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Astreintes nas obrigações de pagar quantia e o direito fundamental à tutela jurisdicional

Astreintes nas obrigações de pagar quantia e o direito fundamental à tutela jurisdicional

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A falta de previsão legal das astreintes às obrigações de pagar quantia certa não pode ser obstáculo à utilização dessa técnica processual, ainda que em detrimento do direito processual tal como conhecido e em vias de se tornar obsoleto.

Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi

(Tradução livre: “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito.”)

ULPIANO

Resumo: Buscou-se nesse breve trabalho abordar o tema da legitimidade da incidência de astreintes nas obrigações de pagar quantia certa à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional. Para tanto, no primeiro capítulo expõem-se, analiticamente, o direito à tutela jurisdicional, seu caráter de direito fundamental, bem como sua tríplice configuração: adequação, efetividade e tempestividade. No segundo e derradeiro capítulo, após uma análise do princípio da proporcionalidade e seus subsprincípios, é examinada, com esteio no direito fundamental à tutela jurisdicional, a possibilidade de qualificar as astreintes como meio executivo coercitivo idôneo, necessário e justificável capaz de atuar, em casos excepcionais, como instrumento processual de concretização das obrigações de pagar quantia certa.

Palavras-chave: Astreintes. Obrigação. Pagar. Quantia. Tutela. Jurisdicional.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 A TUTELA JURISDICIONAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL. 1.1 Tutela Jurisdicional Adequada. 1.2 Tutela Jurisdicional Efetiva. 1.3 Tutela Jurisdicional Tempestiva. 2   ASTREINTES NAS OBRIGAÇÕES DE PAGAR QUANTIA: Proporcionalidade da Aplicação e da Previsão de Lege Ferenda. 2.1 Princípio da Proporcionalidade. 2.2 Meio Executivo Coercitivo Idôneo. 2.3 Meio Executivo Coercitivo Necessário. 2.4 Meio Executivo Coercitivo Justificável. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Obras Consultadas.


INTRODUÇÃO

Imagine que depois de anos de uma disputa hodierna de ponto e contra-ponto, tese e antítese, produção de provas, testemunhos, audiências, quando finalmente em mãos um provimento favorável ele ou lhe seja inútil, porquanto o seu conteúdo já não opera ou não pode operar os efeitos práticos que outrora detinha, ou mesmo lhe seja de improvável obtenção, quer em decorrência de entraves burocráticos ou da insuficiência de instrumentos. Essa situação, por incrível que pareça, não é fato destoante no dia-a-dia forense.

O constituinte originário muito bem atentou que de nada valeriam os direitos se, entre eles, não figurasse o direito da inafastabilidade da prestação jurisdicional (CRFB, art. 5º, XXXV), isso é, o direito de ação, o direito público subjetivo de deter instrumentos formais para obtenção de uma resposta de um ente estatal especializado, o Judiciário. Certa e inquestionável a validade desse direito fundamental, haja vista que, vedada a justiça privada, a autotutela, a autodefesa (CP, art. 345), salvo raras exceções e dentro de certos limites (v.g. o desforço imediato, previsto no § 1º do art. 1.210 do CC; o direito de greve), não tivesse o cidadão legitimidade para postular contra violações, o Estado seria um ente fictício, o Judiciário uma burocracia inócua e a Constituição, como já dito por Ferdinand Lassale, em 1862, no seu livro “A Essência da Constituição” (Über das Verfassungswesen), apenas “um pedaço de papel” (ein stück papier). Isso ocorreria não tanto pela total subordinação da Carta Magna aos “fatores reais do poder”, que, para Lassale, eram a monarquia, aristocracia, burguesia, banqueiros e a classe operária, mas pela incapacidade de os ditames orientados por rígida ligação com as necessidades dos indivíduos e dotados de mecanismos garantidores de sua perpetuação frente a interesses politicoeconômicos momentâneos serem capazes de, uma vez reconhecidos e impostos ao caso concreto, realizarem-se, em face de um insuficiente instrumental jurídico-processual.

Muito bem, previsto o direito de acesso à justiça, a Constituição adquiriu força normativa. Contudo, quando, no caso concreto, o cidadão vitorioso fica manietado diante de um procedimento inadequado, não obtém o bem da vida ou esse lhe é concedido a destempo, a Carta Magna se liquefaz e escapa por entre os dedos, tornando-se novamente instrumento estéril.

Nesse momento, o intérprete arguto verifica que, mais do que prestada, a tutela jurisdicional deve atingir o seu objetivo, deve concretizar a pretensão deduzida em juízo em sua total extensão, quando for o caso, surgindo, pois, a necessidade de se compreender o acesso à justiça como um direito fundamental de superior relevância, não restrito a possibilitar a iniciativa do cidadão na defesa do que entende por certo, mas principalmente ligado à atuação estatal garantindo a obtenção de um instrumental adequado, efetivo e tempestivo, sob pena de esboroamento do sistema.

Assim, diante da extrema importância desse direito fundamental, emerge curial observar uma lacuna legislativa que, em certas ocasiões, acaba por fulminar o direito à prestação jurisdicional, qual seja: a não previsão, no Código de Processo Civil, de multa coercitiva, conhecida pela denominação de astreintes, nas obrigações de pagar quantia.

Ora, no momento que o processo perde sua finalidade de realizar direitos, no momento que a ausência de uma técnica processual obstaculiza a realização de um direito reconhecido judicialmente e, não raras vezes, por consequência desse cerceamento primeiro, viola outro direito dele dependente, o intérprete, máxime o julgador, não pode quedar inerte, devendo, sob a ótica constitucional, completar o ordenamento de maneira a afastar uma flagrante proteção deficiente do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva.

Pois bem. O desenvolvimento do tema e de suas circunstâncias divide-se em dois capítulos e uma conclusão. No primeiro, trata-se do direito à tutela jurisdicional, sua importância e compreensão como direito fundamental, bem como discorre-se sobre sua composição tripartite, tendo em vista que a tutela jurisdicional deve ser adequada, efetiva e tempestiva.

Na sequência, após ser traçada uma completa e precisa, embora concisa, explanação sobre o princípio da proporcionalidade, o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva serve de base, sob o crivo do princípio da proporcionalidade, à análise de se as astreintes são um meio executivo coercitivo idôneo, necessário e justificável a ser aplicado, em casos extremos, para garantir o cumprimento de obrigações de pagar quantia certa, embora expediente processual não previsto expressamente no ordenamento.

Na conclusão, os aspectos fundamentais traçados e alinhavados no trabalho são salientados, retomando, assim, os argumentos e a linha de raciocínio apresentada de forma a permitir a exata compreensão do ponto sustentado na presente pesquisa.

Utilizou-se como fonte basicamente a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. O método é dedutivo.


1 A TUTELA JURISDICIONAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O direito à tutela jurisdicional é um direito fundamental de segunda dimensão, porquanto de natureza prestacional[1], exigindo do Estado uma prestação jurisdicional adequada, tempestiva, muitas vezes preventiva e invariavelmente efetiva. É um direito fundamental implícito, isso é, não está contido expressamente no texto da Carta Maior, dimanando dos princípios da inafastabilidade da prestação jurisdicional (CRFB, art. 5º, XXXV[2]), razoável duração dos processos (CRFB, art. 5º, LXXVIII), dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 5º, § 2º – leitura principiológica conglobante decorrente de um sistema materialmente aberto de direitos fundamentais), porquanto é inelutável o esboroamento de tais princípios quando, muito embora o cidadão tenha acesso ao Judiciário, não recebe um provimento em tempo hábil ou não consegue lançar mão do que lhe foi reconhecido como de direito: a ineficiência do processo é o principal elemento  de  deslegitimação do Poder Judiciário  –  na medida em que o

afasta do seu mister de pacificação das controvérsias, de solução dos conflitos de interesses[3] – e, por consequência, uma das bases da anarquia, uma vez que se o Judiciário se fez presente é porque a autocomposição e a autotutela, nos limites de uma sociedade democrática de Direito, foram insuficientes.

Importante salientar que, sendo um direito desse jaez, isso é, fundamental, tem aplicabilidade imediata, direta (CRFB, art. 5º, § 1°), não estando, pois, condicionada a normativização superveniente, embora sua plena eficácia possa a ser comprometida, topicamente, por deficientes regulamentações, exigindo, nesses casos, um agir positivo do Estado. Isso é, ainda que careça o ordenamento de norma conformando a res in iuditio deducta, deve o Estado prestar a jurisdição. Dito de outra forma, da raiz constitucional da tutela jurisdicional emana o dever de concretização inerente a todos direitos fundamentais, razão pela qual uma normatização ausente ou insuficiente não será baliza à sua plena realização, como bem averbou Daniel Mitidiero, verbis: "[...] a ausência de legislação infraconstitucional ou mesmo a insuficiência da legislação existente autoriza o Poder Judiciário a concretizar de maneira imediata o direito fundamental à tutela jurisdicional."[4]

O direito à tutela jurisdicional é um direito fundamental seja porque passível de verificação na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (denominada de Pacto de São José da Costa Rica), incorporado no nosso ordenamento pelo Decreto n.º 678, de 09-11-1992, seja porque decorre dos princípios constitucionalmente adotados. Ademais, a tutela jurisdicional é um daqueles direitos que, mais do que fundamental, é um direito humano, isso é,  mesmo  que  não  houve  sido positivado no nosso ordenamento jurídico, ele figura  na  orbe

internacional[5], e não podia ser diferente, haja vista que presente, v.g., no art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 02-10-1789, no art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas - ONU, de 10-12-1948, e no § 1º do art. 14 do Pacto Internacional sobre Direito Civis e Políticos, adotado pela XXI Sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 16-12-1966[6], verbis:

Artigo 16º

“A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.”

Artigo 8º

“Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”

Artigo 14, § 1º

“Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. [...]”

O art. 25, nos seus itens 1 e 2, letra c, do Anexo ao Decreto nº 678, de 06-11-1992 (Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos [Pacto de São José da Costa Rica], de 22 de novembro de 1969), claramente dispõe sobre a efetividade da tutela jurisdicional:

1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de sua funções oficiais.

2. Os Estados-Partes comprometem-se: [...]

c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.

O direito à tutela jurisdicional é um direito fundamental prestacional, entrementes, mais especificamente, é um direito fundamental prestacional que irradia grande força na dimensão organizacional e procedimental, em decorrência da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais[7], porquanto, dependente de meios à sua implementação, influencia decisivamente na elaboração e interpretação dos procedimentos e na organização das estruturas estatais de forma a que sua realização seja maximizada por esses instrumentos.[8]

O direito à tutela jurisdicional tem uma tríplice composição[9]. Ele deve ser adequado, comportando a necessária adaptação do procedimento ao direito material deduzido em juízo, sua natureza e especificidade[10]; efetivo, visando garantir a concretização do provimento jurisdicional de forma a que não se perca nos meandros da processualística anódina e/ou excrescente; e tempestivo, permitindo a exigência de um trâmite processual em tempo razoável (CRFB, art. 5º, LXXVIII), bem como evitando que provimentos, embora efetivos, se tornem ineficazes ao serem concedidos a destempo.

É também inegável que o direito à tutela jurisdicional, considerado em suas três vertentes, decorre de uma das faces do princípio da proporcionalidade: a proibição de proteção deficiente ou proibição de insuficiência.

O princípio da proporcionalidade é visto, majoritariamente, como tendo uma dupla face, uma dupla percepção do objeto de análise, as quais estão conectadas a ele na medida em que estabelecem os limites máximo e mínimo da intervenção estatal em direitos fundamentais ou mesmo na regulação de deveres fundamentais, são elas: o princípio da proibição de excesso (übermassverbot)[11] e o princípio da proibição de proteção deficiente (untermassverbot).[12]

A compreensão dessa dupla configuração é essencial, porquanto, tendo o princípio da proporcionalidade a meta de conformação constitucional das leis, não poderia ele restringir-se a tolher excessos, vilipendiando sua necessária incidência na promoção dos direitos fundamentais quando insuficientemente protegidos. A respeito do tema é basilar o ensinamento do professor Luís Virgílio Afonso da Silva ao defender a incorreção de ter-se a proporcionalidade como sinonímia de “proibição de excesso”. Sustenta que, uma vez que o princípio da proporcionalidade visa não só coibir excessos legislativos que restrinjam demasiadamente direitos fundamentais (“proibição de excesso”), como também corrigir insuficiências legislativas que estejam levando a uma deficiente proteção dos direitos fundamentais (“proteção deficiente”), não é possível utilizar um termo pelo outro indiscriminadamente:

O debate sobre a aplicabilidade da regra da proporcionalidade também para os casos de omissão ou ação estatal insuficiente ainda se encontra em fase embrionária, mas a simples possibilidade de aplicação da proporcionalidade a casos que não se relacionam com o excesso estatal já e razão suficiente para abandonar o uso sinônimo de regra da proporcionalidade e proibição de excesso.[13] (grifo no original).

Em resumo, assim como se pode verificar a inconstitucionalidade tanto na ação (edição de normas em desacordo com a Constituição) quanto na omissão (Estado não cumpre o seu papel de legislar, de regular certa situação), a desproporcionalidade de uma lei pode consistir tanto no excesso restritivo (ação), quanto na deficiente proteção (omissão)[14]. O princípio da proporcionalidade pode agir tanto para refrear o agir demasiado do Estado, como para desatravancar a insuficiente atuação estatal. Em outras palavras, o princípio da proporcionalidade pode ser averiguado no equilíbrio dos exageros. Parafraseando o político inglês Thomas Paine (1737-1809) que uma vez disse que a “tolerância excessiva não é o oposto da intolerância excessiva, mas a sua contrafação”, a ação estatal excessiva não é o oposto da total omissão, mas a sua contrafação, porquanto ambas são exageros que levam à desnaturação de um direito fundamental: uma pela sua desmedida restrição e a outra pela ausência de proteção.

Assim, retomando, no momento em que se verifica que a legislação, nada obstante repleta de direitos, é deficitária em instrumentos a realização destes, protegendo-os insuficientemente, tem-se como corolário do acesso à justiça uma prestação jurisdicional idônea, eficaz e tempestiva, como único meio capaz de realizar o direito material.[15]

À vista do sobredito, cumpre uma detida, embora não exaustiva, explanação sobre cada um dos aspectos integrantes da tutela jurisdicional.

1.1 Tutela Jurisdicional Adequada

A superação do Estado absolutista pelo liberalismo iluminista trouxe uma total aversão a qualquer tipo de intervenção estatal na liberdade individual, tendo essa nova visão de mundo refletido, não por acaso, no Direito, haja vista seu caráter cultural inerente.

É dessa época, por exemplo, a visão de: (a) o magistrado ser um mero aplicador das leis, sendo vedada qualquer atividade valorativa superior a subsunção imediata da norma ao fato, ou, como ficou eternizado na máxima iluminista, propalada por Montesquieu (1689-1755), Le jude est la bouche de la loi;[16] (b) os meios executivos balizarem-se pelo princípio da tipicidade como garantia da liberdade do indivíduo pela enumeração taxativa e exaustiva do âmbito de ação estatal, evitando, assim, o arbítrio; (c) a padronização das formas ser tida como o único meio de garantir a igualdade dos cidadãos perante a lei, o procedimento deveria ser neutro, não é por nada que nessa época só existiam dois tipos de tutela, a declaratória e a ressarcitória pelo equivalente pecuniário, uma de ordem formal ao certificar um ato, fato ou negócio jurídico, enquanto a outra restrita a solucionar toda questão com o mesmo mecanismo, a reparação em dinheiro, pois qualquer tipo de tutela específica refletiria uma frontal violação à igualdade dos indivíduos (o princípio da isonomia só era percebido em sua vertente formal); (d) impossibilidade de tutelas fundadas em “verossimilhança”, haja vista que a permissão legal de que, sobre uma mesma situação, pudesse haver mais de um juízo e, ainda, possivelmente contrastantes em decorrência de terem sido proferidos em diferentes momentos, representaria uma mitigação inaceitável da segurança jurídica, até então princípio tido por absoluto; (e) a legislação ser uma compilação de direitos, mais que deveres, contudo sem mecanismos de efetivação das declarações, porquanto ao juiz, como “boca da lei”, não se poderia conferir nenhum poder executivo, proibido que estava de exercer imperium.[17]

No pensamento contemporâneo, contudo, exige-se outra mentalidade. A tutela jurisdicional de hoje, diversamente da forma estanque e neutra dantes dominante, deve ser adequada à finalidade pretendida pelo demandante. Isso é, o direito de ação não é uma fórmula vazia de sentido e utilidade, mas um direito à tutela adequada: é a funcionalização da tutela jurisdicional ao direito material tal como deduzido em juízo. Assim, se se busca no Judiciário a tutela contra um dano, então dever-se-á lançar mão de uma tutela reparatória/ressarcitória. Por outro lado, se o objetivo é a tutela contra um ilícito (ação ou omissão ilegal que não gera um dano correspondente; o dano é consequente ao ilícito, mas não seu corolário[18]), então o mecanismo processual adequado será uma tutela inibitória (caso vise prevenir um ilícito) ou repressiva (para cessar/remover o ilícito). Pode-se citar igualmente como meio executivo que, muito embora voltado para a efetividade do provimento final, demonstra, de forma incontestável, vocação para tutelar de forma adequada situações em que a urgência, embora desprovida de elementos mais sólidos a respeito do direito do autor, transparece: as cautelares.

