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A base de cálculo do ISS na prestação do serviço de agenciamento de mão de obra

A base de cálculo do ISS na prestação do serviço de agenciamento de mão de obra

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Este trabalho discute os critérios de fixação da base de cálculo do ISS na prestação do serviço de agenciamento de mão de obra à luz da jurisprudência do STJ e TJRN.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 (CF/88), inaugurando o Sistema Tributário Nacional, criou uma série de hipóteses de incidência tributária, com base nas quais o legislador pode instituir tributos no âmbito das competências de cada ente federativo.

O artigo 156 da CF/88, ao estabelecer as hipóteses de incidência dos impostos de competência do Município, previu a possibilidade de tributação sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” (inciso III). Em verdade, como esclarece a melhor doutrina, a hipótese de incidência do ISS refere-se à prestação do serviço e não ao serviço propriamente dito [1].

A Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, atendendo ao disposto no art. 146, III da CF/88, estabelece regras gerais sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). A instituição propriamente dita desse tributo cabe à lei ordinária, no âmbito de cada Município da federação e do Distrito Federal (art. 147, parte final, CF/88).

A doutrina e a jurisprudência ocupam-se sobremaneira de discussões envolvendo tributação, na medida em que esta implica intervenção estatal no patrimônio de pessoas físicas e jurídicas e, não raro, reflexos na fruição de direitos fundamentais. Essas discussões envolvem, sempre, interesses antagônicos: de um lado, a pretensão arrecadatória do Fisco; do outro, a intenção do contribuinte em resguardar o seu patrimônio das investidas do Estado.

A ciência jurídica, nesse particular, deve buscar o ponto de equilíbrio entre esses dois interesses, haurindo da Constituição os valores e garantias que asseguram e limitam o poder de tributar. A tributação deve ser resguardada como fonte principal de receitas do Estado, mas há de ser justa para o contribuinte, que deve ser protegido contra abusos no exercício do poder de tributar.

No âmbito do ISS, existem acaloradas discussões relativas a atividades que podem ou não ser tributadas por esse imposto, sobre os critérios espaciais de incidência do tributo, sobre a apuração da base de cálculo em determinadas situações, dentre outras.

No presente trabalho, será discutida a problemática da fixação da base de cálculo do ISS na prestação do serviço de agenciamento de mão de obra, capitulado nos subitens 17.04 e 17.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Em linhas gerais, a contenda que se trava sobre essa matéria decorre da contraposição do interesse de algumas municipalidades no sentido de tributar todo o montante percebido pelo serviço com a intenção das empresas de ter tributada somente a chamada comissão ou taxa de agenciamento. 

Nesse propósito, analisaremos os critérios de definição da base de cálculo do ISS estabelecidos pela doutrina e o posicionamento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte para, ao final, extrair o entendimento majoritário sobre a matéria.


2 BASE DE CÁLCULO DO ISS NA DOUTRINA

No estudo da hipótese de incidência tributária, com espeque na doutrina de Geraldo Ataliba (1992), identificamos aspectos de ordem material, temporal, espacial e pessoal na descrição legal do fato que dá origem à imposição do tributo. A base de cálculo está compreendida no aspecto material da hipótese de incidência e refere-se à medida de expressão econômica sobre a qual será apurado o valor do tributo[2].

A base de cálculo do ISS, consoante o art. 7º, “caput”, da Lei Complementar nº 116/2003, é o preço do serviço [3].

Embora o citado dispositivo legal pareça ser bastante claro, grandes controvérsias surgiram em torno do que seria definido como “preço do serviço” [4]. Isso porque certos valores, embora representem ingresso contábil para o prestador contribuinte, não concernem a pagamento pela prestação do serviço propriamente dita.

Vale registrar que a Lei Complementar nº 116/2003, ao traçar normas gerais sobre o ISS, prevê apenas uma hipótese expressa de dedução da base de cálculo do imposto, a saber, o valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços atinentes à construção civil listados nos subitens 7.02 e 7.05 da lista anexa ao citado diploma (art. 7º, §2º, I). Por tal razão, várias teorias foram construídas no âmbito doutrinário e jurisprudencial a respeito da possibilidade de dedução de certos valores na apuração da base de cálculo do ISS, ainda que não expressamente previstos pela Lei Complementar nº 116/2003.

