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A reforma da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e suas implicações na seara da proteção aos direitos trabalhistas na prestação de serviços terceirizados

A reforma da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e suas implicações na seara da proteção aos direitos trabalhistas na prestação de serviços terceirizados

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Desprezou-se posição de hipossuficiente do trabalhador terceirizado no julgamento da ADC nº 16, com o entendimento de que a simples inadimplência da empresa contratada não confere responsabilidade subsidiária ao ente público, havendo que se provar a efetiva culpa in eligendo ou in vigilando.

Resumo: A reforma da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), desencadeada após o julgamento da ADC nº 16 pelo Supremo Tribunal Federal, conferindo responsabilidade subsidiária subjetiva à Administração Pública quando da inadimplência das empresas prestadoras contratadas, no que concerne a direitos trabalhistas, traz à tona grande polêmica acerca dos privilégios concedidos ao Setor Público e até que ponto eles podem estar violando princípios constitucionais garantidos em cláusulas pétreas da Constituição Federal. Dessa forma, o presente estudo se propõe a analisar, por meio de uma abordagem qualitativa e bibliográfica, utilizando-se do método dialético, de que maneira o atual sistema pode prejudicar os direitos globais do trabalhador e de que forma o Poder Judiciário pode intervir para garantir esses direitos, respeitando-se assim princípios basilares da atual Carta Magna, como a Dignidade da Pessoa Humana e o Valor Social do Trabalho e efetivando-se não somente o direito processual, mas principalmente o direito material.

Palavras-chave: Reforma da Súmula 331 do TST. ADC nº 16. Lei n. 8.666/73. Terceirização no setor público.


1 INTRODUÇÃO

O instituto da Terceirização está sendo cada dia mais utilizado pelas grandes empresas que buscam a redução de custos, o aumento da produtividade e a modernização da administração empresarial, ainda que às custas da redução dos direitos globais dos trabalhadores no âmbito do salário, promoções, e vantagens eventualmente advindas de convenções e acordos coletivos[1].

Ocorre que, em meio a tais vantagens, resultou que o processo de terceirização também foi absorvido pela Administração Pública, especialmente porque, ao contrário do que ocorre com o âmbito privado, em que as empresas tomadoras de serviço respondem subsidiariamente pelo inadimplemento das empresas prestadoras, o setor público goza do privilégio garantido pela Lei n. 8.666/73 – Lei de Licitações – que preleciona em seu artigo 71, §1º, que “a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento (...)”, (BRASIL, 1993).

Tal privilégio trouxe indignação à seara trabalhista, razão pela qual foi editada a Súmula 331 do TST, que conferia responsabilidade objetiva também à Administração Pública quanto a estas verbas não adimplidas. Diante disto, foi ajuizada Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) n.16 com relação ao artigo 71 da Lei supramencionada, o qual o STF entendeu ser plenamente constitucional, desencadeando a posterior reforma da Súmula 331 do TST, que agora exige que seja provada a culpa da Administração Pública.

É claro e notório que ao assumir a constitucionalidade do artigo 71, o STF desrespeita diretamente o clássico preceito constitucional responsabilizatório das entidades estatais – a responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes – e nos faz refletir acerca do papel de “Guardião da Constituição” daquela Corte, que, por aspectos formais, pode chegar a violar princípios constitucionais definidos em cláusulas pétreas, como a dignidade da pessoa humana, inspiração da nossa atual Constituição Cidadã, e o do Valor Social do Trabalho, tão defendido pela seara trabalhista.

Nesse diapasão, o presente estudo se propõe a analisar, por meio de um estudo qualitativo e bibliográfico – utilizando-se do método dialético –, de que maneira o atual sistema pode comprometer os direitos globais do trabalhador e de que forma o Poder Judiciário poderia intervir para efetivar os direitos e garantias insculpidos na atual Constituição Cidadã.


2 BREVES NOÇÕES SOBRE O SURGIMENTO DOS DIREITOS SOCIAS

A doutrina mais abalizada consagra como período de surgimento dos Direitos Sociais aquele que remete à Segunda Geração de Direitos Fundamentais, quando se buscava a efetivação da garantia de liberdade trazida pela Primeira Geração.

O documento que simbolizou esta geração de proteção à liberdade foi, sem dúvida, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, proclamada no calor da Revolução Francesa, quando se buscava a condenação de todas as práticas tidas como arbitrárias, fruto da monarquia absolutista.

Ocorre que, ao mesmo tempo em que se difundiam nos estados europeus e americanos, esses ideais de direitos do homem e sua liberdade careciam de efetividade plena, mesmo com a adoção de Constituições liberais acompanhadas de Declarações de Direitos. Isso acontecia porque, embora positivados, esses direitos eram insuficientes para atender às necessidades da classe menos abastada, perfazendo assim um paradoxo: a riqueza de garantias e a miséria da vida real.

Desta forma, criou-se a conscientização de que de nada valia a consagração de direitos liberais que na prática eram vazios, apresentando-se como meramente formais, já que o povo não tirava proveito deles. Esse pensamento ecoou principalmente na classe trabalhadora, conjuntamente com os socialistas que pregavam a cada dia mais a necessidade de revolução para a promoção da igualdade social.