A paulatina constitucionalização do pensamento processualista[19], caracterizada pela noção de abertura de um ordenamento jurídico que antes divinizava a completude, a taxatividade, o rigorismo formal, a previsibilidade utópica, criou um ambiente propício à hermenêutica processual[20] que vê, no direito material a embasar a pretensão exercida perante o Judiciário, a capacidade de influenciar o direito processual, exigindo-lhe técnicas processuais – seja sob a forma de procedimentos (ordinário, sumário e sumaríssimo), meios executivos, tutelas provisórias ou de urgência (antecipatória ou cautelar) ou instrumentos outros – que garantam à prestação jurisdicional a realização de sua natureza finalística de proteção e promoção de direitos[21]. Nas sábias palavras de Luiz Guilherme Marinoni, ao criticar o mito da uniformidade procedimental, que a teoria abstrata da ação tenta, sem sucesso, salvo melhor juízo, alinhavar, verbis:

O fato de o processo civil ser autônomo em relação ao direito material não significa que ele possa ser neutro ou indiferente às variadas situações de direito substancial. Autonomia não é sinônimo de neutralidade ou indiferença. [...]. Na realidade, as confusões entre autonomia e neutralidade do processo e imparcialidade e neutralidade do juiz não são tão inocentes assim, pois ambas têm a não elogiável intenção de afastar do poder Judiciário algo que é fundamental para aplicação da justiça ao caso concreto. Nem o juiz nem o processo podem ser neutros.[22] (grifo no original)

A visão positivista do Direito provindo da regra, e não a regra abstraída do Direito, fazendo com que o caso concreto seja quase que totalmente relegado, não tem mais lugar na realidade contemporânea que é norteada exatamente pelo contrário: a regra que se abstrai do direito existente, porquanto o Direito não se identifica com a regra, sendo maior que um simples conjunto delas[23]. Ademais, como consequência direta dessa visão ampliativa do Direito como algo maior do que a dicção do legislador, está a valorização do julgador como cientista capaz de agregar valor pela interpretação: dando o sentido e o alcançe das regras o exegeta, em verdade, materializa o Direito, até porque sendo a lei aplicada ao caso pelo julgador, responsável pela subsunção, e sendo toda atividade jurisdicional valorativa (sentire), logo o Direito é o resultado da interpretação, a qual, mesmo partindo da análise estrita da regra, não terá como resultado necessário a simples aplicação dessa sem nenhuma adaptação ou ponderação (claro que dentro dos limites estabelecidos pelo próprio ordenamento jurídico, pois o juiz não é o senhor onipotente do Direito[24]), situação que ao positivismo seria inconcebível.[25]

É nessa dualidade entre a “justiça do caso” e a “justiça da lei” que Ovídio Baptista da Silva, numa das últimas contribuições deixadas por esse incomensurável jurista, traça um paralelo que termina por enaltecer a primeira justiça, porquanto “a justiça jamais é abstrata”, não podendo, dessarte, ser aplicada sob o paradigma da uniformidade, sendo ilusório – haja vista que contraditório em seus próprios termos – falar-se em “justiça abstrata”, pelo simples fato de que, praticada a injustiça, não será ela abstrata, conceitual, meramente normativa, verbis:

A verdade é que os juristas modernos não conseguem pensar o direito a partir do caso; não conseguem pensá-lo através do problema. Somos induzidos por uma determinação paradigmática, a pensá-lo como sendo produzido pela regra, pela norma, enfim pelos códigos. Somos herdeiros da cultura européia das uniformidades, que devota um profundo desprezo pelas diferenças.[26] (grifo no original)

Tanto a justiça é do caso concreto que é inegável que o direito material baliza o processo (conhecimento ou cautelar), os procedimentos no tocante, v.g, à complexidade (ordinário e sumaríssimo), contudo é pouco tratada a conformação dos procedimentos, quer tirando-os do linear cumprimento de suas etapas, quer adaptando-os pela supressão ou acréscimo de etapas ou instrumentos, tudo em vista de uma prestação jurisdicional competente e precisa, porquanto em sintonia com o direito material e a realidade social. Essa conformação faz-se indispensável para conferir solidez e concretude à prestação jurisdicional, porquanto, como pondera Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, mais importante do que a existência de uma ação adequada é existir mecanismos capazes de garantir que o processo – a prestação jurisdicional – seja adequada a toda situação posta em juízo:

Na verdade, mais importante do que readequar a ação processual, atípica por definição, é estabelecer meios e procedimentos adequados, de conformidade com técnicas melhor predispostas à realização dos direitos, e principalmente tutelas jurisdicionais seguras e eficientes, além de adequadas.[27]

A adequação do direito processual tem nítida expressão no princípio da fungibilidade. Ora, quando um magistrado recebe um recurso de embargos de declaração como agravo, quando corrige o fundamento jurídico de uma ação rescisória, quando recebe um pedido antecipatório de natureza nitidamente cautelar, ele está em busca não só de garantir a subsistência da relação processual, mas visa, principalmente, adequar a prestação jurisdicional, demonstrando que, num Estado de Direito Contemporâneo, a realização substancial dos direitos e garantias fundamentais, pela superação da forma estanque, abstrata e genérica de aplicação incondicionada da norma, é o único e verdadeiro limite da atuação jurisdicional.

Em bela analogia, Gustavo Zagrebelsky compara o direito constitucional a materiais de construção e o edifício construído não à Constituição em si, mas a uma política constitucional que trata das possíveis interações entre esses materiais, porquanto é a política constitucional o amálgama do direito constitucional[28]. Daí a concluir pela compreensão da Constituição como “dogmática fluida”, suscetível de configurações diversas destinadas à efetividade das normas constitucionais, configurações essas apenas limitadas à manutenção da unidade hieráquico-normativa e da concordância prática:

La dogmática constitucional deve ser como el líquido donde las sustâncias que vierten – los conceptos – mantienen su individualidad y coexisten sin choques destructivos, aunque com ciertos movimientos de oscilación, y, en todo caso, sin que jamás un solo componente pueda imponerse o eliminar a los demás. Puesto que no puede haber superación en una síntesis conceptual que fije de una vez por todas las relaciones entre las partes, degradándolas a simples elementos constitutivos de una realidad conceptual que las englobe con absoluta fijeza, la formulación de una dogmática rígida no puede ser el objetivo de la ciencia constitucional.[29] (grifou-se)

Em resumo, o edifício a ser construído pode ter forma e qualidades diversas para atender às diferentes situações concretas, e é aí que reside a característica essencial dos atuais Estados constitucionais: sua ductibilidade, sua capacidade de adaptar-se a um sem número de circunstâncias e conveniências sem desnaturar-se, sempre dando uma resposta satisfatória aos interesses em jogo. Em outras palavras, agora traduzindo em termos mais processualmente palatáveis, as normas constitucionais (“materiais de construção”) estão ao alcance do intérprete não como fórmulas estanques ou algoritmos, mas como instrumentos úteis que, bem utilizados, escolhidos com sabedoria, são capazes de configurar uma solução concernente (“edifício”) que forneça ao titular de um direito (“condôminos/moradores”) a sua total e efetiva fruição.

Ora, se a dogmática constitucional é dúctil, adaptável, amoldável, também deve ser o processo civil que tem legitimidade na referência constitucional de sua regulação e concretiza em etapas e procedimentos a prospecção e realização dos mais variados direitos nas mais variadas formas de apresentação. Como se vê, o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada é o resultado da vitória da compreensão sistemática do ordenamento como partes em constante movimento configurando diferentes realidades dogmáticas às diferentes situações sem, contudo, descurar da noção de unidade que da soma das partes deve derivar, como se fosse um indivíduo que, muito embora capaz de bem se relacionar com as diversidades culturais, sociais, educacionais, religiosas, sexuais, não perde nunca sua essência, seu caráter, sua personalidade, podendo, para tal desígnio, ser, por vezes, mais conservador ou mais liberal de forma a reajustar situações em torno de uma concepção final que reflita sua concepção de mundo sem desnaturá-lo nem isolá-lo do convívio social.

É por essa razão que a conformação do procedimento ao direito material tal como deduzido em juízo, bem como a exigência de existência de uma técnica processual diversa adequada à tutela do direito substancial, é compromisso que se impõe ao exegeta sob pena de proteger de forma insuficiente o direito fundamental à tutela jurisdicional, em total descompasso com a política constitucional que lhe dá suporte[30]. Essa deficiência será tanto pior quando o próprio direito substancial revelar-se igualmente um direito fundamental. Exemplo: caso não houvesse, na regulamentação das execuções de prestações alimentícias, a previsão de prisão civil do devedor face à sua inadimplência voluntária e inescusável (CPC, art. 733, § 1º c/c art. 5º, LXVII, da CRFB), estar-se-ia violando conjuntamente o direito fundamental da criança ao mínimo existencial, principalmente no que atine à saúde, alimentação e educação (CRFB, art. 227), bem como o direito fundamental a uma tutela jurisdicional adequada à relevância do direito material.

A presunção de veracidade do fato constitutivo do direito nas demandas envolvendo relação de consumo, equivocadamente denominada pela expressão legal “inversão do ônus da prova”[31], prevista no inc. VIII do art. 6.º da Lei n.º 8.078, de 1990, quando, à critério do juiz, for verossímil a alegação ou hipossuficiente o autor, é um ótimo exemplo da preocupação do legislador com a adequação do processo: verificando a grande dificuldade, por parte do consumidor, em constituir a prova da violação de algum direito seu, haja vista a realidade pululante de abusos, simulações e estelionatos, teve o bom senso de, nas relações de consumo, retirar, num primeiro momento, o ônus probatório do consumidor.

A extensão da gratuidade de justiça concedida no processo principal à ação rescisória é outra perspicaz solução encontrada, agora não mais pelo legislador – que isso não previu expressamente na Lei n.º 1.060, de 1950 –, mas pelo julgador que, diante do caso concreto no qual o indivíduo, sem a gratuidade de justiça, ver-se-ia impossibilitado de desconstituir uma sentença alegadamente conspurcada por um vício rescisório, lançou mão, e bem, da diretiva constante no art. 126 do CPC[32] e art. 4º da LICC[33] de vedação do non liquet, ampliando o permissivo legal[34] da desnecessidade de pagamento dos encargos judiciais à ação rescisória quando o benefício da gratuidade de justiça já tenha sido concedido na demanda em que proferida a sentença rescindenda. Isso porque, numa leitura conglobante do art. 9.º da Lei nº 1.060, de 1950, tratando-se a ação rescisória de mera reabertura do litígio, não haveria motivo para, diante da ausência de elementos que configurassem uma flagrante alteração da situação econômica do autor, afastar a presunção iuris tantum de pobreza já reconhecida[35].

Outro ótimo exemplo da incidência do princípio da tutela jurisdicional flexibilizando uma restrição processual de forma a garantir a concretização de direitos fundamentais pela adequação à realidade do caso concreto ocorre no âmbito das ações contra a Fazenda Pública. Muito embora seja vedada antecipação de tutela contra a Fazenda Pública nas hipóteses previstas no art. 1º da Lei n.º 9.494, de 1997, a higidez das contas públicas, a proteção do Erário, deve ficar em segundo plano quando em contraste, dentro de uma escala axilógica, com valores eminentemente superiores como é o caso do direito à vida e à saúde (CRFB, art. 196). Como bem professora Nelson Nery Junior: “Quando a tutela adequada para o jurisdicionado for medida urgente, o juiz, preenchidos os requisitos legais, tem de concedê-la, independentemente de haver lei autorizando, ou, ainda, que haja lei proibindo a tutela urgente.”[36].

Nesse sentido, deve ser concedida liminar, nas ações, e.g., de medicamentos, toda vez que vise atender à necessidade urgente do cidadão que se encontra na iminência de um dano em sua saúde ou em estado periclitante. Não permitir liminar, evidentemente satisfativa, nesses casos seria proteger insuficientemente não só a saúde e a vida, mas também um direito de fundamental importância num Estado Democrático de Direito, o da prestação jurisdicional adequada. Como se vê, toda vez que a proibição da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública vier de encontro a um direito fundamental, essa vedação deverá ser afastada[37]. Quanto ao ponto importa salientar o entendimento, que se entende correto, de que a proibição irrestrita do uso da técnica antecipatória de direito atenta ao direito fundamental constante do inc. XXXV do art. 5º da CRFB, porquanto “Uma lei que proíbe a aferição dos pressupostos necessários à concessão de liminar obviamente nega ao juiz a possibilidade de utilizar instrumentos imprescindíveis ao adequado exercício do seu poder. E, ao mesmo tempo, viola o direito fundamental à viabilidade da obtenção da efetiva tutela do direito material.”[38] (grifo no original).

São inúmeros os exemplos para demonstrar o quanto é presente no dia-a-dia forense a conformação do procedimento à forma com que deduzida em juízo a pretensão de direito material. Senão vejamos: (a) o magistrado veda a cumulação de pedidos ao verificar que o tipo de procedimento não é adequado para a análise de ambos (CPC, art. 292, § 1º, III); (b) em nome do princípio diretivo (CPC, art. 130) e do poder geral de cautela (CPC, art. 798), o juiz veta diligências inúteis ou protelatórias, bem como determina a produção de provas e lança mão de medidas provisórias que entende adequadas a afastar empecilhos à instrução processual ou mesmo à garantia do resultado prático do processo (CPC, art. 798); (c) face à complexidade da demanda, exigindo, p. ex., prova pericial, o juiz do Juizado Especial Cível encaminha os autos à Justiça Comum, porquanto o procedimento sumário não está adequado ao pedido de reconhecimento da especialidade de determinado período para fins efetivação do direito material à aposentadoria; (d) julgamento antecipado da lide pela verificação de que a demanda correu à revelia, versa apenas sobre questão de direito, ou de fato e de direito não necessita de produção de prova em audiência (CPC, art. 330); (e) o rol numerus apertus das ações cabíveis para defesa dos direitos e interesses dos consumidores.[39]

1.2 Tutela Jurisdicional Efetiva

O princípio da efetividade, que é um dos princípios interpretativos da Constituição, estabelece que à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê, e não podia ser diferente haja vista que a Constituição é a “base fundamental para o Direito do País”[40]. Uma vez que interpretar é concretizar a Constituição, o intérprete, mais precisamente o julgador, embora todos sejam intérpretes[41], deve buscar a solução que melhor atenda à finalidade da Lei Maior, pois assim estará concretizando seus ditames, conferindo-lhe força normativa e, portanto, a máxima efetividade[42]. Conduta diversa do intérprete não se cogita, uma vez que as normas jurídicas não são orientações, conselhos ou sugestões, mas obrigações de proteção e promoção, reconhecimento e realização, de direitos e deveres, ainda mais quando se trata das normas jurídicas constitucionais, pois, consoante magnífica conceituação de Celso Antônio Bandeira de Mello, verbis:

[...] a Constituição não é um mero feixe de leis, igual a qualquer outro corpo de normas. A Constituição, sabidamente, é um corpo de normas qualificado pela posição altaneira, suprema, que ocupa no conjunto normativo. É a Lei das Leis. É a Lei Máxima, à qual todas as demais se subordinam e na qual todas se fundam. É a lei da mais alta hierarquia. É a lei fundante. É a fonte de todo o Direito. É a matriz última da validade de qualquer ato jurídico.[43]

É por essa razão que o magistrado não só pode como deve, ao lançar mão do arcabouço legislativo, imbuir-se de uma visão sistemática ampliativa, quiçá normogenética, interpretando a processualística à luz da Constituição, amoldando-a de maneira inteligente ao direito substancial e às necessidades que apresenta na realidade social de que derivado[44]. Ele não pode se satisfazer, ao eventualmente negar um direito ou quedar inerte, com a mera ausência de expressa dicção legal, mas apenas com a convicção de que o ordenamento jurídico, em sua integralidade, repele a postulação da parte ou veda iniciativa para além do que já perpetrado, pois, de outra forma, estará negando vigência à prestação jurisdicional, direito fundamental que exige, nas doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, um Estado positivo, fruto de uma concepção de Estado social e democrático de Direito, in verbis:

Vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, além da não intervenção na esfera de liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, [...].[45]

Ao Direito contemporâneo não mais é suficiente o método subsuntivo formalista pretensamente apolíneo kelseniano, porquanto está hoje mais voltado à interpretação teleológica do ordenamento concebido enquanto sistema de realização de necessidades sociais. Por esse motivo, a mera incidência abstrata desprovida de resultado prático deve ser revista quer por uma nova apreensão do significado da norma, alterando, assim, sua hipótese de incidência, quer pela observação de que a insuficiência do arcabouço legal, ao gerar a ineficiência da regulação, viola frontalmente o sistema tomado em conjunto, uma vez que em desacordo com a finalidade de pacificação social pela efetiva solução dos problemas, momento em que a integração interpretativa, enquanto não haja proposição parlamentar, faz-se imprescindível[46]. Nesse sentido são atinentes as colocações de Alexandre Santos de Aragão, as quais, embora tratem da eficiência da administração, servem muito bem à compreensão da efetividade da jurisdição, in verbis:

O princípio da eficiência de forma alguma visa a mitigar ou a ponderar o Princípio da Legalidade, mas sim a embeber a legalidade de uma nova lógica, determinando a insurgência de uma legalidade finalística e material – dos resultados práticos alcançados –, e não mais uma legalidade meramente formal e abstrata.[47]

Nos estados liberais burgueses o direito ao acesso à justiça, ao acesso à proteção jurisdicional, era visto como um direito eminentemente formal dos indivíduos, sem nenhuma garantia de efetividade, razão pela qual as diferenças socioeconômicas entre os litigantes e as diversidades dos casos apresentados recebiam tratamento idêntico de um sistema abstrato baseado na perfeição da igualdade pelo tratamento planificado, unidirecional e pré-determinado. Hoje, graças à evolução do pensamento sistemático processual, o acesso à justiça é muito mais do que dar entrada num processo na justiça, mas fundamentalmente receber uma resposta estatal consentânea que repercuta na esfera jurídica do pleiteante[48]. Nas palavras de Dinamarco, a essência da tutela jurisdicional está na realização da pretensão:

Tutela jurisdicional é o amparo que os juízes, no exercício da jurisdição, oferecem ao litigante que tiver razão (sempre, Liebman), ou seja, é a concreta e efetiva oferta dos bens ou situações jurídicas que lhes favoreça na realidade da vida. É, em outras palavras, a real satisfação de uma pretensão.[49]

O mero direito de ação, a mera garantia constitucional da inafastabilidade da prestação jurisdicional, não é mais algo suficiente na realidade contemporânea suplicante por instrumentos que superem as dificuldades práticas com vistas à efetividade da prestação jurisdicional. Pensar de outra forma, na visão moderna do processo civil enquanto “processo civil de resultados”, nos dizeres de Cândido Rangel Dinamarco, é compreender o processo em termos angustos, é dar as costas para a coerência sistemática do ordenamento jurídico modernamente compreendido na seara da maximização dos ditames constitucionais. Nesse sentido, verbis:

Diferentemente é o posicionamento moderno, agora girando em torno da ideia do processo civil de resultados. Consiste esse postulado na consciência de que o valor de todo sistema processual reside na capacidade, que tenha, de propiciar ao sujeito que tiver razão uma situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo. Não basta o belo enunciado de uma sentença bem estruturada e portadora de afirmações inteiramente favoráveis ao sujeito, quando o que ela dispõe não se projetar utilmente na vida deste, eliminando a insatisfação que o levou a litigar e propiciando-lhe sensações felizes pela obtenção da coisa ou da situação postulada. Na medida do que for praticamente possível, o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de receber (Chiovenda), sob pena de carecer de utilidade e, portanto, de legitimidade social.[50] (grifo no original)

Essa concepção de processo civil de resultados foi e segue sendo a tônica das reformas do processo civil (e.g. arts. 273, 461 e 461-A[51]). O processo sincrético, trazido mais uma vez no bojo dessas reformas, em especial pela Lei n.º 11.232, de 2005, sistematizando a execução de obrigações de pagar quantia certa (haja vista que as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa já detinham esse sincretismo – CPC, art. 461 e 461-A) como nova fase do processo de conhecimento, denominado de “Cumprimento da Sentença”, pela superação do arcaico binômio cognição-execução, no qual o credor era obrigado a ajuizar duas demandas (uma de conhecimento e outra executiva baseada na sentença) para só então executar o provimento favorável, dando às sentenças condenatórias eficácia executiva independentemente de nova ação e novo contraditório (percepção e operacionalização do princípio sententia habet paratam executionem) é um ótimo exemplo de como o processo civil tem caminhado em sintonia com o direito, e por que não dizer, princípio da efetividade da prestação jurisdicional.

