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Tratados internacionais: processo de formação e relação com o direito interno

Tratados internacionais: processo de formação e relação com o direito interno

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O Supremo Tribunal Federal deu um passo muito importante quanto à interpretação da real posição dos tratados de direitos humanos dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo tecer breves comentários sobre o processo de formação dos tratados, tratando da competência e da capacidade para sua elaboração, bem como da posição que eles ocupam dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Um elemento novo é a menção da nova posição do Supremo Tribunal Federal em relação aos tratados de direitos humanos.

Palavras-chave: tratados, direitos humanos, competência, capacidade.


1 Introdução

Após os horrores do holocausto, houve uma verdadeira avalanche de tratados, principalmente voltados para a proteção dos direitos humanos. O Brasil ratificou os mais importantes documentos nesse sentido. Apesar de existir divergências doutrinárias, o Supremo Tribunal Federal (STF), com o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004 (de setembro de 1975 a junho de 1977), tem mantido uma postura bastante conservadora em relação à posição dos tratados dentro do ordenamento jurídico brasileiro. O que até então sustentou essa posição foi a interpretação do art. 102, III, b, da Constituição Federal de 1988. Independente do fato de o tratado ser referente a direitos humanos ou não, o STF entendia que, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, o tratado deveria ser equiparado a uma lei ordinária comum.

Ao assumir a mesma posição de uma lei ordinária, qualquer tratado estaria subordinado ao critério da cronologia em caso de antinomia normativa. Explicando melhor: na hipótese de conflito entre uma lei ordinária e um tratado (de direitos humanos ou não), o sistema paritário deveria prevalecer, aplicando-se o brocardo lex posteriori derrogat priori.

Com a nova posição do STF, os tratados referentes a direitos humanos, na pior das possibilidades, passa a ocupar posição infraconstitucional, mas supralegal. Isso significa que não é mais possível, havendo antinomia entre tratado e legislação infraconstitucional, aplicar o brocardo lex posteriori derrogat priori.

Infelizmente, o mesmo não se pode dizer dos tratados convencionais, já que, em relação a esses, o STF continua mantendo o posicionamento anterior.


2 Da competência e da capacidade para celebrar tratados internacionais

Conforme determina a Constituição Federal (CF) no art. 84, VIII, compete privativamente ao Presidente da República “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Como se pode notar, a competência para celebrar tratados é privativa do Presidente da República. Mas aí se poderia perguntar: se a competência é privativa, então não existe possibilidade de delegação? Em outras palavras: só o Presidente, e mais ninguém, tem poder constituído para celebrar tratados internacionais?

O art. 84, VIII, da CF/88 precisa, na verdade, ser lido junto com seu Parágrafo Único. É com a leitura do Parágrafo Único que se constata a existência da possibilidade de delegação: o “Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV (...)”. A competência continua sendo privativa do Presidente da República, mas com possibilidade de delegação, que é o que normalmente acontece.

Segundo MAZZUOLI (2007, p. 161):

... nos termos da Convenção de Viena de 1969, para que um tratado seja considerado válido, requer-se que as partes contratantes (Estados ou organizações internacionais) tenham (1) capacidade para tal, que os seus agentes signatários estejam (2) legalmente habilitados (por meio de carta de plenos-poderes, assinada pelo Chefe do Executivo e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores), que haja (3) mútuo consentimento (que se revela no livre e inequívoco direito de opção do Estado, manifestado em documentação expressa) e que seu objeto seja (4) lícito e materialmente possível.

Do exposto, percebe-se que a capacidade é um dos quesitos fundamentais para a celebração de um tratado. Para RESEK (2008, p. 18), atores ou partes, “em todo tratado, são necessariamente pessoas de direito internacional público: tanto significa dizer os Estados soberanos – aos quais se equipara (...) a Santa Sé – e as organizações internacionais”. Assim, os verdadeiros atores ou partes de um tratado são os Estados soberanos e/ou as organizações internacionais. Mas Estados soberanos e organizações internacionais são pessoas jurídicas, devendo, então, fazer-se representar por pessoas físicas detentoras de capacidade.