A partir de então, os ideais reformistas, apadrinhados pela Igreja Católica – através do Cristianismo Social – e pela intervenção estatal, suscitaram uma nova declaração de direitos que visava assegurar uma vida digna e igualdade de oportunidades para todos. Surgiam então os Direitos Sociais, consubstanciados principalmente no Direito ao trabalho, à educação, à saúde, ao apoio ao idoso e ao lazer (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, 2009).

Segundo autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho (FILHO, 2009, p. 87-88), é grande a divergência doutrinária acerca do documento histórico que simboliza a consagração dos Direitos Sociais, sendo que alguns defendem ser a Constituição Mexicana de 1917, que trouxe todo um Título (IV) especialmente tratando acerca dos direitos do trabalhador e da previdência social; outros alegam ser a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, editada na Rússia em 1918 e alguns defendem ser o Tratado de Versalhes, em 1919, que institui a Organização Internacional do Trabalho.

Outrossim, para este mesmo autor, os Direitos Sociais se consagraram definitivamente através da Constituição Alemã de 11 de agosto de 1919, também denominada “Constituição de Weimar”. Este documento, segundo o autor supracitado, foi elaborado preponderantemente pelos socialistas reformistas e pelos adeptos do cristianismo social, consagrava na sua Parte II, temas importantes como a Função Social da Propriedade (art. 153), a reforma agrária (art.155), a “socialização” das empresas (art.156), o direito à sindicalização (art.159) e à previdência social (art.161).

O professor Vital Moreira (MOREIRA, 1999), docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, assim define a Constituição de Weimar:

A constituição de Weimar de 1919 fora ela mesma uma constituição modelo, a "mãe de todas as constituições" de entre as duas guerras, como alguém afirmou na altura. A ela se deve a constitucionalização dos direitos sociais e da economia ("constituição económica"). Foi ela que pela primeira vez ensaiou um compromisso entre o sistema de governo parlamentar, com responsabilidade do Governo perante o Parlamento, com um Presidente da República directamente eleito, dotado de importantes poderes institucionais próprios. Mas algumas das suas soluções acabaram por favorecer a instabilidade política da República de Weimar e a tomada do poder por Hitler.

Noutro flanco, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, destaca a sua influência (a da Constituição de Weimar) sobre outras Constituições, senão vejamos:

Sua repercussão foi imensa – e este é o argumento decisivo. Serviu de modelo para as Constituições dos Estados então surgidos na Europa central e teve claro reflexo na Constituição brasileira de 1934. A este propósito, compare-se o texto do art.151 alemão, com o art. 115 do documento brasileiro. Em ambos é dito que a ordem econômica deve ser organizada de acordo com os “princípios da justiça”, a fim de propiciar a todos os homens uma “existência digna”. É nesses limites que é “garantida a liberdade econômica”. E o art. 170, caput, da Lei Magna brasileira em vigor, ainda faz o eco, ao reclamar o respeito aos “ditames da justiça social” e, sobretudo, ao atribuir como finalidade da ordem econômica “assegurar a todos existência digna”.

A consagração dos direitos sociais na condição de direitos fundamentais fez nascer um protecionismo a um ramo do direito que há muito lutava por reconhecimento: o direito do trabalho.


3 O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL

Sérgio Pinto Martins (MARTINS, 1995, p.13) associa o surgimento da terceirização ao desemprego na sociedade, quando, ao passar por crises econômicas, o empresário acaba por diminuir seus custos, especialmente com mão-de-obra.

Há na doutrina uma enorme variável de conceitos para a terceirização, sendo, para Maurício Godinho Delgado (DELGADO, 2010, p.414) uma expressão que resulta de neologismo oriundo da palavra terceiro, compreendido como intermediário e interveniente. Já para Vólia Bomfim Cassar (CASSAR, 2010, p.480) a terceirização é similar ao instituto da sous-traitance adotado no Direito francês, uma espécie de empreitada, em que a empresa tomadora celebra com a outra pessoa jurídica ou física um contrato pelo qual esta última se encarrega da produção de um serviço, que a própria tomadora deveria executar para um cliente.

Em termos simplórios, esse fenômeno consubstancia essencialmente uma relação jurídica triangular, onde há trabalhadores que são subordinados diretamente à empresa prestadora e não à tomadora, existindo entre essas duas empresas um contrato de prestação de serviços regido pelas leis do Direito Civil, enquanto que entre a empresa prestadora e o trabalhador existirá um contrato de trabalho, com todos os seus direitos daí decorrentes.

No Brasil, esse é um fenômeno relativamente novo que veio a ter amplitude somente nas últimas três décadas, embora remonte à década de cinqüenta, quando as primeiras multinacionais chegavam ao nosso país e tinham interesse apenas na essência de seus negócios, não se preocupando com atividades acessórias (MARTINS, 1995).