Ainda sobre a execução (ou fase de “Cumprimento da Sentença” quando não figura no polo passivo a Fazenda Pública ou não se trata execução de título executivo extrajudicial), verifica-se que para a efetivação do provimento jurisdicional se tem a previsão dos artigos 287, 461, 461-A, 621, 645, caput, todos do CPC, art. 84 do CDC, art. 213 do ECA, art. 83 da Lei n.º 10.741, de 2003 (Estatuto do Idoso) e art. 11 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347, de 1985). Entretanto esses dispositivos legais tratam apenas das obrigações de fazer ou não fazer (CPC, art. 461 e 645, caput; CDC, art. 84; ECA, art. 213; Lei n.º 10.741, de 2003, art. 83; Lei n.º 7.347, de 1985, art. 11) e das obrigações de entregar coisa (CPC, art. 461-A e 621, parágrafo único), garantindo a efetividade das obrigações de fazer (ou desfazer) e entregar coisa pela fixação de multas por tempo de atraso (mais conhecidas sob a denominação de multas diárias, muito embora não seja o “dia” marco temporal obrigatório, como se verifica da leitura dos §§ 5º e 6º do art. 461 do CPC, podendo serem fixadas em semanas, meses, anos e, dependendo da urgência, até em horas), já para as de não fazer, pela incidência de multas fixas. O código silencia, no tocante às obrigações pecuniárias, quanto à utilização desse meio processual (aliás, não só o CPC é silente, como também a legislação especial, como ilustra o inc. V do art. 52 da Lei n.º 9.099, de 1995), circunstância que, dependendo do caso, irá de encontro à efetividade da prestação jurisdicional e, por consequência, revelar-se-á omissão inconstitucional.

Qual a diferença entre uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa convertida em perdas e danos e uma obrigação de pagar quantia? O fato de iniciar ou converter-se numa obrigação pecuniária configura justo impedimento, obstáculo intransponível à aplicação do instrumento coercitivo que, por excelência, almeja efetivação da obrigação? Ora, as astreintes têm um caráter coercitivo, e não reparatório/indenizatório, logo não há incompatibilidade no fato de ser imposta em obrigações pecuniárias: será que não pode, face ao caráter da obrigação (pagar quantia), ser imposta uma medida de persuasão ao cumprimento? Poder-se-á negar eficácia a uma execução pecuniária porquanto não decorrente de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, retirando assim, em certos casos, a efetividade da prestação jurisdicional? Entende-se pela veemente resposta negativa.

É bom lembrar que a eficácia é não só condição de validade do ordenamento jurídico[52] – validade no mais das vezes identificada com a legitimidade do ordenamento – como também condição de existência. Veja-se que não se trata de um truísmo, mas da constatação de que o direito só é direito quando se realiza, pois a normatividade sem efetividade é apenas uma abstração jurídica, uma projeção vazia de sentido, uma pauta regulatória intangível, uma utopia: “A realização do direito é a vida e a verdade do direito; ela é o próprio direito.”[53].

1.3 Tutela Jurisdicional Tempestiva

Tutela jurisdicional tempestiva, ou em tempo razoável (CRFB, art. 5º, LXXVIII), “[...] importa no dever do Estado de organizar procedimentos que importem na prestação de uma tutela jurisdicional sem ‘dilações indevidas’ [...].”[54], o que implica a “[...] impossibilidade de o juiz adiar a concessão da tutela após ter formado o seu convencimento.”[55] (grifo no original). Aliás, o próprio ordenamento infraconstitucional processual determina o cumprimento dessa mentalidade/conduta teleologicamente focada na celeridade, no dinamismo, bastando observar os termos do inc. II do art. 125 do CPC que determina ao juiz, como diretor do processo, “velar pela rápida solução do litígio”, ou do § 4º do art. 515 do CPC, que permite ao Tribunal, constatando nulidade sanável, proceder à imediata realização ou renovação do ato processual, ou ainda do §2º do art. 154 do CPC, que permite a produção, transmissão e armazenamento de dados por meio eletrônico.

A tempestividade da prestação jurisdicional também encontra arrimo no item 1 do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950 (o nome oficial é “Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), bem como no item 1 do art. 8º do Decreto n.º 678, de 06-11-1992, que promulgou a Convenção Americana de Direitos Humanos (denominada de Pacto de São José da Costa Rica), respectivamente, verbis:

1 – Qualquer pessoa tem direito a que sua causa seja examinada, eqüitativa e publicamente, num prazo razoável por tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter (sic) civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. [...]. (grifou-se)

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (grifou-se)

A tutela jurisdicional tempestiva é o direito de obter do magistrado uma resposta a respeito do direito postulado em tempo razoável, isto é, não exorbitante, direito este passível de observação em diversos princípios, tais como o da celeridade, economia processual, instrumentalidade das formas (CPC, art. 154), que demonstram a busca incessante de dar agilidade ao processo visando uma prestação jurisdicional mais rápida possível. Cumpre observar que “tempo razoável” não é sinônimo de celeridade, mas o fruto do constante embate essa premência e a segurança jurídica, o meio termo ou mesmo a pendência para um dos lados dessas forças antagônicas, tudo a depender das circunstâncias fático-jurídicas do caso concreto.

Nessa vertente encontram-se configuradas, por exemplo, as tutelas preventivas, quais sejam as tutela provisórias ou de urgência, uma vez que colimando evitar alguma lesão atual e iminente, ou extirpar a continuação de uma lesão, prevenindo lesão futura primária, sua reiteração ou mesmo sua intensificação, demonstram a preocupação do legislador de como a influência do fator tempo pode ser determinante à prestação jurisdicional: de que adiantaria implementar o benefício de aposentadoria por invalidez cinco anos após o ajuizamento da ação? Qual o resultado prático de proferir uma sentença em tempo recorde, quatro meses que seja, julgando procedente o pedido de realização de uma cirurgia cardíaca a quem, desde o ajuizamento, demonstrou o iminente perigo de morte?

Também é cabível a citação da antecipação da parcela incontroversa, prevista no § 6º do art. 273 do CPC, medida que, quebrando com o princípio da unicidade do julgamento, responde magistralmente aos anseios daqueles que, tendo uma questão plenamente elucidada, incontroversa, não quer, porquanto efetivamente não deve, esperar o fim da instrução de todos as outras questões debatidas para só então poder ver reconhecido e concretizado seu direito.

Nessa mesma toada, oportuno lembrar que a regulamentação dos recursos repetitivos tanto em matéria constitucional (Lei n.° 11.418, de 2006, que criou o art. 543-B do CPC), quanto em matéria infraconstitucional (Lei n.º 11.672, de 2008, que criou o art. 543-C do CPC), estabelecendo uma lógica procedimental de forma a ordenar a avalancha de recursos sobre questão idêntica que chegam diariamente no Supremo Tribunal Federal – STF e no Superior Tribunal de Justiça – STJ, não teve outro propósito que não o de garantir agilidade à apreciação desses recursos, diminuição do tempo de tramitação, evitando que gerações se sucedam à espera da conclusão do litígio. É de sabença geral, ao menos no meio jurídico, que as partes, salvo raras exceções, preferem um provimento parcial ou totalmente desfavorável à eternização da demanda. Só se vive uma vez! Certamente ninguém, em sã consciência (as paixões desafiam a racionalidade), escolherá a angústia da dúvida permanente quando oferecida a certeza, ainda que da decepção.

Como se vê, existem situações em que proferir uma decisão diferida no tempo representa o mesmo que negar a prestação jurisdicional, motivo pelo qual o expediente da antecipação da tutela, seja ela: (a) assecuratória/preventiva, ou também denominada de tutela satisfativa interinal de urgência;[56]  (b) punitiva (modo com a defesa é exercida) ou; (c) da parte incontroversa (seja pela confissão, pelo reconhecimento da procedência do pedido ou pelo silêncio, leia-se não contestação, daquele que tinha o ônus de se manifestar), foi, com razão, inovação brindada pela processualística.

Finalmente[57], é possível citar, como exemplo de alteração legislativa visando garantir dinamicidade e simplicidade ao sistema processual, o novo regime do recurso de agravo trazido pela Lei n.º 11.187, de 2005, ao disciplinar a modalidade retida aos agravos contra decisões proferidas em audiências de instrução e julgamento (CPC, art. 523, § 3º), a possibilidade de conversão em retido do agravo de instrumento quando não comprovado que a decisão recorrida seja suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação (CPC, art. 527, II), bem como a irrecorribilidade da decisão que determina essa conversão e da defere o efeito suspensivo ou a antecipação da tutela recursal (CPC, art. 527, parágrafo único).


2 ASTREINTES NAS OBRIGAÇÕES DE PAGAR QUANTIA: Proporcionalidade da Aplicação e da Previsão de Lege Ferenda

As astreintes, ou multas periódicas, meio executivo coercitivo (indireto) patrimonial, originárias do Direito francês, são um instrumento de coerção/coação contra o retardamento do adimplemento da obrigação, isso é, não estão relacionadas estritamente com o descumprimento puro e simples do comando judicial, com a afronta à autoridade e à dignidade do Poder instituído (que revela a essência da multa punitiva/cominatória/sancionatória, assemelhada ao contempt of court do sistema da Common Law – art. 14, inc. V e parágrafo único, art. 18 e arts. 600 e 601, todos do CPC), mas à demora injustificada na realização desse provimento, como forma de garantir o resultado prático do processo, a efetividade da prestação jurisdicional, podendo ser impostas ex officio, em valor a ser arbitrado pelo magistrado e, de regra, antes do descumprimento da decisão judicial: “Como bem se vê, antes de consistir em sanção contra uma eventual afronta à dignidade do poder Judiciário, a multa surge como instrumento apto a dar maior efetividade às decisões emanadas daquele Poder.”[58]

Muito embora já haja previsão de multa no art. 475-J do CPC caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, essa é uma multa processual, uma sanção processual, uma multa punitiva[59]. Isso é, embora o montante da condenação acrescido em 10% reverta em favor da parte (característica das astreintes), essa multa, por ter valor legalmente fixado e incidir obrigatoriamente (não há qualquer margem de discricionariedade ao magistrado, que nem mesmo diante a manifesta situação de penúria do devedor pode deixar de aplicá-la) após, e somente após, o descumprimento do título executivo, transparece claramente como uma penalidade face à conduta.

Ademais, a multa cominatória, em razão exatamente do motivo de sua fixação, incide e é cobrada independentemente de posterior reconhecimento da inexistência da obrigação principal, ao contrário das astreintes que, uma vez fixadas, só incidirão no caso de manutenção do status quo de inobservância do provimento judicial e, é claro, subsistência de possibilidade jurídica e fática de cumprimento da obrigação principal, dado o seu caráter acessório: coagir psicologicamente o devedor a cumprir com aquilo que obrigado sob a ameaça de se avolumar a dívida[60]. Aliás, a acessoriedade das astreintes resta evidenciada na sua natureza coercitiva: visando garantir o cumprimento da obrigação principal, no caso de desaparecer essa inexistirá fundamento para mantença de multa. Caso essa tivesse natureza punitiva, visando punir o ato atentatório à dignidade do Poder Judiciário, o desaparecimento ou impossibilidade de cumprimento da obrigação principal não faria desnaturar o fato de que a parte a quem destinada a multa descumpriu uma determinação judicial, motivo suficiente à cobrança da multa punitiva. Cabe aqui citar elucidativa diferenciação entre a multa coercitiva (para evitar o inadimplemento) e a multa sancionatória (para punir o inadimplemento), feita por Luiz Guilherme Marinoni, verbis:

Não é possível reduzir a multa a uma mera sanção punitiva pecuniária que não pode ser cobrada imediatamente. A multa coercitiva, como já se disse, não tem função punitiva, ao passo que a condenação para o futuro tem por objetivo acelerar a atividade executiva para dar conta de provável violação, e não com a impossibilidade de cobrança imediata da multa que foi imposta para evitar a violação. [...]. Assim, enxergar na ordem sob pena de multa uma espécie de condenação para o futuro significa pensá-la como indenização que somente pode ser cobrada mais tarde, e não como técnica de coerção indireta, fundamental à efetividade da tutela dos direitos.[61]  

Agora, será que é possível a utilização concomitante de uma multa coercitiva para a tutela das obrigações de pagar quantia? E mais, seria realmente necessário legislar sobre o tema, isso é, a sua não expressa previsão veda terminantemente a sua utilização? Será que as astreintes não são uma forma adequada, necessária e justificada de garantir a tutela jurisdicional eficaz e, do mais das vezes, antecipada do crédito objeto da execução de obrigação de pagar quantia? E, assim sendo, não gozaria de eficácia imediata ainda que sem correspondência legislativa expressa, haja vista que mecanismo processual atrelado à consubstanciação de um direito fundamental? Será que a plenitude dos mandamentos constitucionais com status de direitos fundamentais pode ser obstaculizada pela omissão legal, ou, por outro lado, exatamente por isso é cogente a verificação prática incontinente desse meio executivo nas obrigações pecuniárias? Oxalá que sim!

2.1 Princípio da Proporcionalidade

Inicialmente cumpre observar que, sem embargo do embate teórico a respeito da denominação que melhor caracteriza a proporcionalidade[62], haja vista que o mais importante é a constatação do poder da proporcionalidade de manter a unidade e a coerência, e por que não, a completude do ordenamento jurídico, aplicar-se-á, no presente trabalho, a terminologia “princípio”, nomenclatura que, entende-se, ser a que mais adequadamente capta o sentido abrangente e o caráter sistematizante da proporcionalidade.

Pois bem. O princípio da proporcionalidade tem origem no Tribunal Constitucional Alemão, na experiência judicial tedesca[63], como reflexo direto das atrocidades do regime nazista, haja vista que esse regime demonstrou que direitos desprovidos de garantias a sua efetividade ficam manietados por um Poder Legislativo ilimitado e intangível em sua atividade legiferante. Por conseguinte, a Alemanha passou, pela releitura constitucional da legalidade, de uma postura intransigente da lei, a uma percepção jurídica inflexível a violações de direitos fundamentais, campo fértil ao desenvolvimento do princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito de fundamental importância, pois estabelece balizas à compreensão e solução do problema apresentado, impedindo que a retórica impere nas justificativas do legislador ou nos argumentos do julgador. Ele decorre do Princípio do Devido Processo Legal Substancial/material[64] (diz respeito ao controle da atividade estatal, à limitação das leis e atos do Poder Público quanto ao seu conteúdo, o controle do arbítrio legislativo e da juridicidade governamental), o qual prega a constante releitura da legislação, a fim de averiguar a efetividade do acesso e implementação dos direitos, garantias e liberdades constitucionais.[65]

O Princípio da proporcionalidade tem uma composição trifásica: subprincípio da adequação, da necessidade e da proporcionalidade stricto sensu. A sequência em que foram citados não é meramente alfabética, mas segue uma lógica linear e subsidiária que determina que só se procederá ao exame do subprincípio seguinte caso o anterior tenha sido cumprido.

O subprincípio da adequação – também denominado de idoneidade, conformidade, pertinência – consubstancia-se na investigação da capacidade do meio produzir o resultado pretendido. Nada mais é do que a relação de pertinência, de compatibilidade, entre o meio escolhido e o fim almejado. Cumpre observar, todavia, que somente se o meio escolhido for manifestamente incapaz de contribuir para a consecução do fim pretendido é que ele será desproporcional: o meio deve realizar o fim, ainda que esse meio seja o que menos (quantitativo), pior (qualitativo) e com menor certeza (probabilidade) promova o fim. Basta que o meio promova o fim para ser considerado pertinente:

Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado. [...]. Dessa forma, uma medida somente pode ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização do objetivo pretendido.[66]

Esse subprincípio evita, portanto, escolhas arbitrárias, limitando o Poder ao direcionar o agente político a uma eleição condizente com a realidade pretendida pela retirada, do seu âmbito de escolha, de opções patentemente ineficazes.

O subprincípio da necessidade – também denominado de exigibilidade, indispensabilidade, da alternativa menos gravosa – busca o meio idôneo mais moderado, mas igualmente eficaz na consecução do fim colimado. Ele tem relação com os princípios da intervenção mínima, da proibição de excesso e da proibição de proteção deficiente, e apregoa que, entre os meios a disposição, deve-se optar por aquele que seja menos gravoso, quer seja sobre o prisma do excesso (aquele que menos afete os interesses e liberdades em questão), ou da insuficiência (aquele mais proteja os interesses e liberdades em questão). Assim, o meio apenas será desnecessário se for o que, evidentemente, mais afete ou menos proteja os interesses e liberdades para obtenção da finalidade tencionada, porquanto, nesse caso, o sacrifício de um determinado direito (ou dever) fundamental terá sido comprovadamente desnecessário.

O subprincípio da proporcionalidade stricto sensu, diferentemente dos outros dois subprincípios (nos quais a análise é feita in abstracto), é casuístico: atua verificando se, no caso concreto, o custo (prejuízo, sacrifício, intervenção em um direito fundamental) se justifica diante do benefício (realização de outro direito fundamental). É a relação de custo/benefício na apuração da proporcionalidade do meio escolhido: é a ponderação, a justa medida, o equilíbrio, o sopesamento entre a vantagem a ser obtida e a desvantagem a ser sofrida. Isso é, deve haver uma harmonia entre o risco submetido e o efeito favorável adquirido, uma relação entre os valores atingidos e os valores protegidos, entre o gravame e o bônus dele decorrente.

