Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/22461
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Positivismo Jurídico de Bobbio

Positivismo Jurídico de Bobbio

Publicado em . Elaborado em .

Ao organizar e desenvolver as propostas juspositivistas anteriores, Bobbio acabou por apontar dificuldades teóricas e práticas que não podem ser superadas satisfatoriamente sob o pano de fundo do Paradigma por ele mesmo adotado. Assim, percebe-se uma crise do Positivismo Jurídico e, consequentemente, a necessidade da construção de um novo Paradigma.

Resumo: O referente do presente texto consiste em apresentar apresentar as características da versão do Positivismo Jurídico desenvolvida por Norberto Bobbio, a qual representa um aprimoramento perante as versões juspositivstas clássicas de Hans Kelsen e de Herbert Lionel Adolphus Hart, com vistas à verificar suas contribuições para Ciência do Direito no tocante às suas quatro plataformas elementares, consistentes nas teses da Norma, das Fontes, do Ordenamento e da Decisão Judicial.

Palavras-chave: Positivismo Jurídico. Moral. Ordenamento Jurídico.


INTRODUÇÃO

O referente do presente texto consiste em apresentar apresentar as características da versão do Positivismo Jurídico desenvolvida por Norberto Bobbio, a qual representa um aprimoramento perante as versões juspositivstas clássicas de Hans Kelsen e de Herbert Lionel Adolphus Hart, com vistas à verificar suas contribuições para Ciência do Direito no tocante às suas quatro plataformas elementares, consistentes nas teses da Norma, das Fontes, do Ordenamento e da Decisão Judicial.

A hipótese central diz respeito à necessidade de verificar se as ponderações e correções ad hoc efetuadas pelo autor são suficientes para superar as anomalias verificadas no modelo disciplinar juspositivista. Com efeito, em uma tríade de textos anteriormente publicados, intitulados de A Revolução na Teoria do Direito, A Centralidade Material da Constituição e A Complexidade da Norma Jurídica, foram expostos argumentos contrários à correção do Juspositivismo nos aspectos descritivo (empírico) e prescritivo (normativo), recomendando a sua superação paradigmática. Outrossim, o objetivo aqui é verificar se as retificações propostas por Bobbio são suficientes para superar tais dificuldades.  

Assim, na primeira seção, serão traçadas algumas considerações preliminares acerca do desenvolvimento dos estudos do autor. Na segunda parte, mais substancial, efetua-se a apresentação das principais características do Juspositivismo Crítico, com vistas ao esclarecimento das peculiaridades que identificam esta versão da base disciplinar.

Ao final, em sede de conclusão, será exposta uma análise quanto à eficácia da proposta bobbiana para manutenção do Paradigma do Positivismo Jurídico.

No concernente à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado o método indutivo, na fase de tratamento de dados o cartesiano, e, o texto final foi composto na base lógica dedutiva. Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica. Ademais, é muito importante destacar que as menções ao modelo juspositivista partem da análise previamente elaborada acerca das proposições teoréticas de Kelsen e de Hart, exposta na tríade de textos que antecedeu este artigo, antes indicada.


1. Considerações propedêuticas

Norberto Bobbio organizou uma teoria do Direito positivista com base no legado teórico de Hans Kelsen[1]. Segundo o próprio cientista italiano, seus estudos representam “ora um complemento, ora um desenvolvimento” da obra kelseniana[2], porém, sob o viés de um Positivismo Jurídico “crítico”, pois pretensamente “não rígido nem ideologicamente conotado”[3].

O pensamento de Bobbio sobre a teoria do Direito pode ser extraído de dois cursos que ministrou na Universidade de Turim (Università di Torino), nos anos de 1957-58 e 1959-60, que resultaram em duas obras homônimas, bem conhecidas da academia jurídica brasileira, intituladas Teoria da Norma Jurídica[4] e Teoria do Ordenamento Jurídico[5]. Posteriormente, ambos os textos foram ampliados e aglutinados em um único volume, chamado de Teoria Geral do Direito[6], que será empregado como referência primária nesta parte do trabalho. Adicionalmente, a temática é abordada no livro Da Estrutura à Função: Novos Estudos de Teoria do Direito[7], composto por dez artigos, nos quais o autor traça considerações acerca da importância dos estudos tanto da função do sistema jurídico, outrora analisado apenas sob o enfoque estrutural, quanto do seu aspecto promocional.

Antes de iniciar a exposição, lembra-se que o autor em tela, homem de reconhecida formação cultural enciclopédica, seguia a tradição acadêmica de explicitar as principais vertentes teóricas existentes sobre os temas e, somente depois de analisá-las criticamente, geralmente através das técnicas de díades e tríades[8], apresentava suas conclusões ou expunha eventual filiação a alguma corrente. Logicamente que, por não se tratar de um resumo das obras que ele escreveu sobre o assunto, serão abordados apenas os pontos efetivamente relevantes ao referente proposto, partindo-se diretamente para os resultados das análises, sem esmiuçar todas as eventuais teorias que foram explicadas ou cotejadas.


2. O Positivismo Jurídico Crítico

Dentre as características do Positivismo Jurídico Crítico, primeiro, cabe referir que, para o autor, as Normas Jurídicas são proposições prescritivas, ou seja, um conjunto de palavras cujo significado visa influenciar o comportamento humano[9]. Percebe-se, então, que a Norma é analisada segundo critérios formais, ou seja, considerada de acordo com sua estrutura, independentemente do seu conteúdo[10]. Importa destacar que o autor difere proposição (palavras com significados) de enunciado (texto), porquanto a forma gramatical e linguística pode variar sem implicar alteração da significação respectiva[11]. Outrossim, a proposição normativa (significado) pode resultar da interpretação de enunciados diversos (significantes).