Em linhas gerais, no balizamento da base de cálculo do ISS, deve-se perquirir qual o valor efetivamente pago pelo serviço prestado. Este será o preço do serviço para os fins previstos no art. 7º, “caput” da Lei Complementar nº 116/2003. Outros valores que não digam respeito à remuneração do serviço, a despeito de estarem englobados na importância desembolsada pelo tomador, são dedutíveis da base de cálculo do imposto em evidência [5].

Na hipótese de prestação do serviço de agenciamento de mão de obra, conforme já ressaltado, a discussão que se trava em torno da fixação da base de cálculo do ISS diz respeito à tributação do valor total pago pelo serviço ou somente da taxa de agenciamento. Discute-se se o montante referente ao pagamento de salários e encargos sociais da mão de obra envolvida na prestação do serviço, englobado no valor desembolsado pelo tomador, pode ser deduzido da base de cálculo do imposto.

Em sede doutrinária, predomina o entendimento de que é passível de tributação pelo ISS somente a taxa de agenciamento paga em razão do recrutamento de trabalhadores, sendo dedutíveis da base de cálculo do imposto os valores referentes ao pagamento de salários e encargos sociais da mão de obra implicada na prestação do serviço [6]. Argumenta-se, nesse particular, que tais valores não integram o preço do serviço prestado, razão pela qual não podem sofrer a incidência do ISS.

A jurisprudência dos Tribunais, no entanto, aprofundou a discussão sobre a matéria no sentido de identificar nuances na atividade de agenciamento de mão de obra capazes de repercutir na definição da base de cálculo do ISS.

Antes de adentrar essa questão, cumpre tecer algumas considerações a respeito do conceito jurídico do serviço de agenciamento de mão de obra.


3 CONCEITO JURÍDICO DO SERVIÇO DE AGENCIAMENTO DE MÃO DE OBRA

A Lei nº 6.019, de 03 de janeiro de 1974, ao dispor sobre o trabalho temporário, regulamentou a atividade de empresas que prestam serviço de agenciamento de mão de obra.

Sob o ponto de vista empresarial, o referido diploma veio a atender necessidades de empresas no sentido de reduzir de custos e aumentar a competitividade, mediante a contratação de mão de obra terceirizada para a execução de determinados serviços [7]. Surge, assim, a figura da empresa agenciadora de mão de obra enquanto intermediadora da relação entre a tomadora do serviço e os trabalhadores incumbidos de executar determinada tarefa.

O agenciamento de mão de obra está expressamente elencado entre os serviços da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, nos subitens 17.04 e 17.05 [8]. Isso quer dizer que, indubitavelmente, a atividade em foco pode ser tributada pelo ISS, a ser instituído no exercício da competência do ente municipal.

Na forma da Lei nº 6.019/74, a agenciadora de mão de obra, tratada como “empresa de trabalho temporário”, é a pessoa física ou jurídica que atua no sentido de colocar trabalhadores à disposição de outras empresas (art. 4º). É da essência do contrato, consoante disciplinado na referida lei, que a mão de obra envolvida seja remunerada e assistida pela empresa prestadora do serviço [9]. Em regra, não há relação direta entre a empresa tomadora do serviço e a mão de obra contratada, ressalvada a possibilidade de responder solidariamente pelo recolhimento de contribuições previdenciárias dos trabalhadores na hipótese de falência da empresa de trabalho temporário (art. 16, Lei nº 6.1079/74).

Não obstante, as contratações de mão de obra terceirizada evoluíram para o surgimento de empresas que atuam exclusivamente no recrutamento de pessoal e intermediação da relação deste com a tomadora de serviço. Essas empresas não mantêm relação com os trabalhadores, limitando-se o seu serviço ao direcionamento da mão de obra exigida pela tomadora de acordo com as suas necessidades. Nessas hipóteses, é a própria tomadora que assume os encargos trabalhistas decorrentes do exercício da atividade laborativa pelos trabalhadores.

O contrato de prestação de serviço enseja o pagamento de retribuição, na forma dos artigos 594, 596 e 597 do Código Civil de 2002. No contrato de agenciamento de mão de obra, o serviço é remunerado mediante comissão ou taxa de agenciamento. Além disso, essa espécie de negócio jurídico envolve o pagamento de salários e demais encargos sociais à mão de obra envolvida.

Consoante já ressaltado, em termos de apuração da base de cálculo do ISS devido pela empresa agenciadora de mão de obra, discute-se sobre a possibilidade de dedução dos valores pagos aos trabalhadores implicados no negócio.