O subprincípio da proporcionalidade stricto sensu é facilmente perceptível pela definição que o filósofo alemão Robert Alexy, na sua Teoria dos Direitos Fundamentais, lhe deu: Lei do Sopesamento. Segundo essa lei, a interferência em um princípio deve estar justificada pela importância da realização de outro. A aplicação desse subprincípio, então, resume-se em conferir peso aos princípios em jogo e verificar qual que deve prevalescer. Não se trata de uma operação matemática, haja vista que não se chega a uma resposta absoluta e única, mas de um sopesamento, à luz do caso concreto, entre o(s) princípio(s) que sofre(m) a interferência e o(s) princípio(s) a ser(em) concretizado(s), bem como entre o resultado dessa interferência e a situação de  não  interferência, para estabelecer  qual  o  preponderante.  Como bem explica Marcelo Lima Guerra:

Isso quer dizer que, numa discussão sobre ser ou não um dos princípios em conflito mais preponderante do que outro, um dos pontos a serem necessariamente enfrentados, como objeto desta discussão, é o grau de interferência que a realização de um valor causa no outro e, vice-versa, o grau de interferência sofrida pelo primeiro com a realização do segundo (mesmo que tal realização consista apenas na omissão em se realizar o primeiro, em nome da defesa do segundo).[67] (grifo no original)

Em outras palavras, na busca da verificação da proporcionalidade em sentido estrito deve-se: 1º) observar o “peso” em abstrato, teórico, de cada um dos princípios; 2º) avaliar a relevância deles na situação fática juridicamente relevante; 3º) sopesar para ver se a restrição a um dos princípios é justificada frente à realização de outro não só para o caso em si como para as conseqüências jurídicas, para os efeitos futuros. Pode ser que os princípios em jogo tenham o mesmo “peso” in abstracto, a mesma relevância in concreto, mas dificilmente o sopesar da grandeza dos efeitos de um em comparação ao outro não trará uma margem de escolha segura a qual se possa concluir como proporcional.[68]

Enfim, para saber se o meio é proporcional em sentido estrito é essencial responder ao seguinte questionamento: na ponderação entre o custo sofrido e o benefício obtido, é sustentável, juridicamente, sofrer esse custo para obter esse benefício?

Uma vez em mente a estrutura individualizada do princípio da proporcionalidade e estabelecidos os parâmetros dentro dos quais uma disposição normativa ou uma hermenêutica integrativa do ordenamento pode adjudicar-se proporcional, cumpre discorrer especificamente sobre o resultado da incidência do princípio na temática do presente trabalho: as astreintes nas obrigações de pagar quantia.

2.2 Meio Executivo Coercitivo Idôneo

Primeiramente, é preciso deixar clara a legitimidade da utilização de multas coercitivas, derivada do poder genérico constante do § 5º do art. 461 do CPC, que permite aos magistrados lançar mão de medidas que entenda necessárias na busca da efetivação da tutela específica ou da obtenção do resultado prático equivalente: a multa fixa, p. ex., não é prevista em lei, nem por isso não deixa de ter legitimidade processual.

Como se vê, a legitimidade das astreintes está intimamente ligada a sua idoneidade como instrumento processual, porquanto, se não fosse apta a coagir ao cumprimento da obrigação, legitimidade não lhe competiria.

Pois bem, numa leitura a contrario sensu do ensinamento de Luiz Guilherme Marinoni, técnica executiva inidônea é aquela que é incapaz de efetivamente responder ao direito material, verbis:

É que o processo, diante de determinada construção legal, pode não constituir técnica capaz de efetivamente responder ao direito material. Nesse caso, como é obvio, a técnica processual deve ser considerada inidônea à tutela dos direitos.[69]

Assim, para bem aquilatar a pertinência das astreintes como técnica executiva, cumpre-se questionar: a fixação de astreintes favorece, ainda que minimamente, a efetividade da prestação jurisdicional e, por consequência, a objetividade jurídica por meio dela buscada? A multa coercitiva nas obrigações pecuniárias são capazes de, em situações-limite, configurarem um adminículo capaz de impulsionar a obtenção da tutela pleiteada pela consolidação, na esfera jurídica do titular, do crédito?

Ora, é indiscutível que as astreintes são capazes de, in abstracto (como alhures demonstrado a análise da idoneidade dá-se em abstrato, isso é, em sede da mínima percepção teórica do resultado a que se propõe a medida sob análise), impulsionar a remoção da conduta omissiva do devedor, salvo, é claro, quando este for insolvente e/ou a obrigação for impossível, casos em que evidente a inutilidade de qualquer pressão ao adimplemento.[70]

Não há dúvida da idoneidade da multa coercitiva, porquanto apta a erigir um procedimento executivo sem óbices intransponíveis, um procedimento adequado à proteção e promoção do direito material, um procedimento garantidor da efetividade da prestação jurisdicional, resguardando a execução de um prolongamento inadmissível à realização do título executivo, sendo, portanto, meio útil, apropriado, adequado à finalidade a que se propõe. O Superior Tribunal de Justiça tem exatamente essa visão das astreintes, meio idôneo à proteção e promoção da tutela jurisdicional, principalmente no que refere a garantir a concretude das decisões judiciais, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA PARA O DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. POSSIBILIDADE. REVISÃO DO VALOR. SÚMULA 7/STJ.

1. É assente na jurisprudência desta Corte quanto à possibilidade da fixação da multa diária como medida garantidora da efetividade da determinação judicial, sendo que a análise da insurgência no que tange ao valor atribuído às astreintes implica em revolvimento dos fatos e circunstâncias da causa, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AI n.º 1018147-RJ – 4ª T. – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. 20-08-2009 – DJe 31-08-2009)

2.3 Meio Executivo Coercitivo Necessário

Com a finalidade de verificar se a fixação de astreintes se revelam mecanismo processual adequado à tutela do direito do credor de obrigações pecuniária, é preciso antes saber se o procedimento constante na legislação, nos termos em que se encontra, é suficiente, isso porque de outra forma as multa coercitiva demonstrar-se-ia mecanismo excrescente e, portanto, mais gravoso, o que é vedado (CPC, art. 620)[71]. Por exemplo, nos casos em que for possível o desconto em folha ou renda periódica, não haverá motivo para aplicação da multa, porquanto esse desconto consignado mostra-se ser meio menos gravoso idôneo e igualmente eficaz.

Em termos gerais, isso é, tomando por base aquilo que geralmente ocorre, não é possível perceber-se falha no sistema, haja vista que as regras do “Cumprimento da Sentença” nos moldes que codificada atualmente transparecem uma aptidão de solucionar a lide em termos práticos. Ocorre que não está aqui tratando da normalidade, mas da presença de uma ameaça real extraordinária provinda da omissão de quem deveria agir mesmo depois da uma punição processual ao ato atentatório à dignidade da justiça (multa de 10% - CPC, art. 475-J), somada à demonstração in concreto de circunstâncias que ensejam o imediatismo dos valores buscados, quadro excepcional que demanda uma resposta estatal igualmente excepcional sob pena de se pôr a cobro o provimento jurisdicional, e essa resposta apresenta-se sob a denominação de astreintes:

Quer tudo isso indicar: aferindo-se a ineficiência, no caso concreto, do binômio condenação-execução forçada, está o órgão jurisdicional autorizado, evidentemente motivando a sua decisão, a empregar mandamento para tutela das obrigações de pagar quantia, sendo-lhe possível, dessarte, ordenar sob pena de multa coercitiva (exercendo-se, assim, uma ‘coação atual’ sobre a vontade do demandado).[72]

Assim, mostrando-se o meio executivo de sub-rogação às obrigações de pagar quantia, qual seja, a expropriação, ainda que idôneo, inábil a proteger suficientemente a prestação jurisdicional, então cabível a aplicação da multa coercitiva, porquanto nessas circunstâncias transparecerá ser meio necessário, pois eficaz na realização do direito material, ainda que mais gravoso:

Poderá o autor suportar a demora decorrente da espera, pelos quinze dias previstos no art. 475-J, das providências para a penhora e avaliação de bem a ser expropriado, das impugnações que o réu poderá formular (ainda que mediante simples petições), das delongas dos sucessivos trâmites conducentes à adjudicação, à alienação por iniciativa particular ou à hasta pública? Os atos de sub-rogação são bem mais lerdos do que as técnicas inerentes às tutelas mandamental ou executiva.[73]

2.4 Meio Executivo Coercitivo Justificável

Nesse momento cumpre inquirir: o custo de, no caso concreto, sobrepujar-se o direito posto pela introdução de um meio não previsto – o que, segundo alguns, sacrificaria ou mitigaria a segurança jurídica enquanto previsibilidade das formas – se justifica frente à garantia de uma prestação jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva? A segurança jurídica, pela previsibilidade dos meios executivos, se justifica perante o esboroamento do direito fundamental à tutela jurisdicional pela ineficácia do título que se tornará, diante da inação do devedor, apenas um pedaço de papel, transformando uma obrigação concreta numa utopia? Em uma visão mais aprofundada, a ausência de norma regulamentadora é causa impediente da realização da tutela jurisdicional, em outras palavras, a manutenção de uma inação estatal sob o pálio da omissão legal se justifica quando essa inércia tem o potencial de retirar da tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva sua eficácia imediata decorrente da condição de direito fundamental (CRFB, art. 5º, § 1º)?[74]

Ora, o esvaziamento do processo civil pela ausência de um mecanismo capaz de garantir a realização da pretensão deduzida em juízo em determinadas situações-limite em que as ferramentas processuais se mostram insuficientes, nunca será justificado em nome da segurança jurídica, da previsibilidade, da vedação do arbítrio pela restrição da discricionariedade judicial, até porque não há segurança jurídica que se sustente frente à inadequação, inefetividade e morosidade da jurisdição pela ineficácia procedimental. Um processo que não garanta a obtenção do resultado prático é uma técnica carente de finalidade, é um meio de composição de litígios que não atenta para o fato gerador da lide, é um mundo jurídico desatrelado de sua origem fenomênica, enfim, é um “populismo jurídico” travestido de direito de ação, é um discurso vazio, porquanto sem repercussão, sem conseqüências.

O Estado, ao prestar a jurisdição, deve ter em conta o que ela representa em verdade: a confiança do cidadão na República, na legitimidade democrática e na imparcialidade e competência de um órgão especializado em aplicar as normas jurídicas constitucionalmente estatuídas. Assim, mais uma vez indaga-se: será que não pode o juiz, em nenhuma hipótese, aplicar multa coercitiva nas obrigações de pagar quantia? Será que a imprevisão legislativa deve ser vista como um obstáculo à efetividade da jurisdição quebrando, por consequência, a confiança do cidadão na capacidade do Estado de fazer valer os direitos?

É necessário um “impulso oficial” (CPC, art. 262) nesse ponto, para que seja suprida essa lacuna, complementação essa em total sintonia com a visão contemporânea, indiscutivelmente correta, de (re)leitura constitucional do arcabouço legislativo, pois sendo o Direito um inteiro harmônico e a Constituição a base e o limite da compreensão do ordenamento jurídico, nada melhor do que solucionar uma questão processual civil de ordem executiva à luz da proteção de um direito fundamental[75]. Somente dessa forma, atendendo aos fins socais e às exigências do bem comum, diretrizes aplicativas de toda a lei (LICC, art. 5º), máxime da Lei Maior, que o Direito estará, de fato, acompanhando a evolução dos fenômenos sociais.

É uma regra básica da interpretação que a lex superior derogat legi inferiori. Sendo assim, uma norma ordinária deve ceder diante de uma norma constitucional. Mas e quando a violação da constituição se dá por uma omissão no regramento infraconstitucional? Mesma lógica deve ser aplicada, contudo não para afastar a regra, porquanto inexistente, mas para determinar a colmatação dessa lacuna inconstitucional, seja no caso concreto, ex officio pelo julgador[76] ou em sede de mandado de injunção, seja num controle concentrado por Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO (conforme novel regulamentação instituída pela Lei n.º 12.063, de 2009).

Por óbvio que, permitidas as astreintes devem elas recair tanto nas execuções de títulos judiciais quanto nas extrajudiciais, assim como nas execuções contra a Fazenda Pública, até porque seria desigual que o Poder Público, quando no pólo passivo, ficasse resguardado em sua contumácia, tirando, indene, proveito de sua torpeza.

Seria plenamente justificável lançar-se mão desse meio coativo nas situações limite em que transparecesse a premência da obtenção dos valores reconhecidos judicialmente como devidos, pois, de outra forma, estar-se-ia, p. ex., violando o princípio da igualdade. Nem todos os casos serão iguais. É claro que, de regra, o credor tem outras fontes de renda, não está em estado falimentar. Contudo, e quando a realidade é desastrosa? Tratar situações substancialmente diferentes sob o manto da suposta perfeição normativa capaz de dar a resposta ágil e apropriada a quaisquer hipóteses fáticas é cometer injustiças!

O mestre Celso Antônio Bandeira de Mello explana que, para a verificação da isonomia de certa escolha, é preciso adentrar em três questões, as quais, transpostas para o presente trabalho, traduzem-se da seguinte forma: 1ª) aplicar astreintes às situações flagrantes em que o valor objeto da condenação mostra-se urgentemente necessário para subsistência do credor e/ou de sua família é um critério de discrímen válido, isso é, passível de ser objeto de discriminação?; 2ª) há um fundamento lógico, uma justificativa racional, para aplicar-se a multa coercitiva quando demonstrado o iminente dano grave ou de difícil reparação ao credor caso os valores a ele devidos não sejam adimplido rapidamente?; 3ª) esse fator de diferenciação está congraçado ao sistema normativo constitucional?[77]. Analisar-se-ão em conjunto as questões.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o critério de diferenciação não pode ser muito específico, devendo residir na pessoa ou situação na qual a discriminação tem seu lugar, contudo de maneira que a garantia individual não se torne um privilégio. Pois bem, com isso em mente, questiona-se: será que é desarrazoado sustentar a aplicação de multa pecuniária coercitiva nas execuções de pagar quantia, ou a natureza da obrigação, pecuniária, não admitiria, em qualquer hipótese, incidência de um pagamento a mais como forma de impelir o adimplemento? Ainda que a resposta seja negativa à maioria das situações, uma vez comprovado que o pagamento a destempo restaria inútil, nesse caso vislumbrar-se-ia uma hipótese de fixação de multa coercitiva? Entende-se que sim.

Também é possível verificar uma violação do princípio da isonomia quando a verba de natureza alimentar stricto sensu, porquanto fundada em direito de família, os chamados alimentos assistenciais, detém mecanismo de multa coercitiva de natureza pessoal (§ 1º do art. 733 do CPC), enquanto que, mesmo não derivando de relação familiar, os valores que exsurgem como urgentes, tendo muitas vezes inclusive status constitucional de verba alimentar (CRFB, art. 100, § 1º-A), ficam desprovidos de qualquer técnica processual coercitiva.[78]

Deixar às obrigações de pagar quantia não alimentar apenas a expropriação (meio executivo direto) e, em sede de Cumprimento de Sentença, a multa sancionatória/punitiva do art. 475-J do CPC, é, por vezes, descurar do substrato constitucional inerente à prestação jurisdicional: a sua efetividade.

Ora, de que adiantará ao credor com as finanças em situação calamitosa esperar pelos trâmites do meio expropriatório. Resta claro que, seja quando da antecipação da tutela[79] ou na execução, há possibilidade de coagir o devedor, demonstrando que sua demora não lhe operará benefícios, mediante a aplicação das astreintes.

Mesmo para quem defende que o princípio da tipicidade dos meios executivos – que prega que o juiz não pode lançar mão de expediente não previsto na lei para realizar o conteúdo do título executivo – ainda baliza, de regra, a execução, princípio esse forjado sob as vestes de uma segurança jurídica radical, nos moldes do liberalismo clássico, avesso à mínima discricionariedade estatal na apreensão da realidade e formulação de uma resposta in concreto, concepção que não mais encontra eco na realidade dinâmica contemporânea, mais afeta à funcionalidade do que à perfeição formal da completude in abstrato do ordenamento jurídico[80], questiona-se: a restrição, o sacrifício, o gravame refletido e equilibrado ao princípio da tipicidade da execução justifica-se frente ao benefício da plena eficácia ao direito fundamental da prestação jurisdicional efetiva?

Ora, parece plenamente justificável que o custo da atenuação pontual da condição de numeros clausus atribuía aos meios executivos perde em importância frente ao contraponto do benefício à efetividade da tutela jurisdicional e a consequente manutenção e promoção da confiança do cidadão no Poder instituído e nos mecanismos de implementação de seus direitos, até porque, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “É puramente ideológico e sem nenhuma base jurídica o entendimento de que a ausência de lei definidora obsta à identificação do conceito e à invocação do correlato direito.”[81]

A omissão de previsão legal de multa coercitiva às obrigações de pagar quantia geram um desamparo injustificável à tutela de um direito que, embora reconhecido, tende, na ausência de norma impositiva, à obsolescência diante de trâmites processualísticos insuficientes: “Isso significa que a ausência de técnica processual adequada para certo caso conflitivo concreto representa hipótese de omissão que atenta contra o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.”[82].

Claro que a fixação da multa só deve ocorrer após a citação, no caso de execução contra Fazenda Pública, ou o decurso do prazo de 15 dias do trânsito em julgado, no caso do cumprimento de sentença, e a inércia do réu solvente, pois não se justifica aplicar, de plano, uma coerção a alguém que ainda não teve a oportunidade de, espontaneamente, adimplir sua obrigação. É bom repisar que o réu inerte deve ser solvente, porquanto não tendo como pagar sua dívida (quer por estar na miséria ou endividado, mesmo que em fraude a credores ou fraude à execução), de nada adiantará aplicar-lhe multa, pelo contrário, nesse caso transparecerá apenas um injustificável agigantamento do montante exequendo, porquanto visando dar agilidade a um pagamento sabidamente obstaculizado pelo estado de insolvabilidade do devedor.

