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A responsabilidade civil das transportadoras nos acidentes aéreos

A responsabilidade civil das transportadoras nos acidentes aéreos

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A responsabilidade civil das empresas aéreas em relação aos acidentes é objetiva. Os tribunais e a maior parte da doutrina entendem que o Código de Defesa do Consumidor prevalece sobre a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica.

1.  Introdução

A presente pesquisa fará uma breve análise sobre a responsabilidade civil das transportadoras aéreas, não abordando problemas como extravios de bagagens e atrasos de vôos, mas limitando-se à questão dos acidentes aéreos com vítimas fatais.

Nos últimos anos o Brasil foi palco de algumas tragédias aéreas que chocaram o mundo: uma delas foi o desastre ocorrido em 29 de setembro de 2006, quando o avião Legacy se chocou no ar com o Boeing 737-800 que fazia o vôo 1907 da Gol, vitimando 155 pessoas. Menos de um ano depois, no dia 17 de julho de 2007, um AirbusA320, da TAM Linhas Aéreas S/A, explodiu após chocar-se contra o depósito da TAM Express e um posto de gasolina, situados na Avenida Washington Luis, em São Paulo, do lado oposto ao Aeroporto de Congonhas, ocasionando a morte de 199 pessoas. Em 13 de julho deste ano, uma avião que partiu de Recife com destino a Natal sofreu uma pane e caiu alguns minutos após levantar vôo, levando a óbito as 16 pessoas a bordo.Tendo em vista que os desastres aéreos são um risco constante, o presente trabalho pretende discutir a responsabilidade da empresa aérea nesses acidentes, analisando qual a teoria a ser adotada, que legislação deve ser aplicada ao caso... Em relação aos familiares das vítimas, discutiremos como é feita a reparação dos danos materiais, se é cabível dano moral, bem como quem possui a legitimidade para propor as ações reparatórias.


2.Responsabilidade Civil da Transportadora

O atual diploma civil contempla duas espécies de responsabilidade: a subjetiva e a objetiva. A primeira é aquela em que tem como principal pressuposto a culpa, considerada pelo artigo 186 do Código Civil em seu sentido amplo, abrangendo a culpa strict sensu (a que deriva de imprudência, negligência ou imperícia) e o dolo. Já a subjetiva é aquela em que se baseia na teoria do risco e está prevista no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que diz:

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

As duas espécies de responsabilidade têm o dano como um de seus pressupostos, vez que não havendo prejuízo não se pode falar em responsabilidade jurídica.

Quanto ao contrato de transporte, conceituado por Maria Helena Diniz como aquele em que uma pessoa ou empresa se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas animadas ou inanimadas ou notícias, a responsabilidade é sempre objetiva. A transportadora possui uma obrigação de resultado, que é a entrega da pessoa ou coisa no lugar destinado e nas condições ajustadas, devendo responder, independente de culpa, por qualquer dano que ocorra, pois o risco decorre diretamente da atividade exercida.

Desta forma, no caso das empresas que trabalham com o transporte aéreo de pessoas ou coisas, a responsabilidade civil é objetiva. Sendo assim, ocorrendo um desastre aéreo, a companhia será responsabilizada, independendo da apuração de culpa para que se configure o dever de indenizar. Notadamente, se a companhia aérea conseguir provar a culpa após indenizar as vítimas, terá direito de regresso contra os causadores do dano.


3. Responsabilidade civil em acidentes aéreos

a)                  A responsabilidade do transportador;

Em se tratando de contrato de transporte, a análise da responsabilidade civil toma contornos diferentes, tornando-se peculiar.