A terceirização foi se expandindo de tal forma que acabou por desencadear na criação de um “subtipo” denominado quarteirização, classificado como uma nova forma de terceirização gerenciada, que consiste na contratação de uma empresa especializada encarregada de gerenciar as empresas terceirizadas, tidas como parceiras (MARTINS, 1995, p.19).

Essa facilidade para a contratação de mão-de-obra foi adotada de modo frenético pelas empresas privadas, que ansiavam por seus benefícios, tais como a modernização da administração empresarial, a redução dos custos, o aumento da produtividade e a criação de novos métodos de gerenciamento de atividade produtiva. Em contrapartida, esse modelo de contratação também possuía aspectos negativos a partir do momento em que reduzia direitos globais dos trabalhadores, como salário, promoção, fixação na empresa e vantagens decorrentes de convenções e acordos coletivos (JORGE NETO, PESSOA CAVALCANTE, 2011).

Mesmo assim, a iniciativa privada passou a incorporar cada vez mais as práticas de terceirização da força de trabalho, independentemente até da existência de previsão legal para tanto. A exemplo disso, o trabalho de conservação e limpeza, submetido até hoje a práticas terceirizantes cada vez mais genéricas. Nesse sentido, Mauricio Godinho Delgado (DELGADO, 2010, p.417) assim se posiciona:

Uma singularidade desse desafio crescente reside no fato de que o fenômeno terceirizante tem se desenvolvido e alargado sem merecer, ao longo dos anos, cuidadoso esforço de normatização pelo legislador pátrio. Isso significa que o fenômeno tem evoluído, em boa medida, à margem da normatividade heterônoma estatal como um processo algo informal, situado fora dos traços gerais fixados pelo Direito do Trabalho no país. Trata-se de exemplo marcante de divórcio da ordem jurídica perante os novos fatos sociais, sem que se assista a esforço legiferante consistente para se sanar tal defasagem jurídica.

Já no âmbito do serviço público, esse fenômeno passou a receber regulamentação jurídica a partir do final da década de 1960, por meio do Decreto-Lei n.200/1967, que assim dispõe em seu artigo 10, §7º, (DELGADO, 2010, p. 418) verbis:

Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, a execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Ora, da dicção do texto do artigo supracitado percebe-se a tendência da Administração Pública de desobrigar-se de tarefas executivas e “repassá-la” para a iniciativa privada, beneficiando-se do serviço, mas isentando-se de responsabilidades trabalhistas, ao contrário do que se tem no âmbito privado, em que a empresa tomadora é objetiva e subsidiariamente responsabilizada pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas. Sobre essa discrepância de tratamento dada pela legislação, tratarei no tópico seguinte.


4. A SÚMULA 331 DO C. TST E A RESPONSABILIZAÇÃO DA EMPRESA TOMADORA DE SERVIÇOS

A terceirização não trouxe somente benesses, mas trouxe consigo também a responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora de serviços. As reclamações se tornaram tão recorrentes que a jurisprudência trabalhista, nos anos de 1980 e 90 passou a se debruçar sobre o tema, quando finalmente, diante da multiplicidade de interpretações jurisprudenciais, o Tribunal Superior do Trabalho, na sua função uniformizadora, editou duas súmulas, a de 256, de 1986 e a de n.331, de dezembro de 1993, que até 23 de maio de 2011 possuía a seguinte redação, verbis:

Súm.331. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional.

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.

O Enunciado 331 foi resultado da interpretação do TST acerca do artigo 71, §1º da Lei 8.666/93, que afasta a responsabilização da Administração Pública, quando tomadora de serviços, pela inadimplência da empresa prestadora, senão vejamos:

Art.71.§ 1º . A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

Ora, o que percebemos aqui é uma completa discrepância de tratamento por parte do legislador quanto à responsabilização conferida ao âmbito público e privado, o que desencadeia no flagrante desrespeito aos Princípios Constitucionais do Valor Social do Trabalho e da Dignidade da Pessoa Humana, este último considerado como o norteador da atual Constituição Federal (a “Constituição Cidadã”).

Desta forma, sob o paradigma protecionista do direito do trabalho, a aplicação da Súmula 331 tornou-se uma constante nos tribunais, tornando os entes públicos da Administração Pública Direta e Indireta responsáveis subsidiários pelo inadimplemento da prestadora de serviços. Essa posição do C.TST também encontra respaldo na própria Constituição Federal, que traz expressamente eu seu artigo 37, §6º:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Como se vê, a própria Carta Magna prevê a responsabilidade objetiva da Administração Pública quando seus agentes causam danos a terceiros, ou seja, esse artigo pode ser perfeitamente aplicável ao Estado quando, na condição de tomador, contrata empresa inidônea, que causa prejuízo a seus empregados, deixando de pagar-lhes direitos trabalhistas.

Além disso, a exclusão da responsabilidade estatal é ainda incompatível com o teor do próprio §2º, do artigo 71 da Lei de Licitações, que impõe responsabilidade solidária a essa mesma Administração Pública (contratante) pelos encargos previdenciários decorrentes da execução do contrato.

