Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/22350
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

The West Wing e os justices da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Uma brevíssima análise sobre como um seriado de TV enxerga a nomeação dos juízes americanos e um pretexto para analisarmos a magistratura brasileira e as funções essenciais à Justiça

The West Wing e os justices da Suprema Corte dos Estados Unidos. Uma brevíssima análise sobre como um seriado de TV enxerga a nomeação dos juízes americanos e um pretexto para analisarmos a magistratura brasileira e as funções essenciais à Justiça

Publicado em . Elaborado em .

A partir de episódios de seriado de TV americano sobre a escolha de magistrados da Suprema Corte dos EUA pelo Presidente da República, analisa-se o sistema constitucional brasileiro relativo ao Poder Judiciário e às funções essenciais à Justiça.

"Eu sou SHUTRUK NAHUNTE[A], Rei de Ashand e Sussa, soberano de Sussa, soberano da terra de Elam. Eu destruí Sippar, tomei a estela de Niram-Sim, e a trouxe de volta a Elam, onde eu a ergui em oferenda ao meu Deus (ano de 1.158 a. C.)"[B]


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo (na verdade um panfleto) tem dois objetos. Um central e outro periférico. O central são dois episódios do seriado de TV americano intitulado The West Wing[C] que cuidaram do processo de escolha de Justices (assim são chamados os magistrados da Suprema Corte dos Estados Unidos[D]) pelo Presidente da República norte-americana.  O periférico é o sistema constitucional brasileiro relativo ao Poder Judiciário e às Funções Essenciais à Justiça, tanto em seu aspecto estático quanto no dinâmico: o texto normativo e a realidade contextual.

A finalidade deste texto consiste basicamente em revelar a “idealidade” do processo americano, segundo as lentes generosas das câmeras de TV do citado seriado The West Wing, expondo o modelo judicial estadunidense em sua estrutura estática; e provocar reflexões sobre a situação normativa e sobre o alcance jurídico dos enunciados constitucionais que regulam tanto o Poder Judiciário brasileiro quanto às Funções Essenciais à Justiça.

Além de descrever o significado dos enunciados normativos contidos no texto constitucional, esta brevíssima análise objetiva prescrever um novo modelo de estrutura do nosso Poder Judiciário e das nossas Funções Essenciais à Justiça (Constituição Federal, Título IV, Capítulos III e IV, artigos 92 a 135).

A justificativa desta análise descansa nas seguintes circunstâncias. O modelo judicial brasileiro instalado desde a proclamação da República inspirou-se no modelo judicial norte-americano, como gizava o nosso “pai fundador” (founding father) Rui Barbosa[1].

Ademais é rotineiro o uso de casos da Suprema Corte (ou de outros Tribunais) ou de seus magistrados nas artes americanas, seja no cinema, ou na TV, bem como em livros (não necessariamente jurídicos ou acadêmicos) e até peças teatrais ou musicais.  Ou seja, nos Estados Unidos, nada obstante a reverência e a respeitabilidade que se devota a sua Suprema Corte, ela não é vista como um santuário de deuses, um local sagrado que não pode ser profanado pelo “pó das sandálias”, mas um ambiente demasiadamente humano, e, justamente por isso, sujeito ao olhar das artes.[2]

Pois bem, assim como a Suprema Corte dos Estados Unidos não é um templo sagrado nem os seus Justices são figuras celestiais e divinas, como reiteradamente se vê tanto nas artes quanto nas obras acadêmicas ou não acadêmicas (seja de caráter jurídico, histórico, sociológico, político, econômico, jornalístico e quaisquer outros matizes)[3], o mesmo sucede com o Supremo Tribunal Federal brasileiro  e os seus ministros (assim são constitucionalmente rotulados os magistrados do STF e dos demais Tribunais superiores, em obtuso anacronismo reinol).[4]

O STF e os seus ministros (magistrados ou juízes) são sujeitos tanto a ovações quanto a apupos, se acaso fizerem por merecer, pois vivemos em uma sociedade aberta e democrática, na qual deve prevalecer, contra tudo e contra todos, a liberdade de expressão: seja para elogiar, seja para criticar. Ninguém nem nenhuma instituição escapa da sombra normativa que se projeta pela liberdade de expressão.[5]

Certo, a despeito da boa qualidade das decisões dos magistrados brasileiros, em particular dos acórdãos exarados pelos ministros do STF, penso que o atual modelo brasileiro necessita de profundas mudanças para que possa estar em plena sintonia com os tempos que vivemos, tanto nos aspectos políticos, sociais, culturais e econômicos quanto nos aspectos estritamente jurídico-normativos. Estamos a vivenciar novas experiências, novas realidades e necessitamos de nos adaptar para sobreviver, pois conforme revelou certeiramente Charles Darwin[6], as espécies que não se adaptam ao seu meio não sobrevivem. Não se trata de sobrevivência do mais forte, mas sim do mais adaptado às contingências e às realidades.

Nessa perspectiva, o Poder Judiciário e as Funções Essenciais à Justiça devem se adaptar aos novos tempos democráticos e republicanos, onde todos devemos agir em conformidade com o Direito e com a Justiça decorrentes das Leis (aqui enquadrada a Constituição, os Tratados internacionais, as Leis da República etc.), e onde o Direito e a Justiça não estejam divorciados das reais necessidades das pessoas e da sociedade brasileira. Esse novo Direito e essa nova Justiça devem dialogar e devem estar em sintonia com as realidades e com as necessidades imperativas da Política, da Economia, da Religião, da Moral, das Ciências e das Tecnologias. Ou seja, o Direito e a Justiça devem conviver e coabitar com as outras realidades e com as demais categorias normativas sociais. Se as normas jurídicas não se adaptarem as reais necessidades econômicas e sociais, elas fenecerão. Os diques jurídicos não suportam a força avassaladora dos fenômenos históricos, políticos, sociais e econômicos.[7] O cumprimento das leis e da Constituição não pode quebrar um País. Uma Constituição que se obedecida quebra o seu País não serve como norma jurídica fundamental desse povo. Ou alguém acha que a realidade social e econômica se rende às normas jurídicas?

Nessa nova sociedade brasileira, que vem sendo construída de há muito tempo com bastante esforço e dedicação, com alguns avanços e não poucos recuos, todos devemos procurar cumprir todas as Leis, especialmente aquelas que contrariam os nossos interesses e as nossas vontades, pois cumprir Leis que nos favoreçam é fácil. Difícil e civilizado é obedecer e cumprir Leis “antipáticas” ou que contrariem os nossos desejos e instintos.

Eis um bom parâmetro para aquilatar o grau de civilidade de uma sociedade: o respeito e a obediência às leis aprovadas pelos legítimos, porque eleitos, representantes políticos do povo.[8] Outro parâmetro de respeitabilidade coletiva consiste na crença de que no País os juízes e tribunais decidem as causas em conformidade com o ordenamento jurídico. Que os juízes e tribunais sejam órgãos incorruptíveis e que não tomem as suas decisões pautadas pelas pressões econômicas dos ricos, políticas dos poderosos, midiática da grande imprensa. Ou seja, que os juízes e tribunais não manipulem as normas jurídicas ao sabor de suas próprias conveniências ou para favorecer seus aliados, amigos, compadres ou donos. É disso que o Brasil precisa: de juízes e tribunais que honrem as suas togas e que julguem as causas em estrito cumprimento do ordenamento jurídico. Para isso, é preciso vigiar o ingresso na magistratura (e nos tribunais) daqueles que serão julgadores. É um pilar de sustentação de qualquer sociedade a honradez de seus magistrados.

Pois bem, na construção deste texto surpreendi dois episódios do aludido seriado de TV The West Wing apresentando as passagens que julguei mais relevantes. Também visitei o texto da Constituição dos Estados Unidos da América e da legislação pertinente (Judiciary Act), assim como literatura de boa cepa sobre o funcionamento do sistema americano, desde as suas raízes até o estágio atual.[9]

No tópico sobre o sistema brasileiro me detive no texto da Constituição e no contexto social brasileiro. Para descrever os mandamentos normativos contidos no texto constitucional me socorri da boa literatura doutrinária brasileira, bem como para apontar outros caminhos e soluções, utilizando também de minha experiência e intuição.[10]

Também lanço um olhar para o futuro. As nomeações para o STF, em sua quase totalidade, foram acertadas. Não se vai rediscutir o passado, mas perspectivar um novo modelo para as novas indicações para a Corte. O passado, felizmente, já passou. Hora de olhar o presente e projetar o futuro. É o futuro que nos interessa.[11]

A expectativa deste panfleto é lançar algumas provocações sobre um tema tão complexo e relevante para o adequado funcionamento do sistema jurídico nacional. Como pretexto, utilizarei do pano de fundo da arte, especificamente da teledramaturgia.


2 A ESCOLHA DOS JUSTICES DA SUPREMA CORTE DOS EUA: VENDO ATRAVÉS DAS LENTES DE THE WEST WING

2.1 A escolha do Justice Roberto Mendoza

Na 1ª temporada, episódio 9 intitulado The Short List[12], ocorre a primeira oportunidade de o Presidente da República, um democrata, indicar um Justice para a Suprema Corte, em decorrência da aposentadoria de outro Justice.

Na primeira cena desse episódio, há um assessor presidencial conversando com aquele que seria o candidato ideal da Casa Branca o Juiz (Judge) Peyton Cabot Harrison III, filho de um ex-Procurador-Geral na administração de Dwight Eisenhower, que estudou em Princeton e Harvard, sendo que nesta última foi diretor de sua Revista, professor e seu reitor, e tendo boa relações com os republicanos e respeitado entre os democratas. Seria uma confirmação senatorial tranqüila.

Em outra cena, o Presidente conversa com o Justice que irá se aposentar, após 38 anos de judicatura na Suprema Corte. Esse Justice tinha afinidades políticas com os democratas e pergunta ao Presidente se já foi feita a escolha e se o gabinete já fez a “ligação/chamada” para o futuro indicado. O Justice indaga se o nome de um determinado juiz estava na lista. No caso, o nome do Juiz Roberto Mendoza e se foi considerado seriamente. O Presidente afirma que sim. Mas o Justice não se convence e afirma que o nome de Mendoza só estava na lista para que o Presidente desse uma satisfação à comunidade latina (ou hispânica). O Justice reitera que o Presidente deveria refletir melhor e considerar a possibilidade de nomear Mendoza, que segundo ele tinha todas as qualidades necessárias para ser um membro da Suprema Corte. Após ouvir palavras fortes do velho Justice, o Presidente convida o magistrado ele anuncie a sua aposentadoria do Tribunal.

Após essa conversa, o Presidente indaga ao seu “staff” o motivo de o nome de Mendoza não ter sido o escolhido, em vez do nome de Harrison, no que obtém respostas evasivas e que o nome de Harrison era o que tinha maior receptividade política, além de ser um jurista muito respeitado nos EUA.  O gabinete presidencial tinha feito uma devassa no passado do candidato Juiz Harrison. Sucede que posteriormente surge um artigo, até então desconhecido e repassado por fonte anônima, que ele escreveu durante a Faculdade, há mais de 30 anos, no qual defende que a Constituição dos EUA não protege explicitamente o direito à privacidade. Essa informação muda o sentimento do Presidente e de seus assessores quanto à indicação desse candidato, mas a entrevista entre esse aludido candidato e o Presidente já estava marcada.

Na reunião, o Presidente lê um trecho de autoria do Juiz Harrison defendendo a possibilidade de o governo invadir a privacidade dos indivíduos, pois não haveria uma proibição específica em sentido contrário. O Presidente indaga ao Juiz Harrison se ele mantinha o mesmo entendimento, no que obteve resposta afirmativa. O Presidente convida dois assessores (Sam e Toby) para participarem de uma espécie de “sabatina”, especialmente no tocante aos direitos fundamentais da pessoa humana. Eis algumas partes do debate:

Juiz Harrison: “Os juízes devem interpretar a Constituição limitando-se aos parâmetros do texto. A Constituição não prevê o direito à privacidade. O direito não existe”.