A responsabilidade contratual do transportador surgiu na frança em relação às locomotivas a vapor, que foram os primeiros meios de transporte coletivo, tendo em vista a necessidade de garantir a incolumidade dos passageiros e dos bens transportados. A responsabilidade gerou para o transportador a obrigação de levar o viajante e as cargas sãs e salvas ao seu destino, devendo indenizá-lo independentemente da culpa, uma vez descumprida essa obrigação. No Brasil, a Lei das Estradas de Ferro (Decreto nº 2.681/1912) foi a primeira a tratar da responsabilidade do transportador, que era subjetiva com culpa presumida, nos termos de seu artigo 17.

Com o surgimento de outros meios de transporte, tais como o rodoviário e o aéreo, a Lei das Estradas de Ferro foi perdendo sua aplicabilidade e os contratos de transporte passaram a ser regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que os considera como relação de consumo e prevê que a responsabilidade por vício ou defeito do serviço de transporte é objetiva. O Código Civil regulamenta o contrato de transporte a partir do art. 730. O CDC adota a teoria objetiva por prever que, nos contratos de transporte, o consumidor não tem qualquer controle sobre o serviço prestado, não podendo lhe ser imputada a culpa por falhas eventuais. Desta forma, a responsabilidade do transportador é objetiva e ilimitada, sendo nula qualquer causa excludente de responsabilidade (art. 734, CC)

b)                  Legislação aplicável

Em se tratando da responsabilidade civil do transportador aéreo, não há unanimidade entre os doutrinadores quanto à legislação aplicável. Pois quatro são os possíveis diplomas aplicáveis: a Convenção de Varsóvia, o Código Brasileiro de Aeronáutica(CBA), o Código de Defesa do Consumidor(CDC) e o Código Civil(CC). Faz-se necessária uma rápida análise sobre cada um deles.

I – A Convenção de Varsóvia:

A Convenção de Varsóvia foi elaborada na capital da Polônia, durante a Conferência Internacional de Direito Privado Aéreo, em 1929, e promulgada pelo Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 1931. A referida convenção tornou-se o diploma normativo internacional que unifica as regras relativas ao transporte aéreo internacional, inclusive nos casos de responsabilidade civil por acidente decorrente do transporte internacional de pessoas, que é aquele em que o ponto de partida e o ponto do destino, haja ou não interrupção de transporte, ou troca dos passageiros de aeronaves, estejam situados no território de dois Países signatários da Convenção, ou mesmo no de uma só, havendo escala prevista em território sujeito à soberania de outro País, seja ou não signatário.

A Convenção responsabiliza o transportador aéreo pelo dano que ocasionar morte, ferimento ou qualquer outra lesão corpórea no passageiro, desde que o fato causador do dano haja ocorrido a bordo da aeronave ou durante quaisquer operações de embarque ou desembarque. Se o transportador aéreo provar que tomou, por si e por seus prepostos, todas as medidas necessárias para que o dano não ocorresse, ou que lhes não era possível tomá-las, ou ainda se provar que o dano foi causado por culpa exclusiva da pessoa lesada, restaria isento de qualquer responsabilidade.

A regra adotada pela Convenção é a da responsabilidade contratual subjetiva, com inversão do ônus da prova, limitando – no seu Capitulo III, art. 21 – o valor das indenizações, afastando este limite apenas nos casos de dolo e culpa grave. Desta forma, a responsabilidade do transportador aéreo seriar subjetiva, devendo as indenizações que couberem aos consumidores ser limitadas, já tendo a responsabilidade do transportador um valor definido.

II – Código Brasileiro de Aeronáutica:

O Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86) prevê que o transportador responderá pelo dano decorrente de morte ou lesão de passageiros, tripulantes e empregados que viajarem na aeronave acidentada, sem prejuízo de eventual indenização por acidente de trabalho (artigos 256 e 257). Assim como a Convenção de Varsóvia, o CBA também dispõe sobre valores máximos de indenização, que são medidas em OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional).

III – Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor instituiu a responsabilidade objetiva em todos os acidentes de consumo, quer de fornecimento de produtos (art. 12) quer de serviços (art. 14), abarcando assim o transporte aéreo, que até então era regido pela teoria subjetiva (Convenção de Varsóvia).

