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Racionalidade principiológica para a fundamentação jurídica de fundo

Racionalidade principiológica para a fundamentação jurídica de fundo

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Objetiva-se fixar as ideias iniciais pelas quais vislumbramos a angústia primeira de buscar, no Direito, algo que fundamenta os princípios em si, e investigar o que estaria antes, na estrutura formal e no núcleo substantivo dos direitos fundamentais.

I – Considerações iniciais e justificativa acerca do estágio atual da pesquisa e sobre a estratégia investigativa adotada em razão do tema e das suas circunstâncias[1]

Fez-se necessária a avaliação filosófica da racionalidade principiológica, do que doravante denominamos logica principiatur, para só então iniciar o estudo efetivamente no interior da teoria contemporânea dos Direitos Fundamentais e, consequentemente, do Estado Constitucional e Humanista de Direito.

Concebemos que o estudo da sobretida racionalidade, para os fins almejados na presente pesquisa, demonstrarão a capacidade hermenêutica e dialética que reside no âmago do próprio neoconstitucionalismo brasileiro, enquanto expressão de um paradigma constitucional de larga e ampla proteção a direitos individuais e sociais. Logo, a obtenção destes resultados preliminares permitirão uma abordagem mais coerente ao itinerário propriamente dito da investigação acerca da envergadura político-social dos direitos supra, num contexto marcado pela pluralidade e, sobremaneira, por intermédio de um aspecto macrodinâmico de democracia radical, se se quiser levar em conta, para tanto, a proveniência da doutrina habermasiana do direito, da moral e da política.

Nesse estado de coisas, emergem as situações ontológicas fundamentais a serem perquiridas, justamente buscadas através desta lógica principiológica, que, através do estudo das essencialidades a priori e, portanto, situando o discurso num momento pré-procedimental a fim de chegarmos a um discurso pragmático futuro sobre os Direitos Fundamentais munidos com essa fundamentação transcendental forte e absoluta, conquanto tencionada pelas doutrinas hermenêutico-ontológicas de Heidegger e Gadamer, principalmente.

Ora, os princípios informam algo que de fato é, porquanto correspondam àquela necessidade surgida no seio da intersubjetividade. Enquanto intersubjetividade, aliás, é preciso dizer que como tal, assimila a ideia de que dois entes a priori desconectados da realidade, em algum momento, encontram-se reunidos e, portanto, na carência desta mínima organização, deste ou destes imperativos que de tão mínimos podem representar um aspecto ético fundamental.

Mas, a condição ontológica do princípio quiditativo, quanto à sua necessidade e quanto àquilo que ele afirma sobre a condição existencial do ser do ente, lembrando que tal condição existencial não pode ser considerar uma situação em absoluto, à medida que, caso contrário, o conceito seria flagelado pela própria instabilidade, logo a sua relatividade poderia prever que, numa dada época, certas condições degradantes para a razoabilidade da vida considerada nos dias de hoje, seria perfeitamente normal. Certamente não podemos aceitar tal posição ou mesmo aceitar a expectativa que isto venha a ocorrer. Por este motivo, o princípio relacionado

À situação existencial do homem, enquanto ente privilegiado que é, deve corresponder a condição que seja mais próxima de sua própria natureza, pois desta maneira, argumentando que a natureza do ente homem, desde que inserido no mundo da vida para viver um projeto de existência, de inúmeras possibilidades e alternativas, seja algo minimamente estável e verossímil; então o princípio será muito mais relevante e condizente, ainda que haja alguma pequena variação no campo hermenêutico de sua incidência – o que de fato ocorre e ocorrerá sempre -, somenos as balizas fundamentais, verdadeiramente essenciais e daí quiditativas estarão prontas, por conseguinte, para aceitarem quaisquer desafios oriundos da facticidade. Logo, o que fazemos aqui é uma hermenêutica preliminar acerca da estrutura ôntico-ontológica dos princípios essenciais insertos numa teoria ontológica universal.

I.1 – Exórdio

Pondo-nos à meditação dos princípios no interior da Teoria do Direito, da qual pudemos, de antemão, visualizar a hipótese de uma teoria que fosse legitimamente principiológica e que pudesse realizar os princípios essenciais, ou quiditativos do ser do ente homem, sem que qualquer dogmática os caracterizassem e sem que os atribuíssem nenhum valor superveniente por algumas importâncias que tivessem na vida prática, estivemos na incumbência de pensar tais questões ante à possibilidade mesma de concebê-las à nível da racionalidade humana, pela absoluta necessidade universal que se lhes impõem adjudicar a presente investigação.

Muito embora a temática cobre discurso deveras extenso, em função da complexidade e abrangência, objetiva-se, com este ensaio parcial, fixar as ideias iniciais pelas quais vislumbramos a angústia primeira de buscar, no Direito, algo que fundamentasse os princípios em si, e, se se quiser colocar no plano da positividade normativa, investigar, pois, o que estaria verdadeiramente antes e na estrutura formal e no núcleo substantivo dos direitos fundamentais, ou melhor, dos princípios que, plasmados na Constituição da República, receberam o desígnio da fundamentalidade.