Assessor Sam: “Há emendas que nos protegem contra a auto-acusação e buscas sem motivo. O direito não está embutido nisso?”

Juiz: “Mas se discriminaram esses casos específicos é porque não pretendiam transformá-lo em um direito...”

Assessor Sam: “As liberdades já estavam garantidas. A Constituição não limitou os direitos adquiridos”.

Juiz: “Esse é o meu trabalho”.

Assessor Sam: “É o meu também”.

Presidente: “Juiz Peyton, eu tenho o direito de pôr um terno e uma gravata ridícula e sair pela rua?”

Juiz: “Sim”.

Presidente: “E a Constituição prevê isso?”

Juiz: “Liberdade de expressão”.

Presidente: “E tomar café com creme se enquadra nesse caso?”.

Juiz: “Não”.

Presidente: “Então New Hampshire poderia probir tomar café com creme?”

Juiz: “Eu seria contra, pois gosto de café com creme. Mas a Constituição não me daria base para combater isso”.

Presidente: “E eu perderia os votos de quem gosta de café”.

Assessor Sam: “Em 1787, muitos representantes eram contra a Constituição. Eis o que um representante da Geórgia: ‘se listarmos os direitos, alguns tolos podem achar que só temos esses direitos’.”

Juiz: “Está me chamando de tolo?”

Assessor Sam: “Eu não. O Estado da Geórgia chamou”.

Juiz: “Senhores, as leis devem provir da Constituição”.

Assessor Toby: “Existem leis naturais”.

Juiz: “Eu sei que existem. Mas não os magistrados que as colocam em vigor”.

Assessor Toby: “Quem as coloca?”.

Juiz: “Isso não é comigo. E o teatrinho acabou, com todo o respeito Presidente. Este interrogatório é uma grosseria”.

Assessor Sam: “Então vai adorar o Senado americano”.

Juiz: “Não deixa de ser repulsivo. Eu preciso de vocês tanto quanto vocês precisam de mim. Sei que serei eleito em votação unânime. E agora um moleque vem me constranger”

Presidente: “O fato de Sam (o assessor) ser jovem incomoda mesmo, mas ele agiu assim a meu pedido”.

Juiz: “Sou um homem de ótimas referências. Não estou habituado a interrogatórios”.

Presidente: “Eu entendo. Pode nos dar licença”.

(sai o Juiz Harrison e ficam o Presidente com os seus assessores).

Assessor Sam: “Presidente, mande-o de volta.”

Assessor Toby: “Vamos dispensá-lo por causa de algo escrito há 30 anos, do qual só nós temos conhecimento?”

Presidente: “O sujeito que ligou para o Sam vai ligar para o Senado”.

Assessor Sam: “São os próximos 20 anos. Os direitos civis foram a pauta nos anos 50 e 60. Daqui para frente, será a privacidade. Incluindo internet, celulares, quem é gay e quem não é. E tem mais, no país das liberdades, nada é mais fundamental”.

(O Presidente decide então conversar com Mendoza).

Em outra sala, outros assessores discutem acerca dos nomes de Mendoza e Harrison. A assessora contrária a Mendoza diz que ele apoiou o casamento gay. No que o outro assessor diz que essa decisão decorreu do fato de que para Mendoza o Estado não tem o direito de interferir e que ele interpreta da forma mais ampla a liberdade de expressão. A assessora diz que ele não é o magistrado americano ideal e faz uma comparação de currículos. Harrison estudou em Princeton e Harvard[13] e foi assessor (Law clerk) de Justice da Suprema Corte, enquanto Mendoza estudou à noite na Faculdade do Brooklin e na Academia de Polícia, foi policial de Nova Iorque, levou um tiro, continuou trabalhando e estudando e se tornou procurador-geral do Estado. Para o defensor do nome de Mendoza ele é inteligente, decidido, corajoso e experiente. O assessor lança a seguinte ironia para a sua colega contrária à escolha de Mendoza: “É você quem não acredita nos americanos”.

No gabinete presidencial estão reunidos o Presidente, os seus aludidos assessores e o Juiz Mendoza.

Presidente: “Nenhum outro juiz teve tantos pareceres (votos) apoiados pelo Tribunal de Apelação como o senhor”.

Juiz Mendoza: “É que eu quase sempre estou certo” (risos irônicos).

(O Presidente é chamado para outra reunião e ficam o Juiz com os assessores sendo sabatinado... O Presidente retorna)

Juiz Mendoza: “Não é fácil mesmo ser nomeado para esse comitê de assuntos latinos.” (Esse foi o motivo que informaram ao juiz para ir à Casa Branca).

Assessor Toby: “Juiz, o que faria se alguém fosse demitido por se recusar a fazer um exame de sangue por ordem do Presidente?”.

Juiz Mendoza: “Sem mais detalhes?”

Assessor Toby: “Eu diria que a ordem é inconstitucional e determinaria que fosse readmitido”.

(O Presidente olha para todos os seus assessores presentes e obtém o assentimento)

Presidente: “Ficaria surpreso se soubesse que seu nome está na lista de candidatos para a bancada da Suprema Corte?”

Juiz Mendoza: “Sim, senhor Presidente”.

Presidente: “Então, agora vai cair para trás. Amanhã, às 17 h., vou nomeá-lo meu candidato para a bancada da Suprema Corte dos Estados Unidos. Não foi a primeira opção, mas é a decisiva e a correta. Vai aceitar a nomeação?”

Juiz Mendoza: “Será uma honra”.

Presidente: “Que bom”.

Assessor Toby: “Será uma batalha árdua, mas venceremos”.

Presidente anunciado a todos: “Justice Mendoza”.

(Fim do episódio).

A transcrição não consegue revelar a atuação, os olhares, os espantos, a emoção da cena, mas é um episódio exemplar, pois revela a idealidade do processo, com pitadas de realismo. Vale assistir esse mencionado episódio The Short List. 

2.2 As escolhas da Chief Justice Evelyn Baker Lang e do Associate Justice Christopher Mulready

Na 5ª temporada, episódio 105 intitulado The Supremes[14], surge a oportunidade de o Presidente da República nomear um Justice para a Suprema Corte, em decorrência da morte precoce de outro Justice. Esse episódio 105 deve ser compreendido em conjunto com o episódio 95 intitulado Separation of Powers[15], no qual se ventila a aposentadoria do Chief Justice e se discute quem poderia sucedê-lo. Nesse citado episódio 95, o Chief Justice condiciona a sua aposentadoria à escolha, pelo Presidente, de um jurista de grande envergadura constitucional e de ideologia liberal.

Volto ao episódio 105.  Tem-se a notícia do falecimento do Justice Owen Brady, o líder da corrente conservadora na Suprema Corte. Logo surgem manifestações públicas, inclusive populares, de apoio a alguns possíveis candidatos e de repulsa a outros. A sociedade e os grupos de pressão se movimentam em defesa de seus interesses e dos candidatos representativos deles.

O gabinete presidencial se reúne e estabelece o prazo de uma semana para apresentar uma lista de candidatos. Há dezenas de currículos de juízes que deverão ser apreciados, sem contar as inúmeras interferências externas, ora em favor, ora em desfavor de candidatos. Está aberto mais um processo de escolha de um Justice. Há de ser um nome capaz de obter o assentimento dos Senadores e da maioria republicana. Mas o gabinete necessita criar uma “cortina de fumaça” em redor do verdadeiro escolhido, trabalhando com “falsas possibilidades”.

Para essa finalidade, é usado o nome da juíza Evelyn Baker Lang. Ela é tida como uma juíza liberal, além de já ter praticado um aborto, o que enfureceria a direita cristã norteamericana. Ante esse fato, o Presidente indaga se a prática foi depois da decisão Roe v. Wade[16], na qual a Suprema Corte permitiu o direito ao abortamento. A resposta foi afirmativa. O Presidente indaga se “extração de amídalas” ou outras práticas legais também descartariam candidatos. Informa o Presidente que ele teve 27 milhões de votos femininos, e que talvez isso tivesse alguma razão, como a de proteger esse direito das mulheres.  A ideia do gabinete é agradar aos liberais e amedrontar os conservadores republicanos, de modo que eles venham a aceitar um juiz “democrata” menos assustador.

A Juíza Evelyn Lang é convidada para reuniões com dois importantes assessores do Presidente (Toby e Josh). Ela, de modo elegante, indaga se eles não poderiam apenas conversar, pois ela soube do interesse em relação ao Juiz Hayder e que o nome dela nunca seria admitido pelo Senado de maioria conservadora. Ela impressiona os assessores revelando total conhecimento da dinâmica política americana, da atuação dos principais senadores, da linha de atuação dos conservadores, das necessidades governamentais da Casa Branca. Ela também tem manifestações judiciais e acadêmicas corajosas e bem fundamentadas. Mas ela mesma fala que não pode substituir o líder do conservadorismo judicial na Suprema Corte. A Casa Branca terá de achar um nome politicamente mais palatável. Ela seria o nome ideal, segundo os assessores, mas as dificuldades políticas aparentam ser intransponíveis. Os boatos surgem e as lideranças políticas antecipam o veto ao nome da Juíza Evelyn Lang.

Em outra sala, o Presidente está reunido com o Juiz Eric Hayder e tenta iniciar um diálogo com ele. O Juiz Hayder se recusa a fazer qualquer tipo de manifestação sobre qualquer assunto que eventualmente poderia ser objeto de sua apreciação, mesmo temas “batidos”, como ações afirmativas. O Presidente informa, abertamente, que gostaria de um candidato alinhado com o Chief Justice Ashland, no que o Juiz Hayder se antecipa e diz que o Presidente quer alguém que acompanhe o Chief e que depois o substitua. No entanto diz o Juiz Hayder: “Mas minha lealdade às excentricidades de um caso com certeza será maior que minha lealdade a qualquer posição que queira que eu ocupe”. O Presidente silencia.

Os assessores estão em um impasse governamental. A vaga era ocupada por um Justice conservador, eles querem nomear um liberal, mas necessitam quebrar as resistências dos conservadores. Como solucionar a questão? A resposta decorreu de uma situação pitoresca narrada por uma funcionária da Casa Branca em relação ao casamento de seus pais. Segundo essa funcionária, após quase 40 anos de convivência, eles não tentam mais entrar em acordo sobre nada, como a cor do gato da família, e resolveram comprar 2 gatos de cores distintas, assim todos ficaram satisfeitos.

O assessor Josh Lyman ao ouvir essa história tem uma ideia: não adianta convencer os conservadores acerca de um juiz liberal, nem os liberais acerca de um conservador, é preciso dar a cada um o que é seu. A ideia consiste em oferecer a vaga do Justice conservador a um magistrado conservador e convencer o Chief  Justice liberal a se aposentar em favor da indicação de uma magistrada liberal. O assessor convence o Presidente a agasalhar essa proposta e o Presidente o autoriza a conversar com o Chief Justice Ashland sobre essa “troca”. A tese é permitir o equilíbrio de forças na Corte: sai um liberal, entra um liberal; sai um conservador, entra um conservador. O Chief Justice aceita a proposta e avisa que pedirá aposentadoria em favor da Juíza Evelyn Lang, pois seria a primeira Chief Justice da história. Agora restava escolher o nome entre os magistrados conservadores.

As lideranças conservadoras indicam o nome do Juiz Christopher Mulready. Este nome é malvisto e malquisto no gabinete presidencial, pois é tido como o jurista mais conservador dos Estados Unidos, principal inimigo das teses políticas dos liberais democratas. O Presidente se manifesta contrariamente, mas o assessor Josh Lyman os convence a aceitarem o acordo sob o fundamento de que eles indicam o símbolo da ideologia liberal, também têm de admitir o símbolo da ideologia conservadora, em nome do equilíbrio político. Essa é uma das chaves do sucesso político americano: a busca do equilíbrio de forças.