É exatamente nas nuances aqui retratadas na exploração dessa atividade que a jurisprudência brasileira encontrou fundamento para diferenciar situações em que é ou não admissível efetuar a dedução desses valores.

A seguir, analisaremos os argumentos de construção jurisprudencial que direcionam o atual entendimento sobre a matéria. A análise será focada nas decisões do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.


4 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL DO TJRN E DO STJ

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, orientava-se no sentido de que a base de cálculo do ISS devido pelas empresas agenciadoras de mão de obra incluía os rendimentos e demais encargos atinentes aos trabalhadores. Entendia-se que o preço do serviço, assim compreendido como a receita bruta percebida pela empresa, englobava o valor total pago à prestadora, inclusive aquele destinado à remuneração da mão de obra contratada [10].

No entanto, o estudo pormenorizado das nuances dessa atividade econômica ensejou a alteração da jurisprudência do STJ, identificando-se situações em que a tributação do valor total percebido pela empresa afigurava-se indevida.

Consoante antecipado, o serviço de agenciamento de mão de obra pode ser prestado de duas maneiras, quais sejam: a) mediante o fornecimento de mão de obra temporária contratada segundo os ditames da Lei nº 6.019/74, com vínculo trabalhista com a prestadora do serviço; b) por mero recrutamento e intermediação da mão de obra para a empresa tomadora, sem vínculo trabalhista com a prestadora do serviço.

Tomando essas duas situações, o Superior Tribunal de Justiça passou a estabelecer como parâmetro para definição da base de cálculo do ISS a natureza do serviço prestado pela empresa. Perquire-se, nesse particular, qual é a atividade-fim da prestadora de serviço: o fornecimento propriamente dito de mão de obra ou o mero recrutamento de pessoal?

No primeiro caso, tem-se por caracterizado o serviço prestado na forma da Lei nº 6.019/74, no qual os trabalhadores envolvidos mantêm vínculo trabalhista com a própria empresa prestadora. Entende-se, nessa hipótese, que a atividade executada pelos trabalhadores está abrangida no serviço prestado pela empresa. Trata-se, portanto, do próprio serviço da empresa de trabalho temporário, prestado mediante a utilização de empregados vinculados a ela por contrato de trabalho.  

Nessa hipótese, mantendo o entendimento já adotado a respeito da matéria, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a base de cálculo do ISS deve englobar o valor total pago à empresa, abrangendo não só a taxa de agenciamento, mas também a remuneração e demais encargos sociais dos trabalhadores contratados. Esses valores são considerados como custo do serviço e, como tais, não são dedutíveis da base de cálculo do ISS, porquanto pertinentes ao fato jurídico tributável – a prestação do serviço [11].

Não se olvide que, nos termos do artigo 7º, “caput”, da Lei Complementar nº 116/2003, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, assim entendido como a receita bruta auferida pelo prestador. Dessa forma, uma vez demonstrado que a atividade realizada pelos empregados da empresa integra a prestação do serviço contratado, não há possibilidade de excluir da base de cálculo do imposto os valores destinados à remuneração desses trabalhadores e demais encargos decorrentes da relação empregatícia, sob pena de desvirtuar a definição legal da base de cálculo do tributo [12].

Situação diversa, porém, verifica-se na empresa que atua na mera intermediação de mão de obra, fora da regência da Lei nº 6.019/74. Nesse caso, é a própria tomadora do serviço que se responsabiliza pelo pagamento dos salários e demais encargos da mão de obra contratada por intermédio da prestadora, não havendo qualquer vínculo trabalhista entre os trabalhadores e a contribuinte do ISS.

A prestação do serviço, portanto, refere-se exclusivamente à aproximação entre a mão de obra especializada em determinada atividade e a empresa interessada em contratar a sua execução. Dessa forma, a execução da atividade propriamente dita não integra o serviço de agenciamento de mão de obra.

Essa constatação repercute diretamente no dimensionamento da base de cálculo do ISS a ser cobrado da empresa. Considerando que o serviço prestado não engloba a atividade executada pelos trabalhadores, com os quais não há vínculo trabalhista, não há que se cogitar, na hipótese, em tributar os valores pagos pela tomadora em razão de salários e demais encargos. A base de cálculo do ISS, segundo entendimento do STJ, compreenderá somente a taxa de agenciamento, correspondente à retribuição do serviço de recrutamento e intermediação de mão de obra [13].

