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O teto remuneratório aplicável aos procuradores municipais

O teto remuneratório aplicável aos procuradores municipais

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É juridicamente razoável que a administração pública municipal estipule como teto para seus procuradores o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado.

O art. 37, XI, da Constituição Federal, com redação conferida pela EC n. 41/2003, inaugurou sistema de teto e subtetos remuneratórios para os agentes públicos em relação ao ‘Poder’ e ao nível federativo a que estão vinculados, litteris:

Art. 37. (...)

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

(Grifei)

De fato, a redação do dispositivo suscita dúvidas em relação ao termo “Procuradores”. Isso porque, inicialmente, não há qualquer menção constitucional à Procuradoria Municipal, limitando-se a programar órgãos de representação judicial e extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico nos âmbitos Federal, Estadual e Distrital (arts. 131 e 132).

Ademais, o impasse se intensifica diante do entendimento firmado por diferentes Tribunais de Justiça, conforme ilustrado a seguir:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROCURADORES MUNICIPAIS. REMUNERAÇÃO. LIMITE. SUBSÍDIO DO PREFEITO. ART. 37, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos termos da norma do art. 37, inciso XI, da CF/88, a remuneração devida aos Procuradores Municipais encontra limite no valor do subsídio do Prefeito, impondo-se destacar que, por óbvia hermenêutica do referido dispositivo constitucional, os Procuradores e Defensores referidos na parte final da norma são os da esfera estadual. (TJMG, 6ª Câmara Cível, processo n. 1.0024.07.460846-4/004(1) Relator: Des. Antônio Sérvulo, Data do Julgamento: 14/04/2009, Data da Publicação: 22/05/2009).

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO CÍVEL. TETO REMUNERATÓRIO. PROCURADOR MUNICIPAL. ARTIGO 37, INCISO XI, DA CRFB. SUBSÍDIO DE DESEMBARGADOR. RECURSO DESPROVIDO.

1. A aquiescência tácita com o conteúdo da decisão há de inferir de fatos inequívocos, inconciliáveis com a impugnação da decisão. Inteligência do artigo 503, parágrafo único, do CPC.

2. Se não há exceção no texto constitucional, deve a remuneração dos Procuradores Municipais, assim como a dos Procuradores Estaduais e Distritais, ficar limitada ao subsídio dos Desembargadores. Aliás, é regra basilar da hermenêutica que não cabe ao intérprete restringir ou excepcionar onde a lei não o fizer.

Vistos, relatados e discutidos os autos de APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA 024070096706, sendo APELANTE: MUNICÍPIO DE VITÓRIA E APELADO: ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA.

Acorda a Egrégia Primeira Câmara Cível, à unanimidade, rejeitar a preliminar arguida e, no mérito, por igual votação, negar provimento ao recurso e julgar prejudicada a remessa necessária, nos termos do voto do Exm.º Des. Relator. (TJES, Câmaras Civeis Reunidas, Processo: 0009670-50.2007.8.08.0024 (024.07.009670-6), Relator: Carlos Henrique Rios do Amaral, Data de Julgamento: 22/11/2011)

DIREITO CONSTITUCIONAL. TETO REMUNERATÓRIO. SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA. PROCURADOR DO MUNICÍPIO. ARTIGO 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ALTERADO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL EM FAVOR DO AUTOR. AGRAVO. NÃO PROVIMENTO. O procurador municipal tem seu teto remuneratório baseado no subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, como os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. Verba de caráter alimentar. Ausência de prova segura de dano de difícil reparação. Decisão vergastada que se revela moderada e prudente. Aplicação do verbete nº 59, da súmula da jurisprudência deste Tribunal de Justiça. Recurso não provido. (TJRJ, Terceira Camara Civel, Agravo de Instrumento, 0017764-24.2005.8.19.0000 (2005.002.28318), Rel. Des. Werson Rego, Julgamento: 03/10/2006)

