislação comum o Código Penal Militar prevê expressamente a aplicação do princípio da insignificância aos crimes militares nos delitos de lesão corporal levíssima e crimes patrimoniais, onde há previsão nos dispositivos que a conduta em tese criminal será convertida para analise da via administrativa, deixando então de aplicar o direito penal militar por considerar estas condutas insignificantes para serem tratadas na via do direito penal, que deve ser considerado em última ratio.

Diante de todo o exposto verifica-se que o principio da insignificância deve ser aplicado nos crimes militares, sendo eles próprios ou impróprios, caso seja preenchidos os requisitos enfatizados pela Suprema Corte, ficando a esfera administrativa militar responsável pela aplicação das penalidades ao militar que cometer uma infração considerada atípica pelo princípio da insignificância.

O princípio da insignificância que é aplicado na legislação comum sem nenhuma previsão expressa, com mais razão deve ser aplicado frente à legislação militar que possui esta possibilidade de forma expressa. Porém vale mais uma vez relembrar que a aplicação do princípio da insignificância não quer dizer que o militar ficará sem nenhuma punição, porque será submetido a outros ramos do direito.


REFERÊNCIAS

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AZEVEDO, Marcelo; SALIM, Alexandre. COLEÇÃO OAB: Direito Penal. editora JusPODIVM, 2012. 338p.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte Geral. 8ª. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2005. 571p.

GIULIANI. Ricardo Henrique Alves. Direito Penal Militar. 2 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. 230.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Vol 1. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2009. 204p.

LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. 598p.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral Arts. 1º a 120 do CP. 22ª. ed. São Paulo: editora Altlas S.A, 2005. 457p.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral Parte Especial. 4ª. ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2008. 1072p.

ROTH, Ronaldo João. O Princípio da insignificância e o Direito Penal Militar: Drogas, Crimes patrimoniais, e Disciplina e Hierarquia. In: RAMOS, D. T.; ROTH, R.J.; COSTA, I.G. Direito Militar: Doutrina e Aplicações.Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 521-550.

Disponível em: <http://tv-justica.blogspot.com.br/2012/03/grandes-julgamentos-do-stf.html> Acesso em: 04abr2012. 

VADE MECUM – Acadêmico de Direito. Ed itor: Ítalo Amadio. Editora Assistente: Kátia F. Amadio. Coordenação: Anne Joyce Angher. Assistente da Coordenação: Adão Pavoni Rodrigues Jr. Modelos de Contratos e Petições: Janete de Carvalho Dantas. Entrevistadora: Gisele Pekelman. Programação Multimídia: Maria Laine. Produzido por NovoDisc Mídia Digital Ltda. Editora Rideel Ltda, 2009. VCD.


Notas

[1] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral Arts. 1º a 120 do CP. 22ª. ed. São Paulo: editora Altlas S.A, 2005. 457p.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral Parte Especial. 4ª. ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2008. 1072p.

[3]AZEVEDO, Marcelo; SALIM, Alexandre. COLEÇÃO OAB: Direito Penal. editora JusPODIVM, 2012. 338p.

[4] LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. 598p.

[5][5]ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: Comentário-Doutrina-Jurisprudência dos Tribunais Militares e Tribunais Superiores. 6. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007.831p.

[6] GIULIANI. Ricardo Henrique Alves. Direito Penal Militar. 2 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. 230.

[7]ROTH, Ronaldo João. O Princípio da insignificância e o Direito Penal Militar: Drogas, Crimes patrimoniais, e Disciplina e Hierarquia. In: RAMOS, D. T.; ROTH, R.J.; COSTA, I.G. Direito Militar: Doutrina e Aplicações.Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 521-550.

[8] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte Geral. 8ª. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2005. 571p.

[9] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Vol 1. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2009. 204p.

[10] Disponível em: <http://tv-justica.blogspot.com.br/2012/03/grandes-julgamentos-do-stf.html> Acesso em: 04abr2012. 


ABSTRACT

This paper deals with the principle of insignificance as exclusion of material with emphasis on military crimes. In this respect the research highlights the analytic concept of crime, definition of military crimes, requirements for application of the principle of insignificance according to the doctrine and jurisprudence of the Supreme Court, as well as its application in military crimes.

Keywords: military crimes; principle of insignificance; typicality material.


Autor

  • Cláudio Moisés Rodrigues Pereira

    Cláudio Moisés Rodrigues Pereira

    Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais. Bacharel em direito pela Faminas-BH em 2012. Bacharel em Ciências Militares pela academia de Polícia Militar de Minas Gerais em 2007. Pós-Graduação em Direito Penal Militar, pela LFG - A Carvalho em 2010; Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal pelo Praetorium em 2012.

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PEREIRA, Cláudio Moisés Rodrigues. Aplicação do princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material nos crimes militares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21691. Acesso em: 23 abr. 2024.