Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/26306
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O combate efetivo à corrupção exige propostas específicas

O combate efetivo à corrupção exige propostas específicas

Publicado em . Elaborado em .

É necessária a articulação de um amplo movimento da sociedade civil, a exemplo daqueles realizados em torno da proposta da “ficha limpa” e das “eleições limpas”, objetivando a construção de um conjunto consistente de proposições contra os atos de corrupção.

No dia 4 de dezembro de 2011, concluí a elaboração do texto intitulado COMBATENDO A CORRUPÇÃO. Esse escrito, motivado por uma “corrente” de mensagens eletrônicas contra a corrupção veiculando uma “Lei de Reforma do Congresso”, pode ser acessado no seguinte endereço eletrônico: <http://www.aldemario.adv.br/combatendo.pdf>.

Reescrevo, agora, o texto referido com ajustes e acréscimos decorrentes do singularíssimo momento vivido pela sociedade brasileira, literalmente sacudida pelo terremoto político representado pelas dezenas de manifestações populares do mês de junho passado (e prometem continuar ...)([1]).

Parece que a busca pela justiça social foi (e é) o denominador comum das manifestações já realizadas e em curso. A defesa desse estádio superior de desenvolvimento econômico-social pode ser lida nos milhares de cartazes que pugnavam (e pugnam) por transporte público de qualidade, atendimento de saúde adequado, educação no “padrão FIFA”, e os demais direitos sociais inscritos no artigo sexto da Constituição. A sociedade livre, justa e solidária, preconizada no artigo terceiro da Carta Magna, pressupõe a fruição ampla e geral desses direitos.

Cumpre observar que um dos pleitos mais recorrentes nas manifestações populares foi (e é) o combate à corrupção. Identificam os manifestantes, com acerto, a existência de níveis alarmantes das mais diversas formas de malversação da “coisa pública” por certos agentes políticos, determinados servidores públicos e específicos integrantes do empresariado.

Percebe-se, também, que o clamor pela extinção desse deletério e repulsivo fenômeno permanece num indesejável plano de generalidade. Não se identifica um conjunto consistente de propostas específicas contra a corrupção, notadamente proposições que ataquem as causas do problema.

As reduzidas propostas concretas nessa seara estão voltadas, infelizmente, para o tratamento das consequências das várias práticas de corrupção. É possível exemplificar com a caracterização da corrupção como crime hediondo e mesmo a rejeição da PEC n. 37, que trata da investigação das infrações penais já efetivadas. A proposta, sustentada pela OAB e dezenas de entidades da sociedade civil, de financiamento público do processo eleitoral é uma importantíssima exceção (como medida para combater as raízes da corrupção).

Diante desse quadro, sugeri ao Conselho Federal da OAB a articulação de um amplo movimento da sociedade civil, a exemplo daqueles realizados em torno da proposta da “ficha limpa” ([2]) e das “eleições limpas” ([3]), objetivando a construção e apresentação de um conjunto consistente de proposições contra os preocupantes e nefastos atos de corrupção.

Registro que o vocábulo “corrupção” é tomado neste escrito em sentido amplíssimo, tal como referido coloquialmente nos mais variados espaços sociais. Envolve todo tipo de malversação do dinheiro público, dilapidação do patrimônio público, atos de improbidade administrativa e outras figuras com nomenclaturas jurídicas diversas e tratamentos legais específicos ([4]).

Esse (a corrupção ampla e generalizada) é um dos principais problemas na atual quadra histórica da nação brasileira. Nesse sentido, apontam passeatas, correntes na internet, blogs, sites e uma intensa movimentação nas redes sociais mais concorridas. Segundo dados da Revista Veja, a corrupção abocanha cerca de R$ 82 bilhões por ano, algo em torno de 2,3% do PIB ([5]).  