Por outro lado, nossa argumentação não se dará no plano do Direito Positivo, seja no Direito Constitucional, seja no campo da legitimação do Direito no Estado Democrático, porém, tratar-se-á de reflexão circunscrita à perquirição filosófica, justamente por conceber a ontologia dos princípios jurídicos muito mais afeta à existência do ente homem no mundo compartilhado de outridades, da vida prática, do mundo da vida se se preferir, do que o problema da formação do Estado, da Sociedade e, no geral, do dever jurídico e da proteção de direitos subjetivos no âmbito da coletividade organizada – algo que surgirá no segundo momento da pesquisa.

Não deixamos de consignar que é formada uma celeuma dificílima ante à apresentação de uma ontologia dos princípios jurídicos, porquanto de um lado reside, consectária desta investigação, a postura habermasiana da pós-metafísica aceitabilidade racional explicitada a nível funcional e lógico-dedutivo, numa pragmática universal, e a postura apeliana de uma fundamentação última no seio de uma pragmática transcendental. O perigo do solipsismo afronta-nos pela última possibilidade, enquanto, à primeira, vive-se mera expectativa de construção de uma teoria principiológica do Direito face à sombra constante da falibilidade do discurso argumentativo que a embasa e que, conseguintemente, impõem sejam verificadas todas as suas respectivas condições factuais de validade.

Inobstante, à medida que o nosso ensaio preliminar encontra-se agudamente inspirado pela filosofia proveniente do hermeneutic turn, não é demasiado concordar, nesse primeiro contexto de reflexão, estarmos um tanto quanto despreocupados ab initio com tais questionamentos. Entendemo-los fundamentais para as discussões consequentes de uma ontologia dos princípios, até mesmo que, poderá pensar-se, estivéssemos mais ligados à doutrina de Apel em sua pragmática transcendental, tal ainda permanece enquanto uma pragmática, de sorte que os motivos filosóficos nos quais são declaradas as convicções de fundo neste ensaio são manifestamente ontologias e absolutamente a priori indisponíveis ao discurso gélido da pragmática, seja ela qual for.

Assim é que a nossa pretensão justifica uma fundamentação primeira da teoria principiológica do Direito situada enquanto uma pré-compreensão hermenêutica dos princípios essenciais do ente homem no quadro complexo da existência para, só então, assimilar-se uma pragmática que transforme os resultados obtidos com a pesquisa alhures numa racionalidade prática cuja envergadura esteja assaz empenhada na construção público-performática do Estado Constitucional de Princípios. Momento em que aplicar-se-á uma teoria jusprincipiológica dos Direitos Fundamentais na qualidade de campo onde as questões da intersubjetividade são resolvidas considerando-se a hermenêutica da facticidade dos princípios e pretensões contrapostos mediante um procedimento ético-discursivo, com pressupostos ôntico-ontológicos ligados profundamente aos argumentos de Direito utilizados pelos atores-agentes colocados à apreciação pelo uso racional da linguagem polarizada à existencialidade do homem em sua humanidade.

Parece-nos, a adoção da estratégia argumentativo-construtiva, um importante passo a fim de reapropriar o discurso do Direito à racionalidade mesma dos princípios essenciais, sem a qual meramente finge-se tratar a contento da estrutura fundamentante da principiologia contemporânea, imaginando-se ter à disposição farto arcabouço quando, ao contrário, goza-se de fraca margem de solubilidade, a criar somenos aporias cuja resolução surge, ex nihilo, do metódico corolário da razoabilidade na correlata ponderação.

A dificuldade em visualizar um procedimento justo na ponderação de princípios em contraste na factualidade do cotidiano acha raízes na dificuldade de se estabelecer uma teoria principiológica que seja minimamente firme e que, ao menos, faça-nos avançar no debate – sobretudo, uma [teoria] adaptada à situação brasileira, cabendo-nos, outrossim, emancipar-nos das partes não aproveitáveis dos pensamentos europeu e anglo-saxão, respectivamente.


II – Preliminares acerca do descobrimento ontológico da pré-mundanidade como fundamento do espectro principiológico quiditativo[2]

Tudo o que ocorre e transcorre é pela possibilidade do Dasein, mas desde que, e com verdade aí é e se faz, está no mundo. Segundo Heidegger o ser-em é “a expressão formal e existencial do ser da pre-sença que possui a constituição essencial de ser-no-mundo”.[3]

Neste sentido, o ser é ser-no-mundo à medida que, só assim, podem-se vislumbrar possibilidades ou modos de ser do ente ao qual se digna o Dasein. A superação da dualidade entre o sujeito e objeto, peculiar à epistemologia tradicional, deve ser encarada aqui no fato do Dasein não transcender o sujeito para apreender algo do mundo, isto é, a pre-sença só conhece acerca de “um algo” enquanto ser-no-mundo, não estando nem propriamente fora de si, para transcender, como nem dentro de si para conceber imaginariamente; contudo, ambas as possibilidades se conectam à medida que a pre-sença conhece por estar-no-mundo – daí, ser esta uma condição a priori de sua condição e do seu apoderar-se do que se diz ser conhecimento, pois que a pre-sença está junto ao ser-no-mundo­ e,  nas últimas consequencias, só é pre-sença por existir no mundo; afinal, seu ser é no-mundo, junta, continua e concretamente.