Todavia, as lideranças liberais vetam terminantemente o nome do Juiz Christopher Mulready.

Em uma sala de reuniões, o assessor Toby se encontra com o Juiz Mulready, e debatem sobre os direitos dos homossexuais e questão do casamento gay. No curso da conversa aparece a Juíza Evelyn Lang. Eis alguns trechos do diálogo:

Juíza: “É um dos encontros mais improváveis na história da gestão de Bartlet.”

Juiz: “Prazer em vê-la, Evie”.

Juíza: “Igualmente, Chris. Vim me despedir. Queria ter uma câmera.”

Juiz: “Ele queria me convencer que o Ato em Defesa do Casamento é inconstitucional”.

Juíza: “O Ato. Ele queria convencê-lo?”

Juiz: “Sim”.

Assessor: “O quê?”

Juíza: “Não precisa. Ele nunca apoiaria o Ato. Pode não gostar de casamento gay, mas detesta a intromissão do Congresso que não pode controlar o casamento. A questão não é privacidade”.

Juiz: “Ou proteção”.

Juíza: “Ele vai conseguir derrubar o Ato antes de mim.”

Juiz: “Por falta de imaginação sua, se me permite”.

Assessor: “Estava me manipulando?”

Juiz: “Venho ver um presidente Democrata no meio da noite. Você me vem com bobagens?”

(O assessor sai da sala e os juízes ficam debatendo questões constitucionais, cada um procurando demonstrar para outro o acerto de suas teses e o erro das teses do outro. Os assessores assistem de fora da sala e ficam impressionados com ambos os magistrados.)

Os assessores vão conversar com o Presidente e com o representante político dos liberais. O Presidente indaga ao assessor Toby se ele gosta de Mulready, no que recebe a resposta de que o odeia, o detesta, mas reconhece que ele é brilhante, e que os dois juntos na Suprema Corte vão brigar feito “cão e gato”, mas que assim a coisa vai funcionar. O outro assessor convence o Senador líder dos liberais de que para ter uma Chief  liberal, é preciso aceitar um Justice conservador. O Presidente aceita conversar com o Juiz Mulready. Eis o diálogo:

Presidente: “Obrigado por vir”

Juiz: “É uma honra, senhor”.

Presidente: “Soube que você e a Juíza Lang tiveram uma discussão?”

Juiz: “Ela quer privatizar a polícia. Eu achei cedo demais”.

Presidente: “Ela não faz o seu gênero”.

Juiz: “Pelo contrário. Há meses não me divirto assim”.

Presidente: “Mesmo?”

Juiz: “Use-a, se puder. Não sei o porquê de tudo isso. Acho que algumas pessoas gostam de ver pessoas como eu ou ela nestes corredores. Estou aqui para isso. Se puder usá-la de alguma forma...”

Presidente: “É improvável”.

Juiz: “Quem está no topo da lista? Se eu vazasse, acreditariam em mim?”

Presidente: “Brad Shelton”.

Juiz: “Mesmo?”

Presidente: “Não gosta dele?”

Juiz: “Ele é um ótimo jurista. E se Carmine, Lafayette, Hoyt, Clark e Brannaghan morrerem o centro ainda estará bem cuidado.”

Presidente: “Quer outro Brady?”

Juiz: “Claro. Como o senhor quer outro Ashland. O Tribunal era melhor quando eles estavam na luta”.

Presidente: “Muitas leis foram escritas pelas vozes da moderação”.

Juiz: “Quem escreve a dissidência? A voz da minoria, cuja hora ainda não chegou, mas 20 anos depois algum funcionário da justiça vai descobri-la às 3h. da manhã. Brennan contra a censura. A lamúria de Harlan por Jim Crow.”

Presidente: “Talvez você, um dia”.

Juiz: “Não podem me nomear para o Supremo. Como você não pode por Evelyn Lang lá. Vai ser só os Sheltons daqui para frente.”

Presidente: “Há 4 mil manifestantes lá fora querendo saber quem vai pegar essa vaga. Não podemos aliená-los.”

Juiz: “Todos têm o seu papel. O seu é nomear alguém que não aliene as pessoas.”

(O Presidente silencia e fica impressionado com o Juiz Mulready).

Na cena subseqüente, na sala de imprensa da Casa Branca surge o Chief Justice Ashland anunciando a sua aposentadoria. Na antessala, estão o Presidente, o seu staff e os novos Justices Evelyn Lang e Christopher Mulready, que serão anunciados como os novos magistrados da Suprema Corte. Fim do episódio.

Assim como no episódio 9, a presente descrição não revela a riqueza das cenas e a forte carga emotiva. Mas algo chama a atenção nesse episódio: a importância da convivência no dissenso e o equilíbrio de forças como alicerces do regime democrático norteamericano. Também chama a atenção o reconhecimento do desejável gigantismo intelectual dos futuros magistrados da Suprema Corte, independentemente da coloração ideológica. Essa é outra lição que deveríamos aprender. Os citados episódios 95 e 105, da 5ª Temporada, também merecem ser vistos.

2.3 O modelo judicial dos Estados Unidos da América

O texto originário da Constituição dos Estados Unidos da América é de 17.9.1787. Esse texto tem sido objeto de várias modificações constitucionais formais[17] e das chamadas mutações constitucionais informais[18]. A vitalidade normativa dessa Constituição decorre daquilo que Karl Loewenstein[19] denominou de “sentimento constitucional”, ou seja, a adesão e o respeito à Constituição tanto pelos governantes (poderosos) quanto pelos governados (povo), bem como da capacidade de ser adaptada às novas realidades que lha circundavam, sem rupturas institucionais ou golpes de Estado.

No texto constitucional são poucas as referências ao Poder Judiciário e à Suprema Corte. Em uma delas estabelece-se que compete ao Congresso dos Estados Unidos criar tribunais inferiores à Suprema Corte (Artigo I, Seção VIII). Noutra consta que o Poder Judiciário dos Estados Unidos será exercido por uma Suprema Corte e pelos tribunais inferiores que o Congresso periodicamente criar e estabelecer, e que apreciarão todos os casos, de direito e de equidade, surgidos sob o pálio da Constituição e das Leis federais e dos tratados internacionais, dentre outras competências constitucionalmente estabelecidas (Artigo III).

A relevância política do Poder Judiciário, em particular da Suprema Corte americana, pode ser percebida a partir da leitura dos “Artigos Federalistas”, que enunciaram os magistrados (juízes) como os “fiéis guardiães da Constituição” e que deveriam ter a força jurídica e política para anularem as decisões tanto do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo que violassem o texto constitucional.[20]

É possível, grosso modo, dizer que o sistema judiciário americano se reparte em Justiça Federal e Justiça Estadual. Esta - a Estadual – consiste em várias “justiças” (em torno de 50), com suas vicissitudes e peculiaridades. Já a Federal é dividida – ainda grosseiramente - em três instâncias: a primeira (District Courts), a segunda (Courts of Appeals) e a terceira (Supreme Court).[21]

Pois bem, no ponto que nos interessa. Os magistrados federais, de todas as instâncias, são indicados pelo Presidente da República. Nos Estados, alguns são indicados pelos Governadores e sabatinados pelos legislativos locais, outros são eleitos pelo povo.[22]

A Suprema Corte é composta de 9 magistrados (Justices) indicados pelo Presidente da República, que também escolhe o Presidente do Tribunal (Chief Justice). Essa indicação ao Tribunal deve ser homologada pelo Senado Federal. O processo de chancela senatorial é complexo e requer uma aguda sensibilidade política do Presidente na hora de apresentar um nome para compor a bancada da Corte.

Por esse ângulo, The West Wing aproximou-se das dificuldades que encerram a escolha de um nome que seja politicamente palatável para integrar o Supremo Tribunal, pois além das argüições do Senado, há uma densa participação social e acadêmica no processo político de nomeação de um Justice.[23]

É de ver que o Presidente da República não ousaria indicar qualquer um, mas alguém que além de uma densa produção jurídica, de uma extraordinária e inquestionável capacidade técnica, também fosse politicamente objeto de consenso social e acadêmico. Ou seja, o Presidente da República não saca do “seu bolso” o nome do futuro Justice, mas colhe um nome que seja fruto de uma longa construção jurídica e política. Alguém que já tenha um passado consagrado, um presente respeitável e um futuro luminoso.  O candidato deve ter serviços prestados à Nação, e não apenas ao grupo dominante do poder.

Convém, no entanto, apontar que a despeito da indiscutível e indisputável história de sucesso da magistratura americana, o seu modelo talvez só sirva para eles, como soe acontecer com os modelos jurídicos de qualquer sociedade,[24] pois penso que em nosso País não fosse desejável que o Presidente da República escolhesse e nomeasse os magistrados federais, tampouco que os Governadores de Estados fizessem o mesmo procedimento em relação aos magistrados estaduais. Também não julgo apropriado submeter o critério de recrutamento dos magistrados a eleições populares, pois o magistrado deve buscar a verdade, independentemente das conveniências, enquanto que o político para sobreviver, não raras vezes, busca as conveniências, independentemente da verdade.

Nesse particular, julgo que o modelo brasileiro de recrutamento de magistrados, sobretudo no concernente aos de primeira instância, é melhor que o americano, pois aqui o interessado deve ser aprovado em dificílimo concurso público. Talvez não seja o melhor critério de recrutamento, mas ao meu sentir é mais adequado, para nossa realidade, do que o sistema americano de indicação do chefe do Poder Executivo ou de eleição popular.

Todavia, a sociedade brasileira deveria imitar a americana no tocante à participação na escolha de magistrado para os Tribunais, especialmente para o Supremo. Aqui, diferentemente do que ocorre lá, há uma indiferença exasperante e um silêncio ensurdecedor dos setores sociais (universidades, academia, associações científicas, de classe, imprensa, sindicatos, partidos políticos, igrejas, grupos de pressão, ONGs, bares, restaurantes, lanchonetes, clubes, festas...), como se a escolha de um magistrado para o Supremo Tribunal e para os demais Tribunais não fosse algo de nosso interesse e não que fosse afetar as nossas vidas. Sobre esse tema ainda tecerei considerações neste artigo.

Volto ao sistema judicial norte-americano.  A Suprema Corte dos Estados Unidos, por meio do instituto processual do writ a certiorari, uma preliminar de conhecimento do feito que deve ser acolhida por pelo menos 4 Justices, para conhece da questão. A recusa do Tribunal não necessita de ser fundamentada. Mas se o feito é conhecido, abrem-se sessões para a apresentação dos argumentos e fundamentos factuais e normativos das partes. Depois das apresentações, os magistrados se reúnem em sessão privada e tomam a decisão. A redação da decisão colegiada é feita ou pelo Chief Justice ou pelo Justice que ele indicar e que faça parte da corrente majoritária.

Giram em redor de 100 os feitos conhecidos no ano judiciário da Suprema Corte. Como são poucos os casos julgados pelo Tribunal, se comparados aos julgados pelo STF brasileiro, as decisões das instâncias inferiores acabam prevalecendo. Eis aí a chave do sucesso do judiciário norte-americano: a relevância das decisões das instâncias inferiores. Lá, diferentemente do que ocorre aqui, sentença exarada é sentença cumprida.

Abro um parêntese para o Brasil. Em nosso País, percebemos um esvaziamento das instâncias ordinárias e um agigantamento das instâncias excepcionais (Tribunais superiores e STF), de modo que a sentença é vista tanto qualitativa quanto normativamente inferior ao acórdão. Eis, na minha avaliação, um equívoco. A sentença tende a ser qualitativamente melhor que o acórdão pela simples razão que foi prolatada por quem apreciou as provas, ouviu as testemunhas, sentiu o processo. No acórdão, normalmente, aprecia-se apenas a interpretação, mas a compreensão do todo é feita pela sentença. Tenha-se, todavia, que esse agigantamento ensejou a crise de efetividade dos tribunais e reformas processuais têm sido encetadas para diminuir a quantidade de processos submetidos ao crivo dos Tribunais superiores e do STF, mas essas mudanças ainda são tímidas e os seus efeitos não lograram fortalecer as instâncias ordinárias.