O CDC considera todas as vítimas de eventos danosos como consumidores, não importando se há ou não relação contratual com o fornecedor do serviço. No caso do acidente aéreo, todas as vítimas do sinistro terão direito a indenização, independente de terem firmado contrato. Se fosse exigida a relação contratual, aqueles que tiveram seus bens atingidos pela queda de um avião, como, por exemplo, os moradores do local da queda, não poderiam responsabilizar a empresa aérea. Pela previsão do CDC, tanto os familiares dos passageiros, como os daqueles que estavam nos prédios atingidos, ou dos pedestres, além dos proprietários dos veículos e imóveis, enfim todos direta ou indiretamente afetados (até os que tiveram os imóveis interditados) são considerados consumidores equiparados e, portanto, podem pleitear indenização.

Em relação aos passageiros vitimados em acidentes aéreos, trata-se de uma relação de consumo protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, onde foi firmado um contrato de transporte com data, hora e local para iniciar e terminar. Ocorrendo o sinistro, o contrato não foi cumprido, gerando um dano.

A responsabilidade prevista no CDC é objetiva, vez que seu artigo 14 estabelece que o fornecedor responde independentemente de culpa por defeito no serviço prestado.

IV – Código Civil

O Código Civil de 2002, em seu artigo 944, dispõe que a indenização se mede pela extensão do dano. Desta forma, o diploma civil não considera a limitação do valor da indenização a ser paga pelo transportador prevista na Convenção de Varsóvia e no CBA. Ocorrendo um acidente aéreo, a indenização variará de acordo com a extensão do dano. Os valores a serem pagos a título de indenização seriam arbitrados pelo juiz ao analisar cada caso concreto.            

V – Conflito aparente de normas

Conforme delineado supra, há quatro diplomas legais aparentemente aptos a regulamentar – cada um de um modo diferente – a responsabilidade civil decorrente de acidentes aéreos, o que geraria um conflito de normas. Desta forma, faz-se necessária uma análise de qual dispositivo deve ser aplicado para responsabilizar a empresa aérea após um sinistro.

Quanto à espécie de responsabilidade, parece mais correto aplicar o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, que prevêem que a responsabilidade objetiva no presente caso.

Quanto ao valor da indenização, parece mais acertado que não devem incidir as limitações de valor impostas pelo Código Brasileiro de Aeronáltica, pois a limitação de verbas indenizatórias foi revogada pelo CDC. A doutrina, porém, se divide a respeito do tema, como será exposto a seguir.

Há doutrinadores que entendem que os Tratados Internacionais devem prevalecer sobre leis internas e ainda que contenham normas contrárias à legislação interna, teriam aplicabilidade imediata, uma vez que foram ratificados e promulgados no Brasil. José Gabriel Assis de Almeida, por exemplo, entende que o Brasil – tendo subscrito e promulgado a Convenção de Varsóvia – não é livre para afastar a sua aplicação. No mesmo sentido, Luis Camargo Carvalho Pinto defende que as convenções e os tratados que o Brasil tenha ratificado preponderam inquestionavelmente sobre a legislação interna, de modo que devem prevalecer os seus princípios, notadamente sendo o Código de Defesa do Consumidor uma lei ordinária geral e o Código Brasileiro de Aeronáutica e a Convenção de Varsóvia leis ordinárias especiais, não podendo o CDC revogar os dois últimos diplomas.

Ocorre que, uma vez ratificados pelo Brasil, as convenções e tratados se incorporam à legislação interna, podendo ser alterados pela legislação ordinária subseqüente, conforme entendem Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge. No mesmo sentido, Fabrini Muniz Galo defende que a Convenção, embora tenha aplicabilidade no Direito Interno brasileiro, não se sobrepõe às leis do País. No caso de conflito entre tratado e lei posterior, prevalece esta última, por representar a última vontade do legislador, embora o descumprimento no plano internacional possa acarretar conseqüências.