Assim, legitima-se seu modo de ser de conhecer, por exemplo, o princípio de como ainda estudaremos mais profundamente. E, seu modo mesmo de conhecer é designado por ocupação na doutrina heideggeriana. Ou seja, anterior à titularidade epistemológica do conhecimento em si, visto que é próprio da pre-sença enquanto tal que conhece o conhecimento de algo.

Surge à primeira vista o problema do mundo, de qual mundo seria este no qual se perfaz, universalmente, o ser da pre-sença como condição a priori de seu modo de ser, por exemplo, na ocupação do conhecer. Para Heidegger, “descrever o ‘mundo’ fenomenologicamente significa mostrar e fixar numa categoria conceitual o ser dos entes que simplesmente se dão dentro do mundo. Os entes dentro do mundo são as coisas, as coisas naturais e as coisas ‘dotadas de valor’.” [4]

Por outro lado, busca-se um mundo que seja próprio para a investigação da pre-sença e nem tanto em relação às coisas intramundanas, como nenhuma interpretação de acesso ao ser das coisas naturais, sequer das que se pensa serem dotadas de qualquer valor, segundo Heidegger, poderiam ser esclarecidas para os fins constituintes da pre-sença, pois em todos esses casos já se presumiria um “mundo” para o início da reflexão.[5] Sobretudo, não se pode identificar um conceito de “mundo” no aspecto ontológico do termo que funcione como criação subjetiva, nem que esse mesmo “mundo” será o mesmo “mundo” para todos.

Diante desta problemática prejudicial, Heidegger nos apresenta ao conceito de mundanidade como estrutura constitutiva do ser-no-mundo, portanto, dotada de simetria à pre-sença do ser do ente privilegiado – ser humano. “Este, nós o conhecemos como uma determinação existencial da pre-sença”. [6] Logo, também não quer dizer a exclusão ontológica do mundo na investigação da pre-sença, pois, esta só pode ser fazer nele. Não se dando, pois, seu acesso através das coisas simplesmente dadas, a mundanidade é um correspondente ontológico na perquirição deste “mundo”, adjetivado pela mundanidade, “mundo”, terminologicamente age como “conceito existencial-ontológico da mundanidade”. [7]

A própria mundanidade pode modificar-se e transformar-se, cada vez, no conjunto de estruturas de ‘mundos’ particulares, embora inclua em sei o a priori da mundanidade em geral. [...] Terminologicamente, o adjetivo derivado mundano indica, portanto, um modo de ser da pre-sença e nunca o modo de ser de um ente simplesmente dado ‘no’ mundo. [8]

A cooriginariedade da mundanidade, a nosso ver, é necessariamente um modo de ser da pre-sença, enquanto ser-no-mundo, sem a qual haveria tanto divergência na conceituação de um mundo utilizado para a pre-sença do ser do ente privilegiado sobre o qual nos inclinamos neste estudo, tanto quanto faria cair por terra o argumento ontológico constitutivo da pre-sença como oferta de possibilidades de modos de ser justamente por estar no mundo.

Consequentemente faz parte da analítica da pre-sença o estudo da mundanidade, primeiramente no que tange à elaboração do argumento representativo do mundo que é mais próximo da pre-sença. A despeito desta pretensa proximidade entre a pre-sença e seu mundo mais próximo, sua mundanidade, deve-se compreender o conceito de “proximidade” não como algo que se coloca em relação a, contudo, pela necessidade sintática da língua; a “proximidade” utilizada em seu sentido impróprio visa demonstrar o que é imediato à pre-sença, não, porém, como conceito epistemológico, mas um caráter que se lhe é tão implícito, e daí ser estrutural e constitutivo de si, que se exige da reflexão uma tentativa de chegar até ela de modo com que pareça razoavelmente lógico, diante da argumentação, por presumi-la para a gênese inicial mesma do princípio como veremos, inclusive.

O caminho para se chegar à ideia de mundanidade é o “caráter existencial do ser-no-mundo mediano”.[9] Em seguida, passando por uma interpretação ontológica “dos entes que vêm ao encontro dentro do mundo circundante é que poderemos buscar a mundanidade do mundo circundante (circumundanidade)”. [10] Porque, para Heidegger, o mundo mais próximo da pre-sença cotidiana é o mundo circundante. Deve-se notar que trazer para si os entes desse mundo circundante, seja da forma pela qual ainda estudaremos, representa a inserção da pre-sença no mundo, daí ser-no-mundo, contudo, não nos indica, por este simples dado, que esta seja a realidade mais próxima da pre-sença, haja vista que a pre-sença, de certa forma, toma para si algumas circunstâncias extraídas deste mundo circundante, malgrado permaneça fiel nas suas possibilidades intrínsecas quanto aos modos de ser. Quer dizer, conforme também nos indica o pensador supra, que há neste mundo circundante e na inserção da pre-sença o elemento da espacialidade, não, ao contrário como res extensa, mas como um imperativo ontológico presente em si, enquanto ser-no-mundo que, sendo, o é.