Contudo, a experiência normativa engloba uma ampla variedade de proposições prescritivas, a exemplo dos preceitos religiosos, das obrigações morais, das Regras sociais, dos ditames dos costumes, das observações de boa educação, da etiqueta (pequena ética), dentre outras[12]. Por isto, Bobbio se dedicou a analisar outros caracteres, além da normatividade do comportamento, que fossem peculiares somente às Normas Jurídicas, de modo a diferenciá-las das demais, chegando à conclusão de que o melhor critério para tanto é o da resposta institucionalizada à violação.

Com efeito, a previsão da aplicação de sanções, de forma igual e por instituições previamente organizadas, seria a característica mais marcante das Normas Jurídicas, consubstanciando o parâmetro mais adequado para diferenciação com relação às demais Regras sociais, a exemplo daquelas de cunho moral[13]. Não se pode olvidar, ainda, ser desnecessário que cada Norma individualizada apresente uma reprimenda específica, bastando que a heterotutela seja possível em razão da coercitividade do Ordenamento Jurídico compreendido em seu todo, de modo que as consequências da conduta estejam estabelecidas no sistema[14]. Portanto, no pensamento do jurista em exame, as Normas Jurídicas são proposições prescritivas que pertencem a um Ordenamento cuja eficácia é reforçada pelo estabelecimento de respostas institucionalizadas às violações (sanções aplicáveis em caso de ilícitos)[15].

Complementando, o filósofo italiano entende que a Norma Jurídica pode ser submetida a três valorações distintas, segundo os critérios de justiça, conforme sua correspondência aos valores últimos que inspiram a ordem jurídica (âmbito deontológico)[16]; de validade, consoante sua existência fática perante o sistema (ontológico)[17]; e, de eficácia, mediante a apreciação dos efeitos produzidos no cenário social, ainda que por força do emprego de meios coercitivos (fenomenológico)[18]. No curso em que trata do Ordenamento Jurídico, todavia, o conceito de validade é aperfeiçoado, para significar a pertinência de uma Norma a um determinado sistema[19].

Ademais, reproduz a orientação de Hart, no sentido de que além das Normas de conduta, que visam regular o comportamento humano, há aquelas de estrutura, as quais tratam das condições e dos procedimentos para a produção normativa[20].

Segundo, Bobbio desenvolve o Positivismo Jurídico crítico sob a ótica do Ordenamento (nomodinâmica), ao invés de focar a Normas individualmente consideradas (nomoestática)[21]. Tal mudança de perspectiva representa um avanço às propostas kelseniana (sistema jurídico dinâmico) e hartiniana (conjunto de Regras primárias e secundárias), na medida em que, mediante compreensão das partes pelo todo e vice-versa, coloca em evidência os principais problemas do Direito.

Notadamente, os primeiros expoentes do Positivismo Jurídico, Jeremy Bentham e John Austin, não responderam a vários questionamentos posteriores justamente porque focaram seus estudos nas Normas isoladamente. Muito embora os autores nomeados tenham apresentado conteúdo teórico muito importante para evolução da Ciência Jurídica (a exemplo do tema referente à imperatividade das Normas), não puderam desenvolver satisfatoriamente as questões relacionadas com os critérios de pertinência das Regras ao sistema, com as antinomias entre preceitos legais e com as lacunas, pois tais problemas merecem uma análise sistemática, que ultrapassa a consideração das Normas separadamente[22]. Bobbio, por sua vez, aprofundou os referidos assuntos de forma mais adequada e completa, porquanto partiu da nomodinâmica de Kelsen e da tipologia normativa de Hart para tratar dos questionamentos relacionados com a unidade, a coerência e a completude do Ordenamento Jurídico.

Sob o prisma de análise do autor em comento, a definição de Direito não é um problema da teoria da Norma Jurídica, mas sim da teoria do Ordenamento Jurídico[23]. Sem embargo, o conceito de Direito se confunde com o de Ordenamento Jurídico, pois ambos são o conjunto sistemático de Normas Jurídicas[24]. Ademais, são as características de assimilação, de coercibilidade e de eficácia do Ordenamento que condicionam as Normas, não o contrário, de modo a revelar que é através do estudo da integralidade do sistema que se compreende as suas partes[25]. Outrossim, nesta trilha lógica, as problemáticas centrais da teoria do Direito (unidade, coerência e completude) serão focadas sob o viés da ordem jurídica, considerada como um conjunto concatenado de Normas inter-relacionadas.

Terceiro, quanto ao problema da unidade do Ordenamento Jurídico, verifica-se que a dificuldade reside em estabelecer os critérios para determinar a pertença das Normas ao sistema.

Nesse particular, Bobbio emprega as mesmas respostas já oferecidas por Kelsen e Hart, porém, apresenta algumas diferenças com relação aos temas da qualidade da Norma fundamental e da Complexidade das Fontes Jurídicas, ou seja, das origens das Normas[26].

Com efeito, o autor reproduz a teoria kelseniana da construção progressiva do Direito, de acordo com os degraus de uma pirâmide de Normas escalonada pelo critério formal (de autoridade), em cujo ápice se encontra a Norma fundamental[27]. Segundo tal estrutura hierárquica, a atividade jurígena é simultaneamente execução e produção, pois a Decisão da autoridade implica a execução do preceito superior para criação do inferior, na dinâmica gradual do Ordenamento Jurídico[28]. Outrossim, a pertença de uma Norma ao sistema é aferível mediante sua referência, através das etapas da pirâmide jurídica, até a Norma máxima pressuposta, que confere validade e unidade a todo o sistema[29]. Tal assunto já foi devidamente explicado e ilustrado anteriormente, de modo que importa, nesta quadra do trabalho, tratar de duas peculiaridades da doutrina bobbiana, atinentes à qualificação da Norma máxima e à classificação das Fontes Jurídicas.