Marcelle Ferraz de Gouveia Granja, por sua vez, entende que não deve prevalecer a limitação imposta na Convenção de Varsóvia, pois esta afrontaria a Constituição Federal, vez que os dispositivos limitadores tentam quantificar o valor real da dignidade humana e, limitando seus direitos indenizatórios a danos ou prejuízos sofridos, torna injusta sua aplicabilidade. Parece mais acertado o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves, que prevê que a limitação do valor da indenização fere a CF, vez que esta não prevê limites à responsabilidade do Estado e isso se estende às concessionárias e permissionárias de serviços públicos.

c)                  Excludentes de Responsabilidade no Contrato de Transporte

Conforme já exposto no presente trabalho, a responsabilidade das empresas aéreas é objetiva, independendo de apuração de culpa. Faz-se necessário, porém destacar que em alguns casos ficará afastada a sua responsabilidade.

Quando o transporte é feito gratuitamente, por amizade ou cortesia, a responsabilidade será extracontratual, e a responsabilidade civil não se subordinará às normas que regem o contrato de transporte.

Aplicando-se o CDC, a companhias aéreas não podem alegar caso fortuito ou força maior para se escusar do dever de reparar o dano por um acidente aéreo. Em razão do risco criado, estas causas consideradas excludentes da responsabilidade civil não se aplicam para a necessidade de reparação de um acidente aéreo pela empresa, o que era permitido quando se aplicava a Convenção de Varsóvia e o CBA.

André Uchoa Cavalcanti distingue duas espécies de caso fortuito e entende que somente o fortuito externo seria admitido como excludente de responsabilidade: "O fortuito interno, na prestação de serviços, é o fato imprevisível e, consequentemente, inevitável, ocorrido no momento da realização do serviço, que guarda relação com a atividade desenvolvida pelo fornecedor, ligando-se, por isso, aos riscos do empreendimento. (...) Já o fortuito externo é o caso imprevisível e inevitável de que resulta uma lesão ao consumidor, sem que haja qualquer ligação entre aquele e a atividade empreendida pelo fornecedor".

O fato de terceiro, por sua vez, é um evento capaz de excluir o nexo de causalidade, porém não no caso das transportadoras, que não podem se furtar do dever de indenizar em face de um acidente alegando fato de terceiro. Ocorrendo um acidente por culpa de terceiro, a obrigação que a empresa tem de indenizar persiste, mas esta terá o direito de regresso contra o terceiro causador do dano, conforme o disposto no artigo 735 do Código Civil.

Desse modo, com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, não restam dúvidas quanto ao rigor da aplicação da responsabilidade objetiva perante os consumidores dos serviços oferecidos por uma empresa aérea. As companhias aéreas, que são fornecedoras diretas, e, mesmo nos casos de excludentes, deverão indenizar as vítimas ou seus familiares quando houver uma acidente aéreo.

d)                  Entendimento dos tribunais

Os tribunais, em especial o Superior Tribunal de Justiça, têm entendido que o transporte aéreo de pessoas constitui uma relação de consumo e, sendo doméstico, está disciplinado pelo Código de Defesa do Consumidor, que prepondera sobre o Código Brasileiro da Aeronáutica e sobre a Convenção de Varsóvia (REsp 742.447-AL), sendo a responsabilidade civil objetiva.