Retorno aos EUA para finalizar esse tópico. O modelo judicial americano é um reflexo das experiências judiciais britânicas temperadas pelos modelos judiciais continentais europeus. Certamente não é perfeito, mas tem servido para manter o equilíbrio político e social daquela Nação. Provavelmente não deve ser imitado pelo Brasil, pois as nossas experiências culturais são distintas e as fórmulas jurídicas devem ser aplicadas de acordo com as reais necessidades e possibilidade de cada sociedade.[25]

Passarei a surpreender o nosso modelo judicial e as nossas funções essenciais à justiça.


3 A ESCOLHA DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: OS MANDAMENTOS NORMATIVOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

3.1 O modelo judicial brasileiro

O modelo judicial brasileiro está desenhado no texto constitucional (arts. 92 a 126, CF atualizada até a EC 70/2012) e principia pelo escalonamento normativo dos órgãos componentes do Poder Judiciário: Supremo Tribunal Federal (STF); Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Superior Tribunal de Justiça (STJ); Tribunais Regionais Federais (TRFs) e Juízes Federais; Tribunais e Juízes do Trabalho; Tribunais e Juízes Eleitorais; Tribunais e Juízes Militares; e Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

No Brasil, em “imitação” aos EUA, o Poder Judiciário está dividido em Poder Judiciário da União e Poder Judiciário dos Estados. Mas lá a competência decorre sobretudo do parâmetro normativo. Ou seja, o direito estadual é julgado pela justiça estadual, enquanto que o direito federal é julgado pela justiça federal. Aqui o funcionamento é distinto. Não é pelo direito em si, mas ou pelas partes ou pela matéria, independentemente da origem do parâmetro normativo empolgado. No modelo brasileiro, a justiça estadual é residual. Ela julga as causas não apreciadas ou pela justiça federal ou pela justiça do trabalho ou pela justiça eleitoral ou pela justiça militar. O que não for dessas específicas justiças, é da justiça estadual. [26]

O texto constitucional estabelece que o STF, CNJ e Tribunais Superiores têm sede em Brasília, capital federal. Também estabelece o texto que esses aludidos órgãos têm competência jurisdicional em todo o território nacional.

Dispõe a Constituição que lei complementar[27] deve dispor sobre o Estatuto da Magistratura e enuncia princípios que devem ser observados na regulamentação da magistratura, como a necessidade de concurso público de provas e de provas e títulos para o ingresso no cargo inicial de juiz substituto, sendo necessário do candidato pelo menos 3 anos de atividade privativa de bacharel em Direito. O texto cuida das promoções e da evolução na carreira, das remunerações[28], de aposentadoria, remoção e disponibilidade, do dever de publicidade e de fundamentação de todas as decisões, sejam as judiciais ou as administrativas, das prerrogativas da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídios, bem como das vedações como a atividade político-partidária, do exercício de qualquer outro cargo ou profissão, exceto a do magistério, dentre outras.

Nesses referidos dispositivos constitucionais, a Constituição, de modo analítico, esmiúça o regramento normativo que regula a magistratura brasileira, deixando pouco espaço normativo para as leis e para os demais atos infraconstitucionais.

Mas, vamos direto ao ponto que nos interessa: os critérios de acesso aos cargos da magistratura. Enfatizo que a magistratura é uma coroa, é um prêmio. A magistratura do STF é a coroação maior na carreira de qualquer profissional do Direito. Começarei da primeira instância para a última (o STF).

Nos EUA, como assinalamos, os juízes federais são nomeados pelo Presidente da República. Os juízes estaduais são ou nomeados pelos Governadores dos Estados ou eleitos pelo povo. Aqui, felizmente não é assim. No Brasil há concurso para os seguintes cargos iniciais (juiz substituto) da magistratura: juiz federal, juiz do trabalho, juiz militar e juiz de direito. Não há concurso para juiz eleitoral.

O postulante ao cargo de juiz substituto deve ter pelo menos 3 anos de atividade privativa de bacharel em Direito. Penso que essa exigência ainda não seja suficiente. Tenho que se deve exigir do candidato à magistratura pelo menos 10 anos de experiência em atividade jurídica. Direito é uma experiência. O exercício da magistratura também requer experiência. Não basta o conhecimento “científico” dos textos normativos. O juiz deve possuir experiência de vida e consciência moral para adequadamente julgar as condutas e os comportamentos de seus semelhantes. A magistratura requer sabedoria, e a sabedoria é fincada nesse tripé: ciência, consciência e experiência. Portanto, somente poderia iniciar a carreira de magistrado quem tivesse pelo menos 10 de experiência jurídica. Haveria a cobrança de sua ciência (conhecimento) via provas e títulos. E a consciência? Como aquilatar? Pelo passado desse candidato e pelo seu comportamento ao longo de sua vida.

E para os Tribunais? Como deveria ser o processo de recrutamento? Para os tribunais de segundo grau (TJs, TRFs, TRTs...) deveria ser proibida a promoção por merecimento. Deveria ser apenas por antiguidade. Justifico essa mudança tendo em vista que o merecimento força o candidato interessado a “bajular” os Desembargadores[29], os políticos influentes, os amigos dos poderosos e ao “detentor” da caneta de sua nomeação. O candidato que não seguir o roteiro de busca de apoios não consegue ser nomeado. Candidato sem apoio é candidato “morto”. Ou seja, a justa e legítima expectativa de ascender na magistratura fica condicionada aos conchavos políticos. Isso é inaceitável. Isso lança uma jaça sobre o futuro magistrado do Tribunal. Isso deve ser combatido e até mesmo proibido. Há quem interessa um magistrado devedor de favores? Um magistrado devedor de favores tem a indispensável imparcialidade para julgar as causas? Um magistrado devedor de favores age com desassombro e julga os poderosos do mesmo jeito que julga os não-poderosos? Não necessito de responder.

Nessa linha, para ascender ao Tribunal de “apelação” (segundo grau), o magistrado deve ter pelo menos 10 anos de experiência judicial. Logo, o futuro desembargador deve ter pelo menos 20 anos de experiência jurídica. Esta exigência deveria se aplicar ao quinto constitucional. Ou seja, o advogado ou promotor (procurador) que for nomeado magistrado de tribunal deveria ter pelo menos 20 anos de experiência jurídica e não apenas os 10 anos atualmente exigidos. Qualquer “menino” se forma com 21 ou 22 anos. Se for amigo das pessoas certas será desembargador por volta dos 30 anos de idade. Isso é um acinte. Cadê a experiência? Magistratura é experiência. É consciência. Tribunal é coroação de uma carreira. [30]

Nessa trilha chego nos Tribunais superiores. Para os futuros ministros[31] há de se exigir pelo menos 20 anos de experiência judicial, se for magistrado de carreira, ou 30 anos de experiência jurídica se advier do terço/quinto constitucional reservado para a advocacia e ministério público. Insisto em uma espécie de gerontocracia na magistratura. Justifico na tese de que a sabedoria pressupõe ciência, experiência e consciência. Os ministros devem ser julgadores sábios.

Por fim, chego ao Supremo Tribunal Federal.[32] Aqui o postulante, aquele que receberá a suprema coroa da magistratura e das carreiras jurídicas, deve ser uma pessoa sábia (ciência, experiência e consciência). Deve ser alguém admirável. Alguém cujo nome se pronuncia com reverência e que se ouve com respeito. O nome de um ministro do STF deve ser um verdadeiro “adjetivo”, como é o nome dos advogados “Rui Barbosa”, “Pontes de Miranda”, “Miguel Reale”, “Sobral Pinto”, ou dos ministros  “Pedro Lessa”, “Aliomar Baleeiro”, “Victor Nunes Leal”, “Piza e Almeida”, “Nelson Hungria”, “Evandro Lins” e tantos outros gigantes do Direito nacional. A magistratura do Supremo é para quem realmente tenha feito por merecer e que seja respeitado pela comunidade jurídica e pela sociedade como um todo.

Um critério que ajudaria nessa salutar escolha estaria no processo de aprovação do nome pelo Senado Federal. Em vez de ser por maioria absoluta, o indicado deveria ser aprovado por 2/3 dos Senadores. Também deveriam ser colhidos pareceres do Conselho da República, da PGR e da OAB acerca da indicação do nome de magistrados para os Tribunais do Poder Judiciário da União (STF, STJ, TST, TSE, STM, TRFs, TRTs, TREs). Isso exigiria um nome de forte impacto e de grande respeitabilidade no cenário jurídico e político. A Presidência da República não indicaria alguém apenas de sua confiança, mas alguém de confiança da sociedade. Alguém que tenha um passado grandioso, um presente respeitado e um futuro luminoso, como já assinalei.

Também defendo um mandato de 8 anos[33], sem direito a nova recondução, para o ministro do STF. Creio que nesse período o magistrado terá condições de produzir boas decisões e de deixar o seu nome timbrado na história jurídica nacional, mas desde que o Tribunal se transforme em verdadeira “Corte Constitucional” e deixe de lado as atribuições “ordinárias”.[34] É preciso acreditar mais na sentença do juiz do que na força do acórdão colegiado.[35]

Mas quem seria esse indicado? Alguém que apresente textos jurídicos de boa qualidade. Se for um prático (magistrado, advogado, promotor etc.), apresentará suas melhores peças jurídicas (votos, decisões, pareceres, petições, memoriais etc.). Se for um catedrático (professor, pesquisador, consultor etc.), apresentará as suas melhores produções acadêmicas (teses, artigos, livros etc.). Mas deverá apresentar o que foi realmente escrito e produzido por si mesmo. Não vale o que foi escrito pelos assessores ou demais “ghost writers”. Ou seja, tem de ser produção de próprio “punho”. O trabalho de um magistrado consiste em produzir manifestações judiciais (jurídicas), logo é imperioso verificar o que ele já produziu, o seu entendimento pessoal.[36]

Tenho absoluta certeza de que há no cenário jurídico nacional homens e mulheres que preencham plenamente esses requisitos constitucionais, basta o gabinete presidencial buscar os nomes apropriados para essa alta função da República e que o Presidente tenha compromissos apenas com o bem do Brasil, e não use o STF para premiar a amigos ou para favorecer a aliados, mas, se for de escolher entre os seus amigos e aliados, que escolha quem preencha os aludidos requisitos do notável saber jurídico e da reputação ilibada.[37] Isso já seria um bálsamo.

Entretanto, mais do que mudar o texto constitucional, é preciso respeitar o que já manda a Constituição: notável saber jurídico e reputação ilibada. Acima indiquei como isso pode ser aquilatado. Espera-se da pessoa ocupante da elevada função de Presidente da República que cumpra com o seu dever constitucional e escolha alguém à altura da suprema magistratura.[38] Espera-se que o Senado Federal cumpra com a sua missão constitucional e sabatine o postulante. E que nós, povo e sociedade, participemos do processo com a nossa vigilância e cobrança, por meio das nossas instituições (OAB, associações, sindicatos, partidos políticos, igrejas etc.). Nós somos os verdadeiros guardiães e defensores da Constituição. Não devemos delegar isso para ninguém nem para qualquer instituição.