Prontamente, a pre-sença deve se ocupar, num ato apreensivo e de preenchimento ontologicamente ulterior, com as coisas simplesmente dadas, porém não enquanto meras coisas, visto que Heidegger busca um fundamento pré-fenomenológico que possibilite o acesso ao ser dos entes com que se lida e, quando elegemos estas coisas, já de pronto, pré-conceituamos de modo ontológico, isto é, pressupondo sempre um início da investigação quando, na verdade, essa atitude só faz a distanciar o ser dos entes dados no lidar da ocupação. “Designamos o ente que vem ao encontro na ocupação com o termo instrumento”. [11]

Com essa atitude Heidegger quer mostrar o fio preliminar do instrumento, que o torna como tal, que é a sua instrumentalidade. A partir da instrumentalidade é possível se ocupar nas ações que, somente através, da manualidade é que ontologicamente se vislumbra o modo de ser dos entes intramundanos, como nos são revelados por intermédio deste procedimento essencialmente de uso e ação. Parece, pois, razoável entender que para os entes simplesmente dados a instrumentalidade com que podem ser utilizados, no aspecto experienciável da manualidade do ser que deles se ocupa constitui seu modo próprio de ser; ressalte-se para os entes intramundanos. Conhecer, portanto, no lidar da ocupação com tais entes não apenas representa o ente enquanto coisa simplesmente dada, mas o aspecto que subjaz a si que é a composição mediana de sua constituição, isto é, a partir do momento em que conhecemos deste ponto de vista, um ente através do seu manuseio é lícito nos inclinarmos à tese de que não somente nos ocupamos no seu modo peculiar de ser, como entendemos a dimensão pública que representa na descoberta determinante daquilo que os consubstancia a exemplo do autor que vem à tona com sua obra.

Contudo, sobremaneira não nos interessa tanto, para efeito das investigações sobre o princípio, dos entes simplesmente dados, visto que, propriamente o princípio não se revela como um ente simplesmente dado. O que precisamos extrair do outrora exposto, sem dúvida, recai na constatação de que o princípio pode ser interpretado como instrumento que enquanto tal é utilizado no manuseio do que se deve essencialmente afirmar no ente privilegiado, e, nisso, reside a facticidade hermenêutica do princípio que é reconhecê-lo em sua cotidianidade mediana no ser do ente privilegiado – ser humano. O que vai indicar o manuseio do princípio, no sentido correto com que desejamos empregar o conceito, é o seu agir frente ao mundo circundante, mas não em relação ao mundo circundante que libera todos os seres simplesmente dados ou ontologicamente em-si apreensíveis pela pre-sença, mas exclusivamente na inter-relação dos entes privilegiados entre si mesmos, formadores da ordem social e histórica da vida.

E também, conceber o princípio em sua necessidade ontológica fundamental é reconhecê-lo na autoridade que detém na comunidade participativa dos entes privilegiados, à medida que pertencem inicialmente não ao conhecimento espacial das coisas simplesmente dadas, haja vista que o homem não é algo simplesmente dado, como é algo complexamente organizado em fundamentos ontológicos capazes de serem descobertos e, no mínimo, consensualmente validados no âmbito do pensamento.

Daí podermos dizer que a realidade mais próxima da pre-sença não é, com efeito, o mundo circundante enquanto um mundo em cujo espaço residem as coisas simplesmente dadas e, nós mesmos inclusive como entes privilegiados pela existência, para se identificar essa tal mundanidade, posto que, a mundanidade visa somente explicar o modo com que geralmente o ente privilegiado se ocupa na percepção daquilo que o circunda, por isso o mecanismo investigativo do mundo circundante para se chegar à mundanidade. Mas, em contrapartida, existe um dado ontológico, pré-fenomenal, lastreado no âmbito imediato da pre-sença, algo que é deveras anterior à valorização e aceitação da mundanidade como dado constituinte de todo ente, seja de um modo ou outro de ocupar-se neste mundo de coisas, que é a pré-mundanidade. Entendida como algo anterior à mundanidade heideggeriana visa esclarecer em si mesma não simplesmente um dado a priori, ou pertencente à estrutura formal da pre-sença, inobstante, em si mesma é uma mundanidade real da pre-sença, neste sentido, não trazendo apenas o sentido formal de constituição lógica, mas um sentido de preenchimento total, integral e necessário do ser da presença, consequentemente da essência expressa em sua existência intermediada pelos seus diversos modos de ser. A pré-mundanidade é a pré-determinação absoluta do ser da pre-sença.