Guilherme Rizzo do Amaral tem posição diametralmente contrária à aplicação, enquanto não positivada, das astreintes nas execuções de obrigações de pagar quantia certa, pois, segundo ele:

Aplicar uma multa sem previsão legal não significa adequar o procedimento, mas sim ampliar poderes. E, o que é pior, ‘auto-ampliar’ poderes, dando azo à criação de um processo autoritário, onde o juiz define a extensão de sua força e de sua penetração na esfera jurídica das partes, ignorando o processo democrático de criação da lei processual pelo legislador. [...]. Não obstante o romantismo da ideia, o caso concreto não induz a consensos sobre os poderes a serem desempenhados, sendo evidente o risco de um processo ditatorial se deixada esta definição ao livre arbítrio do juiz. [...]. Ora, sugerir que, diante de tão clara e restrita sistemática legislativa, haja espaço para criações mais adequadas, afastando-se sem constrangimento todo o arcabouço legal – e a limitação de poderes! – previsto para tais hipóteses, é colocar em estado de manifesta insegurança os litigantes, e em descrédito a lei processual. [...]. Encaramos, assim, a ideia de aplicação das astreintes como técnica de tutela dos deveres de pagar quantia, como uma ótima sugestão, de lege ferenda. Esperamos que, futuramente, venha a ser acolhida, juntamente com outras idéias igualmente adequadas que busquem maior efetividade ao processo.[83] (grifo no original)

Que o ordenamento jurídico é lacunoso, pois é impossível ter uma previsão estrita/específica para cada fato presente ou futuro, ninguém duvida, mas ao mesmo tempo é fundamental compreender que também não tem lacunas, pois sua própria dinâmica hermenêutica permite a solução jurídica ao caso concreto. Assim, só existem lacunas se observado o ordenamento junto a um caso concreto, mas, tomado in abstracto, ele é completo. Dessarte, aguardar a iniciativa legislativa para só então dar uma resposta a uma demanda atual e concreta é descurar da completude do ordenamento enquanto sistema, vilipendiando a capacidade integradora do hermenêuta, verbis:

Principalmente para nós, que consideramos o sistema jurídico completável, em lugar de completo (e, por isso lacunoso), esse dogma da completude assume especial importância. Mesmo nas hipóteses onde não haja norma adequada ou nas circunstâncias em que ela inexiste, impera o dever de decidir. O ato da jurisdição tira regra nova para o caso concreto, criando norma individual e, assim, integra o sistema jurídico, quando ele assim necessite.[84]

Mais adiante em sua argumentação, Guilherme Rizzo Amaral, por mais paradoxal que seja, afirma a violação à igualdade, bem como a insuficiência procedimental que a não previsão das astreintes gera nas obrigações de pagar quantia, verbis:

Por outro lado, é inegável que o devedor, no Direito Processual brasileiro, recebe tratamento privilegiado, pois, mesmo quando possui plena capacidade de satisfazer a execução por quantia certa, tem a opção de utilizar-se de um sistema processual emperrado e burocrático para administrar suas dívidas, a baixíssimo custo (juros de 1% ao mês e correção monetária), ficando o credor muitas vezes à mercê do custo que o dinheiro encontra no mercado financeiro.”; “O que sobressai dos argumentos esposados é algo que o legislador havia percebido na Lei n.º 10.444/02, e que parece ter, aqui, esquecido: é o engessamento das técnicas de tutela que contribui para a injustiça e debilidade do processo, seja para o autor, seja para o réu. Predeterminar um programa processual, por meio do qual se espera a realização do direito material postulado, significa algemar o juiz e torná-lo mero espectador ou fiscalizador do funcionamento débil do aparato processual.[85] (grifo no original)

Não é possível concluir que um direito fundamental, porquanto não refletivo numa técnica processual específica, inexiste. É inaceitável que um direito fundamental de excelência num Estado de Direito não seja cumprido à exaustão, ainda mais quando os direitos materiais estão intrinsecamente ligados a ele, porquanto condicionados à sua realização[86]. O monopólio estatal da jurisdição, e a consequente vedação da autotutela, exige um Estado-juiz pró-ativo, ainda mais diante de flagrantes violações de direitos fundamentais, nesse sentido é mais do que apropriada a doutrina de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, verbis:

Mais ainda, a concepção dos direitos fundamentais como normas objetivas supremas do ordenamento jurídico tem uma importância capital, não só teórica, para as tarefas do Estado. Daí decorre que qualquer poder do Estado tem uma obrigação (negativa) de se abster de ingerências no âmbito protegido pelos direitos fundamentais, como também uma obrigação (positiva) de levara cabo tudo que sirva para a realização dos direitos fundamentais, inclusive quando não diga respeito a uma pretensão subjetiva dos cidadãos. Ao mesmo tempo, em razão do imperativo do monopólio da jurisdição e da proibição da autotutela, constitui dever do Estado, por meio do juiz, outorgar jurisdição e assim possibilitar a realizabilidade do direito subjetivo material.[87]

Como é que alguém com tamanha lucidez sobre os efeitos deletérios que um procedimento acanhado causa na efetividade do processo, na legitimidade da atuação estatal naquilo que se arroga a maior responsabilidade – elaboração e cumprimento das leis – e, consequentemente, na potencialidade de pacificação social, possa concluir que a aplicação, em situações bem definidas, de técnica processual adequada a conduzir ao remate do litígio deva ser vista como discricionariedade, mais, como arbitrariedade digna do mais autêntico regime ditatorial?

Pelo contrário, o esvaziamento da efetividade do processo e, portanto, da capacidade do Estado de fazer valer os seus pronunciamentos, esse sim é verdadeiro ágar-sangue para a futura implementação de regimes totalitários.

No contubérnio do mundo contemporâneo a visão iluminista dos direitos maximizados num Estado absenteísta não encontra esteio. Não é mais justificável que um ranço mórbido do absolutismo seja fundamento para a desmoralização do ente representativo da sociedade organizada: o Estado. O indivíduo até pode conceber-se enquanto “mar” de direitos, mas o cidadão, enquanto agente reivindicador da justiça e promotor da cidadania (fundamento da República Federativa do Brasil – CRFB, art. 1º, caput), tem deveres, dos quais pagar as suas dívidas é um deles. O Estado não pode, pela omissão de um dos seus poderes (Legislativo), se tornar fiel depositário e avalizador de sua própria ineficiência em cobrar dos cidadãos a observância das leis, razão pela qual, mais do que justificado, é curial, sob pena do desbaratamento do sistema, que o Judiciário tome as rédeas e, no caso concreto, busque, amparado na Constituição (CRFB, art. 5º, XXXV), um meio hábil a concretizar o direito que reconheceu, conduta essa que certamente não denota uma “agenda oculta” insidiosa.

O distanciamento do processo das vicissitudes do direito material e da realidade social é utopia saudosista que viola, em um sem número de vezes, a exigência de proteção jurídica. Não é salutar ao Estado Democrático de Direito, para dizer o mínimo, deixar para as calendas gregas a solução desse impasse casuístico de ineficiência do arcabouço processual diante da inércia voluntária e inescusável do devedor.

Não é mais possível, nos dias de hoje, uma pregação do processualismo científico, compreendendo o processo civil como mera técnica alheia aos valores em sua aplicação despreocupada e insensível à realidade social, até porque tal concepção revelar-se-ia inconstitucional face à ruptura entre o processo e a Constituição, esvaziando-lhe a eminente finalidade de proteção dos direitos e garantias constitucionais, substrato que dá suporte a própria existência do processo[88]. O jurisdicionado muito mais do que a forma quer o conteúdo, muito mais que ritualísticas, protocolos e burocracias maquiadores da realidade quer a perpetração da justiça, e não uma simples apreensão mitológica dessa num pacto medíocre do direito de ação correlato a uma ação estatal sem resultados. Nesse sentido é o alvitre de Cândido Rangel Dinamarco ao expor, já na década de noventa, qual era, ou deveria ser, a visão do processualista moderno, verbis:

Consciente dessas verdades que hoje temos por patentes, o processualista das últimas décadas tornou-se um crítico. Tomou consciência também da grande necessidade de optar por um método teleológico, em que os resultados valem mais que os conceitos e estruturas internas do sistema. E apercebeu-se de que o bom processo é somente aquele que seja capaz de oferecer justiça efetiva ao maior número possível de pessoas – universalizando-se tanto quanto possível para evitar ilegítimos resíduos não jurisdicionalizáveis e aprimorando-se internamente para que a ideia de ação não continue sobreposta à de tutela jurisdicional. O processualista moderno sabe que muito menos vale a formal satisfação do direito de ação do que a substancial ajuda que o sistema possa oferecer às pessoas.[89] (grifo no original)

Já se foi o tempo em que os princípios eram meras orientações, simples conselhos que o intérprete, querendo, lançava mão sem grandes preocupações de aplicá-los, realizá-los. Hoje são eles imperativos, comandos de necessária observância na medida das reais possibilidades jurídicas existentes, haja vista que enquanto autêntica expressão dos valores superiores que inspiraram a formação e organização do Estado, condicionam sua atuação em todos os níveis. Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello, o princípio é um “mandamento nuclear do sistema”, definindo a “lógica e a racionalidade do sistema normativo”[90], razão pela qual externa, em magnífica apreensão de sua importância, que, verbis:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão dos seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.[91] (grifou-se)

Sendo assim, permitir a violação do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (também conhecido como princípio da universalidade da prestação jurisdicional ou da ubiquidade), sob o argumento de que o silêncio do legislador quis dizer mais do que uma mera indesculpável inércia, é aniquilar a racionalidade do sistema. Ora, a parêmia do Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit (“Quando a lei quis determinou; sobre o que não quis, guardou silêncio.”) deve ser aplicada com cautela, pois o imprevisto é um dos pilares do avanço legislativo, logo o silêncio da lei não significa sua negativa veemente à previsão do que nela não constou: “Do silêncio do texto não se deduz a sua inaplicabilidade, nem tampouco a supremacia forçada do princípio oposto.”[92].

Enfim, buscar sentido no vazio para justificar a mantença de um status quo procedimental aquém das necessidades práticas é escolha que certamente não está no leque de opções interpretativas do julgador, porquanto confere à lacuna legislativa significado incompatível com o princípio constitucional insculpido no inciso XXXV da CRFB. Na lição de Luigi Ferrajoli:

Por mucho que sean vagos y estén formulados en términos valorativos, los princípios constitucionales sirvem en todo caso para aumentar la certeza del derecho, ya que limitan el abanico de las posibles opciones interpretativas, obligando a los jueces a asociar a las leyes únicamente los significados normativos compatibles con aquéllos.[93]

A muito deixou de ser acolhida a célebre, contudo anacrônica, máxima do Fiat justitia, pereat mundus (“Faça-se justiça, ainda que o mundo pereça”), pois tomar a lei tal como posta e aplicá-la cegamente, ainda que ciente de sua excessividade ou insuficiência, é descurar do caráter finalístico do Direito, de sua necessidade de acompanhar a sociedade, início, meio e fim de sua existência: hoje vige outra máxima, a do ius est art boni et aequi (“O Direito é a arte do bom e do eqüitativo”). Uma jurisdição que não observa o ponto de chegada de seus provimentos, que não considera as variáveis incapacitantes do juízo proferido, seja por imprevisão ou previsão aquém da exigida, que faz ouvidos muitos aos princípios balizadores da moderna processualística constitucionalmente percebida, é uma não jurisdição.

A apreensão principiológica com vistas à solução do caso concreto pode ser o elemento causal de efeitos colaterais nas mãos do operador despreparado, levando a casuísmos desarrazoados. Contudo também pode, outrossim – e, via de regra, o é – ser o único mecanismo capaz de suprir eficazmente a processualística pela compreensão de seu leitmotiv: realização do direito material. A forma está a serviço do direito material, não podendo, dessarte, ela, ou a sua ausência, constituir empeço a sua realização.

Continuar fechando os olhos às injustiças que a ausência de regulação de astreintes nas obrigações de pagar quantia causa é reiterar, num mantra suicida, o brocardo Fiat iustitia, pereat mundus, concretizando, dessarte, a constatação de que Summum jus, summa injuria (“supremo direito, suprema injustiça”) e vilipendiando a observação de Carlos Maximiliano de que “[...] o Direito prevê e provê; logo não é indiferente à realidade. Faça-se justiça; porém salve-se o mundo, e o homem de bem que no mesmo se agita, labora e produz.”[94]

O fato de não haver previsão de multa coercitiva às obrigações de pagar quantia é um descuido inaceitável, contudo pior é deixar que essa lacuna legislativa esboroe o direito fundamental à tutela jurisdicional, porquanto nesse caso estar-se-á ofendendo a coerência sistemática do ordenamento jurídico regrado pela maximização dos ditames constitucionais. Enfim, estar-se-á negando efetividade à Constituição, negando-lhe sua força normativa[95]:

Sem o imperativo da efetividade, os direitos fundamentais seriam reduzidos a meras declarações políticas ou exortações morais, a uma retórica tão impressionante quanto vazia, com a pretensão de dar ares de civilidade a uma sociedade não civilizada. Sem efetividade o que se tem é ou uma Constituição nominal ou uma Constituição semântica.[96]

Essa visão pró-ativa do sistema não é nova. Sálvio de Figueiredo Teixeira já a professava desde a entrada em vigor da atual Constituição Federal, como se percebe da leitura do seguinte trecho de magnífica palestra ministrada em conferência realizada em 16-11-1991, verbis:

O Estado Democrático de Direito não se contenta mais com uma ação passiva. O Judiciário não mais é visto como mero Poder equidistante, mas como efetivo participante dos destinos da Nação e responsável pelo bem comum. Os direitos fundamentais sociais, ao contrário dos direitos fundamentais clássicos, exigem a atuação do Estado, proibindo-lhe a omissão. Essa nova postura repudia as normas constitucionais como meros preceitos programáticos, vendo-as sempre dotadas de eficácia em temas como dignidade humana, redução das desigualdades sociais, erradicação da miséria e da marginalização, valorização do trabalho e da livre iniciativa, defesa do meio ambiente e construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária. Foi-se o tempo do Judiciário dependente, encastelado e inerte. O povo, espoliado e desencantado, está a nele confiar e a reclamar sua efetiva atuação através dessa garantia democrática que é o processo, instrumento da jurisdição.[97]

A jurisdição é uma das mais fortes expressões da soberania estatal. Assim, não garantir a sua adequação, efetividade e tempestividade é também proteger de forma insuficiente um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CRFB, art. 1º, I). A soberania de um Estado é tão mais débil quanto maior é a sua incapacidade de fazer valer sua diretivas, porquanto de nada adianta uma miríade de direitos sem eco na jurisprudência, sendo, portanto, a efetividade da tutela desses direitos um direito fundamental de todo e qualquer direito, que deve ser buscada de forma radical: “[...] os órgãos estatais se encontram na obrigação de tudo fazer no sentido de realizar os direitos fundamentais.”[98]

Incontestável a assertiva de que em teoria tudo é muito bem urdido, mas na prática, hic sunt leones (“aqui estão os leões”). Mas quem disse que a tarefa do operador do Direito é fácil, de simples solução em todas as situações, quem disse que não existem hard cases. O discernimento do julgador é algo requerido com ênfase nesses casos, exigindo que não se restrinja à verificação compactada da processualística, devendo interpretar sistematicamente o Direito à luz dos princípios constitucionais, de forma a obter uma resposta satisfatória que garanta a efetivação do direito pleiteado. O processo civil contemporâneo, na visão do formalismo-valorativo (modelo processual que se entende ser o mais adequado à atual realidade), exige que o procedimento não seja mais algo estanque, contudo um instrumento dúctil capaz de moldar-se ao direito material objeto da lide, porquanto a padronização da forma, longe de servir a uma isonomia do tratamento estatal à postulação da parte, desconsidera as especificidades do caso concreto deduzido em juízo.[99]

O direito processual, por mais abstrato e genérico que possa parecer, não está infenso ao direito material. Cada vez mais as reformas aprovadas no texto processual (v.g. antecipação da tutela; cumprimento da sentença; juizados especiais; CPC, art. 285-A; CPC, art. 273, §§ 6º e 7º) demonstram uma ligação direta de adaptação do procedimento às especificidades do caso concreto, deixando à margem a velha compreensão de unidade procedimental. Hodiernamente vê-se o processo amoldando-se ao direito material e não mais uma tentativa no mais das vezes frustrada de impor a todas as situações o mesmo tratamento, a mesma tocada. O formalismo antolhado das legis actiones a muito se foi, não podendo mais o juiz fazer ouvidos moucos à realidade da lide apenas porque a codificação contemporânea, norteada pela constitucionalização do processo civil (releitura do processo civil pela introdução de valores constitucionais), ainda não foi tomada a termo nas obrigações de pagar quantia. É questão de tempo para vermos essa previsão, contudo, enquanto não chega, vale a preciosa lição do memorável Enrico Tullio Liebman: “Mas nenhuma audácia lógica pode ser condenada, quando sirva para justificar conclusão equitativa e praticamente satisfatória.”[100].

As astreintes são a principal técnica processual coercitiva ao cumprimento das decisões judiciais seja ela qual for: fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia. Deixar sua incidência passar ao largo das obrigações de pagar quantia apenas por sua imprevisão destoa da lógica jurídica, da razão de ser do instituto[101]. É lícito aguardar pacientemente a concretização dos prejuízos decorrentes do descumprimento de uma ordem judicial sob a égide de uma posterior apuração de perdas e danos apenas e exclusivamente por se tratar de uma determinação de pagar quantia?

Ora, se a França, país de quem essencialmente importamos as astreintes, já são elas aplicadas às obrigações de pagar quantia, porque não fazer o mesmo no Brasil? A cultura, o grau de desenvolvimento econômico, a maturidade política, o nível social, o que afinal impede o Brasil de seguir a França nessa empreitada? E enquanto não é legislada, por que não se pode realizá-la no plano jurisprudencial? Nossos magistrados são tacanhos, nossa democracia é tão incipiente e permeada de arbitrariedades a ponto de preferir-se o esvaziamento da finalidade prática da execução à aplicação, ainda que não expressamente regulada, mas materialmente prevista à luz da Constituição, das astreintes nas obrigações de pagar quantia?

Como se vê, a aplicação da multa coercitiva às obrigações de pagar quantia certa em situações-limite bem delineadas é, indiscutivelmente, solução de lege ferenda, mas, essencialmente, meio de realização do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva, que não pode ficar relegado a uma futura normatização, exigindo, pois, sua imediata incidência jurisprudencial.

Ademais, a conformação dos procedimentos, onde as astreintes aplicadas às obrigações de pagar quantia são um belo exemplo, também se mostra medida justificável ao combater, em grande parte, uma das causas da crise do Judiciário: a legislação processual ineficiente. Juntamente com questões de legitimidade, gestão, mudanças culturais e atuações estatais flagrantemente inconstitucionais, uma legislação processual que não atente à simplicidade, dinamicidade, mas principalmente à efetividade, certamente está aquém das necessidades da sociedade contemporânea.[102]


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se na presente pesquisa ofertar ao leitor um trabalho de considerável consistência teórica e reflexão crítica acerca da possibilidade de aplicação das astreintes nas obrigações de pagar quantia que possa, ainda que minimamente, secundar o advogado, o magistrado, o promotor, o defensor público, enfim o operador do Direito preocupado com a modernização, a recontextualização e a eficiência da processualística.