É indispensável que nas próximas nomeações, tanto para os tribunais de segundo grau, quanto para os superiores ou para o STF, os mandamentos constitucionais sejam levados a sério. A sociedade brasileira agradeceria penhoradamente. A rigor, o governante, se não for vigiado e constrangido, tende a abusar do poder que possui. É da natureza do poder o seu abuso. É preciso constituir estruturas que evitem esses abusos. Mas, insisto nessa cantilena, é necessário um povo vigilante.[39]

Mas, para finalizar este tópico, creio que a principal causa da crise do Judiciário brasileiro não está na sua cúpula, mas na base. Digo melhor. Está na falta de executoriedade imediata das sentenças judiciais. Se, neste País, sentença exarada, em conformidade com os ditames do ordenamento jurídico, fosse sentença cumprida, a magistratura gozaria de enorme respeitabilidade e a cultura dos profissionais do Direito seria outra, pois em vez de aguardar o trânsito em julgado para cumprir a ordem judicial, as partes e os seus representantes processuais, principalmente, mudariam a sua atuação junto à primeira instância. E os juízes e tribunais de instância ordinária, que hoje servem apenas como “órgão de passagem”, seriam mais cuidadosos com as suas sentenças, pois o seu erro poderia causar um grande prejuízo. É um risco que se corre. Penso que esse preço deva ser pago.

3.2 As Funções Essenciais à Justiça

A Constituição estabelece como Funções Essenciais à Justiça o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e a Advocacia (arts. 126 a 135, CF atualizada até a EC 70/2012). O Poder Judiciário é o realizador da Justiça. Essas mencionadas Funções não são a Justiça, mas essenciais à ela. Seriam as Funções Essenciais um 4º Poder? A resposta é negativa. Três são os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Nesse quadro, onde estariam enquadrados essas Funções Essenciais? A advocacia estaria enquadrada em algum dos Poderes? Não. A advocacia não é atividade que se exerce em nome do Estado, nem é praticada por agentes remunerados pelo Estado. É uma profissão livre.

E o Ministério Público seria um 4º Poder? Não. É órgão estatal pois age em nome do Estado e é financiada pelos cofres do Estado. Estaria no Poder Legislativo? Não, pois não legisla nem é órgão auxiliar do Parlamento. Estaria no Poder Judiciário? Não, pois não julga nem decide questão alguma e não é órgão auxiliar da Magistratura. Logo, estaria dentro da alçada do Poder Executivo, pois suas funções são eminentemente executivas, visto que age de ofício e age provocando os outros órgãos públicos e demais instituições sociais. Cuide-se que o Ministério Público tem autonomia financeira, administrativa e funcional.

E a Advocacia Pública? Assim como o Ministério Público é instituição que age em nome do Estado e é por ele financiada, não estando na órbita nem do Legislativo nem do Judiciário. Resta-lhe apenas o Executivo. O mesmo sucede com a Defensoria Pública.

Mas qual a diferença entre essas Funções Essenciais? Ontologicamente não há diferença entre essas Funções Essenciais, pois todas agem provocando o Judiciário. O Ministério Público provoca em defesa da sociedade. A Advocacia Pública provoca em defesa do Estado e do Governo. A Defensoria Pública provoca em defesa dos mais carentes e necessitados. A Advocacia tem atribuição residual: provoca em defesa de todos que não sejam alcançados pelo Ministério Público ou pela Advocacia Pública ou pela Defensoria Pública.

Não há diferença ontológica entre as instituições estatais componentes das Funções Essenciais à Justiça. Tanto o membro do Ministério Público quanto o membro da Advocacia Pública ou o membro da Defensoria Pública postula (requer ou opina) perante membro do Poder Judiciário (magistrado ou tribunal). Portanto, quem postula está no mesmo plano de quem postula. Quem decide está no mesmo plano de quem decide. Agora quem postula não está no mesmo plano de quem decide. Postular é uma faculdade. Decidir é um poder. Uma postulação não cria direitos nem deveres vinculantes e obrigatórios. Uma decisão cria direitos e deveres vinculantes e obrigatórios. Não há crime de desobediência à postulação (ou petição) de promotor, de advogado ou de defensor, mas há crime de desobediência à decisão (ordem) judicial.

Daí porque, a despeito de o texto constitucional aproximar o regime jurídico dos membros do Ministério Público com o regime jurídico dos membros do Poder Judiciário, essa “similitude” não é a mais acertada. O regime jurídico dos membros do MP deve ser similar ao dos membros da Advocacia Pública e da Defensoria Pública.

Seguindo o traçado constitucional, o Ministério Público é dividido em duas espécies: o da União e o dos Estados. O da União é subdividido em Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios. A Constituição de 1988 fortaleceu o papel social do Ministério Público. A sociedade brasileira espera dos membros dessa importante instituição o rigoroso cumprimento de suas obrigações normativas: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Constituição deu aos membros do Parquet uma estrutura normativa que lhes permitir agir com desassombro e combatividade.

Falo sobre a Advocacia Pública, que é a instituição que defende o Estado e o Governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e auxilia juridicamente o administrador público no exercício de suas atribuições. Há advocacia pública (melhor seria estatal) de âmbito federal, de âmbito estadual, de âmbito distrital e de âmbito municipal. No caso da advocacia pública federal esta nasceu de uma “costela” do Ministério Público Federal, acrescida da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e das procuradorias jurídicas das autarquias e fundações públicas federais. AGU e MPF são “irmãos siameses”. Por isso defendo que o regime jurídico dos membros das carreiras da AGU deve ser similar ao dos membros do Ministério Público.

Nos últimos 20 anos os membros da advocacia-geral da União têm conseguido granjear considerável avanço institucional, mas ainda é profundo o fosso que separa os advogados públicos federais dos membros do MPF. E esse fosso não é só de caráter remuneratório. É de auto-estima e de auto-respeito. Também carecem os advogados públicos federais de autonomia funcional, dentro de suas faculdades e atribuições, para que possam agir em obediência somente às Leis e à Constituição.[40]

Mas não devemos perder as esperanças nem baixar a guarda na luta pelas prerrogativas em defesa de uma instituição fundamental para consolidar o caráter legítimo e lícito do Estado brasileiro. Sem advocacia pública forte o administrador público é tentado ao cometimento de abusos governamentais. O advogado público é o primeiro “dique” de contenção contra os eventuais desvios do poder público.

Passo a falar da Defensoria Pública, que é o órgão estatal incumbido da assistência jurídica aos necessitados e carentes (hipossuficientes econômicos), que não podem contratar advogados nem são assistidos pelos membros do Ministério Público. É instituição reveladora da face humanística e da bondade constitucional. Os defensores públicos têm a difícil missão de, na seara criminal, defender os réus pobres. Normalmente esses réus, os pobres, que não podem contratar advogados particulares, ficam na dependência da intimorata atuação dos defensores. Sucede, todavia, que os investimentos públicos na Defensoria não têm sido suficientes para que esse órgão consiga alcançar e defender os miseráveis do Brasil, que ainda são vergonhosamente muitos. A Defensoria Pública é dividida em Federal e Estadual, assim como o Ministério Público.

Como dito, neste país as desigualdades sociais e econômicas são obscenas. Neste país, desgraçadamente, a pobreza é acintosa e pornográfica. É uma triste chaga que ainda possuímos. Apesar de todos os avanços econômicos e sociais obtidos nos últimos 20 anos, há um contingente de pessoas desumanizadas, que nada têm e possuem, e que são tratadas sem qualquer consideração e respeito. É uma dos mandamentos normativos constitucionais: erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF). Não é favor nem benesse governamental. É dever jurídico e moral. É tarefa não só do Estado, mas de toda a coletividade. É uma obrigação ética, daquele que pode ajudar, ajudar a quem precisa. Mas promessas jurídico-constitucionais não reduzem pobreza.[41] Pobreza se acaba com desenvolvimento econômico e investimentos sociais. [42] E, reitero, uma das colunas de viabilização do desenvolvimento econômico está na seriedade dos magistrados. Magistrados sérios, Instituições respeitáveis, ordenamento jurídico confiável. Sem isso, o desenvolvimento econômico e as melhorias das condições sociais ficam frágeis.

Retomo a questão da paridade constitucional entre as Funções Essenciais à Justiça. Conquanto o texto constitucional tenha aproximado juridicamente o membro do Ministério Público com o membro da magistratura, entendo que essa não seja a melhor solução, pois são suas funções ontologicamente distintas, como assinalei. No entanto, reconheço que graças a esse regime jurídico-constitucional similar, os membros do Ministério Público conquistaram importantes prerrogativas e vitórias corporativistas.

Nessa toada, penso que o regime jurídico dos membros do Ministério Público deve ser estendido aos membros da Advocacia Pública e da Defensoria Pública, pelas razões já alinhavadas. Mas, é preciso ser coerente. Se os membros da advocacia pública querem direitos similares, também devem ter obrigações similares aos dos membros do Parquet. Esse é um tema que merece ser objeto de reflexão: quem quer os mesmos direitos deve ter os mesmos deveres e responsabilidades.

Por fim, resta a advocacia. Em verdade, no cenário jurídico ou se “pede” ou se “decide”. Todo aquele que pede/postula/opina/requer/suplica exerce a advocacia. Quem “decide” exerce a judicatura. Em suma, ou se é advogado ou se é magistrado. Assim, como aludimos, o promotor é um advogado (da sociedade). O defensor é um advogado (dos carentes). O advogado público é, por óbvio, um advogado, só que tem como “cliente” o Estado/Governo. Todos eles pedem, postulam, requerem, opinam, mas nenhum decide. Quem decide é juiz ou tribunal. Quem manda prender ou soltar é juiz ou tribunal. Promotor pede (ou opina) para prender ou soltar. Defensor, em rigor, pede para soltar. Advogado também. Mas quem decide, insisto, é o juiz/tribunal. Por isso, reitero que não há paridade ontológica entre os que “postulam” e os que “decidem”, mas há paridade ontológica entre todos aqueles que “postulam”.

A advocacia é atividade profissional que orienta ou defende os interesses e os direitos das pessoas (físicas ou jurídicas). O advogado tem compromisso sagrado com o seu cliente. Ao aceitar o patrocínio de uma causa, o advogado se torna escravo de suas promessas.

A história da advocacia brasileira é das mais ricas e cheia de grandes profissionais que se destacaram na luta intimorata em defesa dos seus clientes, a despeito das pressões econômicas, sociais e políticas. Basta recordar os nomes dos gigantes Rui Barbosa e Sobral Pinto. Dois monstros sagrados da advocacia brasileira.

Nessa luta, especialmente nos momentos de castração das franquias políticas, surgia a força da instituição da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. A OAB, além de ser uma entidade corporativa, é uma instituição social em defesa da democracia e da ordem jurídica. A OAB é mais do que uma entidade de classe. Ela é uma importante “coluna” social em defesa dos interesses públicos do povo brasileiro e tem sido fundamental na consolidação da democracia brasileira.

Apesar disso, a OAB tem uma jaça em sua estrutura. O Presidente do Conselho Federal da OAB é “biônico”. Ele não é eleito diretamente pelos advogados brasileiros, mas indiretamente por um colégio eleitoral composto pelos Conselheiros Federais. Essa ausência de eleição direta enfraquece politicamente o Presidente do Conselho Federal, pois ele carece do necessário coeficiente de legitimidade representativa. Os advogados brasileiros olham para o Presidente do Conselho Federal não enxergam o seu legítimo representante, pois não participaram do processo de escolha dele. Não votaram nele. É preciso mudar essa estrutura. A OAB deve ser aberta e democrática. Não são convincentes as razões expostas em sentido contrário. Creio que todo advogado que tenha pelo menos 25 anos de experiência advocatícia poderia postular a candidatura ao cargo de Presidente da OAB. Sou um gerontocrata. Para mim, experiência de vida é indispensável para quem deseja ocupar funções sociais relevantes.

Mas quem é o advogado? É aquele que não sendo defensor, promotor, procurador público, ou seja, alguém que não tenha vínculo algum com o Estado, orienta ou defende quem lhe contrate.

Para finalizar este tópico. As Funções Essenciais à Justiça mereceram do constituinte um destaque normativo privilegiado. Há um motivo para isso. É que sem essas funções a Justiça ficaria “capenga” e dificilmente seria realizada. Mas, insisto, por melhor que seja o “advogado” (promotor, defensor, procurador público, consultor...) de nada adiantarão os seus esforços se os magistrados não forem honrados e corajosos. Os membros das Funções Essenciais à Justiça têm o sagrado direito de influir com suas peças, mas quem efetivamente tem o poder da decisão são os membros do Poder Judiciário (juízes e tribunais).