Essa pré-mundanidade assegura que, na colocação do ser-no-mundo sempre, em si, estarão impressas as características que são próprias e de direito de todo ente privilegiado – o ser humano. Se, por outro lado, vejamos com atenção, aceitássemos que, para efeito do estudo investigativo do princípio, fosse através desta mundanidade descoberta pelo mundo circundante seria então lógico deduzir que o princípio teria no caso uma função instrumental e, somenos no seu manuseio, com um viés pragmático, é que seria lícito descobri-lo. Ainda, não caberia nesta tese assegurá-lo enquanto um ente que faz jus ao ser da pre-sença enquanto tal, à medida que sua funcionalidade restaria simplesmente ôntica, onde, ao revés, é dotada de existência ontológica plena.

Logo, se asseguramos o princípio através da investigação desta pré-mundanidade não apenas o situamos no âmbito de um possível descobrimento pelo seu uso em virtude de uma suposta liberdade no modo de ser da pre-sença, mas representando um modo próprio e exclusivo de ser da pre-sença, sem a qual, no plano do ser-no-mundo e da intersubjetividade dialógica da vida, seria demasiadamente duras quaisquer afirmações normativas e, deveras, necessárias ante a multiplicidade de teorias deturpadoras acerca do ser do ente privilegiado e o que efetivamente lhe é de direito, para afirmá-lo, em qualquer contexto do pensamento, em todas as áreas de estudo, como um ente cujo ser vale-se, por si mesmo, como dotado, pela sua existência, de humanidade e correspondentemente de dignidade.

Portanto, não só do mundo circundante se verifica a genealogia da necessidade do princípio; não é, outrossim como mundo mais próximo da pre-sença. Heidegger não viu que, sendo a pre-sença constituída pelo próprio ser-no-mundo antes do que circunda propriamente há outro ‘mundo’, por assim dizer, anterior. Mas esse mundo anterior não deve, de nenhum modo, significar algo criado pela subjetividade e, portanto, ser um mundo particular enquanto tal. Pelo contrário, enquanto pre-sença há um mundo pré-ordenado que tanto a sustenta como pre-sença (aí concordamos), como se legitima como pre-sença.

Tal legitimidade cria este ‘mundo’ pré-ontologicamente na qualidade de ‘existente’ da pre-sença, dela compartilhando do seu ser, mas um existente que assim o torna desta maneira simultaneamente pela pre-sença mesma, Logo, esse mundo existente encontra-se presente na pre-sença tanto quanto também nela se encontra sua medianidade, sua humanidade. Pois não é admissível, ontologicamente, conceber diversos níveis da pre-sença sem cair na insuficiência da repartição funcional, à medida que ao mundo pré-ontológico reside presente a medianidade, neste sentido, é cotidiano também esse mundo à pre-sença. E assim não é mais próximo o mundo que circunda, pois, com efeito, esse mundo não circunda a pre-sença como a é, enquanto tal, perfeitamente.

Ora, se é esse o mundo que “sustenta” a pre-sença, que faz parte da sua constituição e que a permite ser de algum modo por si determinado, por si e pelo ser-em junto ao mundo mesmo, logo, há que se admitir que, se o mais próximo fosse o circundante a pre-sença seria consequencial a este circundante; desta maneira, perde-se a si mesma, na sua própria procura naquilo que, deveras, lhe é exterior.

Portanto, o que é mais próximo à pre-sença, é seu mundo mesmo de possibilidades de modos de ser a partir de si e, secundariamente, porém, também de forma importante, do circundante; dentro deste contexto inclui-se a humanidade e a dignidade como aspectos cotidianos de toda pre-sença estruturalmente conexa ao ser do ente – o ser humano – e, além, a mundanidade que, no sentido de Heidegger, corresponde à tudo o que é normal à todo ente sobre o qual vale a mesma pre-sença, e, enfim, tanto essa mundanidade, como a pré-mundanidade são cotidianas à pre-sença; esta por ser sua realidade mais próxima – a si mesma –  que, sendo uma ou outra possibilidade, é sempre humanidade e dignidade, sendo, pois, a si mesma conforme a si e, aquela o meio pelo qual se comporta esta pre-sença em situação relacional. É pré-mundanidade que desvela o ser do ente como merecedor ‘disto’ ou ‘daquilo’ pois, na qualidade de existente, tal qual a pre-sença, revela em si mesmo a essência do ser do ente privilegiado, que, sendo desta maneira, sempre será a despeito do que visado pela mundanidade.

À mundanidade ‘ulterior’ por assim dizer, digna-se o índice que permite a intersubjetividade ser, ao mesmo tempo, dialógica entre os entes que se ocupam e, com efeito, vinculativa ao ser da pre-sença e, consequentemente, à pré-mundanidade. Porque a mundanidade por dotar o ente de intersubjetividade, nesta permite, intersubjetivamente ver-se o ser mesmo do seu ente, o qual sempre remete, no processo dialógico à pré-mundanidade que, neste sentido, pode ser assimilada como um conceito formal ontológico que diz respeito aos modos internos mais profundos de ser da pre-sença, como já citamos várias vezes com a humanidade e a dignidade.

Dialogicamente, enquanto conceito fenomenológico, o acesso a tais aspectos reveladores das “profundezas” da pre-sença e, assim, do próprio ser, enquanto ser que sendo, leva consigo os modos próprios permitidos e possibilitados pela pre-sença, é feito pela linguagem. Veremos noutro momento as especificidades deste estudo.