AÇÃO DECLARATÓRIA Teto remuneratório dos servidores municipais Extensão, aos servidores do Legislativo Municipal de Campinas, do limite de 90,25% dos subsídios mensais dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, tal qual fixado para os integrantes da carreira de Procurador do Município Há orientação jurisprudencial no sentido de que o termo “procuradores”, inserido no texto do artigo 37, XI, da Constituição Federal, compreende, na sua extensão, todas as espécies do gênero, abrangendo, pelo menos em tese, os procuradores do município. Deste ponto de vista, não se vislumbra ilegalidade na diferenciação estabelecida nos artigos 1º e 2º do Decreto 14.580/2004 do Município de Campinas Por outro lado, se a interpretação da norma constitucional orientar-se no sentido de que a aplicação do teto remuneratório para os Procuradores do Município deve ser o subsídio do prefeito, então inconstitucional se mostraria, em tese, a regra do artigo 2º do Decreto 14.580/2004, o que exclui, por via de consequência, a possibilidade de extensão do limite previsto neste artigo aos demais servidores municipais Recurso improvido. (TJSP, 7ª Câmara de Direito Público, Apelação 0059043-41.2005.8.26.0114 Relator Des. Luiz Sérgio Fernandes de Souza, Data do julgamento: 16/04/2012, Data de registro: 18/04/2012)

Vejamos: a norma em testilha estabeleceu diversos critérios de escalonamento para fixação do limite remuneratório devido ao agente público, tendo como teto universal o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, os subtetos remuneratórios foram definidos, em âmbito municipal, ao subsídio do Prefeito e, em âmbito estadual e distrital, ao subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a 90,25% ao dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário.

A despeito de sua vinculação administrativa, aplica-se o limite do subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos. E quanto aos Procuradores do Município?

Cumpre registrar que a matéria encontra-se com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 663.696[1], representativo de controvérsia nos termos art. 543-B do CPC.

Interessante fazer constar que a Excelsa Corte, em caso relativamente semelhante, entendeu o termo “Procuradores” de forma ampliativa de modo a, inclusive, abranger os procuradores autárquicos como integrantes da Advocacia Pública, conquanto dissociados dos quadros da Advocacia-Geral da União ou das Procuradorias Estaduais. Nesse sentido, ilustra a seguinte ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. SUBTETO REMUNERATÓRIO. ART. 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO TERMO “PROCURADORES”. PROCURADORES AUTÁRQUICOS ABRANGIDOS PELO TETO REMUNERATÓRIO. ALTERAÇÃO QUE, ADEMAIS, EXIGE LEI EM SENTIDO FORMAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. I – A referência ao termo “Procuradores”, na parte final do inciso IX do art. 37 da Constituição, deve ser interpretada de forma a alcançar os Procuradores Autárquicos, uma vez que estes se inserem no conceito de Advocacia Pública trazido pela Carta de 1988. II – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de resto, é firme no sentido de que somente por meio de lei em sentido formal é possível a estipulação de teto remuneratório. III - Recurso extraordinário conhecido parcialmente e, nessa parte, improvido.

(RE 558258, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010, DJe-051 DIVULG 17-03-2011 PUBLIC 18-03-2011 EMENT VOL-02484-01 PP-00188)

Na presente ação, o Min. Relator Ricardo Lewandowski assentou que a exceção prevista no art. 37, XI, da CF para os Membros do MP, Procuradores e Defensores Públicos decorre do fato de que:

Embora não façam parte do Poder Judiciário, exercem, segundo assenta o próprio texto constitucional, ‘funções essenciais à Justiça’. Tal característica determinou que se conferisse tratamento isonômico aos membros das carreiras jurídicas.

(...) a Constituição quando utilizou o termo ‘Procuradores’ o fez de forma genérica, sem distinguir entre os membros das distintas carreiras da Advocacia Pública. Assim, seria desarrazoada uma interpretação que, desconsiderando o texto constitucional, exclua da categoria ‘Procuradores’ os defensores das autarquias, mesmo por que aplica-se, à espécie, o brocardo latino “ubi lex no distinguit, nec interpres distinguere debet”.

Portanto, num primeiro momento, seria possível aplicar o entendimento supra aos procuradores municipais, eis que igualmente integram espécie da Advocacia Pública, exercem função essencial à justiça e pela própria omissão do texto constitucional quanto à diferenciação em face dos procuradores dos demais entes federativos.

Para além, Lucas Rocha Furtado[2], fazendo perspicaz ressalva que em geral não se encontra nos demais manuais de Direito Administrativo, leciona que:

A rigor, em relação aos procuradores municipais, poder-se-ia, indagar se o teto aplicável seria o subsídio dos prefeitos ou dos desembargadores. Em razão de o texto Constitucional não ter feito qualquer menção ou distinção entre procuradores estaduais e municipais (‘aplicável este limite’ – correspondente ao subsídio dos desembargadores – ‘aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos’), parece-nos mais correto interpretar este trecho do citado inciso XI no sentido de que os procuradores municipais não se sujeitam ao subsídio dos prefeitos, mas ao dos desembargadores.