Por ter competência privativa, dada pelo constituinte originário, para celebrar tratados, o Presidente da República também é detentor de capacidade originária. No entanto, como pode haver delegação, tem-se, por outro lado, aqueles que possuem capacidade derivada. Possuem capacidade derivada o Ministro das Relações Exteriores e os Chefes de Missão Diplomática, esses com os mesmos poderes dos Chefes de Estado ou de Governo (dependendo de cada Estado), desde que investidos em seus respectivos cargos.

De acordo com os ensinamentos de HUSEK (2003, p.61):

A validade do tratado depende da capacidade das partes, da habilitação de seus agentes, enfim, do consentimento.

A representação das partes no caso dos Estados é feita pelo chefe de Estado e/ou plenipotenciário, que é o ministro de Estado responsável pelas relações exteriores, ou, mesmo, pelo chefe de missão diplomática. Nesses casos temos a representação derivada.

Ex positis, constata-se que o Estado age por meio de seus representantes. Os detentores de capacidade derivada são verdadeiros plenipotenciários, ou seja, verdadeiros detentores de plenos poderes. Contudo, é necessário aqui uma breve distinção. Em regra, os plenipotenciários precisam, para comprovar sua posição e agir em nome de seus representantes, possuir uma carta especial, denominada Carta de Plenos Poderes. Essa Carta é redigida, a pedido do Presidente da República, pela Divisão de Atos Internacionais do Itamaraty, devendo ser assinada pelo Presidente da República e referendada pelo Ministro de Relações Exteriores. Apesar de possuírem capacidade derivada, o Ministro de Relações Exteriores e os Chefes de Missão Diplomática não precisam dessa Carta, já que possuem os poderes de representação pelo cargo que exercem. Agora, qualquer outra pessoa, fora as já mencionadas, que queira ser plenipotenciária, precisa da Carta de Plenos Poderes.

No caso brasileiro, é comum que as negociações preliminares de um tratado sejam acompanhadas por representante diplomático.


3 Do processo de formação dos tratados

O processo de formação tem seu início com as negociações preliminares. Podem participar delas o Presidente da República, o Ministro das Relações Exteriores, o Chefe das Missões Diplomáticas ou qualquer outra pessoa que possua a Carta de Plenos Poderes. No caso brasileiro, como já foi dito, é comum, nessa fase, a participação de um funcionário diplomático.

É na fase das negociações preliminares que será elaborado e discutido o texto do tratado. E aqui é importante o que ensina SILVA (2002, p. 58):

... em se tratando de tratado bilateral, não há regras preestabelecidas. É comum que o convite se faça por meio de nota diplomática de uma parte a outra, desenvolvendo-se no território de uma das partes contratantes. No caso de tratado multilateral, ocorre nos congressos e conferências internacionais, onde é discutido o objeto do acordo internacional. Esta fase se encerra com a elaboração do texto final do tratado, que deverá ser aprovado, segundo o artigo 9º da Convenção de Viena, por no mínimo 2/3 dos presentes, nos casos das conferências internacionais. Em alguns casos, dependendo do teor da matéria a ser pactuada, é preciso unanimidade.

Com a elaboração do texto final do tratado e sua respectiva aprovação, acontece o que se chama adoção do texto do tratado. A adoção antecede a assinatura. Acontece que, antes de assinar, no caso brasileiro, o texto do tratado é submetido à apreciação de dois órgãos do Itamaraty. São eles: a Consultoria Jurídica do Itamaraty (CJI), que analisa o aspecto jurídico do tratado, e a Divisão de Atos Internacionais (DAI), que analisa o aspecto processual do tratado. Essa verificação merece um cuidado especial, já que o tratado também estará sujeito ao controle de constitucionalidade.

Depois de passar pelo crivo do Itamaraty, aí sim o tratado estará pronto para receber a assinatura das partes signatárias. Para MAZZUOLI (2006, p. 55):

A assinatura é uma fase importante do processo de celebração dos atos internacionais, pois é com ela que se encerram as negociações e se expressa o consentimento do Estado de aderir com todo o pactuado. Deste momento em diante, ficam proibidas quaisquer alterações no texto do acordo firmado. Fica aberta, contudo, a partir deste instante, a possibilidade de as partes apresentarem reservas ao texto do instrumento, se for o caso.