 Diante de toda essa polêmica, o governador do Distrito Federal ajuizou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC nº 16), a fim de que o Supremo Tribunal Federal se pronunciasse acerca da constitucionalidade do §1º, do artigo 71 da Lei n. 8.666/93. Nesse julgamento, vencido o Ministro Ayres Brito que o declarava inconstitucional, o posicionamento majoritário foi no sentido de declará-lo constitucional, oportunidade em que também foi analisado o inciso IV da Súmula 331 do TST, a qual, segundo o Ministro Cezar Peluso, relator da ADC, violaria a reserva de plenário prevista no artigo 97 da Constituição, bem como afrontaria a Súmula n.10, do STF, que tem a seguinte redação:

Viola a cláusula de reserva de plenário a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Noutro flanco, os Ministros concluíram que a norma do §1º do art.71 da Lei n. 8.666/93 não fere a Constituição e deve ser observada pela Justiça do Trabalho, o que impediria a aplicação de responsabilidade subsidiária à Administração Pública de forma automática, pela só constatação de inadimplemento dos direitos laborais pela empresa contratada. No entanto, deixaram consignado também que essa declaração de constitucionalidade não afastaria a responsabilidade do Estado caso restasse comprovado que incidiu em culpa in eligendo ou in vigilando (AMORIM; DELGADO; VIANA, 2011).

Segundo o ideal de Otavio Calvet[2], Juiz do Trabalho, tem-se por culpa in eligendo, aquela em que o tomador de serviços incide ao contratar empresa inidônea, que não cumpre seu dever jurídico originário; já a culpa in vigilando configura-se como sendo aquela em que o tomador, mesmo tendo feito boa escolha, não fiscaliza o desenvolver da relação de serviços e a empresa prestadora não cumpre com suas obrigações para com o trabalhador.

Sendo assim, baseando-se nisso, os Tribunais Regionais do Trabalho passaram a emitir decisões no sentido de relativizar o artigo 71, §1º da Lei de Licitações e responsabilizar a Administração Pública, com base principalmente na dita culpa in vigilando, como se depreende do seguinte julgado, oriundo do TRT da 21ª Região, in verbis:

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - INADIMPLÊNCIA DO EMPREGADOR (PRESTADOR) - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR - MATÉRIA SUMULADA. O Colendo TST, tem cristalizado entendimento (Súmula 331, IV) de que o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial, mesmo que em face do art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993. VERBAS DEFERIDAS - ALCANCE DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Reconhecida a responsabilidade subsidiária da litisconsorte pelo inadimplemento de obrigações contraídas pela reclamada principal, tem-se que tal reconhecimento abrange também as multas e as parcelas deferidas na sentença, devendo a tomadora dos serviços responder subsidiariamente pela integralidade das parcelas objeto da condenação. MULTA DO ART. 475-J DO CPC - INAPLICABILIDADE AO ENTE PÚBLICO. O art. 475-J do CPC é inaplicável aos entes da administração pública, inclusive quando responsáveis apenas subsidiariamente, porquanto a Lei nº 11.232, de 22/12/2005, que acrescentou os artigos 475-A a 475-475-R ao CPC, instituindo a figura do cumprimento de sentença, em nada alterou o procedimento da execução contra a fazenda pública (artigos 730 e 731).  Recurso conhecido e parcialmente provido. (RO nº 4300-10.2010.5.21.0013, Rel. Carlos Newton Pinto. DJET 15/04/2011) (Grifos acrescidos).

Como se vê, a Justiça Laboral caminhava no sentido de proteger o trabalhador, tido como hipossuficiente nessa relação jurídica, e, verdadeiramente, o maior prejudicado. No entanto, esse posicionamento passou a ser relativizado, especialmente após a alteração do Enunciado nº 331, como será tratado a seguir.


5 A DECISÃO DO SUPREMO E A ALTERAÇÃO NO ENUNCIADO Nº 331, DO TST

Embora a Justiça do Trabalho persistisse na aplicação da súmula 331, a decisão emanada pelo Supremo em sede da ADC nº 16 passou a ser o argumento norteador para interposição de recursos para os tribunais regionais e superior do trabalho, como se verificará a seguir.

Ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16-DF, na sessão de 24/11/2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria declarar a constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei 8.666/93, isentando assim a Administração Pública da imediata e automática responsabilização pela pura inadimplência da empresa prestadora de serviços quanto às obrigações trabalhistas a si imputadas para com os terceirizados.

Dessa forma, ‘pressionado’ pelo Supremo, o TST modifica em 24 de maio de 2011 o Enunciado nº 331, para adequá-lo ao posicionamento do STF e adotar um novo viés na análise da responsabilidade do tomador de serviços na terceirização trabalhista: agora, seria necessária a efetiva comprovação da culpa – especialmente in vigilando – da Administração Pública, direta e indireta, nos temas referentes à inadimplência das obrigações trabalhistas por parte da empresa prestadora de serviços para com os trabalhadores, conforme se infere da transcrição da reforma da súmula, in verbis:

Súm.331. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional.