É relevante asseverar que a questão da definição da base de cálculo do ISS devido pelas empresas de agenciamento de mão de obra já foi analisada sob a sistemática do recurso representativo de controvérsia, na forma do artigo 543-C, do Código de Processo Civil. No Recurso Especial nº 1138205/PR [14], o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento acima exposto, estabelecendo a base de cálculo do ISS de acordo com a natureza da atividade prestada pela empresa agenciadora: se de mera intermediação, somente a taxa de agenciamento poderá ser tributada pelo ISS; se envolver, pelo próprio serviço, a execução de atividade mediante empregados contratados, a base de cálculo do imposto deverá considerar os valores destinados ao pagamento de salários e encargos trabalhistas.

No voto condutor desse recurso, de lavra do Ministro Luiz Fux, foram invocados os princípios da capacidade contributiva, da legalidade e da justiça tributária como vetores interpretativos do que seria “preço do serviço” para fins de fixação da base de cálculo do ISS. De fato, se o serviço da prestadora resume-se a promover o encontro entre a mão de obra disponível no mercado e a empresa interessada em contratar, é ilegal e injusto que o imposto incidente sobre essa atividade recaia sobre valores alheios ao serviço prestado, violando o artigo 7º, “caput”, da Lei Complementar nº 116/2003. A expressão econômica do serviço decorre da mera intermediação entre agentes no mercado, não se estendendo à execução da atividade que será realizada pelos trabalhadores, com os quais não há qualquer relação contratual.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, a jurisprudência consolidada sobre a base de cálculo do ISS no serviço de agenciamento de mão de obra desenvolveu-se na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, examina-se a natureza do serviço prestado pela empresa agenciadora para definir a base de cálculo do imposto.

Julgando a Apelação Cível nº 2012.002375-1 [15], o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, baseado na distinção financeiro-tributária entre receita e entrada [16], ressaltou que não podem ser confundidos valores pertencentes a terceiros (os empregados) com despesas com a prestação de serviço próprio. De fato, no caso das meras intermediadoras de mão de obra, que não mantém qualquer vínculo trabalhista com os trabalhadores envolvidos, a importância desembolsada pela tomadora para o pagamento dos respectivos salários consiste em valor pertencente a terceiros – portanto, meras entradas. Já na hipótese em que a prestação de serviço de agenciamento inclui o fornecimento de mão de obra contratada pela própria agenciadora, o repasse dos valores para pagamento dos trabalhadores corresponde a despesa do serviço prestado.

No julgamento das Apelações Cíveis nº 2010.009789-1 [17] e 2012.002372-0 [18], seguindo a mesma linha de raciocínio, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte deu ênfase à impossibilidade de dedução da base de cálculo do ISS de valores atinentes aos empregados da empresa prestadora do próprio serviço. Nessa situação, regida pela Lei nº 6.019/74, as despesas concernentes à mão de obra contratada pela prestadora foram consideradas como custo do serviço e, como tal, passíveis de tributação pelo ISS.


5 CONCLUSÃO

A base de cálculo de um tributo revela a expressão econômica do fato gerador tributário e baliza a apuração do quantum debeatur imputado ao sujeito passivo.

Na hipótese do ISS, na forma do art. 7º, “caput”, da Lei Complementar nº 116/2003, a base de cálculo desse tributo será o preço do serviço, assim compreendido como a receita bruta que remunerou o serviço prestado pelo contribuinte.

A prestação de serviço de agenciamento de mão de obra está prevista nos subitens 17.04 e 17.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, submetendo-se, portanto, à incidência do ISS.

Questão polêmica atinente à tributação dos serviços de agenciamento de mão de obra pelo ISS diz respeito à fixação da base de cálculo do imposto nessa situação. A despeito da falta de previsão legal, defende-se que os valores pagos à prestadora concernentes à remuneração e encargos da mão de obra envolvida devem ser deduzidos da base de cálculo do imposto. Isso porque esse montante não comporia o preço do serviço, na forma do art. 7º, “caput”, da Lei Complementar nº 116/2003.

O estudo do serviço de agenciamento de mão de obra revela que essa atividade pode ser prestada de maneiras diversas, o que repercute na fixação da base de cálculo do ISS devido pela empresa prestadora.

Originalmente, o serviço foi disciplinado pela Lei nº 6.019/74 que criou a figura da “empresa de trabalho temporário”. É da essência do regime jurídico criado por esta lei o vínculo trabalhista entre a prestadora do serviço e a mão de obra contratada para executar certa atividade.