As principais conclusões a que se pode chegar, as quais dizem respeito ao cerne da questão analisada, são as seguintes:

a) o processo civil contemporâneo é um instrumento finalístico, onde a legitimação está na realização da justiça, logo o direito processual não pode, em hipótese alguma, empecer a efetivação do direito subjetivo, devendo o procedimento ser, em toda e qualquer situação, adequado ao direito material posto nos autos, isso é, o sistema deve ser racionalizado pela utilização de tutelas jurisdicionais diferenciadas;

b) o processo civil, modernamente concebido como um “processo civil de resultados” não pode ser um freio à realização do direito material, pelo contrário, deve ser efetivo. O Estado, vedando a autotutela, deve ser o garantidor da aplicação da vontade concreta da lei, verificação do direito e prestação do objeto tutelado ao vencedor. De nada adianta o reconhecimento do direito sem a sua realização, seja num sentido negativo (respeito, omissão) ou positivo (ação para a satisfação);

c) da “dogmática fluida” da Constituição decorre o procedimento adequado ao caso concreto, que exige uma minuciosa apreensão das nuanças e necessidades diferenciadas, razão pela qual é inadmissível uma concepção procedimental uniforme na atual etapa de desenvolvimento da processualística, não mais vista como um programa fechado e perfeito de perguntas e respostas, mas como com um instrumento maleável para realização de direitos, capaz de adaptar-se às variantes do percurso e ultrapassar os obstáculos não previstos com combinações teórico-práticas;

d) a multa diária é um mecanismo processual idôneo à proteção e promoção da tutela jurisdicional, principalmente no que refere a garantir a concretude das decisões judiciais;

e) as astreintes são, diante de situações de excepcional necessidade, em que verificável a ineficiência do mecanismo de sub-rogação, meio adequado, necessário e justificável a incidir nas obrigações de pagar quantia certa, protegendo-se e promovendo-se, dessa forma, o direito fundamental à prestação jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva;

f) o uso das astreintes se justifica quando, diante da urgência casuística, revela-se ser meio adequado a prestar a tutela, desde que o devedor, com condições econômicas, não tenha cumprido o título pelo único motivo de postergar a resolução, de adiar o adimplemento o mais possível, numa atitude mesquinha de quem, podendo pagar e sabedor de que realmente deve, queda inerte voluntária e inescusavelmente quanto às suas responsabilidades enquanto devedor e, sobretudo, enquanto cidadão;

g) aplicar as astreintes em situações-limite constatáveis em pontuais execuções de pagar quantia não é medida arbitrária e ampliativa de poderes com caráter antidemocrático, mas legítima adequação procedimental sob os auspícios do direito fundamental à tutela jurisdicional, caso contrário estar-se-á esboroando a efetividade do processo e sua potencialidade de pacificação social e, consequentemente, a legitimidade da atuação estatal;

h) não aplicar astreintes nas obrigações de pagar quantia pelo simples fato de que não positivadas para esse tipo de obrigação é buscar sentido no vazio para justificar a mantença de um status quo procedimental aquém das necessidades práticas, violando frontalmente o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional. O ordenamento tomado em sua integralidade, embora lacunoso, é completável. Enquanto unidade, o ordenamento jurídico deve ser capaz de dar uma resposta aos anseios sociais e necessidades individuais, razão pela qual não é sustentável que uma premente situação excepcional fique a descorberto da proteção jurídica pelo simples fato de que não prevista expressamente;

i) sendo a lei uma das fontes do Direito, logo o Direito é mais amplo, completo e complexo que a lei. Assim, a falta de lei não pode ser empecilho à realização do Direito, mais especificamente, a falta de previsão legal das astreintes às obrigações de pagar quantia certa não pode ser obstáculo à utilização dessa técnica processual ainda que em detrimento do direito processual tal como conhecido e em vias de se tornar obsoleto.

O novo modelo constitucional de efetividade do processo, que passou a regular a interpretação do ordenamento, superou a concepção anacrônica do conservadorismo processual e tecnicismo inflexível, eis porque uma releitura sistemática, à luz da Constituição, de um ordenamento processual enodoado por lacunas geradoras de injustiças flagrantes, é algo obrigatório e premente num Direito Processual Civil contemporâneo dinâmico que pretenda deter legitimidade.


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Notas

[1] A segunda dimensão dos direitos fundamentais compreende, essencialmente, direitos que exigem um Estado positivo. Diz-se essencialmente porquanto, nada obstante a grande maioria de tais direitos demandarem uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, alguns representam apenas a nova face da liberdade numa sociedade industrializada, tais como: liberdade de sindicalização, direito de greve, férias, etc.. Nessa concepção de atuação positiva adentra-se na esfera material das liberdades e igualdades, ou seja, no dever de realização das garantias constitucionais, representada por direitos sociais, econômicos e culturais, que “[...] outorgam ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas, [...]” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 55). Em suma, os direitos fundamentais de segunda dimensão reivindicam um agir do Estado – claro que nos limites de um Estado Democrático, no qual a legitimidade da intervenção é calcada no princípio da subsidiariedade, máxime nos pilares da dignidade da pessoa humana e do bem comum – pela criação e disponibilização de meios que garantam a efetividade das normas constitucionais de forma a manter a confiança da sociedade nas leis e nas instituições.

[2]  “A regra do art. 5º, inc. XXXV, da Carta Federal pátria, em última análise, garante o direito à ação, bem como o de ter um processo direcionado à entrega do direito material de maneira efetiva e eficaz, a todos os jurisdicionados, independente de posição econômica, social, cultura, etc., propiciando que o Estado alcance o propósito de prestar a jurisdição, a que se incumbiu.” (CARPENA, Márcio Louzada. Da garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional e o processo contemporâneo. In: PORTO, Sérgio Gilberto (org.). As garantias do cidadão no processo civil: relações entre constituição e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 20). A única exceção constitucional à jurisdição resta contida no § 1º do art. 217 da CRFB, onde se exige o esgotamento prévio das instâncias da justiça desportiva para o ingresso no Poder Judiciário. Ademais, o juízo arbitral também afasta a jurisdição, contudo não é algo absoluto, pois as sentenças arbitrais podem ser revistas quando nulas (Lei n.º 9.307, de 1996, art. 33), sem contar, é claro, a plena utilização de remédios constitucionais.

[3] “O processo é que assegura a efetivação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, quando violados, com base nas linhas principiológicas traçadas pela Constituição. É instrumento que o Estado está obrigado a usar e representa uma prestação de garantia, através da qual o fundamento da norma se preserva e são protegidos os direitos essenciais do cidadão. É o único meio de se fazer com que os valores incorporados pela Constituição, em seu contexto, sejam cumpridos, atingindo o fim precípuo a que se propõem – o estabelecimento da paz social.” (DELGADO, José Augusto. A supremacia dos princípios nas garantias processuais do cidadão. Revista de Processo, São Paulo, ano 17, p. 92-93, jan.-mar. 1992).

[4]  MITIDIERO, Daniel. Processo civil e estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 91.

[5] Abalizada doutrina bem diferencia as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”. Enquanto aqueles são os direitos do ser humano reconhecidos e positivados pelo direito constitucional de determinado Estado, esses são os direitos positivados no âmbito internacional (tratados, convenções, acordos, etc.), lá estando por denotarem direitos que atinem a todo e qualquer ser humano enquanto tal, direitos inerentes à condição de ser humano, detentores, portanto, do que se poderia chamar de uma validade universal a todos os povos e em qualquer tempo. Os “direitos humanos” são os direitos que, mesmo previstos numa determinada ordem constitucional, não estão apenas vinculados a ela, pois detêm caráter supranacional, são direitos que não apenas configuram o fundamento, a base, o mínimo existencial garantido aos indivíduos integrantes de certa nação, mas que condicionam a compreensão e o alcance da noção de dignidade da própria humanidade. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. passim p. 33-41).

[6] Esse pacto é, inclusive, norma interna, porquanto aprovado/referendado pelo Brasil por intermédio do Decreto Legislativo n.º 226, de 12-12-1991, ratificado em 24-01-1992 e vigorando desde 24-04-1992, foi promulgado, internalizando-se, pelo Decreto n.º 592, de  07-07-1992.

[7] A perspectiva objetiva entende os direitos fundamentais como direitos objetivos da comunidade, valores básicos tomados em si mesmos, sem a necessária relação direta a um indivíduo. A perspectiva objetiva supera a perspectiva subjetiva, pois, embora os direitos fundamentais traduzam, num último momento, direitos dos cidadãos tomados individualmente, antes configuram um sentido abstrato de relevância humanitária. Isso é, os direitos fundamentais, muito embora aplicados topicamente, transcendem a casuística, detendo uma concepção objetiva de mandamentos normativos que conspiram em todos os sentidos sobre o ordenamento jurídico na busca de sua efetividade, haja vista que, tomados em conjunto, constituem um mínimo existencial garantidor da dignidade da pessoa humana, sem o qual as sociedades organizadas restariam aniquiladas. Como professorado por Ingo Sarlet: “A faceta objetiva dos direitos fundamentais, [...], significa, isto sim, que às normas que preveem direitos subjetivos é outorgada função autônoma, que transcende esta perspectiva subjetiva, e que, além disso, desemboca no reconhecimento de conteúdos normativos e, portanto, de funções distintas aos direitos fundamentais. É por isso que a doutrina costuma apontar para a perspectiva objetiva como representando também [...] uma espécie de mais-valia jurídica, no sentido de um reforço da juridicidade das normas de direitos fundamentais, [...]” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 160)

[8] “[...] se os direitos fundamentais são, de certa forma, dependentes da organização e do procedimentos, sobre estes também exercem uma influência que, dentre outros aspectos, se manifesta na medida em que os direitos fundamentais podem ser considerados como parâmetro para a formatação das estruturas organizatórias e dos procedimentos, servindo, para além disso, como diretrizes para a aplicação e interpretação das normas procedimentais.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 212).

[9] “De postremeiro, lembra a doutrina que o art. 5º, XXXV, CRFB, não se cinge a enunciar a cláusula da inafastabilidade da jurisdição, avançando muito mais além, consagrando em realidade um verdadeiro direito à tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva e, em contrapartida, um autêntico dever do Estado de prestar jurisdição com idênticos predicados.” (MITIDIERO, Daniel. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 48).

[10] “[...] é ‘insopprimibile’da ideia de processo justo, de processo devido, o vínculo teleológico entre meio e fim, entre o instrumento processual e a tutela prometida pela Constituição ao direito material.” (MITIDIERO, Daniel. Processo civil e estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 93).

[11] “O postulado da proibição de excesso proíbe a aplicação concreta de uma medida ou prescrição normativa que restrinja o(s) direito(s) fundamental(is) em seu núcleo essencial ou no seu mínimo de eficácia (âmbito de proteção da norma constitucional de direito fundamental).” (PINTAÚDE, Gabriel. Proporcionalidade como postulado essencial do Estado de Direito. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 387, p. 108, set.-out. 2006). A proibição de excessos transparece que o legislador não tem a liberdade de elaborar uma norma que solape, às escâncaras, um bem jurídico de excelência constitucional.

[12] O princípio da proibição da proteção deficiente tem relação com a dimensão positiva dos direitos fundamentais, que determina uma ação estatal para proteção dos cidadãos. Contudo, o princípio da proibição de insuficiência se dirige não só à proatividade estatal – “Esta incumbência, por sua vez, desemboca na obrigação de o Estado adotar medidas positivas da mais diversa natureza (por exemplo, por meio de proibições, autorizações, medidas legislativas de natureza penal etc.), com o objetivo precípuo de proteger de forma efetiva o exercício dos direitos fundamentais.” (SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 47, p. 93,  mar.-abril 2004) – como também às omissões, configuradas no dever de inação estatal na medida em que garanta a percepção, no máximo possível, pelo cidadão, dos direitos fundamentais. Diz-se na medida em que garanta os direitos fundamentais, porquanto se a omissão estiver causando lesão a direitos, a ação, limitada ao restabelecimento do status quo ante, é um imperativo.

[13] SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 798, p. 27, abril 2002). No mesmo sentido: “Afinal, a estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para a perspectiva de um garantismo negativo (proteção contra os excessos do Estado), e, sim, também, para uma espécie de garantismo positivo, momento em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso no qual se estará em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de ‘proibição de proteção deficiente’ (Untermassberbot).” (STRECK, Lenio Luiz. Da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot): de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 254, 2004).

[14] “O princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução de seus objetivos. Exageros para mais ou para menos configuram irretorquíveis violações ao princípio.” (FREITAS, Juares. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 56).

[15] “Nesse sentido, deve o Estado, através de seus poderes, outorgar aos jurisdicionados um instrumental que seja adequado às necessidades de seu direito material como efetiva aplicação do princípio da vedação de insuficiência.” (CUNHA, Rosanne Gay. O princípio da vedação de insuficiência: uma visão garantista positiva do processo civil. Revista de Doutrina da 4ª Região. ed. 11. 21-03-2006. p. 3. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao011/rosanne_cunha.htm>. Acesso em: 04-05-2009).

[16] “Mas os Juízes da Nação, como dissemos, são apenas a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força, nem o rigor.” (MONTESQUIEU, Charles de Secondatat, Baron de. O espírito das leis. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 176).

[17] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. passim p. 29-40.

[18] “Veja-se apenas um exemplo. No caso de norma que proíbe a venda de produto nocivo à saúde do consumidor, a exposição à venda de produto com essa qualidade constitui ato contrário ao direito, embora não configure dano.”; “Na verdade, o dano é consequência meramente eventual do ato contrário ao direito.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 54 e 91).

[19] Movimento de intronização da racionalidade e normatividade constitucional no ordenamento processual, bem como de elevação de normas processuais ao status constitucional, numa verdadeira leitura conglobante fruto da compreensão do Direito como um Ordenamento Jurídico e não um conjunto de normas compartimentadas. Sobre a correta apreensão da leitura do Ordenamento Jurídico, e em especial do processo civil, sob a baliza constitucional, Cássio Scarpinella Bueno, em magnífica passagem, assim a define: “Pensar o processo civil a partir da Constituição Federal é uma necessidade e, quero dizer desde logo – e não me canso disto –, não se trata de uma particularidade ou de uma extravagância do processo civil. Todo o direito só pode (e, em verdade, só deve) ser pensado, repensado, estudado e analisado a partir da Constituição Federal. Nada no direito pode querer estar em dissonância com a Constituição Federal. Ela é o diapasão pelo qual as outras normas jurídicas – princípios ou regras – devem ser afinadas, medidas e ouvidas, é dizer: tornadas fenômeno a ser sentido por e para seus destinatários.” (BUENO, Cássio Scarpinella Bueno. Ensaio sobre o cumprimento das sentenças condenatórias. Revista de Processo, São Paulo, n. 113, ano 29, p. 23, jan.-fev. 2004).

[20] Como disse o mestre da hermenêutica, Carlos Maximiliano, se por um lado o Direito é estático, a interpretação lhe confere dinamicidade, podendo o caso concreto demonstrar nuança não vislumbrada pelo legislador, a qual deverá ser solucionada pelo intérprete. O fato social não deve se amoldar à lei, mas o ordenamento à realidade: “Uma centena de homens cultos e experimentados seria incapaz de abranger em sua visão lúcida a infinita variedade dos conflitos de interesses entre os homens. Não perdura o acordo estabelecido, entre o texto expresso e as realidades objetivas. Fixou-se o Direito Positivo; porém a vida continua, evolve, desdobra-se em atividades diversas, manifesta-se sob aspectos múltiplos: morais, sociais, econômicos. [...]. O intérprete é renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. Esta é a estática, e a função interpretativa, a dinâmica do Direito.” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 10).

[21] “Tudo alinhado,conclui-se que o processo civil contemporâneo não pode ser encarado senão como um fenômeno cultural, de estatura constitucional e que mantém uma relação de interdependência com o direito material, vocacionado à busca pela justiça no caso concreto.” (MITIDIERO, Daniel. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 147).

[22] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 44 e 45.

[23] Essa compreensão ficou consagrada por Paulo, no Digesto: Regula est, quae rem quae este breviter enarrat. Non ex regula ius sumatur, sed ex iure quod est regula fit. (Trad.: “É a regra tudo aquilo que descreve brevemente uma coisa. Não que o Direito nasça da regra, mas é a regra que se abstrai do Direito existente.”).

[24] “Pero los jueces no son los señores del derecho en el mismo sentido en que lo era el legislador en el pasado siglo. Son más exactamente los garantes de la complejidad estructural del derecho en el Estado constitucional, es decir, los garantes de la necesaria y dúctil coexistencia entre ley, derechos y justicia.” (ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho ductil. 7. ed. Madrid: Trotta, 2007. p. 153).

[25] “La idea expresada por esta fórmula presupone una situación histórico-concreta: la concentración de la producción jurídica en una sola instancia constitucional, la instancia legislativa. Su significado supone una reducción de todo lo que pertenece al mundo del derecho – esto es, los derechos y la justicia – a lo dispuesto por la ley. Esta simplificación lleva a concebir la actividad de los juristas como un mero servicio a la ley, si no incluso como su simple exégesis, es decir, conduce a la pura y simple búsqueda de la voluntad del legislador.” (ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho ductil. 7. ed. Madrid: Trotta, 2007. p. 33).

[26] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Justiça da lei e justiça do caso. Revista Forense, Rio de Janeiro, ano 104, v. 400, p. 190, nov.-dez. 2008.

[27] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Direito material, processo e tutela jurisdicional. In: MACHADO, Fábio Cardoso; AMARAL, Guilherme Rizzo (orgs.). Polêmica sobre a ação: a tutela jurisdicional na perspectiva das relações entre direito e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 291.

[28] “Por usar uma imagen, el derecho constitucional es um conjunto de materiales de construcción, pero el edifício concreto no es obra de la Constitución en cuanto tal, sino de una política constitucional que versa sobre las posibles combinaciones de esos materiales.” (ZAGREBELSKY, Gustavo. 7. ed. El derecho dúctil. Madrid: Trotta, 2007. p. 13).

[29] ZAGREBELSKY, Gustavo. 7. ed. El derecho dúctil. Madrid: Trotta, 2007. p. 17.

[30] “Neste sentido, somente com o uso de mecanismo processuais diferenciados é que será efetivamente possível viabilizar o atendimento adequado às necessidades do direito substancial, já que respeitadas as suas vicissitudes. Repetimos: somente com a quebra da unidade do procedimento e a utilização de diferentes tutelas jurisdicionais poderá ser garantido um efetivo acesso à justiça.” (PISCO, Cláudia de Abreu Lima. Novas técnicas processuais para uma tutela mais adequada e efetiva dos direitos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 856, 6 nov. 2005, p. 5. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7540>. Acesso em: 21 jul. 2009).

[31] Equivocada porquanto não há, em verdade, inversão do ônus da prova, como acontece nos embargos de devedor (CPC, art. 736 e ss.), mas apenas a presunção iuris tantum de veracidade da alegação do autor, cabendo ao réu, como de regra ocorre, provar o(s) fato(s) impeditivo(s), modificativo(s) ou extintivo(s) (CPC, art. 333, II).

[32] “Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”.

[33]Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”.

[34] Caso não haja lei respeitante ao caso concreto ou não exista na lei previsão sobre uma variação ou especificidade no tema tratado, as técnicas de heterointegração (ordenamentos diversos e outras fontes que não a lei, como os costumes e os princípios gerais do direito) e auto-integração (analogia e interpretação extensiva) expandem o ordenamento além dos casos expressamente regulados, como estatuído no art. 126 do CPC e no art. 4º da LICC.

[35] “GRATUIDADE DE JUSTIÇA. AÇÃO ORIGINÁRIA. AÇÃO RESCISÓRIA. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO. LEI Nº 1.060, DE 1950, ART. 9º.