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação. (grifos acrescidos)

A partir desse novo posicionamento da instância última da Justiça Laboral, inevitavelmente surge o questionamento: como comprovar a culpa da Administração Pública nesses casos? Fato é que, da análise da reforma da súmula transcrita, conclusão outra não há senão a de que o ônus probandi passou a ser de quem reclama, ou seja, do trabalhador.

Isso vem a ser uma questão deveras preocupante, pois, a modificação no Enunciado n. 331, embora tenha vindo com o sentido de isentar a Administração Pública de tornar-se uma “seguradora universal” da inadimplência contratual, acaba por retirar a eficácia de princípios constitucionais e processuais que consubstanciam o paradigma protecionista do direito laboral, na medida em que, indo de encontro à própria teoria da prova possível, coloca o trabalhador na posição de ter que trazer aos autos de um processo provas que, evidentemente, estão de posse das empresas contratantes, e não dele, flagrantemente hipossuficiente na relação de terceirização.

Idéia mais razoável não há, senão a de que quem efetivamente detém a prova, deva apresentá-la em juízo e assim, desincumbir-se das alegações que lhe são imputadas. Essa medida se coaduna perfeitamente com os princípios da celeridade e economia processual, tão almejados na justiça do trabalho, que sempre primou pela efetividade da prestação jurisdicional.

Quanto ao dever de requerer tal prova, a opção mais lógica é a de que esta deve ser uma iniciativa do Magistrado e não do reclamante, especialmente quando se tem em mente o princípio do Jus Postulandi, que não permite que se exija demais de um trabalhador que sequer está assistido por procurador legalmente habilitado.

No entanto, não obstante essas considerações, a polêmica a respeito da decisão do supremo e seu reflexo na Súmula nº 331 surge fervorosa, causando divergência de julgamento tanto dentro dos próprios Tribunais Regionais do Trabalho, como até mesmo dentro do próprio TST que, recentemente também tem proferido decisões no sentido de responsabilizar a Administração Pública pela ausência de comprovação de fiscalização da execução do contrato de trabalho, o que, como se percebe, vai completamente de encontro ao ideal pregado pelo Supremo e reproduzido na nova súmula 331 do TST.

Nesse sentido, o Ilustre Ministro do TST, José Roberto Freire Pimenta, assim se pronunciou em um de seus julgados:

TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 71, § 1º, DA LEI Nº 8.666/93 E RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO PELAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS DO EMPREGADOR CONTRATADO. POSSIBILIDADE, EM CASO DE CULPA IN VIGILANDO DO ENTE OU ÓRGÃO PÚBLICO CONTRATANTE, NOS TERMOS DA DECISÃO DO STF PROFERIDA NA ADC Nº 16-DF E POR INCIDÊNCIA DOS ARTS. 58, INCISO III, E 67, CAPUT E § 1º, DA MESMA LEI DE LICITAÇÕES E DOS ARTS. 186 E 927, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL E PLENA OBSERVÂNCIA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 10 E DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADC Nº 16-DF. SÚMULA Nº 331, ITENS IV E V, DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.

Na hipótese dos autos, constata-se não haver, no acórdão regional, nenhuma referência ao fato de que o ente público demandado praticou os atos de fiscalização do cumprimento, pelo empregador contratado, das obrigações trabalhistas referentes aos trabalhadores terceirizados, o que era de seu exclusivo onus probandi e é suficiente, por si só, para configurar a presença, no quadro fático delineado nos autos, da conduta omissiva da Administração configuradora de sua culpa in vigilando, o que é suficiente para a manutenção da decisão em que se o condenou a responder, de forma subsidiária, pela satisfação das verbas e demais direitos objeto da condenação.

Agravo de instrumento desprovido. (AIRR nº 90640-10.2006.5.03.0138, Rel. José Roberto Freire Pimenta. DJET 09/09/2011) (grifos no original)

Como se vê, a divergência está dentro do próprio Tribunal Superior do Trabalho, que trata como dever exclusivo de comprovar a devida fiscalização como sendo do ente público e não do trabalhador. Note-se que o termo empregado pelo Exmo. Ministro Relator (ao adjetivar o onus probandi) é “exclusivo” e não solidário.

Também no mesmo sentido, o Acórdão de lavra do Ministro Milton de Moura França, julgado em setembro do corrente ano, senão vejamos:

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA - SÚMULA Nº 331, V, DESTA CORTE. A responsabilidade da Administração Pública de fiscalizar o fiel cumprimento das obrigações da empresa que contrata, para lhe prestar serviços, decorre de lei e da própria Constituição, na medida em que se utiliza de recursos públicos e, assim, seu desembolso exige o fiel cumprimento do contrato. Comprovado que a União não fiscalizou sua contratada, em típica culpa in vigilando, visto que obrigações trabalhistas não foram por esta regularmente satisfeitas, a sua responsabilidade subsidiária se impõe, ante o que preconiza a Súmula 331, V, da Corte e precedente do STF. Agravo de instrumento não provido. (AIRR – 48300-03.2009.5.15.0109, Rel. Milton de Moura França. DJET 14/09/2011) (grifos acrescidos)

Como se pode inferir do julgado supra, a responsabilização da Administração Pública apresenta-se aqui de forma eminentemente objetiva, posto que a simples constatação de que as obrigações trabalhistas não foram satisfeitas pela empresa contratada, já demonstraria a ausência de fiscalização por parte do ente público. Posicionamento este que se evidencia mais “radical” ainda do que o do Ministro José Roberto Freire Pimenta, que todavia considerava a questão do onus probandi.