Acerca da Norma fundamental, Bobbio repete Kelsen, no sentido de que se trata do fundamento abstrato e pressuposto da ordem jurídica. Ou seja, não adota a posterior modificação de Hart, no sentido de justificar empiricamente a existência de uma Norma de reconhecimento. Todavia, o pensador de Turim apresenta uma leve alteração no conceito operacional kelseniano, para definir a Norma máxima como aquela pressuposta que confere ao poder constituinte a competência para produzir a Constituição e, assim, fundar o Ordenamento Jurídico[30]. Ou seja, o preceito fundamental pressuposto, para o jusfilósofo em comento, corresponde à autorização de competência ao legislador constituinte primário, para inaugurar um novo sistema de Direito.

Acerca das Fontes Jurídicas, de outro lado, o professor italiano as conceitua como todos os fatos e atos que alimentam a atividade jurígena[31]. O conceito operacional é dado no plural porque não existem concretamente ordens jurídicas simples, isto é, em que há apenas uma única origem do Direito, como naqueles exemplos meramente didáticos, em que aparecem somente os personagens do legislador, que estabelece as Regras, e do súdito, que as recebe para cumprimento[32].

Logo, o referido autor admite a complexidade do Ordenamento Jurídico, sob o argumento de que sua composição recebe influxos normativos de diversos canais[33], por dois motivos fundamentais, consistentes em, a um, limite externo, que é a recepção pelo Estado de Normas preexistentes na Sociedade, ainda que de conotação moral, religiosa, costumeira etc[34]; e, a dois, limite interno, o qual se refere à necessidade do poder soberano delegar competência legiferante a órgãos e pessoas, com vistas à viabilizar atualização normativa, a exemplo da criação de agências reguladoras, dos poderes negociais conferidos aos particulares etc[35].

Tais limitações, embora conformem fronteiras ao sistema jurídico, não afastam a sua qualidade unitária, pois mesmos as Regras delegadas reportam, em última instância, à Norma fundamental única[36].

Quarto, no concernente à coerência do Ordenamento Jurídico, a dificuldade ocorre principalmente quando duas ou mais Normas manifestam incompatibilidade entre si e, por isto, não podem coexistir harmonicamente dentro do mesmo sistema normativo, sob pena de acarretarem incertezas, por dificultarem a previsibilidade das consequências de determinadas condutas[37].

Notadamente, a ordem jurídica constitui um sistema justamente porque as Normas que o compõem são coerentes umas com as outras, formando um todo íntegro[38]. Destarte, o Direito deve conter mecanismos que permitam a resolução de eventuais inconsistências, mediante exclusão dos preceitos conflitantes, para fins de viabilizar a segurança jurídica[39].

O fenômeno da incompatibilidade de duas ou mais Normas do mesmo Ordenamento Jurídico, com relação a pelo menos dois de seus âmbitos de validade (temporal, espacial, pessoal e/ou material), é tecnicamente chamado de antinomia[40]. As antinomias que podem ser suprimidas mediante o emprego de critérios fornecidos pelo sistema são chamadas de meramente aparentes, enquanto aquelas que não comportam solução dentro do sistema são designadas de reais[41]. Cabe, então, apresentar a versão bobbiana de como se deve portar o Jurista positivista quando diante de cada uma dessas hipóteses.

As antinomias aparentes, como a própria nomenclatura indica, podem ser resolvidas mediante a aplicação de três critérios clássicos da doutrina juspositivista, consistentes na prevalência hierárquica da Regra superior sobre a inferior (lex superior derogat legi inferiori)[42], na revogação cronológica da Regra anterior pela posterior (lex posterior derogat legi priori)[43] e na preferência especial da Regra específica sobre a genérica (lex specialis derogat legi generali)[44].

Cabe acrescentar, ainda, que as Meta-Regras da hierarquia e da especialidade são consideradas fortes e, portanto, ambas prevalecem perante a da cronologia, em caso de eventual conflito. Assim, uma lei posterior e inferior cede perante a anterior e superior, enquanto, da mesma forma, uma Norma mais recente e geral não sobrepõe a antiga especial[45].

Todavia, há duas situações hipotéticas em que a incidência de tais parâmetros não consegue, por si só, afastar a incongruência e, portanto, se está diante de uma antinomia real para o Paradigma do Positivismo Jurídico. O primeiro caso ocorre quando os dois parâmetros fortes (hierarquia e especialidade) são passíveis de aplicação e, então, concorrem entre si, sem uma forma segura para escolha daquele que deve prevalecer; e, o segundo, é o da insuficiência dos critérios, ou seja, quando se estiver diante de Normas incompatíveis de mesma hierarquia, contemporâneas e gerais, de modo que nenhuma das Meta-Regras serve para dirimir a antinomia. Em ambos os cenários, o intérprete não encontrará respostas dentro da matriz disciplinar e, portanto, terá que se socorrer do poder discricionário, da mesma forma como já referiram Kelsen e Hart[46].

Quinto, no tocante à completude do Ordenamento Jurídico, Bobbio discorreu sobre a visão juspositivista clássica, segundo a qual existe uma Norma para regular cada caso concreto, de sorte que a ordem jurídica não apresente lacunas[47]. Muito embora o chamado dogma da completude seja considerado uma das pedras angulares do Positivismo Jurídico[48], o autor em questão admite ser inviável a construção de um complexo normativo que forneça soluções padronizadas para todos os conflitos futuros e, muito menos, promova a renovação de Regras em velocidade suficiente para acompanhar os momentos de rápidas transformações da Sociedade[49]. Então, em substituição à confiança na onisciência do legislador, encarou a questão da completude sob o prisma de que a ordem jurídica realmente é incompleta e, bem por isto, depende do estabelecimento de critérios para complementá-la quando, aparentemente, não fornece Norma para equacionar o conflito, de maneira a evitar o juízo de non liquet (ou juízo de não é claro, o qual afastaria a responsabilidade de decidir diante da ausência de previsão abstrata clara).