O contexto pré-mundano corresponde formalmente à necessidade interna de se haver o princípio. Nesse sentido, diante somenos da necessidade o princípio é também incompleto, mas apenas no que tange ao que irremediavelmente haverá por afirmar. O que o permite, portanto, é a pre-sença que, com efeito, é no mundo, mas antes do contato direto ou indireto com o mundo supostamente circundante e mesmo que, ser-no-mundo, venha a significar junto ao mundo na constituição mesma da pre-sença, na sua ‘vida’ como explicou Heidegger, é ainda mais certo dizer que é no mundo pré-mundano que o princípio nasce, haja vista que este mundo pré-mundano é ao mesmo tempo em que uma cotidianidade no ser dos entes humanos, é uma equivalência ao ser mesmo da pre-sença que, desta forma, sendo, só deve afirmar algo que lhe é próprio, a existência mesma, ou a essência por si evidente, sobretudo dos outros aspectos com os quais o princípio intrinsecamente se liga: a humanidade e a dignidade do ser.


III - Logica Principiatur

Uma vez que tenhamos chegado a algumas premissas relacionadas à estruturação ôntico-ontológica da principiologia quiditativa, apesar de tais estudos demandarem investigações muito mais alongadas, devemos, a partir de agora, introduzir as bases do procedimento lógico-dialético sobre os mesmos – daí porque logica principiatur (lógica principiológica). Com isto, poderemos avançar com mais profundidade e propriedade na temática da racionalidade principiológica; justamente o procedimento em que ora nos debruçaremos corresponde ao procedimento racional, hermenêutico, de verificação preliminar dos princípios essenciais envolvidos numa situação real de debate, argumentação e necessidade existencial pela pessoa (ente) que os requer na qualidade de prestação de bem da vida, por sua vez no campo da facticidade.

Tal problemática precisa ser colocada no plano da pesquisa devido ao fato de que, como percebido, a construção que fizemos até o presente momento diz respeito, numa linha ou outra, à fenomenologia principiológica, porém regada com elementos heideggerianos, sartreanos e habermasianos, dentre outros. Destes outros, destacamos, sobretudo, a influência da técnica de ponderação de regras e princípios de Alexy e Dworkin, que dedicaremos estudo peculiar para que formemos os pilares da nossa proposta; ver-se-á, desde logo, o respaldo da dialética hegeliana, da Aufheben, onde tentaremos achar substância quando colocarmos os princípios em contato direto com outros princípios que se lhes estão na contrapartida, por exemplo, na hipótese de um processo judicial.

A ponderação, feita não à margem da teoria ontologia dos princípios essenciais, porém no seu mais profundo e evidente cerne, produzirá, num primeiro estágio teórico, a possibilidade de verificarmos quais princípios, dentre alguns principais, colacionam seus núcleos em maior proximidade ontológica àqueles por nós erigidos na qualidade de quiditativos, cuja ordem de prevalência é (I) vida; (II) dignidade; (III) liberdade.

É costumeira, no campo da concepção pós-positivista do Direito (que ainda dedicaremos estudo próprio) a teoria dos direitos fundamentais de Alexy, segundo a qual, em resumo, dois princípios em situação de confronto dão, respectivamente, a prevalência ao outro que detiver maior densidade, maior peso consoante o caso concreto. Apesar das nuances da sua teoria e das peculiaridades que cercam a sua propostas, pode-se reunir, numa citação inaugural, o âmago do pensamento:

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa [do conflito entre regras]. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso tem precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão de peso.[12]

Depreende-se a diferenciação feita pelo autor a respeito da ponderação quando diz respeito ora a princípios, ora a regras. Estas serão por nós analisadas futuramente, sobretudo em sede do pensamento juspositivista de Hart, por sua vez, atacado fortemente pelas inovações trazidas com Levando os Direitos a Sério de Dworkin. Parece-nos bem clara a proposta de Alexy no que tange à regra da prevalência de um princípio sobre o outro num estado de concretude – até porque a questão do fato social ainda está bastante subjacente na sua teoria e, por isso, pressupõe, a sua teoria principiológica o respectivo embasamento fático, motivo pelo qual achamos, com a devida vênia, não se tratar, in casu, de postura consolidada além do paradigma positivista, porquanto, apesar da tentativa de formação de um procedimento lógico de ponderação e configuração situada dos princípios, o fato de haver no itinerário dialético que aduz na obra o elemento factual, o qual sequer se assemelha à factualidade tratada no âmbito da hermenêutica da facticidade, de uma fenomenologia da existencialidade, etc., indica o falto motivo pós-positivista de sua elaboração, apesar de, em muito, constituir, no que se conforma, um importante avanço no campo da pesquisa do direito e, sobremaneira da filosofia do direito e da política, considerando-se os resultados enquanto práxis e enquanto instituição que uma teoria jusprincipiológica garante no Estado contemporâneo.