No Brasil, qualquer autoridade, segundo a prática do Ministério das Relações Exteriores, pode assinar um ato internacional, desde que possua a carta de plenos poderes, firmada pelo Presidente da República e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores.

A assinatura ainda não vincula o Estado, nem interna nem internacionalmente. Com a assinatura, as partes apenas demonstram a sua vontade no sentido de aceitar a forma e o conteúdo do tratado negociado. Isso não significa, contudo, aceite definitivo. Assim, pode-se dizer que a assinatura encerra a primeira fase do processo de formação dos tratados, fase essa composta por duas etapas internacionais importantes: negociações preliminares e assinatura.

A segunda e última fase tem seu início com a apreciação parlamentar. Segundo a CF/88, em seu artigo 49, I, é da competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. A hermenêutica é fundamental para se depreender o real significado desse artigo, principalmente em relação ao alcance do termo “definitivamente”. O Congresso Nacional só resolve definitivamente em caso de recusa, ou seja, de não aprovação do texto do tratado. E, se assim o fizer, não há necessidade nem de expedição de decreto legislativo, bastando a simples comunicação ao Presidente da República. Agora, caso o Congresso Nacional aprove o tratado, ele, o Congresso Nacional, materializa o seu ato com a expedição de um decreto legislativo. Só que agora o Congresso Nacional não resolve mais definitivamente, uma vez que o tratado fica dependendo da ratificação por parte do Presidente da República. E cabe aqui dizer que a ratificação é um ato discricionário, ou seja, não está vinculado à aprovação do Congresso Nacional. É por isso que, quando o Congresso Nacional aprova o tratado, ele, o Congresso, não resolve definitivamente sobre o mesmo. Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento de MAZZUOLI (2006, p. 61) que preconiza, in verbis:

O Congresso Nacional, por sua vez, quando chamado a se manifestar, por meio da elaboração de um decreto legislativo (CF, art.59, inc. VI), materializa o que ficou resolvido sobre os tratados, acordos ou atos internacionais. Não se edita o decreto legislativo em caso de rejeição do tratado, caso em que apenas se comunica a decisão ao Presidente da República.

E acrescenta:

O Congresso Nacional, por conseguinte, só resolve definitivamente sobre os tratados quando rejeita o acordo, caso em que o Executivo fica impedido de prosseguir com a sua ratificação. Em caso de aprovação, quem resolve definitivamente é o Chefe do Executivo, ao ratificar ou não o tratado.

Uma vez aprovado o tratado pelo Congresso Nacional, passa-se para a segunda etapa da última fase: o momento da ratificação.  Somente o Presidente da República está habilitado para ratificar um tratado. Para o direito internacional, ao se ratificar um tratado, assume-se um compromisso internacional. Desse modo, a ratificação é um ato essencialmente internacional. Até agora, ato interno mesmo foi apenas a aprovação parlamentar, ao passo que as negociações preliminares, a assinatura e a ratificação são atos internacionais.

A corroborar o exposto acima, insta transcrever o entendimento de HUSEK (2003, p. 62) que preleciona, ad litteram:

Ratificação é ato unilateral com o que o co-partícipe da feitura de um tratado expressa em definitivo sua vontade de se responsabilizar, nos termos do tratado, perante a comunidade internacional. (...) A ratificação aqui é ato formal, de natureza internacional, dirigido às partes que assinaram o tratado. É ato unilateral, discricionário e irretratável (pacta sunt servanda), não se retirando, como é óbvio, a possibilidade de o Estado vir, no futuro, a denunciar o tratado.

Depois de ratificado o tratado, o mesmo deve ser promulgado e publicado. Nesse passo, é de todo oportuno trazer à baila o entendimento de MAZZUOLI (2006, p. 63) que obtempera, verbo ad verbum:

A promulgação tem por finalidade, pois, atestar que o ato internacional já existe e que foram cumpridas todas as formalidades internas para sua celebração. Indica, ademais, que o compromisso internacionalmente firmado já é juridicamente exigível, obrigando a todos sua observância. Mas, para que a norma jurídica se considere efetivamente promulgada, é indispensável sua publicação, dando conhecimento à população de sua existência.