4 CONCLUSÕES

Eis algumas das nossas principais conclusões.

The West Wing, apesar de sua liberdade artística, capturou adequadamente a essência do modelo americano de escolha dos magistrados (Justices) da Suprema Corte. Revelou como os americanos gostariam que os seus magistrados fossem escolhidos e quais os critérios relevantes para as suas escolhas.

O modelo judicial americano não serve para a realidade brasileira. A nossa experiência cultural e as nossas necessidades não se conformariam com as nomeações de todos os magistrados do Poder Judiciário da União feitas diretamente pelo Presidente da República e que a dos magistrados do Poder Judiciário dos Estados feitas pelos Governadores ou eleitos pelo povo.

Com todos os seus “defeitos”, o concurso público é o melhor critério de escolha dos magistrados e de todos os “funcionários” que agem em nome do Estado ou que sejam pagos pelos cofres públicos.

Todavia, dos americanos devemos imitar a intensa participação social e pública no processo de escolha dos seus magistrados, especialmente dos que irão compor a bancada da Suprema Corte. O ocupante de cargo de magistrado do Supremo Tribunal é relevante demais para não ser vigiado, em todos os seus passos, e ter sua vida perscrutada em todas as esferas.

No Brasil a magistratura nos tribunais deve ser um prêmio de coroação a uma longa experiência e vida dedicada ao Direito. A indicação ao STF deve ser um reconhecimento a uma pessoa que seja justa e honrada, e que tenha um invejável currículo profissional, com sólida produção jurídica. Que sejam os indicados para os Tribunais pessoas admiráveis e respeitáveis. Notório saber jurídico e reputação ilibada não são “conceitos” vazios e indeterminados. São conceitos fechados. Todos sabemos quem os possui e quem não os possui.

As Funções Essenciais à Justiça são instituições relevantes para a adequada prestação jurisdicional e os seus membros devem ser tratados com respeito e consideração e devem ser livres e autônomos no exercício de suas atribuições, devendo obediência apenas ao Direito e à Justiça. Não há diferença ontológica entre os membros das Funções Essenciais à Justiça: todos postulam ou procuram influenciar os membros do Poder Judiciário. A diferença ontológica está entre os que “pedem” e os que “decidem”. Quem “pede” exerce um direito facultativo. O seu ato não causa prejuízos, nem pode ser desobedecido. Quem “decide” exerce um poder real. O seu ato decisório pode causar danos e prejuízos, pois altera a vida das pessoas. Seu ato (decisão) pode ser desobedecido. E se desobedecido, deve ser objeto de uma sanção institucionalizada.

Que nas próximas nomeações para os cargos judiciais (e para todos os demais cargos públicos) sejam mantidas as escolhas de pessoas honradas, que tenham um currículo apropriado para a respectiva função e que tenham compromissos reais com o Direito e com a Justiça.

E, para que não fique o sabor amargo de Shutruk Nahunte, evoco as sábias palavras de Winston Churchill, que foi, em minha opinião, o maior estadista do século XX e um homem que será recordado pelos próximos milênios. Eis suas palavras que tocam fundo nos corações das pessoas de bem:

O único guia para um homem é a sua consciência; o único escudo para a sua memória é a retidão e a sinceridade de suas ações (Winston Churchill, 1875-1964)[43]


Notas

[A] No filme “O clube do imperador”, na sala de aula do professor de história da civilização ocidental William Hundert (personagem interpretado pelo ator Kevin Kline), no pórtico consta uma placa na qual está inscrito o nome do citado Shutruk Nahunte, simbolizando que a aludida figura não entrou para a história, não constava nos livros, e é um ilustre desconhecido, pois não deixou nenhuma contribuição relevante para a sociedade, diferentemente de personalidades como Alexandre Magno, Júlio César e outras figuras que deixaram o seu nome timbrado na história ocidental. Ou seja, mais importante do que os “cargos” ocupados, o que vale realmente é o que foi feito de bom e de útil para a coletividade ou pelo menos a real intenção de fazer algo de bom e de útil para os seus semelhantes. (O CLUBE DO IMPERADOR. The Emperor’s Club. Direção de Michael Hoffman. Produção de Marc Abraham e outros. Escrito por Ethan Canin e Neil Tolkin. Estrelado por Kevin Kline e outros. Distribuído por Universal Pictures. Estados Unidos, 2002).

[B] A imprensa tem noticiado algumas posturas terríveis de alguns interessados desesperados nas nomeações para cargos públicos. Sempre que vejo ou tomo conhecimento dessas notícias, em relação à pessoa desesperada para ocupar cargo importante, como a de ministro ou desembargador de Tribunal, por exemplo, colocando em risco a sua auto-estima, o seu bom nome, a sua honradez e sua futura biografia, recordo-me do nome de Shutruk Nahunte. Com efeito, essas pessoas desesperadas querem o cargo pelo cargo e dificilmente deixarão algo de bom ou farão algo de relevante e útil que mereça ser lembrado de modo positivo. Infelizmente, essas pessoas desesperadas pelos cargos estão dispostas a quase tudo e amam os cargos mais do que a si mesmas. É uma lástima. Cuide-se que nada obstante referir-me a cargos judiciais, o látego também fere os apaixonados por “DAS” e “NES” (Poder Executivo federal - inclusive nas instituições a que estou vinculado: Advocacia-Geral da União e Ministério da Fazenda), de modo que não são poucos os que se comportam como sabugos subservientes, inclusive alguns com ridícula exposição pública. Penso que o cargo deve ser oferecido até o eventual ocupante, e não o futuro ocupante oferecer-se para o cargo. Ou seja, o eventual interessado não deve beijar as mãos nem lamber os pés de ninguém, especialmente do governante ou ir rastejando até pessoa poderosa (ou não) que possa nomeá-lo (ou ajudar na sua nomeação) para o suposto cargo de magistrado de tribunal. Isso desonra a investidura e macula indelevelmente o “escolhido”. O correto é o nome do futuro ocupante vir a ser lembrado por figuras respeitáveis. Houve um tempo em que o magistrado era convidado. De uns tempos para cá, infelizmente, como tem noticiado a imprensa, muitos se oferecem, descem ao balcão da pouca vergonha e da safadeza. Trocam favores e promessas indecentes para conseguirem a nomeação. Usam de dossiês falsos. Tristes esses novos tempos, e continuam tristes esses nossos trópicos. Tempo de mudar essas práticas aviltantes e inapropriadas para a dignidade do nosso sistema constitucional.

[C] The West Wing foi um seriado da TV norte-americana exibido entre os anos de 1999 e 2006, em 156 episódios. Era um seriado ficcional (e idealista, com pitadas de realismo) que apresentava o cotidiano da “Ala Oeste” da Casa Branca, onde funciona a parte governamental da presidência dos Estados Unidos da América. Nessa série dramática, o Presidente dos Estados Unidos da América do Norte era Josiah (Jed) Bartlet, interpretado pelo ator Martin Sheen, e era apresentado como o “líder do Mundo livre”, um democrata, católico, prêmio Nobel de economia e homem moralmente íntegro e preocupado com os seus semelhantes americanos e com os semelhantes dos povos das outras Nações. (THE WEST WING. Criação de Aaron Sorkin. Estrelado por Martin Sheen e outros. Produção da Warner Bros. Television. Estados Unidos: 1999-2006).

[D] A Suprema Corte dos Estados Unidos da América é o mais importante Tribunal judiciário do mundo. Suas decisões são usadas como linha de orientação por vários outros Tribunais. É comum nas decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro a utilização de precedentes da Corte americana.

[1] BARBOSA, Rui. Atos inconstitucionais. Campinas: Russel, 2003, p. 19. Disse o insuperável mestre e exemplo de advogado: “Nesta excursão pelas novidades de um regime inteiramente sem passado entre nós, através dos artifícios, com que as conveniências e os infortúnios de uma época anormal lhe vão solapando o solo, e cavando-lhe mina a mina o esboroamento, nossa lâmpada de segurança será o direito americano, suas antecedências, suas decisões, seus mestres. A Constituição brasileira é filha dele, e a própria lei nos pôs nas mãos esse foco luminoso, prescrevendo, nos artigos orgânicos da justiça federal, que os ‘estatutos dos povos cultos, especialmente os regem as relações jurídicas na República dos Estados Unidos da América do Norte, os casos de common law e equity serão subsidiários da jurisprudência e processo federal”.

[2] A comprovar basta um singelo lançamento em qualquer site de busca da internet dos itens “Supreme Court” “Arts” “Films” “Movies” “TV” etc. Será copiosa a lista que surgirá.

[3] A comprovar basta lançar em qualquer site de busca o termo “Supreme Court”.

[4] Sobre os rótulos constitucionais “ministro” e “desembargador” já tive oportunidade de me manifestar em texto intitulado “O regime jurídico-constitucional dos Tribunais Superiores” in Processo nos Tribunais. Coordenação Marcelo de Andrade Feres e Paulo Gustavo M. Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2006. O aludido texto também está disponível na rede mundial de computadores (internet).

[5] Sobre a liberdade de expressão a passagem pedagógica de manifestação do ministro Celso de Mello, atual decano da Suprema Corte nos autos da ADPF 130: A liberdade de expressão representa, dentro desse contexto, uma projeção significativa do direito, que a todos assiste, de manifestar, sem qualquer possibilidade de intervenção estatal ‘a priori’, o seu pensamento e as suas convicções, expondo as suas ideias e fazendo veicular as suas mensagens doutrinárias. (MELLO, Celso de. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130. Relator ministro Ayres Britto. Plenário. Julgamento em 30.4.2009. Acórdão publicado em 6.11.2009).

[6] DARWIN, Charles. A origem das espécies. Tradução de John Green. São Paulo: Martin Claret, 2006.

[7] Sugiro a leitura de Ferdinand Lassalle (A essência da Constituição) e de Konrad Hesse (A força normativa da Constituição) para que o leitor faça sua opção ideológica acerca do papel da Constituição na regulação da vida social.

[8] Em defesa da força normativa do direito legislado fruto das atividades parlamentares veja-se: WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

[9] Sobre o sistema norte-americano visitei os seguintes textos: Constituição dos Estados Unidos da América (www.senate.gov);  Os Artigos Federalistas, de James Madison, Alexander Hamilton e John Jay (editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1987); Princípios Gerais de Direito Constitucional nos Estados Unidos da América, de Thomas M. Cooley (editora Russel, Campinas, 2002); A Constituição Viva dos Estados Unidos, de Saul K. Padover (editora IBRASA, São Paulo, 1987); A Constituição norte-americana e seu significado atual, de Edward S. Corwin (editora Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1986); A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano, de Lêda Boechat Rodrigues (editora Forense, Rio de Janeiro, 1958); Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo, de René David (editora Martins Fontes, São Paulo, 1998); American Constitutional Law, de Laurence H. Tribe (editora Foundation Press, New Yorki, 2000); Introdução ao Sistema Jurídico Anglo-Americano, de Toni M. Fine (editora Martins Fontes, São Paulo, 2011); O direito da liberdade – a leitura moral da Constituição norte-americana, de Ronald Dworkin (editora Martins Fontes, São Paulo, 2006); Direito nos Estados Unidos, de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (editora Manole, São Paulo, 2004); e Outline of the U. S. Legal System, do Bureau of International Information Programs – U. S. Department of State (www.state.gov).