Por certo, a melhor interpretação aplicável à norma em questão é admitir o termo “Procuradores” como gênero do qual são espécies os procuradores estaduais, distritais e municipais. Isso por que, além dos argumentos acima, a Advocacia Pública tem assumido relevo institucional cada vez maior diante dos modernos princípios de profissionalização da gestão pública, eficiência de recursos, tutela do patrimônio público, dentre outros, que estimulam a alta especialização e organização de carreiras de estado que atinjam a esses fins.

Esse panorama mostra-se evidente com a criação, dentre outras instituições, da Advocacia Geral da União e das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, a merecer seção própria na Carta Magna de 1988, para representação judicial e extrajudicial, consultoria e assessoramento dos respectivos entes federativos. Por sua vez, considerando que os Municípios integram o Pacto Federativo (art. 1º da CF), diferentemente da ordem constitucional anterior, nada mais razoável do que estender o modelo de organização das Procuradorias Federal e Estaduais ao âmbito Municipal, como corolário da própria simetria decorrente da forma federativa de Estado.

A institucionalização e fortalecimento das Procuradorias Municipais, inclusive com proposta de constitucionalização da carreira aprovada na Câmara dos Deputados e pela CCJ do Senado Federal[3], correspondem a um recente capítulo de profissionalização da gestão municipal, que demanda corpo jurídico próprio para atendimento das diversas demandas diuturnamente suscitadas.

Ora, havendo necessariamente a imposição constitucional da existência de um Executivo e Legislativo municipal, mutatis mutandis, simétricos ao Executivo e Legislativo dos demais entes federados, por que haveria de ser diferente em face da Procuradoria Municipal, em detrimento das prerrogativas conferidas às Estaduais e Distrital?

Portanto, o termo “Procuradorias” a que se refere o art. 37, XI, da CF carrega em si a carga semântica apta a emanar as Procuradorias Municipais, quer pela simetria própria à forma federativa de Estado quer pela impossibilidade hermenêutica de conferir interpretação restritiva de prerrogativas funcionais de instituições idênticas, em diferentes níveis federativos, onde o constituinte, fruto da decisão fundamental dos cidadãos brasileiros, assim expressamente não o manifestou.

Os membros das Procuradorias Municipais, órgão de representação judicial e extrajudicial, consultoria e assessoria jurídica de ente federativo, não podem ser tidos tão somente como servidores de apoio administrativo, o que justificaria a aplicação do teto remuneratório correspondente ao subsídio do Prefeito. Integram, sim, carreira típica de Estado, tais quais os membros do Ministério Público, Procuradoria Estadual e Distrital e Defensoria Pública, compondo, pois, núcleo estratégico do governo municipal.

Assim, não havendo que se falar em diferença de função institucional entre Procuradorias Estaduais, Distrital e Municipais – todas essenciais à administração da Justiça em relação aos diferentes níveis federativos – por óbvio que a parte final do inciso XI do art. 37 da CF/88 aplica-se a estas, fixando a limitação do teto constitucional ao subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça e não ao Prefeito, como ocorre com os servidores de apoio administrativo da estrutura municipal.

Portanto, é juridicamente razoável que a administração pública municipal estipule como teto para seus procuradores o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado, notadamente em face da controvérsia constitucional que orbita o tema e pela interpretação mais abrangente e consentânea do inciso XI, ao menos até decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE n. 663.696.


Referências:

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. O Teto Remuneratório dos Procuradores Municipais: Análise da Jurisprudência Sobre a Questão, in: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1242742895174218181901.pdf, acesso em 25/5/2012.

BRASIL: MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado). Brasília: Presidência da República. Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado Imprensa Oficial, Setembro 1995, in http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf, acesso em 29/5/2012.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007.


Notas

[1] 510 - Teto remuneratório de procuradores municipais.

Relator: MIN. LUIZ FUX

Leading Case: RE 663696

Há Repercussão?

Sim

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 37, XI (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003), e 132, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de considerar-se como teto remuneratório dos procuradores municipais o subsídio dos desembargadores do tribunal de justiça.

[2] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 1 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 922.

[3] PEC n. 153/2003. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=131591; http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=105021,acesso em 29/5/2012.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Bruno Matias. O teto remuneratório aplicável aos procuradores municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3256, 31 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21901. Acesso em: 26 abr. 2024.