Com efeito, considerando a indiscutível falta de preceitos legais para regência de todos os casos conflituosos emergentes em Sociedade, a completude do Ordenamento Jurídico somente pode se sustentar na aplicação de uma de duas Normas implícitas, consistentes em, primeira, na Norma geral permissiva (ou espaço jurídico vazio), no sentido de que há liberdade para agir de qualquer modo quando ausente limitação normativa[50], conforme inclusive já havia sugerido Kelsen[51]; ou, segundo, na Norma geral exclusiva, a qual estabelece a proibição ou vedação de tudo aquilo não expressamente autorizado pelo plexo jurídico[52].

Nessa linha de raciocínio, a lacuna jurídica seria caracterizada pela ausência de uma previsão normativa expressa que, então, enseja a contradição entre duas Normas supletivas antagônicas, uma delas pela permissão e a outra pela proibição (Normas gerais permissiva ou exclusiva)[53].

Porém, não foram construídos critérios seguros e satisfatórios para se optar por uma das duas situações (permissão ou proibição gerais), de modo a revelar que efetivamente existe um buraco na tecitura normativa, não preenchível por uma permissão total ou uma vedação ampla. Outrossim, Bobbio forçosamente reconheceu a existência de vácuos no Ordenamento Jurídico, ou seja, a sua incompletude[54].

Ante tal constatação, importa estabelecer quais os critérios pelos quais pode ser complementado, evitando que conflitos sejam deixados sem solução[55].

A doutrina em questão sustenta que o Ordenamento Jurídico pode ser complementado por duas fórmulas distintas, consistentes em, primeira, heterointegração, quando se socorre de elementos externos, como a aplicação de Normas do Direito natural, do costume ou de outros complexos normativos, bem como na hipótese de franquear a criatividade do juiz, para decidir com equidade[56]; ou, segunda, autointegração, acaso estabeleça formas de integração relacionadas exclusivamente com a fonte dominante (a lei positiva, no caso), mediante o emprego da analogia (analogia legis ou ubi eadem ratio, ibi eadem iuris dispositio), da interpretação analógica (analogia iuris ou interpretação extensiva) ou dos chamados princípios gerais do Direito[57].

No ponto, importa assinalar uma diferença marcante com relação à obra de Kelsen, consistente na relativação da orientação juspositivista de que o Ordenamento Jurídico seria composto apenas por Regras devidamente promulgadas ou outorgadas pelo Estado. Notadamente, Bobbio afirmou que os princípios gerais do Direito, extraídos implicitamente da integridade do sistema, são considerados Normas, ao lado das Regras positivas. Todavia, não se pode olvidar que o professor italiano lhes confere apenas a função supletiva (autointegração), ou seja, de elementos internos ao sistema que auxiliam a tarefa interpretativa de supressão de lacunas[58].

E, sexto, é pertinente acentuar duas outras diferenças entre as versões positivistas de Kelsen e Bobbio, consistentes aos avanços nos estudos da função do sistema jurídico e do aspecto promocional do Direito.

O escritor italiano, em exames esparsos, posteriores àqueles que originaram seu curso de teoria do Direito, resolveu aprofundar a análise das funções da ordem jurídica, antes estudada com enfoque apenas na sua estrutura[59]. Notadamente, para ele, importava discutir não apenas a forma e o conteúdo do Direito, mas também, adicionalmente, qual a sua serventia dentro do sistema social considerado em seu todo[60]. Assim, destacou a importância do Ordenamento Jurídico não apenas como forma de controle de condutas desviantes, mas também de direcionamento social[61].

Ademais, entre as funções do Direito, o autor destacou a importância da promoção de condutas socialmente favoráveis, além da mera repressão de desvios de comportamento[62]. Para ele, a relevância da função promocional do Direito reflete na gradual mudança da conformação do Estado, representada pela passagem do modelo meramente protecionista para o programático[63]. Assim, ao contrário de Kelsen, que atribuiu importância secundária aos preceitos normativos incentivadores[64], Bobbio conferiu-lhes relevância similar às sanções legais, de modo a justificar a gradual expansão de sua inserção nos Ordenamentos contemporâneos[65].


CONCLUSÕES

O Positivismo Jurídico Crítico se apresenta melhor desenvolvido que o purismo jurídico kelseniano e, simultaneamente, mais completo que a proposta positivista branda hartiniana.

Tal constatação não retira o grande mérito dos trabalhos de Kelsen e de Hart, ambos juristas internacionalmente reconhecidos, principalmente por terem estabelecido as versões mais difundidas do Juspositivismo, nos países vinculados aos padrões romano-germânico (civil law ou code based legal system) e consuetudinário (common law ou judge made law), respectivamente.

Bobbio, contudo, merece ser igualmente reconhecido, haja vista que, partindo dos ensinamentos dos referidos pensadores (embora apenas secundariamente Hart), aperfeiçoou e organizou a teoria juspositivista, de modo a produzir obras que influenciaram consideravelmente a academia brasileira, como se pode perceber pelas reiteradas reedições de seus livros sobre o tema no país[66].

Uma característica saliente da proposição teorética de Bobbio consiste em focar o estudo do Direito no Ordenamento Jurídico, ao invés de tomar a Norma Jurídica como base. Tal mudança na perspectiva de análise ensejou uma visão integral do sistema jurídico, mediante a compreensão das partes pelo todo e vice-versa, de modo a colocar em evidência os problemas mais corriqueiramente suscitados nos âmbitos acadêmico e forense, relacionados justamente com a unidade (com destaque para a questão da validade), a coerência (especialmente quanto às antinomias) e a completude (precipuamente no atinente às lacunas) da ordem jurídica. Ao tratar de tais problemas, em sequência lógica, o autor discorreu sobre as críticas e soluções apresentadas pelas principais vertentes teoréticas, consoante as técnicas de díades e tríades (dentre outras, obviamente), com vistas a procurar soluções satisfatórias, dentro do Paradigma juspositivista.