[10] Para mim, os autores que fazem (e fizeram) a doutrina constitucional no Brasil, por meio de manuais, são os seguintes e atuais (já verdadeiros clássicos): José Afonso da Silva, Paulo Bonavides, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Luís Pinto Ferreira, Nelson Saldanha, José Horácio Meirelles Teixeira, José Alfredo Baracho, Raul Machado Horta, Orlando Soares, Inocêncio Mártires Coêlho, Carlos Ayres Britto, Celso de Mello, Celso Ribeiro Bastos... Há bons representantes da nova geração de constitucionalistas como Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gonet Branco, Luís Roberto Barroso, José Luiz Quadros de Magalhães, Márcio Augusto Vasconcelos Diniz, Marcelo Cattoni, José Alfredo Baracho Jr., Virgílio Afonso da Silva, Elival da Silva Ramos, Uadi Lamego Bulos, Alexandre de Moraes, André Tavares, Dirley da Cunha Jr., Juliano Taveira Bernardes dentre outros...

[11] Não “fulanizo” nem jogo “carapuças”, mas enxergo algumas movimentações presentes e vejo, preocupado, os nomes de algumas figuras como lembrados para provável indicação para o Supremo Tribunal Federal. Conquanto não tenha qualquer objeção ao caráter de ninguém, alguns nomes que a imprensa tem suscitado não têm estofo jurídico para a cátedra do STF. Basta ver o currículo desses “supremáveis”. Não há nenhuma produção jurídica relevante. Não há nada, salvo a ocupação de cargos relevantes, em alguns casos. Mas a importância do cargo não torna o seu ocupante alguém importante. Às vezes, até apequena o próprio cargo. No Brasil há juristas (profissionais ou catedráticos) à altura do STF. Todos sabemos quem são esses juristas com qualidades para serem alçados ao Tribunal. Também sabemos quem são aqueles que não têm nenhuma condição de serem ministros da Corte, a despeito de eventual cargo importante que tenha ocupado ou que esteja ocupando. Há cargos bem maiores que os seus ocupantes. Ou melhor, há ocupantes pequenos nos grandes cargos públicos.

[12] Na versão brasileira “A Lista Tríplice” (www.warnerbrosvideo.com.br)

[13] Todos os atuais 9 Justices passaram ou por Harvard ou Princeton ou  Yale. Todos eles. A filtragem acadêmica é uma faceta do modelo judicial norteamericano.

[14] Na versão brasileira “Os Supremos” (www.warnerbrosvideo.com.br).

[15] Na versão brasileira “Separação dos Poderes” (www.warnebrosvideo.com.br)

[16] Roe v. Wade é uma das principais decisões da história da Suprema Corte. Um lançamento em qualquer site de buscas confirmará a expressiva quantidade de material sobre esse julgamento.

[17] As primeiras 10 emendas à Constituição foram chamadas de “Bill of Rigths”, de 1791. Posteriormente foram ratificadas outras 27 emendas à Constituição, sendo a última (a 27ª) em 1992.

[18] As mutações constitucionais ou modificações informais da Constituição consistem na mudança do sentido normativo dos enunciados constitucionais, sem que tenha havido mudança nas palavras textuais. Ou seja, o enunciado (a palavra) permanece inalterada, mas o sentido é que modifica. Essa mudança de sentido decorre da mudança de paradigmas ou de circunstâncias sociais, econômicas, culturais, históricas etc. que impliquem uma verdadeira nova conformação normativa. Exemplo sempre recordado é o do termo igualdade. Em seu nome se justificou a clivagem entre brancos livres e escravos negros. Posteriormente, em seu nome (a igualdade) se justificou o tratamento diferenciado e separado entre brancos e negros, com a cláusula “iguais, porém separados”. E em seu nome se tem justificado que tanto os brancos quanto os negros têm igual dignidade e são merecedores de igual respeito e consideração.

[19] LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitucion. Barcelona: Ariel, 1976, pp. 199-205

[20] Os Artigos Federalistas ns. 78 a 83. Colho a seguinte passagem desses artigos fundadores: “Caso se diga que os membros do corpo legislativo são eles mesmos os juízes constitucionais dos próprios poderes e que a interpretação que lhes conferem impõe-se conclusivamente aos outros setores, pode-se responder que esta não pode ser a presunção natural a menos que pudesse ser deduzida de cláusulas específicas da Constituição. De outro modo, não há por que supor que a Constituição poderia pretender capacitar os representantes do povo a substituir a vontade de seus eleitores pela sua própria. É muito mais sensato supor que os tribunais foram concebidos para ser um intermediário entre o povo e o legislativo, de modo a, entre outras coisas, manter este último dentro dos limites atribuídos a seu poder. A interpretação das leis é o domínio próprio e particular dos tribunais. A Constituição é de fato uma lei fundamental, e como tal deve ser vista pelos juízes. Cabe a eles, portanto, definir seus significados tanto quanto o significado de qualquer ato particular procedente do corpo legislativo. Caso ocorra uma divergência irreconciliável entre ambos, aquele que tem maior obrigatoriedade e validade deve, evidentemente, ser preferido. Em outras palavras, a Constituição deve ser preferida ao estatuto, a intenção do povo à intenção de seus agentes. Esta conclusão não supõe de modo algum uma superioridade do poder judiciário sobre o legislativo. Supõe apenas que o poder do povo é superior a ambos, e que, quando a vontade do legislativo, expressa em suas leis, entra em oposição com a do povo, expressa na Constituição, os juízes devem ser governados por esta última e não pelas primeiras. Devem regular suas decisões pelas leis fundamentais, não pelas que não são fundamentais”.

[21] GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Obra citada, pp. 1-12.

[22] FINE, Toni M. Obra citada, pp. 31-48.

[23] Valioso o magistério doutrinário de Ronald Dworkin (O direito da liberdade, Capítulo III Juízes, pp. 417-554) sobre as indicações de Robert Bork e de Clarence Thomas, bem como pela não indicação daquele que na sua opinião foi o maior juiz da história americana: Learned Hand.

[24] Sobre o alcance e significado do direito comparado sugiro a leitura da obra de René David (Os grandes sistemas de direito contemporâneo...).

[25] A aplicação direta de fórmulas jurídicas estrangeiras, sem a devida e necessária adaptação é equivocada. Seria o mesmo que vestir um “macaco de smoking” e querer que ele se comportasse como um “cidadão elegante” bebendo “champagne”. Ora, um macaco, mesmo vestindo um smoking, continua sendo um macaco, só que vestido de smoking. E esse macaco não vai dançar uma “valsa vienense”. Provavelmente, vestido de smoking irá comer bananas, subir nas árvores e se comportar como um macaco. Mas, certamente, aquele que o vestira com o smoking ficará espantado, pois se o “hábito faz o monge”, como é que um “smoking” não faça de um macaco um cidadão? O mesmo espanto sente o “jurista” que importa leis de outros povos e não entende como essas leis não funcionam do mesmo modo, como se a aplicação da lei fosse algo mecânico, de sponte propria. As leis são convenções lingüísticas que devem estar em sintonia com os acordos e com as práticas sociais. Lei tem braço e boca? Não. Quem tem pernas, braços e bocas são as pessoas humanas. Os textos normativos são como “partituras musicais”. Para uma boa execução se faz necessário uma boa orquestra (ou bons cidadãos, no caso do Direito). Em suma, o direito que serve para um povo, serve para esse povo. Talvez não sirva para outro povo. Daí porque o estudo do direito comparado não pode ser o estudo apenas dos textos normativos, mas deve ser o estudo das experiências, das realidades, dos valores e das circunstâncias de cada povo. Direito comparado não é apenas comparação de textos, insisto, é comparação de realidades e de experiências.

[26] No Brasil há quem confunda Poder Judiciário da União com Poder Judiciário Federal, ou Justiça da União com a Justiça Federal. Toda justiça federal é justiça da União, mas nem toda justiça da União é federal. Os juízes do trabalho são membros da magistratura da União, mas não são juízes federais. O mesmo sucede com os juízes de direito do Distrito Federal e Territórios. Ou com os “juízes eleitorais”. Juiz federal é o magistrado competente para julgar as causas em que a União Federal seja parte ou as causas que lhes sejam constitucionalmente atribuídas. Eis porque soa equivocada a expressão “Juiz Federal do Trabalho” ou, para piorar, “Desembargador Federal do Trabalho”. Nessa toada, logo logo surgirão os “Desembargadores das Turmas Recursais dos Juizados Especiais” e os “Ministros da Turma de Uniformização Nacional dos Juizados Especiais”... Todos deveriam ser rotulados apenas de Juiz. Nada de Ministro ou de Desembargador. Apenas Juiz, indicando o seu Tribunal.

[27] Lei Complementar n. 35, de 14.3.1979.

[28] Os enunciados constitucionais sobre as remunerações pagas pelos cofres públicos são “bizarros”. Deveria constar apenas o seguinte: A remuneração dos agentes públicos será definida em Lei. A Lei que cuidar da remuneração dos agentes públicos observará os princípios constitucionais da isonomia, da moralidade, da eficiência, e das reais possibilidades financeiras dos cofres públicos.

[29] “Desembargador” é expressão anacrônica e remonta ao passado reinol do Brasil. Sobre a terminologia dos magistrados já escrevi: 10 A vaidade nominal chegou ao paroxismo com os magistrados pertencentes aos tribunais regionais federais. Suas excelências alteraram os regimentos internos dos mencionados tribunais para receberem o rótulo de Desembargadores Federais. A justificativa, segundo eles, é o fato de que os magistrados que compõem os tribunais de justiça são rotulados como Desembargadores. É pura vaidade. O texto constitucional fala em Juiz do Tribunal Regional Federal, não em Desembargador. Segundo o texto constitucional, Desembargador (também anacronismo reinol) é o magistrado do tribunal de justiça. Talvez o STF dê um basta nessa fútil vaidade e declare inconstitucionais essas modificações nos regimentos desses tribunais regionais federais. A Emenda Constitucional nº 45/2004 poderia ter disposto que todos os magistrados, independentemente do tribunal, serão denominados de juízes. Mas aí a vaidade dos atuais desembargadores e ministros não permitiria tamanha igualdade nominal. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, já dizia o Eclesiastes. (ALVES JR., Luís Carlos Martins. O regime jurídico-constitucional dos tribunais superiores. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 788, 30 ago. 2005. Disponível em: HTTP://jus.com.br/revista/texto/7217. Acesso em: 26 jul. 2012.

[30] Pessoalmente sou contrário ao quinto (ou terço) constitucional. Entendo que para ingressar na magistratura o interessado deve ser aprovado no rigoroso e sacrificante concurso público. Tem de sentar e estudar muito. Fazer carreira na judicatura e ir ascendendo para o respectivo Tribunal de “apelação” e para o respectivo “Superior” (ou STJ ou TST ou STM). O quinto (ou terço) constitucional é uma forma lícita (porém inconveniente) de ingressar na magistratura. É o ingresso pela “janela”. A famosa “oxigenação” do “quinto” é uma falácia (ou verdadeira bobagem). Advogado ou Promotor “oxigena” peticionando, argumentando, provocando a Corte. Magistrado decide. Advogado e Promotor postulam, pedem. Ademais, com a criação do CNJ já a participação da “sociedade” no Judiciário. Perdeu o sentido o quinto/terço constitucional. Abro exceção apenas para o STF, pois a “Corte Constitucional” deve ser politicamente plural, e devem ter mandato de 8 anos os seus magistrados. Mas para os demais tribunais (segundo grau e superiores) as vagas devem ser somente para magistrados de carreira, dentre sempre os mais antigos, e que tenham longos serviços prestados à sociedade. Todavia, como há essa lícita possibilidade de ingresso na magistratura, que a OAB e o Ministério Público procurem indicar bons nomes para a dignidade dessas instituições e que os Tribunais saibam escolher os seus futuros membros. Como disse, é lícito ingressar via quinto (ou terço) constitucional, mas é um “balde de água fria” para quem se submeteu ao rigoroso e sacrificante concurso público e que fez carreira na judicatura. É o que penso.

[31] Ministro também é expressão anacrônica e reinol. O melhor seria que todos os magistrados fossem rotulados como juízes: juiz do STF; juiz do STJ etc. Mas será que a vaidade permitiria tamanha igualdade?