A atividade de agenciamento evoluiu no sentido de surgirem empresas que atuam, exclusivamente, na intermediação de mão de obra, estabelecendo o contato entre os trabalhadores disponíveis no mercado e a empresa interessada em contratá-los. Não há vínculo trabalhista entre a prestadora do serviço e a mão de obra envolvida no negócio jurídico, o qual se realiza fora da disciplina na Lei nº 6.019/74.

Com base nessa notável diferença constatada no âmago da prestação de serviço de agenciamento de mão de obra, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de fixar a base de cálculo do ISS devido por essas empresas de acordo com a natureza do serviço prestado. Na primeira hipótese, em que a atividade executada pela mão de obra implicada compõe o próprio serviço da prestadora, a base de cálculo do imposto é composta pelo valor integral pago à empresa, incluindo o montante concernente ao pagamento de salários e encargos sociais dos trabalhadores – entendido como custo do serviço. No segundo caso, onde há mera intermediação de mão de obra sem vínculo trabalhista com os trabalhadores envolvidos, a base de cálculo do ISS limita-se à taxa de agenciamento paga a título de retribuição pelo serviço.

Acompanhando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, já consolidado em recurso representativo de controvérsia, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte norteou sua jurisprudência no mesmo sentido, definindo a base de cálculo do ISS de acordo com a natureza do serviço prestado pela empresa de agenciamento de mão de obra.


REFERÊNCIAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência as finanças. Hugo de Brito Machado (atualizador). 18 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal. São Paulo: Saraiva, 2009.

CARNEIRO, Cláudio. Impostos federais, estaduais e municipais. 4 ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

CATHARINO, José Martins. Trabalho temporário. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1984.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006.

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do imposto sobre serviço. 8 ed. atual. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009.

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2010.

OLIVEIRA, Aristeu de. Estágio, trabalho temporário e trabalho de tempo parcial. São Paulo: Atlas, 2009.

PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 7 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. E-book.


Notas

[1] Nesse sentido, “o cerne da materialidade do ISS não se restringe a ‘serviço’, mas a uma prestação de serviço, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de ‘fazer’, de conformidade com as diretrizes de direito privado” (PAULSEN; MELO, 2012, p. 804).

[2] Na lição de Ataliba (1992, p. 95), “aspecto material é a imagem abstrata de um fato jurídico: propriedade imobiliária, patrimônio, renda, produção, consumo de bens, prestação de serviços, ou uma atuação pública”. A base de cálculo, tratada pelo autor como base imponível, é definida como “[...] uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i [hipótese de incidência] que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quanto debeatur” (ibidem, p. 97)

[3] Machado (2006, p. 413) define o preço do serviço como “[...] a receita da empresa, relativa à atividade de prestação de serviços tributáveis”.

[4] Segundo Melo (2010, p. 574), “embora a expressão “preço” – significando a remuneração pela prestação de serviços – não ofereça dificuldade para ser apurada (previsão contratual e indicação em nota fiscal), o fato é que nem todos os valores auferidos pelo prestado do serviço devem ser considerados para a quantificação do tributo”.

[5] Discorrendo sobre os valores dedutíveis da base de cálculo do ISS, Barreto (2009, p. 380) assevera que a sua apuração “[...] não pode incluir valores (a) que decorram de negócios outros, inconfundíveis com a prestação de serviços e (b) que, embora relacionados com a prestação de serviços, não expressam, eles mesmos, receitas do prestador”. E arremata que “[...] a base de cálculo do ISS, salvo exceções, é o preço do serviço, vale dizer, a receita auferida pelo prestador como contrapartida pela prestação do serviço tributável [...]” (ibidem, p. 380).

[6] Segundo Barreto (2009, p. 398) “o preço do serviço da empresa fornecedora de mão-de-obra (sic) temporária é exclusivamente a sua comissão. O ISS incide apenas sobre essa comissão e não sobre o total transeunte de seu caixa”. No mesmo sentido, para Martins (2009, p. 85), “o valor pago aos empregados da empresa de trabalho temporário é importância estranha a sua atividade e não corresponde ao preço do serviço para os efeitos da incidência do ISS”. Finalmente, citamos a posição de Carneiro (2013, p. 44), para quem "o ISSQN no caso concreto deve incidir apenas sobre a comissão recebida pela empresa, por ser esse o preço do serviço prestado. Não há de se considerar, por ausência de previsão legal, para fixação da base de cálculo do ISS, outras parcelas, além da taxa de agenciamento, que a empresa recebe como responsável tributário e para o pagamento dos salários dos trabalhadores”.