4 A posição dos tratados dentro do ordenamento jurídico brasileiro

A questão da posição dos tratados dentro do ordenamento jurídico brasileiro é de todo interessante. Com o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004 (de setembro de 1975 a junho de 1977), o STF passou a manter uma posição bastante questionada pelos internacionalistas quanto à posição dos tratados dentro do direito interno. A partir de uma interpretação bastante errônea do art. 102, III, b, da CF/88, o STF entendia que um tratado, convencional ou referente a direitos humanos, ocupava a mesmo posição de uma lei ordinária comum, podendo ser aplicado, em caso de antinomia, o brocardo lex posteriori derrogat priori.

Se se levar em conta o processo de formação dos tratados, é contraditório imaginar que o legislador aprove o texto de um tratado, dizendo sim a um compromisso internacional, e, em seguida, edite uma lei contrária ao compromisso internacionalmente assumido. Um compromisso internacional não pode ser tratado como um compromisso interno. Um tratado é, na verdade, uma verdadeira expressão de consenso, um encontro de vontades entre atores da sociedade internacional. O art. 27 da Convenção de Viena de 1969 é bem claro ao dispor que “uma parte não pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não cumprimento do tratado”, ao que acrescenta PIOVESAN (2004, p. 69): “Consagra-se, assim, o princípio da boa-fé, pelo qual cabe ao Estado conferir plena observância ao tratado de que é parte, na medida em que, no livre exercício de sua soberania, o Estado contraiu obrigações jurídicas no plano internacional”.

Os tratados podem ser classificados em convencionais ou comuns e referentes a direitos humanos. Em se tratando de tratado convencional, o mesmo, por ser um compromisso internacional, deveria ocupar posição infraconstitucional, já que está sujeito ao controle de constitucionalidade, mas supralegal, para não ser revogado por uma lei comum. Já em relação aos tratados referentes a direitos humanos, uma vez ratificado, o mesmo deveria integrar o chamado bloco de constitucionalidade, passando a ser norma materialmente constitucional. Mas de onde vem esse entendimento no tocante aos tratados de direitos humanos? A resposta é simples: da leitura dos parágrafos primeiro e segundo do art. 5º, da CF/88. A CF/88 deixa bem claro que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. E acrescenta que “os direitos e garantias” nela expressos “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Ora, ao se ratificar um tratado de direitos humanos, e levando-se em consideração o que a própria CF/88 diz, não há como se pensar de forma diferente. Um tratado de direitos humanos integra o chamado bloco de constitucionalidade, estando, portanto, no mesmo nível das normas constitucionais.

Com a Emenda Constitucional (EC) 45/2004, passou-se a adotar uma nova posição em relação aos tratados de direitos humanos. Segundo o comando inserto no art. 5º, §3º, da CF/88, os “tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Mas como fica a questão dos tratados de direitos humanos que já haviam sido ratificados antes dessa emenda? Bom, levando-se em conta os dizeres da própria Constituição Federal de que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, e partindo-se do princípio de que um tratado de direitos humanos contém normas que tratam de direitos e garantias fundamentais, então os tratados de direitos humanos que já haviam sido ratificados antes da EC 45/04 já integraram o chamado bloco de constitucionalidade. Agora, se um novo tratado de direitos humanos vier a ser ratificado após a EC 45/04, aí vale o que diz a EC.


5 A nova posição do Supremo Tribunal Federal

Com o julgamento do RE 466.343/SP (voto do Ministro Gilmar Mendes) e do HC 87.585/TO (voto do Ministro Celso de Mello), ambos deste ano (2008), o STF passa a adotar uma nova postura em relação aos tratados de direitos humanos.  Até o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou seguindo a nova posição do Supremo, ao julgar o HC 95.430/SP em agosto deste ano. Mas qual é essa nova posição?