No passado, a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça inclinava-se no sentido da prevalência do Tratado Internacional ao Código de Defesa do Consumidor, por entender que por este ser lei superveniente, de caráter geral, não afastaria as disposições especiais contidas na Convenção de Varsóvia (3ª T., Resp 58.736-MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, julgado em dezembro de 1995). Atualmente, porém, o STJ entende que a relação entre a vítima e a empresa aérea é de consumo, prevalecendo assim o disposto no CDC. Nesse sentido, os julgados abaixo colacionados:

"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EXTRAVIO DE MERCADORIA SEGURADA EM TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. LIDE MOVIDA PELA SEGURADORA, REGRESSIVAMENTE. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CBA. TARIFAÇÃO NÃO MAIS PREVALENTE EM FACE DO CDC. RECURSO ADESIVO. ENFRENTAMENTO PELO TRIBUNAL. I. Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, não mais prevalece, para efeito indenizatório, a tarifação prevista tanto na Convenção de Varsóvia, quanto no Código Brasileiro de Aeronáutica, segundo o entendimento pacificado no âmbito da 2ª Seção do STJ. II. Enfrentado o recurso adesivo da ré, não se identifica ofensa aos arts. 500 e 515 do CPC, porquanto dada a prestação jurisdicional pedida, embora contrária à vindicação da parte. III. Recurso especial não conhecido." (4ª Turma, REsp n. 316.280/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 07.04.2003)

Tratando-se de relação de consumo, prevalecem as disposições do Código de Defesa do Consumidor em relação à Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro de Aeronáutica. Precedentes da Segunda Seção do STJ. Recurso especial não conhecido." (4ª Turma, REsp n. 538.685/RO, Rel. Min. Barros Monteiro, unânime, DJU de 16.02.2004)

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EXTRAVIO DE MERCADORIA SEGURADA EM TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. LIDE MOVIDA PELA SEGURADORA, REGRESSIVAMENTE. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CBA. TARIFAÇÃO NÃO MAIS PREVALENTE EM FACE DO CDC. RECURSO ADESIVO. ENFRENTAMENTO PELO TRIBUNAL. I. Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, não mais prevalece, para efeito indenizatório, a tarifação prevista tanto na Convenção de Varsóvia, quanto no Código Brasileiro de Aeronáutica, segundo o entendimento pacificado no âmbito da 2ª Seção do STJ. II. Enfrentado o recurso adesivo da ré, não se identifica ofensa aos arts. 500 e 515 do CPC, porquanto dada a prestação jurisdicional pedida, embora contrária à vindicação da parte. III. Recurso especial não conhecido." (REsp 316280/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJU DJ 07.04.2003).

Quanto ao valor da indenização, a jurisprudência do STJ entende que não prevalecem os limites fixados pela Convenção de Varsóvia e pelo CBA e indica que as hipóteses de morte, em especial de filho, vêm sendo compensadas com o valor de até 500 salários mínimos para cada familiar afetado. (REsp 2009/0082322-0)

e)                   Direitos das Vítimas

Conforme delineado no tópico 3, alínea “b” do presente trabalho, havendo desastre aéreo, a legislação a ser aplicada na fixação da responsabilidade civil é o CDC. Desta forma, todas as vítimas do sinistro – quaisquer pessoas atingidas direta ou indiretamente pelo evento danoso – deverão ser indenizadas pelas suas perdas. As indenizações devidas buscam diminuir o sofrimento das vítimas – dano moral pela perda de um ente querido – e também buscam reparar o dano financeiro causado – danos materiais. Além disso, a reparação deve ser de tal forma eficiente que a empresa aérea empreenda esforços para impedir a ocorrência de novos acidentes.

As indenizações serão fixadas nos moldes do CDC, não sofrendo as limitações impostas pela Convenção de Varsóvia (nesse sentido, entendimento do STJ, conforme REsp nº 23.875-SP). Serão indenizados os danos materiais, incluindo todas as despesas de transporte, remoção, identificação e funeral do corpo, caso seja encontrado, bem como todas as outras despesas que a família fizer até o sepultamento ou cerimônia equivalente. Além disso, os dependentes da pessoa falecida terão direito a uma pensão mensal, que será calculada de acordo com a idade da vítima, a expectativa de vida, a renda atual e a projeção de renda futura. Há quem defenda, ainda, a possibilidade da indenização contemplar as potenciais promoções e aumentos de renda, conforme o caso concreto, que a vítima poderia ter.

