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Golpes patrimoniais envolvendo cartões bancários clonados

Golpes patrimoniais envolvendo cartões bancários clonados

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A clonagem de cartão de crédito é furto mediante fraude ou estelionatos?

Resumo:Este singelo trabalho visa propor que os golpes patrimoniais mediante uso de cartões de crédito e débito devam ser tratados como estelionato, estribando tal raciocínio numa interpretação atualizada do Direito Penal, condizente com a modernidade arraigada no contexto social.

Palavras-chave: Direito Penal – golpes patrimoniais – cartões clonados – estelionato.


I – INTRODUÇÃO

 Antiga é a discussão que gravita em torno da classificação jurídica dos golpes patrimoniais envolvendo cartões bancários clonados. Para alguns, tais crimes caracterizam furtos mediante fraude. Já para outros, configuram estelionatos.

 Por óbvio que o problema decorre principalmente do bem jurídico tutelado (patrimônio) e do elemento “fraude”, comum nos indigitados tipos penais. Uma coisa é certa, os referidos crimes não podem ser confundidos

 Debruçando sobre a nossa legislação penal, pode-se notar que o furto mediante fraude está previsto no inciso II do §2º do art.155 do Código Penal. O furtador engana a vítima, buscando diminuir sua vigilância sobre a coisa, a qual é subtraída. Percebam que o agente nada mais faz do que aplicar “golpe patrimonial imperceptível” que recai sobre coisa alheia móvel da vítima.

 Analisando ainda o nosso Código Penal, o estelionato pode ser observado no art.171, caput, do referido estatuto penal repressivo. O estelionatário também engana a vítima, porém no sentido de mantê-la ou induzi-la em erro, com o fito de obter vantagem patrimonial ilícita.

 Diante disso, faz-se mister esclarecer que o objetivo dessa singela explanação é classificar os golpes patrimoniais praticados por meio do uso de cartões de crédito ou débito clonados como estelionatos, enjeitando categoricamente a tese defendida por aqueles que tratam tais golpes como furtos mediante fraude.


II – CLONAGEM DE CARTÃO

 Para compreender melhor o que aqui se propõe, faz-mister tecer algumas considerações acerca da clonagem de cartão bancário, que, como cediço, pode ser executada de várias formas. As mais conhecidas são mediante a utilização dos aparelhos alcunhados de “chupa-cabras”, meios eletrônicos (emails com vírus) e telefonemas falsos.

 Quadra salientar que clonar cartão de crédito e débito é o mesmo que falsificar documento. Tanto que a Lei n.12.737/2012 acrescentou o parágrafo único ao art. 298 do Código Penal, equiparando tal cartão ao documento particular. De se lembrar que a pena cominada para o crime de falsificação de cartão de crédito e débito é reclusiva, de um a cinco anos, e multa.

 “Chupa-cabras”, assim apelidados no meio policial e jurídico, são aparelhos dotados de funções de leitura magnética, gravação e reprodução de códigos em outros cartões. Implantados disfarçadamente em caixas eletrônicos nas instituições bancárias e máquinas no comércio, permite que o agente copie as trilhas magnéticas do cartão da vítima e posteriormente as repasse para outro “cartão-clone”, que é usado indevidamente para saques de dinheiro e realização de compras em geral.

 O ato de clonar cartões não reclama grande habilidade do agente, o qual, sem qualquer conhecimento técnico pode executar facilmente tal modalidade de crime. Para tanto, o agente adquire uma gama de equipamentos        (impressoras, máquinas sofisticadas criadoras de hologramas e impressões em alto relevo) e materiais que lhe permitem criar cópias idênticas aos cartões bancários das vítimas Incorre em erro infantil quem imagina serem os “chupa-cabras” os únicos instrumentos usados pelos golpistas. Atualmente tal modus operandi vem perdendo espaço para outro modo de execução, germinado pelo aumento vertiginoso de consumidores/internautas.

 Os sites bancários e o home-banking criaram um ambiente fecundo para que o golpista, mediante o envio de emails infectados, instale um arquivo espião no computador da vítima. Estes emails, depois de abertos e preenchidos com dados, possibilitam a cópia da senha de segurança e do número do cartão bancário. De posse de tais dados, o golpista faz várias compras ilícitas pela internet como fosse a vítima, pelo que se pode denominar tal prática como estelionato mediante “clonagem virtual”.  

 Cabe abrir um parêntese para esclarecer que a conduta de invadir dispositivo informático alheio, conectado à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita é crime previsto no art.154-A do CP, cuja pena cominada é detentiva, de três meses a um ano, e multa, podendo sofrer aumento de 1/6 a 1/3, caso haja prejuízo econômico.

 Os meios utilizados pelos golpistas não se limitam aos já destacados acima. Também se passando por funcionário da empresa de cartão de crédito, o golpista pode se valer de maliciosos telefonemas para cometer o crime.