No entanto, como já dito alhures, a divergência persiste dentro do próprio TST, com posicionamentos no sentido de excluir a responsabilidade do ente público, como se pode aferir dos Acórdãos de lavra dos Ilustres Ministros Fernando Eizo Ono Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, ipsis litteris:

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TOMADOR DE SERVIÇOS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. O Tribunal Regional condenou subsidiariamente o segundo Reclamado (Estado de Minas Gerais) a pagar os créditos do Reclamante, por ter sido o beneficiário direto dos seus serviços. No julgamento da ADC 16/DF, o STF decidiu que o art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 é constitucional e que isso não impede a responsabilização subsidiária de ente público, desde que caracterizada a culpa in vigilando. No caso, a responsabilidade subsidiária do Estado de Minas Gerais foi reconhecida em virtude do não adimplemento das obrigações trabalhistas pela empregadora direta do Reclamante, sem que tivesse sido atribuída e demonstrada a negligência do Estado de Minas Gerais no tocante ao cumprimento dessas obrigações pela prestadora de serviços. Demonstrada possível violação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003. II - RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TOMADOR DE SERVIÇOS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. No julgamento da ADC 16/DF, o STF decidiu que o art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 é constitucional e que isso não impede a responsabilização subsidiária de ente público, desde que caracterizada a culpa in vigilando. No caso, a responsabilidade subsidiária do Estado de São Paulo foi reconhecida em virtude do não adimplemento das obrigações trabalhistas pela empregadora direta do Reclamante, sem que tivesse sido atribuída e demonstrada a negligência do Estado de São Paulo no tocante ao cumprimento dessas obrigações pela prestadora de serviços. Recurso de revista a que se dá provimento. (RR - 289200-79.2010.5.03.0000, Rel. Fernando Eizo Ono. DEJT 07/10/2011) (grifos acrescidos).

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RECURSO DE REVISTA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA OU INDIRETA. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Diante da salvaguarda inscrita no art. 71 da Lei nº 8.666/93, a responsabilidade subjetiva e subsidiária da Administração Pública Direta ou Indireta encontra lastro em caracterizadas ação ou omissão culposa na fiscalização e adoção de medidas preventivas ou sancionatórias contra o inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte de empresas prestadoras de serviços contratadas (arts. 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93). Não evidenciada a culpa “in vigilando”, impossível a condenação. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 242-65.2010.5.03.0109, Rel. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. DJET 07/10/2011) (grifos acrescidos).

Como se infere dos julgados supramencionados, para os Ministros Relatores a culpa in vigilando deve restar devidamente evidenciada nos autos, ou seja, traz a idéia de que os autos já devem estar devidamente instruídos para a efetiva responsabilização do ente público, caso contrário, não haveria que se falar em responsabilidade subsidiária.

Ocorre que é difícil conceber a possibilidade de a Administração Pública ter efetivamente exercido o seu dever de vigilância e, ainda assim, ter ocorrido a inadimplência das obrigações trabalhistas por parte da prestadora de serviços. Isto seria uma contradição visivelmente paradoxal.

Se quisesse efetivamente fiscalizar seus contratos, o Ente Público, na condição de tomador de serviços, poderia condicionar o repasse de verbas para a prestadora à comprovação, por meio de recibos, do efetivo pagamento das obrigações trabalhistas. Desta forma, restaria cabalmente provado o seu dever fiscalizatório.

Noutro viés, há quem entenda que a responsabilidade subsidiária do ente público decorre da própria Teoria do Risco, contemplada no artigo 927 do Novo Código Civil. Neste sentido, assim tem se posicionado o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, conforme julgamento do Recurso Ordinário nº 0082600-37.2008.5.04.0010 (BRASIL, 2011), senão vejamos:

EMENTA: Responsabilidade subsidiária. Fundamento legal. Comprovado o descumprimento das obrigações trabalhistas pela empregadora, resulta que a tomadora dos serviços torna-se responsável pela reparação do dano. Tal responsabilização decorre da teoria do risco, acolhida no art. 927 e seu parágrafo único do Código Civil, inovação jurídica em relação à responsabilidade subjetiva antes adotada no ordenamento jurídico pátrio. Assim, mesmo sendo legal a intermediação dos serviços, o tomador de serviços deve responder por eventuais créditos trabalhistas não satisfeitos. Prevalece a proteção ao trabalho humano, tratado como direito fundamental na Constituição da República. (RO - 0082600-37.2008.5.04.001, Rel. Denise Pacheco. DJET 04/08/2011) (grifos acrescidos)

Como se vê, a diversidade de embasamento para as interpretações da súmula 331 é bastante considerável, e a dissidência dentro do próprio TST, sobre um enunciado que ele mesmo editou demonstra que as interpretações dadas à ADC nº 16 só contribuem para aumentar a insegurança jurídica em desfavor do principal prejudicado: o trabalhador.