[7] Comentando a Lei nº 6.019/74, alguns anos após a sua publicação, Catharino (1984, p.11) ressaltou que “tanto a ETT [empresa de trabalho temporário] como a sua cliente visam lucrar com o trabalho temporário, sendo, portanto, natural que ambas procurem ter custos mais baixos possíveis. A segunda, pagando menos do que teria de pagar a empregados seus; a primeira, pagando salários mais baixos do que os correntes percebidos por trabalhadores permanentes” (grifos do autor).

[8]  O subitem 17.04 refere-se ao serviço de “recrutamento, agenciamento, seleção e colocação de mão-de-obra (sic); já o 17.05 diz respeito a “fornecimento de mão-de-obra (sic), mesmo em caráter temporário, inclusive de empregados ou trabalhadores, avulsos ou temporários, contratados pelo prestador de serviço”.

[9] Oliveira (2009, p. 51/52) assevera que “o reconhecimento do trabalho temporário regido pela Lei n º 6.019/74 está condicionado ao atendimento dos requisitos expressos na Carteira de Trabalho e Previdência Social e ao que se pede para o registro da empresa na Secretaria de Mão de Obra do Ministério do Trabalho. Há incidências de encargos sociais sobre a folha de pagamento de trabalhadores temporários”.

[10] Nesse sentido, “o preço do serviço é considerado como receita bruta, incluídos os rendimentos auferidos pelos trabalhadores, os tributos e encargos no recrutamento, agenciamento, seleção, colocação e fomento de mão-de-obra (sic)” (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 209005/SP. Relator Min. Garcia Vieira. Diário da Justiça. 16 ago. 1999).  Essa mesma decisão foi adotada em outros precedentes como o REsp 195683/SP e REsp 60597/PR.

[11] A respeito dessa questão, decidiu-se que “se a atividade de prestação de serviço de mão-de-obra (sic) temporária é prestada através de pessoal contratado pelas empresas de recrutamento, resta afastada a figura da intermediação, considerando-se a mão-de-obra (sic) empregada na prestação do serviço contratado como custo do serviço, despesa não dedutível da base de cálculo do ISS” (Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1197799/SP. Primeira Turma. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Diário de Justiça Eletrônico. 22 jun. 2012).

[12] Barreto (2009, p. 388) assevera que “despesas são gastos do prestador do serviço a serem subtraídos da sua respectiva receita, para efeito de apuração do resultado e, neste caso, sim, o seu reembolso configurará, também, receita, afetando o resultado econômico da atividade, vale dizer, afetando, positivamente, o patrimônio da empresa”.  E esclarece, quanto à base de cálculo do ISS, que essas despesas “[...] não podem ser deduzidas, sob pena de o preço do serviço deixar de se a receita bruta a ele correspondente [...]” (ibidem, p. 389).

[13] Nesse sentido, decidiu-se que “as empresas agenciadoras de mão-de-obra (sic) temporária devem recolher ISS tão somente sobre o preço da taxa de comissão, quando trata-se de mera intermediação”. (Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimento no Agravo em Recurso Especial nº 25600. Segunda Turma. Relator Ministro Castro Meira. Diário de Justiça Eletrônico. 20 jun. 2012).

[14] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1138205. Primeira Seção. Relator Ministro Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico. 01 fev. 2010.

[15] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Apelação Cível nº 2012.002375-1. Terceira Câmara Cível. Relator Desembargador Amaury Moura Sobrinho. j. 18 out. 2012.

[16] Em sua clássica obra sobre a Ciência das Finanças, Baleeiro (2012) leciona que nem toda entrada ou ingresso de valores corresponde a uma receita, pois alguns deles não representam incremento patrimonial – característica fundamental desta última.

[17] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Apelação Cível nº 2010.009789-1. Primeira Câmara Cível. Relator Desembargador Expedito Ferreira. j. 22 mar. 2011.

[18] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Apelação Cível nº 2012.002372-0. Segunda Câmara Cível. Relator Juiz Convocado Artur Cortez Bonifácio. j. 11 set. 2012.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Ivana Souto de; SILVA, Luma Nayara Jales. A base de cálculo do ISS na prestação do serviço de agenciamento de mão de obra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3775, 1 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25644. Acesso em: 18 abr. 2024.