Assim, existe na teoria dos direitos fundamentais de Alexy, também na de Dworkin embora menos profundamente trabalhada, a ideia clássica, costumeira, de fato social, de caso concreto – conceitos sob os quais repousa, a nosso ver, problemas enormes, especificamente ligados à coerência com uma teoria dos princípios a qual força-os à destruição. Entendo, desta maneira, não haver nenhuma necessidade e viabilidade prática ou teórica que se falar em fato social ou em caso concreto, cuja nomenclatura, sui generis, e tradição remontam inegavelmente à Durkheim, e assim à Comte, isto é,  remonta aos alicerces filosóficos e deveras sociológicos (haja vista o método positivista de investigação científica) do positivismo jurídico, do legalismo político-jurídico,  do procedimentalismo inócuo, arraigado à teoria do Direito ocidental, mormente à brasileira (ou à teoria aqui estabelecida prevalecentemente).

Ao invés, muito mais correto é falar em experiência hermenêutica, cujo conceito encontra-se atrelado ao existir situado do homem que dialoga constantemente em si, consigo mesmo, e para o outro, no-outro, com-o-outro e no-mundo , na subjetividade e na intersubjetividade, respectivamente. Isso dentro de um quadro existenciário (Heidegger) complexo, do homem a par de suas dificuldades, potencialidades de acertos ou gozos plenos de possibilidades, ou de suas falhas e falências, também coetâneas ao existir. No itinerário constante da intersubjetividade, no seio do social, do Estado, em meio às proveniências culturais, diz-se, muito mais acertadamente, que os homens convivendo, ou melhor coexistindo, perfazem constantes experiências entre si, sob múltiplas variações, a partir de diversos esquemas e cruzamentos. E o que melhor explica esses contatos conflitantes ou não das subjetividades entre si ou das intersubjetividades culturais, no caso dos conflitos de grupos, nações, etc., é a noção de experiência hermenêutica, que será utilizada para a busca precisa dos princípios quiditativos envolvidos, e é, além disso, o conceito que melhor explica, que melhor compreende, a situação propriamente dita do homem (ente) em seu existir, de acordo com o pensamento contemporâneo e ao modus hodierno do mundo.

Ainda, é igualmente a grande deficiência da clássica fórmula normativo-integradora do Direito quanto à adequação social e, entrementes, à adequação aos fatos sociais, independente de serem anteriores ou posteriores à norma jurídica, é que tais fatos encontram-se desprovidos de significação, enquanto fenômenos essencialmente humanos, de per si, hermenêuticos e principiológicos.  Isso vai fundamentar a estática fria do Direito, uma espécie de resignação encontrada no ato de alongar o positivado ao post factum, vendo-o obstruído por conceitos que não lhe são pertinentes, ou por entendimentos que não lhe são coetâneos. A investigação do fato para o Direito, portanto, deve ser sempre uma investigação de algo dentro das possibilidades existenciárias do homem, da realidade total alcançável, para que a decisão jurisdicional percorra os precisos limites dos princípios quiditativos do mesmo e, desta maneira, dotando o factum de significação própria, hermeneuticamente conforme às noções plurais de falibilidade e fragilidade do ente em si e para si.

Temos então, já no que precisamos dissertar, que primeiramente há dois princípios utilizados como fundamentos de pedidos de bens da vida, respectivamente P1 e P2.[13] O primeiro ator-agente, ou interlocutor num processo judicial ou em sede de uma deliberação democrática, argumenta a sua tese com base em P1, enquanto o outro, com base em P2. Ocorre que, sendo P1 e P2 teses simultâneas ab initio, as correlatas antíteses serão P2 e P1, respectivamente.

PARTE I – Esquemática Preliminar in abstracto

Pois: (S) = P3 e P4 dada à assimilação natural à Pq1, Pq2 e Pq3, esquematizado abaixo. A tensão entre P3 e P4 será resolvida através da proximidade que vão ter com os princípios quiditativos.

PARTE II – Esquemática dos Princípios Quiditativos (1, 2 e 3)

(Direção da exegese)

Assim, em grau de importância ou prevalência ontológica: Pq1 > Pq2 > Pq3

Logo:

I – Situações notoriamente díspares:

a) Se P3 assimila-se à Pq1 e P4 à Pq2, então (S) = P3>P4

b) Se P3 assimila-se à Pq1 e P4 à Pq3, então (S) = P3>P4

c) Se P3 assimila-se à Pq2 e P4 à Pq3, então (S) = P3>P4

d) Se P3 assimila-se à Pq1,2 ou 3 e P4 à nenhum, então (S) = P3>P4

II – Situação-limite:

e) Se P3 assimila-se à Pq1 e P4 à Pq1, então (S) = P3>P4 ou P4>P3; desde que P3/P4 seja maior do que P4/P3 dada a correspondência à Pq2. Persistindo, considera-se a correspondência à Pq3. Assim sucessivamente.

Percebe-se que a base para o raciocínio é o esquema que apresenta os princípios quiditativos ou essenciais. O resultado do procedimento dialético realizado entre os princípios inicialmente argumentados no processo discursivo serve para se faça um sopesamento preliminar, mas a derradeira síntese constituir-se-á na capacidade de tais princípios assimilarem-se de modo mais próximo possível à escala hierárquica da esquemática dos princípios quiditativos.