6 AS IMPLICAÇÕES DE UMA INTERPRETAÇÃO RÍGIDA À ADC Nº 16 NO ÂMBITO DAS GARANTIAS TRABALHISTAS

Conforme o exposto acima, percebe-se que uma interpretação rígida do julgamento da ADC nº 16 iria totalmente de encontro aos valores e princípios norteadores do direito do trabalho, que emergem de cláusulas pétreas da Constituição, como a Dignidade da Pessoa Humana, consignado no artigo 1º, inciso III, e o Valor Social do Trabalho, presente no inciso IV. Além disso, indo mais ao âmago da matéria, poder-se-ia cogitar também de incompatibilidade com o inciso IV do artigo 3º da Carta Magna, na medida em que se verifica aqui uma verdadeira discriminação entre os créditos previdenciários e trabalhistas para fins de responsabilização.

Outrossim, o §1º, do artigo 71 da Lei de Licitações confronta diretamente com outros artigos da própria lei 8.666/93, como o artigo 58, inciso III, que impõe à Administração Pública o dever de fiscalização do contrato, combinado com o artigo 67 que estabelece o modo e forma dessa fiscalização, bem como o artigo 78, VIII, que expressamente permite a rescisão unilateral do contrato por motivo de cometimento reiterado de faltas na sua execução.

Noutro flanco, percebe-se que a ADC nº 16 trouxe como conseqüência a insegurança jurídica quanto à efetivação dos direitos do trabalhador, que agora, mais do que nunca, se vê a mercê da própria sorte acerca de qual turma do TST irá analisar o novo conteúdo da Súmula 331, o que determinará ou não a responsabilização da Administração Pública pelos créditos trabalhistas. Desta forma, urge a necessidade de conscientização da necessidade de proteção ao trabalhador, especialmente quando se tem um confronto entre uma norma e vários princípios constitucionais, como é o caso.

O que se vê na verdade é a necessidade flagrante e imediata da preservação dos princípios quando da interpretação da decisão do Supremo, pois a necessidade de proteção emerge como ponto determinante na seara trabalhista e a preservação desse princípio deve se sobrepor à norma, ainda que esta tenha sido declarada constitucional pelo STF, senão estaria descaracterizado o fim maior da Justiça Trabalhista: o de primar pela defesa do valor social do trabalho.

Corroborando com esse pensamento, Roque Antonio Carrazza, citado por Rodrigo Lanzi de Moraes Borges (2010, p.334), afirma que o princípio “vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”(sic).  Nesse mesmo sentido, Paulo Henrique dos Santos Lucon, também citado por Borges (2010, p.334), defende que os princípios “são também normas jurídicas, mas de natureza anterior e hierarquicamente superior as ‘normas comuns’ (ou de ‘normas não principais’)”. (sic).

Sendo assim, a função vetorial de princípios constitucionais, como os já citados alhures, não pode ser menosprezada, sob pena de se perder a essência da própria norma, haja vista que todo o ordenamento jurídico foi criado sob a égide axiológica, vinculando assim, a própria interpretação das leis à interpretação prévia dos princípios a elas vinculados; do contrário, as garantias e os direitos assegurados tanto no texto constitucional quanto na Consolidação das Leis do Trabalho seriam vazios, sem nenhuma aplicabilidade prática, permanecendo no plano abstrato.

Quando a situação do trabalhador que sofre os danos decorrentes da inadimplência da empresa prestadora de serviços é analisada sob a égide do artigo 71, §1º da Lei de Licitações, agora “ratificado” pela ADC nº 16, o resultado é uma relação jurídica desproporcional, em que uma das partes, ainda que tida como hipossuficiente, acionando uma Justiça especializada e direcionada para a proteção ao trabalhador, acaba por ter os seus pleitos indeferidos por uma regra de ordem processual, qual seja, o onus probandi que sequer está ao seu alcance.

Vê-se então, que o enaltecimento às normas de natureza processual põe em risco a efetivação do próprio direito material e traz à baila o questionamento: seria as normas processuais um instrumento para a efetivação do direito material ou seria o direito material uma consequencia das normas processuais?

As decisões emanadas pelo STF, como a prolatada em sede da ACD supracitada, só vêm a corroborar com o pensamento acima, haja vista que, se aplicada literalmente, resultará no indeferimento dos pleitos do reclamante em razão de ele não ter se desincumbido do ônus de provar a culpa da tomadora de serviços, o que seria uma aplicação contraditória, pois estar-se-ia desconsiderando o nexo de causalidade entre uma conduta manifesta por parte da litisconsorte passiva – a falta de fiscalização – e o dano sofrido pelo empregado. Ora, se houve dano, salta aos olhos que houve no mínimo omissão por parte da tomadora de serviços razão pela qual essa conduta deve ser penalizada, especialmente quando se tem em mente que aquela que detém a capacidade de prova não o fez e isso é fruto da busca pela efetivação de outro princípio salutar na Justiça: o da busca pela verdade real.