 Como dito, identificando-se como funcionário da empresa de cartão, o golpista pergunta à vítima se foi feita uma compra de produto valioso.  Com a negativa da vítima, o golpista pede que lhe seja fornecido o endereço, a numeração e o código de segurança do cartão para o cancelamento da suposta compra. Municiados desses dados, o golpista realmente faz compras de altos valores. Este é o estelionato mediante “clonagem telemática”.  

 É preciso frisar que a clonagem do cartão propriamente dita não configura estelionato, que passa a existir quando o golpista usa o cartão clonado ou os dados clonados para induzir ou manter a instituição bancária em erro, obtendo saques e transferências de valores indevidamente.  

 Ademais, cabe acentuar que os crimes de clonagem de cartão e invasão de dados do computador pela internet (artigos 298, parágrafo único, e 154-A, do CP) malgrado sejam considerados “crimes-meio”, dependendo do caso concreto, podem ser imputados também ao golpista, o qual responderá, em concurso material, por tais crimes e estelionato.


III – FUNDAMENTOS DA PROPOSIÇÃO

 Tanto no furto mediante fraude quanto no estelionato, o agente obtém fraudulentamente vantagem patrimonial ilícita. Deve ser por isso que existe tanta polêmica no que concerne à classificação jurídica dos golpes patrimoniais envolvendo cartões bancários clonados.

 Geralmente os golpistas clonam os cartões de crédito ou débito por meio dos famigerados “chupa-cabras”, bem ainda por intermédio da internet ou mediante maliciosas ligações telefônicas (clonagem virtual ou telemática). Clonados os cartões, estes são usados para saques, compras, pagamentos de contas e transferências de valores entre contas.

 Os golpistas burlam tanto as instituições bancárias quanto as empresas ou lojas onde são realizadas as compras ilícitas, causando prejuízos que podem refletir sobre os seus patrimônios e do próprio dono do cartão. 

 Por exemplo, quando o golpista usa o cartão clonado para sacar dinheiro da conta corrente ou poupança de certo cliente, o funcionário do banco ou máquina eletrônica entrega o dinheiro ao criminoso como se fosse a própria instituição induzida em erro. Ou seja, não se verifica o amortecimento da vigilância do banco sobre o dinheiro, mas sim a transferência da posse do dinheiro livremente para as mãos do golpista.

 Da mesma forma ocorre nos casos em que o golpista transfere virtualmente valores da conta do dono do cartão clonado para obter vantagem ilícita. Ao fazer esta transferência indevida, o criminoso induz o banco em erro, já que o sistema eletrônico/inteligente que recebe os comandos da operação bancária nada mais é do que a figura da própria instituição enganada.

 O intérprete ou operador do direito deve raciocinar conforme a realidade existente, na qual a pessoa física vem sendo substituída por máquinas. A automatização é fruto da modernidade, que conduz o jurista moderno a fazer uma revisão de entendimentos, com interpretações baseadas no mundo real, e não no mundo ideal.


IV – CONCLUSÃO

 Estima-se que a cada 15 segundos ocorre uma tentativa de fraude contra algum consumidor, ou seja, a fraude apesar de substituir a violência, vem crescendo de forma assustadora. As fraudes ou golpes patrimoniais por meio de cartões bancários clonados também progridem a passos largos, influenciado, sobretudo, pela mudança de hábito do consumidor que vive inserido em um contexto de acelerado avanço tecnológico.

 Não se pode interpretar e aplicar o secular direito penal com os olhos voltados para o mundo ideal. A ciência deve ser sucessivamente reinterpretada na proporção das mudanças sociais. Se hoje “caixas-eletrônicos” fazem as vezes dos “funcionários-caixas”, bem como, se “aplicativos-inteligentes”  processam dados virtuais como se fosse “pessoas-físicas”, não padece dúvida alguma que as instituição bancárias podem ser induzidas em erro e consentirem que golpistas, valendo-se de cartões falsificados, obtenham vantagem patrimonial indevida, gerando prejuízos aos reais donos dos cartões e aos próprios bancos, responsáveis que são pela segurança de todas as operações bancárias.

 Assim sendo, crê-se firmemente que a proposição em apreço, que considera os golpes patrimoniais mediante o uso de cartões bancários clonados como estelionatos, mostra-se como entendimento atualizado e consonante com as inovações tecnológicas típicas da modernidade reinante.  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUNHA, Rogério Sanches. Código penal para concursos. Bahia: Editora Jus Podivm, 2013.

FILHO, Geraldo Vilar Correia Lima. A adequada tipificação do saque em caixa eletrônico com uso de cartão clonado. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3176, 12 mar. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21264>. Acesso em: 5 ago. 2013.

GRECO, Rogério. Código penal comentado. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2012.

SITES

http://convergenciadigital.uol.com.br

HTTP://planalto.gov.br

http://www.tecmundo.com.br


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Murilo Cezar Antonini. Golpes patrimoniais envolvendo cartões bancários clonados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3832, 28 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26261. Acesso em: 19 abr. 2024.