Em relação ao dano moral, ele deve ser indenizado, mesmo nos casos em que não reste comprovada a culpa do agente no dano, vez que o STJ entende que a indenização por dano moral é compatível com a responsabilidade objetiva. No caso de um desastre aéreo com vítimas fatais, o sofrimento, a dor e o abalo psicológico causados pela perda de um ente querido são indenizáveis a título de danos morais. Muito embora não se possa quantificar a dor, a indenização por danos morais tem como objetivo oferecer um conforto material ao sofrimento. No caso de morte, os tribunais têm entendido que o direito a pleitear danos morais fica limitado aos parentes de primeiro grau e ao cônjuge/companheiro. O valor da indenização deve ser definido pelo juiz, baseando-se nos parâmetros utilizados pelos tribunais.


4. Conclusão

A presente pesquisa analisou a responsabilidade civil das empresas aéreas em relação aos acidentes aéreos. Conforme demonstrado, a responsabilidade é objetiva e os Tribunais e a maior parte da doutrina entendem que o Código de Defesa do Consumidor prevalece sobre a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronaltica, tendo em vista que a relação entre o passageiro e a empresa é de consumo. Desta forma, o dano causado ao consumidor não pode ter o valor da sua responsabilidade previamente definido, como faz a referida Convenção.

As empresas de transporte aéreo assumem o risco da atividade que desenvolvem e possuem responsabilidade objetiva pelos danos que porventura causarem. Assim, independentemente de apuração de culpa, os parentes das vítimas mortas num desastre aéreo, tanto passageiros quanto tripulantes, devem ajuizar uma ação indenizatória por danos morais e materiais conforme previsto no CBA e no CDC, sendo que aplica-se ao transportador aéreo a indenização prevista pelo CDC que possibilita maiores valores de indenização do que os estabelecidos nos outros diplomas que visam regulamentar o transporte aéreo. 


5.Bibliografia Utilizada

ALMEIDA, José Gabriel Assis de, A Legislação Aplicável ao Transporte Aéreo Internacional,  Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, n. 75.

ALVIM, Eduardo Arruda e JORGE, Flávio Cheim, A responsabilidade Civil no Código de proteção e Defesa do Consumidor e o Transporte Aéreo. Revista de Direito do Consumidor, n. 19, p. 130-131.

CAVALCANTE, André Uchoa. Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo, Rio de Janeiro – Ed. Renovar, 2002

FILHO, Sérgio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil, 8ª Ed., São Paulo: Atlas, 2008

GALO, Fabrini Muniz, Responsabilidade civil do transportador no transporte de pessoas, Revista de Direito Aeroespacial, n.50, p.20.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume IV – Responsabilidade Civil, 4ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2009

GRANJA, Marcelle Ferraz de Gouveia. Responsabilidade civil do transportador aéreo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no 202. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1624> Acesso em: 02  set. 2011.

FURTADO, Lilianne. A Responsabilidade civil das empresas aéreas diante do Caos. Disponível em: < http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=3150&idAreaSel=1&seeArt=yes> Acesso em: 02  set. 2011.

BENITE, Larissa Aparício. Responsabilidade civil das empresas de transporte aéreo.  Disponível em: < http://www.parana-online.com.br/colunistas/226/77928/?postagem=RESPONSABILIDADE+CIVIL+DAS+EMPRESAS+DE+TRANSPORTE+AEREO> Acesso em: 02  set. 2011.


Autor

  • Diane Jéssica Morais Amorim

    Diane Jéssica Morais Amorim

    Graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. Servidora Pública Federal, trabalha como assessora jurídica na Defensoria Pública da União – núcleo Petrolina/Juazeiro e é pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil na especialização lato sensu promovida pela ESA/OAB em parceria com a Faculdade Maurício de Nassau

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Diane Jéssica Morais. A responsabilidade civil das transportadoras nos acidentes aéreos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3686, 4 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25064. Acesso em: 19 abr. 2024.