Todavia, apesar dos esforços de Bobbio, os desenvolvimentos que apresentou à obra de Kelsen e os complementos efetuados aos estudos de Hart não são suficientes para salvar o modelo do Positivismo Jurídico da crise paradigmática em que se encontra.

Algumas das anomalias insolúveis dentro da matriz disciplinar juspositivista já foram devidamente apresentadas, quando se discorreu sobre as teorias juspositivistas de Kelsen e de Hart, na tríade de artigos científicos mencionada na Introdução. Ora, como a proposta em foco representa um desenvolvimento ou complemento das referidas proposições, as críticas antes deduzidas são aqui igualmente aplicáveis, com algumas ressalvas. Neste particular, cabe destacar, primeiro, a redução da ordem jurídica a um conjunto de Regras postas, de modo que os Princípios Jurídicos tenham função apenas supletiva; segundo, a aposta de que a produção normativa ocorre mediante subsunção linear, do ápice (norma fundamental) até a base (norma de decisão) de uma pirâmide jurídica, escalonada pelo critério exclusivamente formal; terceiro, a externalização da questão da legitimidade moral das normas do âmbito da Ciência Jurídica; quarto, a incorreção da presunção de que as normas são previsões de respostas para problemas futuros (uma espécie de onisciência normativa); e, quinto, a conclusão de que a Moral não pode, nem mesmo diante de situações predefinidas constitucionalmente, superar a força de uma Regra posta.

Não é producente, todavia, retroceder para reanalisar todas essas questões, porquanto já suficientemente tratadas anteriormente (na tríade de artigos referida na Introdução, repete-se), cabendo apenas mencioná-las aqui para demonstrar que a versão juspositivista de Bobbio é igualmente atingida por elas e, portanto, não se presta a salvar o modelo da crise paradigmática em que está inserido.

Porém, ainda que não seja necessário adicionar nenhuma crítica para que rebater a construção juspositivista delineada pelo jurista de Turim, bastando remeter às ponderações já expostas em face das obras de Kelsen e de Hart, a análise da doutrina itálica tem uma função estratégica neste trabalho, consistente em demonstrar que mesmo a versão mais desenvolvida e completa do Positivismo Jurídico não é suficiente para resolver as anomalias identificadas no interior desta base teórica. 

Notadamente, ao organizar e desenvolver as propostas juspositivistas anteriores, Bobbio acabou por apontar dificuldades teóricas e práticas que não podem ser superadas satisfatoriamente sob o pano de fundo do Paradigma por ele mesmo adotado. Ao analisar a matriz disciplinar sob a perspectiva da ordem jurídica considerada em sua totalidade, pôde diagnosticar que efetivamente o modelo não tem condições de responder aos problemas emergentes nos cenários acadêmico e forense, no tocante à unidade, à coerência e à completude do sistema.

Tais dificuldades, aliás, foram expressamente admitidas pelo jurista em tela, quanto tratou, primeiro, da falha quanta à teoria positivista da unidade, ante a inegável necessidade de recurso a outras Fontes Jurídicas além da autoridade estatal, considerando seus limites externos e internos; segundo, do problema da coerência da ordem jurídica positivista, decorrente da inexistência de parâmetros seguros dentro da base teórica para resolver antinomias reais entre as Normas; e, terceiro, da quebra do dogma da completude, ante a existência evidente de lacunas na tecitura normativa, que reclama o emprego de métodos de integração, a exemplo do recurso à atividade criativa discricionária do órgão aplicador, a quem se confere a possibilidade de legislar intersticialmente para suprimir o vácuo normativo.

Outrossim, não se justifica a perpetuação de uma proposta teórica segundo a qual a legitimidade das Fontes Jurídicas (ainda que de origem externa) não está devidamente compreendida (problemas da unidade e da legitimidade moral das normas), as antinomias reais (incompatibilidades) não podem ser resolvidas por critérios seguros (dificuldades quanto à coerência) e, ainda, há vácuos normativos que ensejam o recurso à criação de soluções criadas ex post facto (quebra da completude), que ferem a previsibilidade das consequências jurídicas e, então, solapam a certeza do Direito.

O autor certamente não tinha o objetivo de romper com o Positivismo Jurídico, pois afirmou expressamente estar vinculado à referida construção teórica. Contudo, ao discorrer sobre as principais características do Direito, sob a perspectiva ampla do Ordenamento Jurídico integralmente considerado, encontrou inconsistências que minam as bases do modelo e, assim, complementam as críticas anteriores, no sentido da necessidade de superação.

Mesmo que o professor em comento não tivesse a intenção declarada de admitir a insustentabilidade do Juspositivismo, suas colocações representam a perplexidade de um cientista frente às dificuldades encontradas para resolver alguns problemas de alta relevância de acordo com as bases teóricas adotadas. Ademais, suas reflexões críticas revelaram a problemática com que se deparam as comunidades científica e forense na atualidade, servindo como um atestado da inauguração da fase de Ciência extraordinária.

Aliás, em estudo publicado pela primeira vez em 1971[67], o próprio Bobbio chegou a admitir a crise do Paradigma juspositivista, mormente em face da emergência de outras Fontes Jurídicas além do Texto Legislativo, que condicionava as decisões tomadas no cenário capitalista contemporâneo, caracterizado por rápidas, intensas e conflituosas transformações em escala global[68].

Portanto, a obra bobbiana, embora possa ser considerada a versão mais crítica do Positivismo Jurídico, dispensa maiores digressões sobre suas principais bases (unidade, coerência e completude), porquanto apresentou por si as anomalias insolvíveis com relação a cada uma delas. A menção a tal obra, então, cumpre dupla função neste estudo, consistente em apresentar a construção mais avançada do Juspositivismo e, concomitantemente, demonstrar que nem mesmo ela resolve a crise instaurada, consoante avaliação interna, ou seja, de um jurista filiado ao próprio Paradigma.