Sendo assim, não há como conceber que uma norma de natureza infraconstitucional possa retirar a efetividade de princípios norteadores da própria Constituição Federal, especialmente quando se tem em mente o momento pós-positivista em que se encontra o Direito brasileiro.

Desta forma, percebe-se que a decisão do Supremo ao declarar a constitucionalidade do §1º, do artigo 71 só demonstra o flagrante caráter político que envolve as decisões desta suprema Corte, uma vez que decidindo em prol da Administração Pública, causa um “desequilíbrio jurídico”, dada a condição de hipossuficiência do trabalhador, que definitivamente não está sendo levada em consideração. Ademais, como se não bastasse, a própria função do STF de “guardião da Constituição” demonstra-se deveras questionável, quando este sobreleva uma norma infraconstitucional em detrimento de cláusulas pétreas, e pior, em detrimento daquele que constitui o maior fundamento da atual Carta Magna: o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.


7 CONCLUSÃO

Como se pôde constatar, embora o ideal de terceirização tenha ganhado amplitude somente nas últimas três décadas, nunca deixou de ser um tema preocupante para os defensores dos direitos trabalhistas, uma vez que consiste em uma forma de trabalho que vem, na verdade, somente para camuflar direitos, ao passo em que serve de “mola propulsora” para as grandes empresas, ansiosas pelo alcance de mercado e pelo lucro desmesurado.

Nesse ínterim, com o surgimento da Lei de Licitações em 1993, a qual veda expressamente em seu artigo 71, §1º, a responsabilização da Administração Pública pela inadimplência da empresa contratada quanto às obrigações trabalhistas, surgiu também a necessidade de uma uniformização jurisprudencial, diante do grande volume de reclamações trabalhistas buscando salvaguardar os direitos de trabalhadores que se viam desprotegidos legalmente. Essa uniformização se deu através da edição do Enunciado 331, pelo Tribunal Superior do Trabalho, imputando à administração pública direta e indireta a responsabilização por esses direitos, à mesma maneira da iniciativa privada.

Diante disso, o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC nº 16), ajuizada pelo Governador do Distrito Federal, o qual reconheceu a constitucionalidade do §1º do citado artigo 71, desencadeou a reforma da Súmula 331 do TST, trazendo uma idéia de que a simples inadimplência da empresa contratada não conferia responsabilidade subsidiária ao ente público, havendo que se provar assim, a efetiva culpa in eligendo ou in vigilando.

Tal postura tomada pela Colenda Corte, não restou pacificada nem mesmo dentro do próprio TST, com decisões cada vez mais divergentes, ora imputando responsabilidade à Administração Pública, ora excluindo-a.

O que se extrai de toda essa celeuma, é o menosprezo da posição de hipossuficiente do trabalhador, passível de flagrante insegurança jurídica, ao passo em que se vê a mercê de ter de provar o cumprimento dos deveres imputados à Administração Pública pela própria Lei de Licitações, ou seja, encargo este impossível.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal, ao se posicionar em casos como o da ADC nº16, vai de encontro a princípios constitucionais basilares como o da Dignidade da Pessoa Humana e o do Valor Social do Trabalho, o que inevitavelmente torna questionável o seu papel de Guardião da Constituição, ao passo em que nos vemos diante de um verdadeiro retrocesso à época da efetivação dos direitos fundamentais, onde as liberdades por si só eram direitos vazios. Da mesma maneira, os direitos do trabalhador se não efetivados, consubstanciarão meras liberdades, vazias e sem força cogente.


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Notas

[1] CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; NETO, Francisco Ferreira Jorge. A terceirização na administração pública e constitucionalidade do art.71, Lei n.8.666/93, declarada pelo STF (novembro de 2010). Revista LTr, São Paulo/SP, ano 75, n. 3, p. 276-281, mar. 2011.

[2] CALVET, Otavio. A responsabilidade subsidiária na terceirização. Curso Decisium. Disponível em: http://www.cursodecisum.com.br/artigos/responsabilidadesubsidiarianaterceirizacao.htm>. Acesso em: 12 out. 2011.


Autor

  • Marcyo Keveny de Lima Freitas

    Marcyo Keveny de Lima Freitas

    Advogado formado pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte - UNIRN (FARN), com experiência de atuação nas áreas trabalhista, cível, previdenciário e administrativo. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade Damásio de Jesus. Atuou na 2ª instância do TRT/RN 21º Região, setor jurídico da CAERN, na 3ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, na Assessoria jurídica da SEDEC (Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico do RN) e na AGU/RN junto à Procuradoria Federal do INSS.

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FREITAS, Marcyo Keveny de Lima. A reforma da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e suas implicações na seara da proteção aos direitos trabalhistas na prestação de serviços terceirizados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3675, 24 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25003. Acesso em: 25 abr. 2024.