Na verdade, há uma pequena divergência entre a posição do Ministro Gilmar Mendes e a do Ministro Celso de Mello. O Ministro Gilmar Mendes defende que um tratado de direitos humanos deve ocupar posição infraconstitucional, mas supralegal. Apesar de ser uma posição ainda conservadora, houve uma evolução significativa. Isso porque, tendo o tratado de direitos humanos posição supralegal, o mesmo não poderá ser mais revogado pela legislação infraconstitucional, como vinha ocorrendo. O Ministro Celso de Mello entende, por outro lado, que, sendo o tratado referente a direitos humanos, o mesmo deve ser equiparado à própria Constituição Federal, integrando o chamado bloco de constitucionalidade. Como se pode perceber, o Ministro Celso de Mello foi ao encontro do posicionamento adotado por internacionalistas do porte de Valerio Mazzuoli, Flávia Piovesan, Cançado Trindade e outros.

Nesse diapasão, impende destacar o entendimento de PIOVESAN (2004, p. 75-6) sobre o assunto:

Ora, ao prescrever que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais”, a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Este processo de inclusão implica na incorporação pelo texto constitucional destes direitos.

Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a hierarquia de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados.

Mesmo existido essa divergência de posicionamento,  uma coisa é certa: na pior das hipóteses, não há que se falar mais em sistema paritário, ou seja, um tratado de direitos humanos não está no mesmo nível da legislação infraconstitucional e, portanto, não pode ser revogado por esta, não se aplicando mais, aos tratados de direitos humanos, o brocardo lex posteriori derrogat priori. Sendo assim, não existe mais no Brasil outra prisão civil que não a por alimentos. É a consagração do que já estava expresso no art. 7º, parágrafo 7, do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil antes mesmo da EC 45/2004: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.


6 Conclusão

Ante o exposto, pode-se afirmar que o Direito Internacional vem conquistando o seu espaço, passando a ser reconhecido cada vez com mais autoridade. É, pelo menos, equivocado supor que, uma vez assumido um compromisso internacional, o mesmo legislador que deu carta branca ao tratado possa, em seguida, aprovar uma lei que vá contra aos dizeres do tratado. Caso não haja mais interesse por parte do Estado em se honrar o tratado, em vez de se ficar editando leis contrárias ao acordo firmado no plano internacional, existe um mecanismo mais coerente, um mecanismo que está em perfeita sintonia com a questão da boa-fé: o mecanismo da denúncia.

Ensina MAZZUOLI (2006, p. 66):

... entende-se por denúncia o ato unilateral pelo qual um partícipe em dado tratado internacional exprime firmemente sua vontade de deixar de ser parte no acordo anteriormente firmado. Difere da ab-rogação justamente pelo fato de ser levada a efeito unilateralmente por uma determinada parte no tratado, e não pela totalidade delas. Trata-se de forma de extinção do tratado pela vontade unilateral do Estado-parte.

Com o mecanismo da denúncia, o Presidente da República, com a aprovação do Congresso Nacional, pode deixar de ser parte em um determinado tratado, deixando, assim, de assumir um compromisso internacional que fora firmado em outro momento.Com isso, evita-se a edições de leis contrárias ao tratado enquanto existir compromisso com o mesmo.

O Supremo Tribunal Federal deu um passo muito importante quanto à interpretação da real posição dos tratados de direitos humanos dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Espera-se, todavia, que essa posição evolua, que passe a valer o entendimento do Ministro Celso de Mello sobre o assunto. Quanto aos tratados convencionais, há de chegar o tempo em que o Supremo reconhecerá a sua merecida posição dentro do nosso ordenamento jurídico: abaixo da Constituição sim, mas acima da legislação infraconstitucional.


7 Referências bibliográficas

Coletânea de Direito Internacional, Constituição Federal. Valerio de Oliveira Mazzuoli (org.). 6. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2008.

HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público. 4.ed. São Paulo: LTr, 2003.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007.

__________. Direito internacional público: parte geral. 3.ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 6. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2004.

REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. 2.ed., rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.


Autores


Informações sobre o texto

Artigo originalmente publicado na Revista CEPPG – 2008 – ISSN 1517-8471 – Págs. 09 à 19.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIELO, Patrícia Fortes Lopes Donzele; DOTTO, Adriano Cielo. Tratados internacionais: processo de formação e relação com o direito interno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3644, 23 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24732. Acesso em: 25 abr. 2024.