[32] Sobre esse tema já tive oportunidade de me pronunciar em outro texto: “Qualquer brasileiro nato com mais de 35 anos pode ser ministro do STF? Não. Não é qualquer um que pode ser alçado às elevadas funções de ministro da Corte. Tem de ser possuidor de notável saber jurídico e de reputação ilibada. A razão de ser desses requisitos consiste na missão que se lhe destina: palavra definitiva do que seja a Constituição. É uma missão por demais honrosa e de grave impacto quanto nas relações sociais e institucionais dos brasileiros e do Brasil. Esse modelo parece-me não ser o mais indicado. O STF há de ser o coroamento de uma carreira dedicada ao Direito, e não o seu ponto de partida. Em vez de 35 anos de idade, deveriam ser 35 anos de experiência jurídica, seja como prático (magistrado, membro do Ministério Público ou da Advocacia Pública ou da Defensoria Pública, ou advogado) seja como “catedrático” (professor, consultor, pesquisador etc.). A comprovação do notável saber jurídico adviria justamente dessa longa experiência e dos trabalhos jurídicos (petições, pareceres, decisões) apresentados nesse período, e não apenas de eventuais cargos que tenham sido ocupados pelos postulantes. Ministro do STF tem de chegar pronto na Corte. O STF não é lugar de quem esteja aprendendo Direito, é lugar de quem já sabe Direito. Também entendo que em vez de ser vitalício, o cargo deveria ser temporário, com mandato de 8 anos. Também defendo que o quórum de aprovação deveria ser de 2/3 dos membros (senadores) do Senado da República, de sorte a exigir que seja indicado um nome respeitável e de consenso junto à classe política e junto à sociedade. A Ordem dos Advogados do Brasil, a Procuradoria-Geral da República e o Conselho da República deveriam opinar sobre o nome do indicado para essa alta função. Supremo é Supremo. É lugar de gente séria e respeitável, seja no aspecto moral, seja no aspecto jurídico-intelectual. Insisto e faço trocadilho: Supremo é a coroação suprema de uma carreira jurídica admirável.  O mesmo se aplica para os outros Tribunais Superiores e, por que não, para os demais Tribunais brasileiros, pois o exercício da magistratura pressupõe seriedade moral, sensibilidade social e alto conhecimento jurídico.” (ALVES JR., Luís Carlos Martins. O devido processo legal na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, à luz do realismo jurídico de Alf Ross. Texto no prelo para futura publicação).

[33] A rigor, à luz do princípio republicano, mandamento constitucional fundante, nenhuma pessoa poderia ocupar cargos eletivos ou decorrentes de nomeações ou indicações por mais do que 8 anos. Ou seja, ninguém poderia ocupar a mesma “função comissionada” ou o mesmo “NES” ou “DAS” por mais do que dois mandatos presidenciais. Assim, toda pessoa que tem ocupado por mais de 8 anos um “cargo de livre nomeação ou exerce uma função comissionada” deveria abrir mão desse “cargo”. Será que não há outras pessoas capazes? Será que somente essa pessoa é talhada e qualificada para esse “cargo” ou “função”? Insisto: é anti-republicano ficar mais do que 8 anos em qualquer “cargo” ou “função”. Deveria haver um rodízio de ocupantes. Essa é a mensagem do princípio republicano. Os “cargos” e “funções” públicas não têm donos. São rotativos. Penso que o prazo de 8 anos seja mais do que suficiente. Logo, entendo, que todo aquele que ocupa “cargo” ou “função” há mais de 8 anos deveria ser substituído ou deveria pedir para sair. Certamente há outras pessoas qualificadas para o exercício dessas funções. É preciso viver sem os “DAS” e “NES”, sem as “pompas” e “circunstâncias” dos cargos. É preciso um pouco mais de igualdade republicana na administração brasileira.

[34] A mudança de competência do STF se faz urgente. O tribunal deveria julgar apenas os recursos extraordinários e os habeas corpus em face dos acórdãos dos Tribunais Superiores. E deveria julgar apenas as ações diretas de inconstitucionalidade, as ações declaratórias de constitucionalidade e as arguições de descumprimento de preceito fundamental. E só. Todas as ações, exceto as citadas, deveriam começar na primeira instância, sem qualquer tipo de privilégio. Dever-se-ia reinstituir a “avocatória” para todos os Tribunais, de modo que em situações excepcionais o tribunal avocasse uma determinada questão. Deveria ser extinto o “foro privilegiado”. O “privilégio de função” é anti-republicano. O foro deveria ser apenas territorial para o ocupante de cargos públicos/políticos. Mas, lamentavelmente, neste País, nem todos querem ser tratados como iguais. Estamos longe da ideia de “igualdade complexa”, vivemos a era da “igualdade simples”. Traduzindo para nossa realidade. Na “igualdade simples” o “poderoso” (presidente, ministro, senador, empresário etc.) quer ser tratado como “poderoso” o tempo todo e em todo lugar, inclusive na fila da padaria ou no consultório médico. Ou seja, essa pessoa “poderosa” quer levar os seus “títulos” para qualquer “esfera da vida”. Em um jogo de futebol, por exemplo, ele não é apenas mais um jogador, mas é um “ministro” e quer jogar, mesmo sendo um “perna-de-pau” (WALZER, Michael, Esferas da Justiça, Martins Fontes, São Paulo, 2003).

[35] É preciso confiar na primeira instância. Os receios contra os “abusos judiciários” em relação aos magistrados de primeiro grau são infundados. Pessoalmente, confio muito mais na sentença de um juiz aprovado em dificílimo concurso público do que na decisão de um magistrado nomeado graças aos seus contactos políticos. Quem merece maior credibilidade: alguém que estudou muito e foi aprovado em um certame sacrificante ou quem conseguiu sua nomeação graças à “magia dos encantos políticos”?

[36] A despeito da existência de excelentes assessores, não são esses – os assessores – que serão sabatinados, nem são eles os verdadeiros magistrados. Magistrado é magistrado. Assessor é assessor.

[37] Cuide-se, a bem da verdade, que nas duas nomeações que estiveram sob sua responsabilidade a Presidenta Dilma Roussef indicou dois respeitáveis magistrados com mais de 35 anos de carreira. Que Sua Excelência mantenha essa orientação: ilustrados juristas com mais de 35 anos de experiência profissional.

[38] Segundo Lêda Boechat Rodrigues (História do Supremo Tribunal Federal, Rio de Janeiro, editora Civilização Brasileira, 1967, p. 110), o Presidente da República Afonso Penna teria constrangido a Pedro Lessa para que aceitasse o cargo de ministro do STF dizendo-lhe que a Constituição lhe determinava escolher o melhor jurista e que ele cumprira com o dever constitucional e que Pedro Lessa deveria cumprir com o dele: aceitar o cargo. Velhos tempos. Segundo noticia a imprensa há uma guerra suja de dossiês e de troca de apoios e favores para as nomeações para os cargos da magistratura.

[39] Como pai de dois pequeninos filhotes (um de 6 anos e outro de 4) tenho assistido a inúmeros filmes infantis. Em um deles - Procurando Nemo (Finding Nemo, Direção de Andrew Stanton, Produção da Pixar/Disney, Estados Unidos, 2003), há as interessantes figuras dos “tubarões vegetarianos”. Um “tubarão vegetariano” contraria a sua natureza animal, a sua essência existencial. No entanto, assim que ele sente o “cheiro e o sabor do sangue”, ele volta a sua essência e natureza. Pois bem, o mesmo sucede com aquele que detém o poder. Ele pode até se controlar, mas na primeira oportunidade para abusar, ele tende a abusar. É da sua essência, é da natureza do poder o seu abuso. E isso se aplica para todos: Presidente da República, Ministros de Estado, Governadores, Prefeitos, Parlamentares, Magistrados, Policiais etc. Eis a razão de ser das leis e da Constituição: limitar o poder para que ele – o poder – não seja objeto de abusos. Mas só boas leis não bastam, precisamos de boas pessoas. As leis e os homens devem ser justos e decentes.

[40] Tramita no CNJ uma questão acerca da cessão de advogados públicos federais para a assessoria de magistrados. Sobre esse tema evolui de entendimento. Outrora não via problema algum. Via, inclusive, como algo salutar e que prestigiaria a carreira. Hoje penso diferente. Creio que um advogado público federal não deva ser assessor de ninguém. Nem de magistrado, nem de membro do Ministério Público ou de membro da Defensoria Pública. Isso, ao meu sentir, é, como diriam os antigos romanos uma  “diminuição de capacidade”. É colocar (e se colocar) em situação de subalternização. Advogado público federal não é subalterno de magistrado. É postulante perante esse magistrado. Defendo a proibição da cessão de advogado público federal para assessoria nos Tribunais, no MPF e na DPF. Para prestar assessoria, os magistrados dispõem de analistas aprovados em concurso público. Essa tarefa, de assessoria, é para analista, não é para advogado público federal. Um membro da advocacia pública federal deve prestar assessoria/consultoria a Ministro de Estado, ao Presidente de uma autarquia ou fundação pública, a um Parlamentar federal, pois este não tem conhecimentos jurídicos e a palavra do advogado público federal seria “lei” para ele. Mas nunca para um magistrado, seja de que tribunal for, inclusive do STF, STJ, TRFs etc. Sei que o principal atrativo, além da experiência de atuar em um gabinete judicial, é o de caráter econômico e que há um substantivo aumento na remuneração do advogado público federal. Mas esse problema remuneratório só revela o quanto nós, advogados públicos federais, estamos recebendo um tratamento remuneratório inadequado, se comparados aos membros do MPF. Alguém vislumbra um procurador da República assessor de magistrado? Ou um defensor público? Ouvi de um colega procurador de Estado (advogado público) que nenhum membro de sua PGE aceitaria ser assessor de qualquer magistrado, seja de que tribunal for, nem mesmo do STF ou do STJ. Está mais do que na hora de nós advogados públicos federais nos opormos a essa prática que nos subalterniza e que depõe contra a dignidade de nossa função. Mas o caminho encontra grandes obstáculos e inimigos dentro da própria instituição, que muitas vezes tem sido conduzida por pessoas mais preocupadas consigo próprias e com suas ambições pessoais ou profissionais do que com o desenvolvimento da corporação. Há, inclusive, quem compare a advocacia pública federal a um exército, sendo os advogados públicos federais verdadeiros soldados e o ministro-chefe da Instituição como um grande general. Terrível comparação. Mas se eu fosse usar dessa comparação militar, faria como o poeta alemão: “leões comandados por cordeiros”. Se a AGU é um exército, ela tem sido um exército de bravos leões comandados por mansos e obedientes cordeiros. É o que penso.

[41] Sugiro a leitura de Manual do Perfeito Idiota Latinoamericano e A Volta do Idiota, livros de autoria de Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montagner e Mario Vargas Llosa. Esses livros são um “soco no estômago” de quem acredita que as promessas/mentiras normativas melhoram a realidade social e econômica das pessoas, e que na América Latina o Estado é um dos grandes responsáveis pela situação de opressão que muitos vivenciam.

[42] Sugiro a leitura de Saga brasileira – a longa luta de um povo por sua moeda, autoria de Miriam Leitão.

[43] Trecho de discurso de Winston Churchill em homenagem póstuma a Neville Chamberlain, morto em 10.11.1940 (LUKACS, John. Churchill e o discurso que mudou a história: sangue, trabalho, lágrimas e suor. Tradução de Maria Luiza Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 103).


Em homenagem à judoca piauiense Sarah Menezes, que com muito treino, esforço e dedicação conquistou medalha de ouro nas Olimpíadas de Londres, neste ano de 2012.


Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. The West Wing e os justices da Suprema Corte dos Estados Unidos. Uma brevíssima análise sobre como um seriado de TV enxerga a nomeação dos juízes americanos e um pretexto para analisarmos a magistratura brasileira e as funções essenciais à Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22350. Acesso em: 18 abr. 2024.