A gratuidade de justiça deferida na ação originária abrange todos os atos do processo até a decisão final do ‘litígio’ (Lei nº 1.060, de 1950, art. 9º), o que inclui a ação rescisória, visto que por meio dela o litígio é reavivado.” (TRF4 – 2003.04.01.016888-7 – 3ª Seção – unânime – Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti – j. 14.09-2007 – D.E. 25-01-2008)

[36] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 132. No mesmo sentido: “Particularmente, temos que no momento em que a eficácia ou efetividade da prestação jurisdicional está eminentemente ligada à antecipação de tutela, via liminar ou não, viável não parece, sob pena de prejudicar a prestação da justiça de maneira adequada,tolher o direito daquele que faz jus a recebê-la, eis que preenchidos os requisitos para tanto, somente pelo fato de a parte adversa ser o Estado.” (CARPENA, Márcio Louzada. Da garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional e o processo contemporâneo. In: PORTO, Sérgio Gilberto (Coord.). As garantias do cidadão no processo civil: relações entre constituição e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 26).

[37] DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. SISTEMA ÚNICO DA SAÚDE - SUS. EFICÁCIA IMEDIATA. PRESTAÇÃO POSITIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. PROPORCIONALIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO COLETIVA DE DIREITOS. PROTEÇÃO DE DIREITO INDIVIDUAL DETERMINADO. CUMULAÇÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS.

1. O Ministério Público tem legitimidade para defender o direito à saúde por meio de ação civil pública, visando tanto à proteção do direito subjetivo de determinada pessoa, quanto à proteção coletiva de direitos.

2. Não se aplicam as restrições quanto à possibilidade de liminar contra a Fazenda Pública em ações versando prestações sociais essenciais à vida, na linha da Súmula 729 do STF.

3. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, estados-membros e municípios, e todas essas entidades têm legitimidade passiva para figurar no pólo passivo de demandas que objetivam o fornecimento de medicamentos.

4. O direito à saúde é direito fundamental, dotado de eficácia e aplicabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres entre as partes, superada a noção de norma meramente programática, sob pena de esvaziamento da força normativa da Constituição.

5. A doutrina e a jurisprudência constitucionais contemporâneas admitem a eficácia direta da norma constitucional que assegura o direito à saúde, ao menos quando as prestações são de grande importância para seus titulares e inexiste risco de dano financeiro grave, o que inclui o direito à assistência médica vital, que prevalece, em princípio, inclusive quando ponderado em face de outros princípios e bens jurídicos.

6. O princípio de interpretação constitucional da concordância prática exige que se concretizem os direitos fundamentais emprestando-lhes a maior eficácia possível e evitando restrições desnecessárias a outros princípios constitucionais, bem como a ofensa a direitos fundamentais de outros indivíduos e grupos.

7. O direito ao fornecimento de medicamentos deve considerar a competência orçamentária do legislador, a reserva do possível e a eficiência da atividade administrativa, sem perder de vista a relevância primordial da preservação do direito à vida e o direito à saúde.

8. Nesta atividade concretizadora e à luz dos princípios informadores do SUS (da universalidade, da integralidade e da gratuidade), deve-se atentar para que: a) eventual provimento judicial concessivo de medicamento acabe, involuntariamente, prejudicando a saúde do cidadão cujo direito se quer proteger, em contrariedade completa com o princípio bioético da beneficência, cujo conteúdo informa o direito à saúde; b) eventual concessão não cause danos e prejuízos relevantes para o funcionamento do serviço público de saúde, o que pode vir em detrimento do direito à saúde de outros cidadãos; c) não haja prevalência desproporcional do direito à saúde de um indivíduo sobre os princípios constitucionais da competência orçamentária do legislador e das atribuições administrativas do Poder Executivo, em contrariedade ao princípio da concordância prática na concorrência de direitos fundamentais.

9. Na instrução processual, o Juízo processante deve valer-se, sempre que necessário, do auxílio de perito, observando os seguintes parâmetros: a) a perícia deve considerar a existência de protocolos clínicos e terapêuticos, no âmbito do Ministério da Saúde, sobre a enfermidade em questão; b) o perito deve manifestar suas conclusões à luz da chamada "medicina das evidências"; c) tanto o perito como o médico subscritor da prescrição devem prestar termo de ausência de conflito de interesses, deixando claro sua não-vinculação com qualquer fabricante, fornecedor ou entidade ou pessoa envolvida no processo de produção e comercialização do medicamento avaliado; d) a observância das diretrizes nacionais e internacionais quanto ao uso racional de medicamentos; e) a utilização dos serviços, para esses fins, de instituições públicas de ensino e pesquisa, sempre que possível, tendo em vista seus compromissos institucionais com o atendimento estatal de saúde pública, tais como Hospitais Universitários.

10. Admitem-se como provas suficientes para a antecipação da tutela judicial, na hipótese de proteção de direito individual de determinada pessoa, antes mesmo de perícia exaustiva, manifestações médicas e informações que demonstrem a propriedade do tratamento demandado, a inexistência de alternativa aceitável no âmbito dos recursos disponibilizados no sistema público de saúde e a aprovação do medicamento ou tratamento pela ANVISA e/ou outros órgãos competentes. 11. Para o deferimento de antecipação de tutela coletiva, todavia, são necessários mais elementos, em face da abstração do provimento requerido (cuja natureza dificulta a aferição da necessidade urgente individual) e da repercussão da medida diante da política pública como um todo. 12. Agravo parcialmente provido.

(TRF4 – AI nº 2008.04.00.016042-7-SC – 3ª T. – unânime – Rel. Juiz Federal Roger Raupp Rios – j. 07-10-2008 – D.E. 10-12-2008) (grifou-se)

[38] MARINONI, Luiz Guilherme. O direito de ação como direito fundamental (consequências teóricas e práticas). Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 97, v. 873, p. 22, julho 2008.

[39] O art. 83 do CDC assim dispõem: “Para defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.”

[40] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 8.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 25.

[41] “Na democracia liberal, o cidadão é intérprete da Constituição!” (HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. p. 37).

[42]AR. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SÚM. N. 343-STF. O nosso sistema jurídico, a partir da Constituição, tem como pressuposto que o direito material revela-se no processo. Pela relação jurídica processual, o direito das partes fica vinculado à sentença judicial. Por isso, somente os vícios do processo autorizam a rescisão da sentença: o processo ordinariamente tutela o direito material, mas pode também o comprometer, pois, depois da sentença, o direito das partes é o reconhecido no julgado, mesmo que materialmente fosse outro. Assim, o sistema convive com a eventualidade de que a parte pode perder seu direito no processo. Todavia, o direito não se esgota na lógica, é também e fundamentalmente experiência (Oliver Wendel Homes); por essa razão, o juiz deve estar atento aos resultados práticos de suas decisões, que podem orientá-lo para melhor compreender o direito positivo. O ordenamento só cumpre sua função se o modo como regula as relações sociais é bem-sucedido. A compreensão de que o nosso direito positivo assegura tutela qualificada (abrangente e rigorosa) ao texto constitucional exige que o juiz atribua a ele o máximo de efetividade. Dessa forma, a lei pode ter mais de uma interpretação, bastando que seja razoável (art. 485, V, do CPC, que só autoriza a AR se literal a violação da lei). Mas o RE não é tolhido pelo óbice da interpretação razoável se estiver em causa norma constitucional, conforme apregoam julgados do STF. Há razão para isso: um juízo acerca da conformidade da lei com a Constituição é um juízo sobre a validade da lei; já uma decisão que seja contra a lei ou lhe negue vigência supõe lei válida. Como dito, a lei pode ter mais de uma interpretação, mas ela não pode ser válida ou inválida a depender de quem a aplica. Por isso, se a lei é conforme a Constituição e o acórdão deixa de aplicá-la por inconstitucionalidade, o julgado sujeita-se à AR ainda que na época os tribunais divergissem a respeito. No caso, a hipótese (crédito- prêmio de IPI) é de ofensa à Constituição e não de violação da lei. Ao declarar inconstitucional a lei conformada ao texto constitucional, o julgado aplica a Constituição erroneamente. Frise-se que a sentença que aplica a lei inconstitucional tem a mesma natureza daquela que deixa de aplicar lei constitucional: ambas lesam a Constituição. Dessarte, exigir, como condição da AR em matéria constitucional, a declaração do STF quanto à inconstitucionalidade da lei aplicada na instância ordinária implicaria desconhecer a realidade de que o pronunciamento do STF é, quase sempre, demorado: o pronunciamento pode ocorrer quando já esgotado o prazo para rescisória. Essa exigência também acarretaria flagrante desigualdade entre as partes, contrariando o art. 125, I, do CPC, porque tolheria a Fazenda de ajuizar ação rescisória em matéria constitucional. Por tudo isso, há que se admitir AR em matéria constitucional mesmo que não haja precedente do STF, sem os empecilhos da Súmula n. 343 daquele Tribunal. Esse foi o entendimento acolhido, por maioria, pela Corte Especial ao continuar o julgamento dos embargos de divergência. Precedentes citados do STF: RE 81.429-SP; RE 89.108-GO, DJ 27/5/1981; do STJ : REsp 93.965-DF, DJ 20/10/1997.” (EREsp n.º 687.903-RS – Rel. Min. Ari Pargendler – j. 04-11-2009. Informativo n.º 414) (grifou-se)

[43] MELLO,Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 12.

[44] “Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efetiva requer que os olhos sejam postos não apenas no direito material, mas também na realidade social.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 148).

[45] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 204

[46] “Como o direito fundamental de ação incide sobre o Estado e, portanto, sobre o legislador e o juiz, é evidente que a omissão do legislador não justifica a omissão do juiz. Se tal direito fundamental, para ser realizado, exige que o juiz esteja munido de poder suficiente para a tutela dos direitos, a ausência de regra processual instituidora de instrumento processual idôneo para tanto constitui evidente obstáculo à atuação da jurisdição e ao direito fundamental de ação. Assim, para que a jurisdição possa exercer a sua missão – que é tutela os direitos – e para que o cidadão realmente possa ter garantido o seu direito fundamental de ação, não há outra alternativa a não ser admitir ao juiz a supressão da omissão inconstitucional ou da insuficiência de proteção normativa ao direito fundamental de ação.” (MARINONI, Luiz Guilherme. O direito de ação como direito fundamental [consequências teóricas e práticas]. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 97, v. 873, p. 18, julho 2008).

[47] ARAGÃO, Alexandre Santos de. O princípio da eficiência. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 32, out. 2009, p. 2. Disponível em:<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao032/alexandre_aragao.html>. Acesso em: 30 out. 2009.

[48] “Não basta que o operador do direito tenha consciência sobre tudo o que definido linhas atrás a respeito da garantia constitucional do jurisdicionado ter acesso à Justiça, se não compreender que esta garantia não se resume apenas ao ingresso da ação ou pleito frente ao Judiciário, mas, sim, vai muito mais longe, tendo guarida durante todo o processo, enquanto instrumento de efetivação do direito material ameaçado ou violado, reclamado ao Estado. [...]. A regra do art. 5º, inc. XXXV, da Carta Federal pátria, em última análise, garante o direito à ação, bem como o de ter um processo direcionado à entrega do direito material de maneira efetiva e eficaz a todos os  jurisdicionados, independente de posição econômica, social, cultural, etc., propiciando que o Estado alcance o propósito de prestar a jurisdição, a que se incumbiu.” (CARPENA, Márcio Louzada. Da garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional e o processo contemporâneo. In: PORTO, Sérgio Gilberto (Coord.). As garantias do cidadão no processo civil: relações entre constituição e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 19-20).

[49] DINAMARCO, Cândido Rangel. Nasce um novo processo civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 12.

[50] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v.1. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 127.

[51] “A rebelião da prática contra o formalismo processual e a favor da efetividade dos novos direitos constituiu o balão de ensaio dos novos artigos 273, 461, e 461-A do Código de Processo Civil. Os artigos 461 e 461-A abriram oportunidade para a unificação dos processos de conhecimento e de execução ou transformaram o processo de execução em uma mera fase do processo de conhecimento, viabilizando a determinação de meios de execução e a imposição de multa na própria sentença. Além disso, esses três artigos passaram a admitir de forma expressa a tutela antecipatória no processo de conhecimento, inserindo a execução, obviamente que independente de ação de execução, no seio do processo de conhecimento.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista de Doutrina da 4ª Região. ed. 09. 18-11-2005. p. 3. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao009/luiz_marinoni.htm>. Acesso em: 30-06-2009) (grifo no original)

[52] Condição de validade do ordenamento como um todo, e não das normas jurídicas em particular/singular, como um dia Hans Kelsen sustentou, chegando a concluir que “[…] uma norma jurídica pode perder a sua validade pelo fato de permanecer por longo tempo inaplicada ou inobservada, […].” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 237).

[53] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Efetividade e tutela jurisdicional. In: MACHADO, Fábio Cardoso; AMARAL, Guilherme Rizzo (orgs.). Polêmica sobre a ação: a tutela jurisdicional na perspectiva das relações entre direito e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 83.

[54] MITIDIERO, Daniel. Processo civil e estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 46.

[55] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 111.

[56] Cf. MITIDIERO, Daniel. Processo civil e estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 59.

[57] Fim dos exemplos aqui elencados, porquanto são inúmeras as previsões legislativas atrelada à tempestividade da prestação jurisdicional.

[58] AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras. 2. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 72.

[59] Nesse sentido: “De modo que a multa do art. 475-J possui natureza punitiva e não natureza coercitiva.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 450); “A multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação é punitiva [...]. Não tem finalidade imediatamente coercitiva, tal como apresenta a multa do art. 461, § 4º, CPC.” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 464). Esse é o entendimento do STJ, servindo de amostra os seguintes julgados: “PROCESSO CIVIL. MEDIDA LIMINAR VISANDO A ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. APLICABILIDADE DA MULTA DISPOSTA NO ART. 475-J A EXECUÇÕES AJUIZADAS ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS OPOSTOS APÓS TAL VIGÊNCIA, COMO MERA IMPUGNAÇÃO, SEM EFEITO SUSPENSIVO.

- No panorama jurídico anterior à Lei nº 11.232/2005, a sentença condenatória tinha, como eficácia específica, a declaração do débito e do inadimplemento, mais a constituição do título executivo. Não havia, na sentença, uma ordem específica proferida pela autoridade judiciária, determinando ao devedor o adimplemento da obrigação. A determinação de adimplemento contida na sentença nada mais era que a que previamente estava contida na lei cuja violação motivou a propositura da ação.

- Com a introdução do art. 475-J, a sentença condenatória passou a ser dotada de uma nova eficácia. Além de declaração do direito e constituição do título executivo, ela também passou a conter uma ordem específica e independente, dirigida ao devedor, para que cumpra a obrigação. A independência dessa ordem, dada pelo juiz, verifica-se pela existência de uma sanção específica para punir o respectivo inadimplemento, que é a multa fixada pelo art. 475-J. Essa multa apenas se aplica ao devedor que inadimplir a sentença. Ela, portanto, torna o ato judicial algo mais que a lei, cujo inadimplemento gera sanções autônomas.

- Assim, para as execuções posteriores à reforma legislativa, a aplicação da multa do art. 475-J é automática.

- As execuções anteriores à reforma também podem ser por ela colhidas. Todavia, tendo em vista as diferentes fases em que o processo executivo pode se encontrar, por uma questão de política legislativa a melhor medida é estabelecer que o Juízo de Primeiro Grau possa, avaliando cada hipótese concreta, determinar, mediante intimação do advogado do executado, o pagamento do débito em quinze dias, contados da intimação de tal determinação. Transcorrido 'in albis' esse prazo, incidirá a multa.

- A oposição de embargos à execução obedece a lei vigente no momento de sua apresentação. Assim, se a execução foi iniciada antes da vigência da Lei nº 11.232/05, mas os embargos somente foram opostos após a vigência dessa Lei, é correta a decisão que os recebe como mera impugnação, sem suspensão do processo executivo.

Medida liminar parcialmente deferida, apenas para afastar a cobrança da multa do art. 475-J, cuja incidência, em execução anterior à reforma, deve ser precedida de intimação do devedor, na pessoa de seu advogado.”

(MC n.º 14.258-RJ – 3ª T. – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 17-06-2008 – Dje 24-11-2008) (grifou-se). No mesmo sentido: AI n.º 1.075.093-SP – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – decisão monocrática – j. 30-03-2009 – DJe 15-04-2009.

[60] “O objetivo de toda multa coercitiva é pressionar o cumprimento; entretanto, no caso de inadimplemento, ela se converte automaticamente em sanção punitiva pecuniária.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 97); “A multa é exigível a partir do momento em que ocorrer o descumprimento do destinatário da ordem e, a partir desse momento, o beneficiário da pena dispõe da pretensão a executá-la, na forma do art. 475-J, caput, incluindo-se no pedido mediato as penas vincendas.” (ASSIS, Araken. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 225).

[61] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 99.

[62] Uns entendem ser “preceito” (SILVA, Marcelo Cardozo da. Dos princípios e do preceito da proporcionalidade. Revista da AJURIS, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 106, jun. 2007), outros “critério de interpretação” (GRAU, Eros Roberto. Eqüidade, razoabilidade, proporcionalidade e princípio da moralidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 3, 2005; ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípio da Proporcionalidade. In: LOPES, Maria Elisabeth de Castro; OLIVEIRA NETO, Olavo [Coords.]. Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008), outros ainda ser “postulado normativo aplicativo” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003; PINTAÚDE, Gabriel. Proporcionalidade como postulado essencial do Estado de Direito. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 387, set.-out. 2006), também tem que sustente ser uma “regra” (SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 798, p. 25-26, abril 2002), e finalmente tem quem entenda ser a proporcionalidade um “princípio” (FISCHER, Douglas. Delinquência econômica e o estado social e democrático de direito: uma teoria à luz da constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 75. No mesmo sentido: GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito penal. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003).

[63] Cumpre observar que a referência origem refere-se a onde a atual concepção do princípio da proporcionalidade teve seu berço, haja vista que os primórdios desse princípio, totalmente arraigado ao Direito Administrativo, encontra-se na Suíça e na Áustria: “A proporcionalidade ganha, por sua vez, enorme destaque no desenvolvimento tedesco do princípio, que teve marcada influência na sua disseminação européia, em países como Suíça, Áustria, Espanha, Portugal e Bélgica, onde já se encontram solidamente incorporados, e França e Itália, onde não se logrou ainda um reconhecimento incondicional da máxima. Aponta-se, mesmo, como primeiro núcleo da adoção do princípio, a Suíça e a Áustria.” (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 39-40); “Coube à Alemanha, após beber na teoria da limitação do poder de polícia do direito administrativo francês, a formulação atual do princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional, notadamente no campo dos direitos fundamentais.” (BARROS, Wellington Pacheco; BARROS, Wellington Gabriel Zuchetto. A proporcionalidade como princípio do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 31-32) (grifo no original). Importante ressaltar que, nada obstante essa origem administrativista, o princípio da proporcionalidade, devido exatamente a sua importância e potencial harmonizador do sistema e congraçador dos interesses e necessidades do país, teve sua aplicação alastrada a todos os âmbitos do poder: Executivo, Legislativo e Judiciário.