A Parte I demonstra o meio pelo qual os princípios suscitados devem ser colocados no plano para apreciação e, somente após, tendo como absoluta a proposta da Parte II, é que conseguiremos dizer qual princípio em verdade prevalece sobre o outro, porém, o outro que é subjulgado não desaparece, tampouco é excluído, porquanto fez parte necessária da ponderação dialética, realizada reciprocamente, de modo que, com isso, é possível concluir que o princípio P3, por exemplo, será o princípio P1 em diálogo necessário com o princípio P2 e, sendo assim, P3 é a preservação da melhor essência ou dimensão de P1, à medida que verificado num campo fenomenológico comparativo com P2.

O papel do princípio-antítese é contraditar o princípio-tese e tal ocorre num campo a priori absolutamente desprovido de elementos fáticos, porquanto seja suficiente o critério in abstracto. O elemento fático, que também tem fundamental valor, haja vista tratar-se de uma lógica principiológica com respaldo profundo na hermenêutica ontológica da facticidade do ente no mundo da vida, tem maior relevância nas situações limite, onde tanto o princípio P1 quanto o princípio P2 assumem idênticas proporções e, deveras, constituem-se a si mesmas sob razões idênticas. Por outro lado, esta identidade é meramente uma aparência, de sorte que, frustrada a tentativa de resolução do caso in abstracto conforme o procedimento lógico primeiro e imediato, o elemento fático ganha relevo para apresentar o grau de veracidade e determinabilidade dos mesmos princípios enquanto possibilidade de  conclusão da quaestio, isto é, da síntese.

Portanto, a veracidade e a determinabilidade haverão de ser acotadas do campo do procedimento formal do direito, enquanto um critério formal de justiça adstrito à ordem de que os atores-agentes, dentro de um processo deliberativo em torno de princípios fundamentais, devem agir com um grau de eticidade relativo à justa composição. E, deveras, a justa composição vai querer aduzir que um ator-agente, por exemplo, no uso de suas faculdade processuais, argumentativas, retórico-dialéticas e hermenêutico-principiológicas, não poderá incorrer em má-fé, entendida como o ardil malicioso, o expediente enevoante com que se intenta a manipulação dos fatos e dos argumentos em prol de interesses estritamente subjetivos.

Apesar de tratar-se de uma proposta ideal, entendemos que o atual Estado de Princípios, na estrutura do Estado Constitucional e Humanista de Direito, deve perseguir ideais e, por conseguinte, inaugurar paradigmas que inspirem e forcem, com o correr do tempo e da história, o homem, intérprete e aplicador do Direito e do homem-cidadão que cobra bens da vida, posturas mais éticas e probas no trato daquilo que nos pertence enquanto corolário irrenunciável da própria coexistência constitucionalizada. A ideologia solipsista de direitos fundamentais deve ser combatida pela postura contraideológica de um pós-positivismo empreendedor na teoria dos princípios. Assim poderemos falar em neoconstitucionalismo e, no futuro, de um justificado Estado de Princípios.


Notas

[1] Remeto o leitor aos meus trabalhos publicados precedentemente.

[2] Trata-se de um discurso possível, não pretendemos esgotar tampouco reduzir toda a complexidade da Teoria do Direito ao tanto quanto estamos a delinear. Sobretudo, deve-se perceber a mera inspiração heideggeriana, não perdendo de vista, portanto, contribuições mais vorazes, numa hermenêutica de longa via, tal qual a trabalhada por Jürgen Habermas.

[3] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 93.

[4] Idem, ibidem, p. 103.

[5] Idem, ibidem, p. 104.

[6] Idem, ibidem, p. 105.

[7] Idem, ibidem, p. 106.

[8] Idem, ibidem, p. 106.

[9] HEIDEGGER, Martin, op. cit., p. 107.

[10] Idem, ibidem, p. 107.

[11] Idem, ibidem, p. 109.

[12] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 93-94.

[13] Procederemos à apresentação formal sem adentrar na casuística, o que poderá ocorrer num momento futuro das nossas pesquisas e reflexões. 


Autor

  • Luiz Felipe Nobre Braga

    Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; Advogado; Consultor e Parecerista; Professor de Direito Constitucional e Lógica Jurídica na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim-SP; Professor convidado da pós-graduação em Direito Processual Civil e no MBA em Gestão Pública, da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas/MG. Autor dos livros: "Ser e Princípio - ontologia fundamental e hermenêutica para a reconstrução do pensamento do Direito", Ed. Lumen Júris, 2018; "Direito Existencial das Famílias", Ed. Lumen Juris-RJ, 2014; "Educar, Viver e Sonhar - Dimensões Jurídicas, sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna", Ed. Publit, 2011; e "Metapoesia", Ed. Protexto, 2013.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luiz Felipe Nobre. Racionalidade principiológica para a fundamentação jurídica de fundo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3795, 21 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25920. Acesso em: 25 abr. 2024.