Estas colocações sobre o tema demonstram a crise do Positivismo Jurídico e, consequentemente, a necessidade da construção de um novo Paradigma, cujas bases, aliás, já vêm se formando nos contextos acadêmico e forense, sob a designação coletiva de Pós-positivismo.


REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007.

_____. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

_____. Teoria da norma jurídica. 4 ed. São Paulo: Edipro, 2008.

_____. Teoria do ordenamento jurídico. 10 ed. Brasília: UnB, 1999.

PASOLD, Cesar Luiz. Ensaio sobre a ética de Norberto Bobbio. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

_____. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12 ed. rev. São Paulo: Conceito, 2011.


Notas

[1]    BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 11: “Kelsen era familiar entre os juristas e filósofos do direito da época. Fiz dele um dos meus autores e, no campo da teoria do direito, o autor por excelência”.

[2]    BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 187.

[3]    BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 187: “Os temas próprios do positivismo jurídico estão continuamente presentes em minhas aulas, tanto que a etiqueta sob a qual eu mesmo rotulei a concepção do direito neles representada é a do positivismo, embora teoricamente não rígido nem ideologicamente conotado, que chamei de 'crítico'”.

[4]    BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 4 ed. São Paulo: Edipro, 2008.

[5]    BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10 ed. Brasília: UnB, 1999.

[6]    BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 09.

[7]    BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007.

[8]    PASOLD, Cesar Luiz. Ensaio sobre a ética de Norberto Bobbio. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 222-223.

[9]    BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 64-66: “A tese aqui sustentada é a de que as normas jurídicas pertencem à categoria geral das proposições prescritivas”. […] Quando afirmamos que uma norma jurídica é uma proposição, queremos dizer que ela é um conjunto de palavras que possuem um significado”.

[10]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 61: “O ponto de vista a partir do qual nos propomos a estudar a norma jurídica neste curso pode ser denominado formal. É formal no sentido de que consideraremos a norma jurídica independentemente do seu conteúdo, ou seja, na sua estrutura”.

[11]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 64-65: “Por 'enunciado' entendo a forma gramatical e linguística que um determinado significado é expresso, motivo pelo qual a mesma proposição pode ter enunciados diversos, e o mesmo enunciado pode exprimir proposições diversas”.

[12]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 17: “As normas jurídicas, as quais dedicaremos atenção de modo particular, são apenas uma parte da experiência normativa. Além das normas jurídicas, existem preceitos religiosos, regras morais, regras sociais, regras dos costumes, regras daquela ética menor que é a etiqueta, regras da boa educação e assim por diante”.

[13]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 152: Então, com base nesse critério, chamaremos de 'normas jurídicas' aquelas cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada. Não pretendemos alçar este critério a critério exclusivo. Vamos nos limitar a dizer que ele serve para circunscrever uma esfera de normas que em geral são chamadas de jurídicas, talvez melhor do que qualquer outro critério”.

[14]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 159: “Uma saída seria negar às normas não sancionadas o caráter de norma jurídica. Mas é uma solução radical desnecessária. A dificuldade pode ser resolvida de outro modo, ou seja, observando que, quando falamos de uma sanção organizada como elemento constitutivo do direito, referimo-nos não às normas singulares, mas ao ordenamento normativo considerado em seu todo, razão pela qual dizer que a sanção organizada distingue o ordenamento jurídico de qualquer outro tipo de ordenamento não implica que todas as normas desse sistema sejam sancionadas, mas apenas que a maior parte o seja”.

[15]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 192-193: “Naquela ocasião determinamos a norma jurídica por meio da sanção, e a sanção por meio das características da exterioridade e da institucionalização, daí a definição de norma jurídica como aquela norma 'cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada'”.

[16]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 37-38: “O problema da justiça é o problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram determinado ordenamento jurídico. […] Colocar-se o problema da justiça ou não de uma norma equivale a se colocar o problema da correspondência entre o que é real e o que é ideal. Por isso costuma-se chamar o problema da justiça de problema deontológico do direito”.

[17]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 38-39: “O problema da validade é o problema da existência da regra enquanto tal, independentemente do juízo de valor sobre o fato de ela ser justa ou não. Enquanto o problema da justiça é resolvido com um juízo de valor, o problema da validade é resolvido com um juízo de fato. […] Trata-se, caso se queira adotar uma terminologia familiar entre os filósofos do direito, do problema ontológico do direito”.

[18]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 39-40: “O problema da eficácia de uma norma é o problema de saber se essa norma é ou não seguida pelas pessoas a quem se destina (os chamados destinatários da norma jurídica) e, caso seja violada, seja feita valer com meios coercitivos pela autoridade que a estabeleceu. [...]Também aqui, para usar a terminologia científica, embora em sentido diferente do costumeiro, pode-se dizer que o problema da eficácia das regras jurídicas é o problema fenomenológico do direito”.

[19]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 221: “A pertinência de uma norma a um ordenamento é o que se chama de validade”.

[20]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 198: “Em todo ordenamento, ao lado das normas de conduta, existe um outro tipo de normas, que se costuma chamar de normas de estrutura ou de competência. São aquelas normas que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não mas prescrevem as condições e os procedimentos por meio dos quais são emanadas normas de conduta válidas”.

[21]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 186-187: “Enquanto existem muitos estudos particulares sobre a natureza da norma jurídica, não existe, até hoje, a menos que estejamos enganados, sequer um estudo completo e orgânico sobre todos os problemas que a existência de um ordenamento jurídico suscita. […] Nomoestática e Nomodinâmica: a primeira considera os problemas relativos à norma jurídica; a segunda, aqueles relativos ao ordenamento jurídico”.

[22]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 186: “Repetindo, a norma jurídica era a única perspectiva por meio da qual o direito era estudado: o ordenamento jurídico era, quando muito, um conjunto de muitas normas, mas não o objeto autônomo de estudo, com os seus problemas particulares e diversos”.