[64] Não há unanimidade na doutrina a respeito da sedes materiae do princípio da proporcionalidade. Uns dizem que ele teria fundamento no art. 5º, inc. LIV (devido processo legal substancial), da CRFB, como é o caso do Supremo Tribunal Federal, v.g.: ADI-MC nº 1.922-DF – Pleno – Rel Min. Moreira Alves – j. 06-10-1999 – DJ 24-11-2000; AI-AgR-ED-ED nº 265.064-MT – 2ª T. – Rel. Min. Carlos Velloso – j. 11-06-2002 – DJ 23-08-2002; AgR no RE nº 200.844-PR – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – j. 25-06-2002 – DJ 16-08-2002. Outros, que é no inc. II (legalidade) ou no inc. XXXV (inafastabilidade do controle jurisdicional) do art. 5º da CRFB que ele encontraria sua base teórica. Numa quarta vertente, existe quem sustente, como Luís Virgílio Afonso da Silva, que ele decorreria da própria estrutura dos direitos fundamentais, porquanto, sendo os direitos fundamentais, na sua maioria princípios, o princípio da proporcionalidade seria um instrumento para o cumprimento do dever de otimização dos princípios (SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, p. 42-43, v. 798, abril 2002). Outros ainda, como Luciano Feldens, Suzana de Toledo Barros e Valeschka e Silva Braga, sustentam que ele teria fundamento no Estado Democrático de Direito (FELDENS, Luciano. A constituição penal: dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 159; BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 98; BRAGA, Valeschka; SILVA. Princípios da proporcionalidade & razoabilidade. Curitiba: Juruá, 2004. p. 125). Por fim, existe quem sustente que o princípio da proporcionalidade não teria apenas um fundamento, mas estaria baseado em diversas disposições constitucionais – dignidade da pessoa humana, igualdade, devido processo legal, etc. –,  as quais apresentariam o princípio sob óticas complementares, e não excludentes: “A pluralidade de fundamentos normativos do princípio da proporcionalidade decorre de sua inerência ao Direito. Por isto é possível interpreta-lo como corolário de entes normativos variados como princípio do Estado de Direito, princípio do devido processo legal, princípio da razoabilidade, princípio da igualdade, caráter principal das normas de direitos fundamentais, idéia de direitos fundamentais etc.” (PACHECO, Denílson Feitoza. O princípio da proporcionalidade no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 89. No mesmo sentido: GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 62-63). O fato é que, quer o princípio da proporcionalidade tenha fundamento no art. 5º da CRFB, na própria estrutura dos direitos fundamentais ou no Estado de Direito, ele está presente, é válido e extremamente eficaz.

[65] Para realizar o mister de cumprir o devido processo legal, é necessário observar dois aspectos: a) incansável elaboração e releitura dos ditames normativos à luz do Princípio da Proporcionalidade na busca de extirpar excessos, arbitrariedades, abusos, limitando o poder legiferante pela subtração, da produção legislativa, de incongruências derivadas, principalmente, de influxos políticos e demagógicas; e b) a observância do Princípio da Ampla Defesa e Contraditório, pela permanente resposta Estatal às ações/omissões desconformes com a lei por meios que garantam não só o acesso adequado dos instrumentos processuais, como a efetiva aplicação das garantias constitucionais.

[66] SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 798, p. 36-37, abril 2002.

[67] GUERRA, Marcelo Lima. A proporcionalidade em sentido estrito e a “Fórmula do Peso” de Robert Alexy: significância e algumas implicações. Revista de Processo, São Paulo, ano 31, p. 59, nov. 2006.

[68] No caso concreto que o julgador observará qual o princípio preponderante, uma vez que a dimensão de “peso” não exsurge perfeita e clara da realidade fenomênica, mas da apreensão intelectiva, pelo julgador, da relevância que deflui da aplicação de um princípio quando comparado a outro. Em melhor síntese: “Vale dizer: a dimensão de peso não é um atributo empírico dos princípios, justificador de uma diferença lógica relativamente às regras, mas resultado de juízo valorativo do aplicador.” (ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 215, p. 162, jan./mar. 1999) (grifo no original).

[69] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 115.

[70] “Assim, sendo o réu desprovido de patrimônio, ou sendo impossível o cumprimento da obrigação contida no preceito, não há falar em aplicação da multa, visto que inadequada, inapta para pressionar o réu a cumprir a determinação judicial.” (AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras. 2. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 135) (grifo no original).

[71] “Assim, no caso em que se mostra necessária a tutela antecipatória de soma em dinheiro, é errado supor que o juiz deva aplicar as modalidade executivas que servem à tradicional ‘execução de quantia certa’, apenas porque o legislador não previu para esta situação medida executiva adequada, como a multa.”; “Mas a multa coercitiva somente poderá ser imposta quanto necessária para dar efetividade à tutela jurisdicional. Essa necessidade apenas aparecerá quando a execução por expropriação for inadequada para dar efetividade ao direito de crédito.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 180 e 168) (grifo no original).

[72] MITIDIERO, Daniel. Processo civil e estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 99-100.

[73] CARNEIRO, Athos Gusmão. Da tutela antecipada e sua efetivação. Revista Doutrina da 4ª Região. ed. 30. p. 5. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao030/athos_carneiro.html>. Acesso em: 30-06-2009.

[74] “Mas, quando não há lei (regulando a situação de forma direta), não se pode pensar que os direitos fundamentais não incidem sobre o particular, e assim não possam ser imediatamente tomados em consideração pelo juiz.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 136).

[75] “[...] é de destacar-se o dever de os tribunais interpretarem e aplicarem as leis em conformidade com os direitos fundamentais, assim como o dever de colmatação de eventuais lacunas à luz das normas de direitos fundamentais, o que alcança, inclusive, a Jurisdição cível, esfera na qual – ainda que numa dimensão diferenciada – também se impõe uma análise da influência exercida pelos direitos fundamentais sobre as normas de direito privado.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 393-394).

[76] “[...] a ausência de legislação infraconstitucional ou mesmo a deficiência da legislação existente autoriza o Poder Judiciário a concretizar de maneira imediata o direito fundamental à tutela jurisdicional.” (MITIDERO, Daniel. Processo civil e estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 46-47).

[77] Essa composição é uma síntese do que se encontra na seguinte obra: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

[78] “O lesado que, em decorrência do ilícito, precisa imediatamente de soma em dinheiro para suprir necessidades primárias, de manutenção do lar, de educação dos filhos ou mesmo de saúde, não está em situação mais vantajosa do que aquele que se vê na urgência de pedir alimentos fundados em direito de família. Em outros termos, a fonte dos alimentos – direito de família ou ato ilícito – não altera a necessidade.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 158).

[79] Sobre a antecipação da tutela em demanda atinente a obrigações de pagar, cumpre observar que, muito embora haja quem sustente que só é possível quando o periculum in mora tenha sido corolário do próprio ilícito objeto da demanda, isso é, condicionando a antecipação da tutela à verificação de uma correspondência intrínseca entre o provável dano e a causa de pedir (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 159), acredita-se que essa limitação é por demais prudente: se se reconhece, a base de prova inequívoca, que X deve a Y determinado valor em decorrência de um ato ilícito ou de um dano, por que razão condicionar que a urgência fundamentadora da aplicação da multa tenha decorrido diretamente da causa de pedir da demanda? Imagine-se a hipótese de um profissional liberal, um odontólogo por exemplo, que, em razão de devedores inadimplentes, reduz-se à insolvência ele mesmo. Será que, numa demanda em que postula, face a um novo calote, o pagamento de uma prótese dentária, não poderá ter deferida a antecipação da tutela, ainda que parcialmente? Veja-se que o último devedor não lhe constituiu em situação de urgência. Será que provada a necessidade dos valores para não sofrer dano irreparável ou de difícil reparação, não poderia o magistrado se utilizar da multa pelo simples fato de a urgência ser consequência de causa diversa da que fundamentou a demanda?

[80] “Ora, a diversidade das situações de direito material implica a tomada de consciência da imprescindibilidade do seu tratamento diferenciado no processo, especialmente em relação aos meios de execução. Ou seja, é equivocado imaginar que a lei pode antever os meios de execução que serão necessários diante dos casos concretos. A lei processual, se assim atuasse, impediria o tratamento adequado daqueles casos que não se amoldam à situação padrão por ela contemplada. [...]. Tal poder executivo implica a concentração do poder de concessão da modalidade executiva adequada, motivo pelo qual é possível dizer que o princípio da tipicidade foi substituído pelo princípio da concentração dos poderes de execução.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista Doutrina da 4ª Região. ed. 09. 18-11-2005. p. 3. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao009/luiz_marinoni.htm>. Acesso em: 30-06-2009).

[81] MELLO,Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 57.

[82] MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 378, 20 jul. 2004, p. 14. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5281>. Acesso em: 21 jul. 2009.

[83] AMARAL, Guilherme Rizzo. Da multa de 10%. Impossibilidade de ampliação ou de substituição pela multa periódica. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Coord.). A nova execução: comentários à lei n.º 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 122-124. Idêntica argumentação encontra-se em outras duas obras do autor: Cumprimento e execução da sentença sob a ótica do formalismo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 194-197; e As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras. 2. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 121-127.

[84] SANTANA, Jair Eduardo. Limites da decisão judicial na colmatação de lacunas: perspectiva social da atividade judicante. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 33.

[85] AMARAL, Guilherme Rizzo. Da multa de 10%. Impossibilidade de ampliação ou de substituição pela multa periódica. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Coord.). A nova execução: comentários à lei n.º 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 141-142.

[86] “Dessa forma, não podemos emperrar a realização dos direitos materiais, simplesmente porque o instrumental que o legislador coloca à disposição dos jurisdicionados é inadequado, especialmente porque vedada a autotutela.” (CUNHA, Rosanne Gay. O princípio da vedação de insuficiência: uma visão garantista positiva do processo civil. Revista Doutrina da 4ª Região. ed. 11. 21-03-2006. p. 5. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao011/rosanne_cunha.htm>. Acesso em: 04-05-2009).

[87] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Direito material, processo e tutela jurisdicional. In: MACHADO, Fábio Cardoso; AMARAL, Guilherme Rizzo (orgs.). Polêmica sobre a ação: a tutela jurisdicional na perspectiva das relações entre direito e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 305.

[88] “Realmente, se o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode ser compreendido como mera técnica, mas, sim, como instrumento de realização de valores e especialmente de valores constitucionais, impõe-se considera-lo como direito constitucional aplicado. Nos dias atuais,cresce em significado a importância dessa concepção, se atentarmos para a íntima conexidade entre a jurisdição e o instrumento processual na aplicação e proteção dos direitos e garantias assegurados na Constituição. Aqui não se trata mais, bem entendido, de apenas conformar o processo às normas constitucionais, mas de emprega-las no próprio exercício da função jurisdicional, com reflexo direto no seu conteúdo, naquilo que é decidido pelo órgão judicial e na maneira como o processo é por ele conduzido.” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. Revista de Processo, São Paulo, n. 113, ano 29, p. 10, jan.-fev. 2004).

[89] DINAMARCO, Cândido Rangel. Nasce um novo processo civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 2. Nessa mesma senda trilhou o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira ao afirmar que: “Vive-se, com efeito, uma nova fase, a da instrumentalidade, que descortina o processo como instrumento da jurisdição imprescindível à realização da ordem jurídica material, à convivência humana e à efetivação das garantias constitucionalmente asseguradas, apresentando-se como tendências atuais do processo, dentre outras, a sua internacionalização e a preocupação com o social e com a efetividade da tutela jurisdicional.” (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo Teixeira. A reforma processual na perspectiva de uma nova justiça. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 886-887). Ainda sobre os males da obsessão pela forma, Dinamarco afirma que: “Não é enrijecendo as exigências formais, em um fetichismo à forma, que se asseguram direitos; ao contrário, o formalismo obcecado e irracional é fator de empobrecimento do processo e cegueira para os seus fins.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 152).

[90] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 87.

[91] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 88.

[92] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 199. Lúcio Delfino, embora tratando da aplicação da multa coercitiva na execução de tutela antecipada de soma em dinheiro, que para ele não seguiria os trâmites burocráticos da execução provisória, uma vez que não afetos à urgência dos valores para o credor, visando apenas acautelar o processo com vistas a garantir a viabilidade futura e eventual da satisfação do crédito, chega à conclusão cujo raciocínio é aplicável a todo procedimento afeto a uma obrigação de pagar quantia: “Entretanto, a ausência de previsão legal expressa não anuncia um veto direcionado ao juiz, proibindo-o de se valer da multa como forma de motivar o devedor a cumprir uma obrigação pecuniária, deferida em sede de tutela antecipada.[...]. A multa, desde que direcionada a devedor com condição patrimonial suficiente ao pagamento do crédito, desponta como meio coercitivo de eficácia comprovada na praxe forense, já que age sobre o seu espírito, compelindo-o a cumprir a determinação judicial – afinal, revela-se bem mais interessante pagar o principal sem qualquer acréscimo oriundo da incidência de multa.” (DELFINO, Lúcio. Anotações procedimentais e materiais sobre a “execução” de tutela antecipada para o pagamento de soma em dinheiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, ano 32, p. 22-23, jun. 2007) (grifo no original).

[93] FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: una discusión sobre derecho y democracia. Madrid: Trotta, 2006. p. 67.

[94] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 139.

[95] “A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia”; “Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis.” (HESSE, Konrad. A força normativa da constituição [Die normative Kraft der Verfassung]. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 16 e 21)

[96] STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 98

[97] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O aprimoramento do processo civil como pressuposto de uma justiça melhor. Revista de Processo, São Paulo, n. 65, ano 17, p. 171-172, jan.-mar. 1992.

[98] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 386.

[99] MITIDIERO, Daniel. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. passim p. 19-21, 70-73, 80-82.

[100]  LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença: e outros escritos sobre a coisa julgada. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1945. p. 131.

[101]  Sobre a questão, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, em voto proferido na condição de revisor na Ação Rescisória n.º 599263183, julgada pela 6ª Câmara Cível do TJRS em 26-04-2000, bem expôs: “Nos dias atuais, as medidas coercitivas vêm se caracterizando como instrumento de concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, de tal sorte que o seu emprego não pode ser excluído de maneira apriorística. Como bem pondera Marcelo Lima Guerra (Execução Indireta, São Paulo, RT, 1998, p. 54), “o juiz tem o poder-dever de, mesmo e principalmente no silêncio da lei, determinar as medidas que se revelem necessárias para melhor atender aos direitos fundamentais envolvidos na causa, a ele submetida”. E o Jurista, com toda pertinência, invoca o ensinamento de Vieira de Andrade (Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 256), no sentido de que na falta de lei que concretize determinado direito fundamental, “o princípio da aplicabilidade directa vale como indicador de exeqüibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se a sua perfeição, isto é, a sua auto-suficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui incluídos o dever dos juízes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização para com esse fim os concretizarem por via interpretativa”. Tal significa, no âmbito do processo de execução, que o juiz tem o poder-dever de, mesmo e principalmente no silêncio da lei, determinar os meios executivos que se revelem necessários para melhor atender à exigência de prestação de tutela executiva eficaz (Marcelo Guerra, ob. cit., p. 57). No campo da execução por quantia certa não se passa de modo diverso, justificando-se o emprego de medidas coercitivas, como a astreinte, por concretizar o valor constitucional protegido da efetividade da tutela jurisdicional. Por tal razão, o uso de tais medidas não pode ser obstado nem por expressa disposição infraconstitucional, muito menos pelo silêncio dessa legislação. Dessa forma, como observa ainda aqui Marcelo Guerra (ob. cit., p. 186), “sempre que a aplicação de alguma medida coercitiva, inclusive a multa diária, revelar-se capaz de superar esses obstáculos e contribuir para uma satisfação mais pronta e efetiva do crédito objeto da execução, ela pode ser utilizada, desde que, é óbvio, não se violem outros bens constitucionalmente protegidos.” E em abono da tese o doutrinador cita o escólio de Michele Taruffo (Note sul diritto alla condanna e all´esecuzione, p. 666-668).” (grifo no original).

[102]  “A crise no âmbito da legislação processual se refere às leis processuais (em sentido amplo) que permitem o uso de ações, incidentes processuais e recursos temerários e protelatórios; a existência de mecanismos processuais e procedimentos ultrapassados e inadequados; o formalismo e o conservadorismo no desenvolvimento e na condução do processo.” (PONCIANO, Vera Lúcia Feil. Condicionantes externas da crise do Judiciário e a efetividade da reforma e do “Pacto Republicano por um Sistema Judiciário mais acessível, ágil e efetivo.”. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 31, ago. 2009. Disponível em:  <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao031/vera_ponciano.html>. Acesso em: 31 ago. 2009).


ABSTRACT: We attempted with this brief work adressing the issue of the legitimacy of the aplication of astreints in obligations to pay certain amount in the light of the fundamental right to jurisdicional protetion. Therefore, the first chapter explains, analytically, the right to jurisdicional protetion, his character of a fundamental right, as long as his trisected configuration: adequacy, effectiveness and timeliness. In the second and final chapter, after an analysis of the proporcionality principle and its subprinciples, is examened, with mainstay in the fundamental right to jurisdicional protetion, the possibility of qualifying the astreintes as an suitable, necessary and justifiable coercive executive mean able to act, in exceptional cases, as a procedural instrument to implement obligations to pay certain amount.

Keywords: Astreintes. Obligation. Pay. Amount. Jurisdicional. Protection.


Autor

  • Leandro Barreto Bortowski

    Leandro Barreto Bortowski

    Técnico Judiciário no TRF da 4ª Região. Formado em Direito pela PUC-RS. Especialista em Processo Civil pela PUC-RS. Especialista em Penal e Processo Penal pelo IDC (Instituto de Desenvolvimento Cultural). Livro publicado: "O preço da liberdade: a extinção da punibilidade nos delitos econômicos à luz do princípio da proporcionalidade." Artigo publicado no saite Consultor Jurídico - CONJUR: "Fim da punição com pagamento de tributo estimula delito."

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORTOWSKI, Leandro Barreto. Astreintes nas obrigações de pagar quantia e o direito fundamental à tutela jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3383, 5 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22756. Acesso em: 24 abr. 2024.