[23]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 193-194: “Se, como parece, só se consegue dar uma resposta sensata para essa pergunta, isso significa que o problema da definição do direito encontra o seu âmbito apropriado na teoria do ordenamento, e não na teoria da norma”.

[24]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 15 e 185.

[25]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 195-196: “Essa inversão pode ser expressa sinteticamente da seguinte forma: enquanto para a teoria tradicional um ordenamento jurídico se compõe de normas jurídicas, para a nova perspectiva normas jurídicas são aquelas que passam a integrar um ordenamento jurídico. Em outros termos: não existem ordenamentos jurídicos porque existem normas jurídicas distintas de normas não jurídicas; mas existem normas jurídicas porque existem ordenamentos jurídicos distintos de ordenamentos não jurídicos. O termo 'direito', na acepção mais comum de direito objetivo, indica um tipo de sistema normativo, não um tipo de norma”.

[26]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 201: “A dificuldade de identificar todas as normas que constituem um ordenamento jurídico resulta do fato de que geralmente essas normas não derivam de uma única fonte. Podemos distinguir os ordenamentos jurídicos em simples e complexos, conforme as normas que os compõem sejam derivadas de uma única fonte ou de várias fontes”.

[27]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 211: “Adotamos aqui a teoria da construção gradual do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen. Essa teoria serve para dar uma explicação da unidade de um ordenamento jurídico complexo. O núcleo dessa teoria é que as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Existem normas superiores e normas inferiores”.  

[28]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 213: “Em uma estrutura hierárquica, como aquela do ordenamento jurídico, os termos 'execução' e 'produção' são relativos, pois a mesma norma pode ser considerada, ao mesmo tempo, executiva e produtiva: executiva em relação à norma superior; produtiva em relação à norma inferior”.

[29]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 222: “Desse modo podemos responder que é possível estabelecer a pertinência de uma norma a um ordenamento: remontando de grau em grau, de poder em poder, até a norma fundamental. […] Então diremos que a norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer a pertinência de uma norma jurídica a um ordenamento; em outras palavras, é o fundamento de validade de todas as normas do sistema”.

[30]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 220: “Dado o poder constituinte como poder último, devemos pressupor então uma norma que atribua ao poder constituinte a faculdade de produzir normas jurídicas: essa norma é a norma fundamental. […] Note bem: a norma fundamental não é expressa. Mas nós a pressupomos para fundar o sistema normativo”.

[31]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 208: “Podemos aqui aceitar uma definição que se tornou comum: 'fontes do direito” são aqueles fatos e aqueles atos de que o ordenamento jurídico depende para produção de normas jurídicas”.

[32]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 201: “Podemos distinguir os ordenamentos jurídicos em simples e complexos, conforme as normas que os compõem sejam derivadas de uma única fonte ou de várias fontes. Os ordenamentos jurídicos que constituem a nossa experiência de historiadores e de juristas são complexos. A imagem de um ordenamento composto de apenas dois personagens, o legislador, que põe as normas, e os súditos, que as recebem, é puramente didática”.

[33]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 202: “A complexidade de um ordenamento jurídico deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta em qualquer sociedade é tão grande que não existe poder (ou órgão) capaz de satisfazê-la sozinho”.

[34]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 205: “1. nenhum ordenamento nasce num deserto; metáforas à parte, a sociedade civil em que se vai formando um ordenamento jurídico, como o do Estado, não é uma sociedade natural, absolutamente desprovida de leis, mas uma sociedade em que vigem normas de vários tipos, morais, sociais, religiosas, comportamentais, costumeiras, convencionais e assim por diante. O novo ordenamento que surge nunca elimina completamente as estratificações normativas que o precederam: parte daquelas regras passa a integrar, através de uma recepção expressa ou tácita, o novo ordenamento, que, desse modo, surge limitado pelos ordenamentos anteriores. […] Podemos falar nesse caso de um limite externo do poder soberano”.

[35]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 205-206: “Nessa caso, a multiplicação das fontes não deriva, como nos casos considerados sub 1, de uma limitação proveniente do exterior, ou seja, do choque com uma realidade normativa pré-constituída, com que também o poder soberano se deve deparar, mas de uma autolimitação do poder soberano, que subtrai a si mesmo uma parte do poder normativo para atribuí-lo a outros órgãos ou organismos, de algum modo dependentes dele. Pode-se falar nesse caso de limite interno do poder normativo originário”. 

[36]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 207: “Quando falamos de uma complexidade do ordenamento jurídico, decorrente da presença de fontes reconhecidas e de fontes delegadas, acolhemos e reunimos numa teoria unitária do ordenamento jurídico tanto a hipótese dos limites externos quanto a dos limites internos”.

[37]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 269: “Quando existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e, portanto, ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como igual tratamento das pessoas que pertencem à mesma categoria”.

[38]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 231: “Entendemos por 'sistema' uma totalidade ordenada, ou seja, um conjunto de organismos, entre os quais existe uma certa ordem. […] Pois bem, quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, perguntamo-nos se as normas que o compõem estão em relação de compatibilidade entre si e em que condições é possível essa relação”.

[39]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 239: “[...] diz-se que um ordenamento jurídico constitui um sistema porque nele não podem coexistir normas incompatíveis. Nessa caso, 'sistema' equivale a validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas. Se num ordenamento passam a existir norma incompatíveis, uma das duas ou ambas devem ser eliminadas”.

[40]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 246: “Após esses esclarecimentos, podemos redefinir antinomia jurídica como aquela situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e com o mesmo âmbito de validade”.

[41]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 250.

[42]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 251: “O critério hierárquico, também chamado de lex superior, é aquela com base no qual, de duas normas incompatíveis, prevalece aquela hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiori”.

[43]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 250: “O critério cronológico, também chamado de lex posterior, é aquele com base no qual, de duas normas incompatíveis, prevalece aquela sucessiva: lex posterior derogat priori”.

[44]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 253: “O terceiro critério, chamado precisamente de lex specialis, é aquele com base em que, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali”.

[45]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 263-264.

[46]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 257: “Isso significa, em outras palavras, que no caso de um conflito em que não se possa aplicar nenhum dos três critérios, a solução é confiada à liberdade do intérprete: poderemos quase falar de um verdadeiro poder discricionário do intérprete, ao qual é confiada a resolução do conflito segundo a oportunidade, valendo-se de todas as técnicas hermenêuticas que são usadas há tempos e consolidadas tradicionalmente pelos juristas, e não se limitando a aplicar uma regra única”.

[47]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 271: “Por 'completude' entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular cada caso. Tendo em vista que a ausência de uma norma costuma ser chamada de 'lacuna' (em um dos sentidos do termo 'lacuna'), 'completude' significa 'ausência de lacunas'. Em outras palavras, um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular cada caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado com uma norma extraída do sistema”.

[48]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 275: “O dogma da completude, ou seja, o princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz uma solução para cada caso, sem recorrer à equidade, foi dominante, e em parte o é até hoje, na teoria jurídica continental de origem romanística. É considerado por alguns como um dos aspectos salientes do positivismo jurídico”.

[49]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 275-282.

[50]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 282-286.

[51]   KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 212-215.

[52]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 286-291.

[53]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 291: “[...] a lacuna se verifica não pela ausência de uma norma expressa para a regulamentação de um determinado caso, mas pela ausência de um critério para escolha de qual das duas regras gerais, aquela exclusiva e aquela inclusiva, deva ser aplicada”.

[54]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 293: “O fato de a solução não ser mais óbvia, isto é, de não se poder extrair do sistema nem uma solução nem a solução oposta, revela que o ordenamento é, no final das contas, incompleto”.

[55]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 299: “Se um ordenamento jurídico, estaticamente considerado, não é completo, a não ser por meio da norma geral exclusiva, todavia, dinamicamente considerado, pode ser completado”.

[56]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 301-302.

[57]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 299.

[58]   BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 308-311, especialmente p. 309: “Os princípios gerais, a meu ver, são apenas normas fundamentais ou normas generalíssimas do sistema. […] Para mim não resta dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras”.

[59]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. XII: “O predomínio da teoria pura do direito no campo dos estudos jurídicos teve por efeito que os estudos de teoria geral do direito foram orientados, por um longo período, mais em direção à análise da estrutura dos ordenamentos jurídico do que à análise de sua função”.

[60]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. XIII: “Em relação ao sistema social considerado em seu todo, em todas as articulações e inter-relações, o direito é um subsistema que se posiciona ao lado dos outros subsistemas, tais como o econômico, o cultural e o político, e em parte se sobrepõe e contrapõe a eles. Ora, aquilo que o distingue dos outros subsistemas, junto aos quais constitui o sistema social em seu todo, é a função”.

[61]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. 79: “Creio, portanto, que hoje seja mais correto definir o direito, do ponto de vista funcional, como forma de controle e de direção social”.

[62]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. 7: “Na literatura filosófica e sociológica, o termo 'sanção' é empregado em sentido amplo, para que nele caibam não apenas as consequências desagradáveis da inobservância das normas, mas também as consequências agradáveis da observância, distinguindo-se no genus sanção, duas species: as sanções positivas e as sanções negativas”.

[63]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. 71: “O fenômeno do direito promocional revela a passagem do Estado que, quando intervém na esfera econômica, limita-se a proteger esta ou aquela atividade produtiva para si, ao Estado que se propõe também a dirigir a atividade econômica de um país em seu todo, em direção a este ou aquele objetivo – a passagem do Estado apenas protecionista para o Estado programático”.

[64]   KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 37: “As modernas ordens jurídicas também contêm, por vezes, normas através das quais são previstas recompensas para determinados serviços, como títulos e condecorações. Estas, porém, não constituem característica comum a todas as ordens sociais a que chamamos Direito nem nota distintiva da função essencial destas ordens sociais. Desempenham apenas um papel inteiramente subalterno dentro destes sistemas que funcionam como ordens de coação”.

[65]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. XII: “Essa função não é nova. Mas é nova a extensão que ela teve e continua a ter no Estado contemporâneo: uma extensão em contínua ampliação, a ponto de fazer parecer completamente inadequada, e, de qualquer modo, lacunosa, uma teoria do direito que continue a considerar o ordenamento jurídico do ponto de vista de sua função tradicional puramente protetora (dos interesses considerados essenciais por aqueles que fazem as leis) e repressiva (das ações que a eles se opõem)”.

[66]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. XXVII: “Na América do Sul, o sucesso das obras de Bobbio teve lugar tanto na filosofia do direito quanto na filosofia política”.

[67]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. XV: “Il diritto [O direito], in Le scienze umane in Italia, oggi, Il Mulino, Bolonha, 1971, p. 259-77”.

[68]   BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p. 41: “Um dos aspectos pelo qual se manifesta a crise do positivismo jurídico é a crescente consciência da emergência de outras fontes do direito, que minam o monopólio da produção jurídica detido pela lei – em uma sociedade em rápida transformação e intensamente conflituosa, como é a sociedade capitalista na atual fase de desenvolvimento”.


ABSTRACT: The main theme of this text is to present the characteristic of the version of Legal Positivism developed by Norberto Bobbio, which represents an improvement before the classic versions written by Hans Kelsen and Herbert Lionel Adolphus Hart. The objective is to verify Bobbio's contributions to the Science of Law with respect to its four elementary platforms, consistent in the thesis of Norms, Sources, System and Judicial Decision.

KEYWORDS: Legal System. Morality. Legal Positivism


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Positivismo Jurídico de Bobbio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22461. Acesso em: 24 abr. 2024.