Abro um parêntesis para registrar a opinião pessoal de que temos problemas aparentemente mais graves. Cito, entre eles, o estratosférico pagamento anual de juros e encargos da dívida pública, assunto praticamente esquecido na (grande) imprensa e nos debates políticos e sociais. Dados oficiais apontam para despesas, nesse item, na casa dos R$ 124 bilhões anuais, representando cerca de 3,9% do PIB ([6]). Uma visão alternativa, e mais preocupante, aos números oficiais pode ser verificada no site da Auditoria Cidadã da Dívida ([7]). De todos, creio que o mais relevante dos problemas do Brasil consiste na apropriação profundamente desigual da riqueza produzida, viabilizada por um conjunto de mecanismos políticos, sociais e econômicos cuidadosamente construídos e mantidos pelas elites dirigentes ([8]) ([9]).

Cumpre observar que as mobilizações físicas (como as passeatas) e as mobilizações eletrônicas (nas redes sociais presentes na internet) são providências necessárias, mas insuficientes, no longo e penoso processo de combate à corrupção. São necessárias porque mantêm o assunto na “ordem do dia” e definem o campo social (quero crer amplamente majoritário) contra a corrupção. São insuficientes porque não atacam as condições objetivas viabilizadoras dos atos concretos de corrupção que chegam, e que não chegam, ao noticiário da (grande) imprensa.

Ademais, não é possível alimentar a ilusão de que o combate à corrupção se constitui numa cruzada ética contra os degenerados morais. Em vários casos é possível até cogitar de influências genéticas. Trata-se, é preciso afirmar e reafirmar, de desenvolver uma ação planejada, organizada, enérgica e permanente dos cidadãos e das organizações sociais comprometidas com práticas sociais sadias e de respeito à coisa pública. Somente essa ação firme dos não-corruptos poderá reduzir e (praticamente) eliminar, numa perspectiva de longo prazo, o campo de atuação dos corruptos. 

Não se pode perder de vista, também, que o combate à corrupção envolve um sério (seriíssimo, melhor dizendo) enfrentamento à tolerância histórica com essa prática e outros procedimentos similares. Está enraizada na formação da sociedade brasileira e na própria construção do Estado a ideia de que o “esperto”, aquele que leva todo tipo de vantagem (lícita e ilícita, em espaços públicos e privados), é merecedor de todos os elogios e é sinônimo de sucesso ([10]). Vigora, de forma ampla, a hipocrisia de que “os outros” são corruptos, “os meus” são “espertos”, “competentes”, “desenrolados”, “jeitosos”, “maleáveis”, “flexíveis”, “compreensivos”, “habilidosos” ou coisa que o valha. Até o conhecido “jeitinho brasileiro” em inúmeros casos e situações descamba para justificar as mazelas mais condenáveis no cotidiano da sociedade ([11]). Exemplifico, nessa linha, um conjunto de condutas, “socialmente aceitas”, que merecem profunda reflexão justamente em função dessa “aceitação”: “colar” em provas; copiar obras alheias sem declinar a autoria, “encomendar” a elaboração de trabalhos acadêmicos, responder chamadas escolares por colegas ([12]), subornar autoridades de trânsito, viajar em transportes urbanos sem pagar, estacionar em fila dupla, dirigir sob a influência de bebidas alcoólicas, fabricar atestados médicos, modificar dados em documentos, “capturar” o sinal da tv a cabo, criar e alimentar várias modalidades de “gatos”, jogar (ou mais propriamente, arremessar) toda espécie de lixo nas vias públicas ([13]), etc, etc, etc. 

Alinho algumas ideias e propostas, a serem implementadas pelos não-corruptos, para subtrair o oxigênio da corrupção. Em outras palavras, são algumas importantes providências com um considerável potencial de evitar ou reduzir os atos concretos de corrupção. Segue, sem pretensão de exaustão, um rol de medidas a serem consideradas:

a) criar grupos de acompanhamento da atuação de cada parlamentar, notadamente seus votos, pronunciamentos, projetos aprovados e formas de inserção e relacionamentos com sociedade civil ([14]). Esse monitoramento deve utilizar meios eletrônicos para divulgação e, preferencialmente, envolver pessoas integrantes e não-integrantes da base eleitoral do político ([15]);

b) criar grupos de acompanhamento da atuação de entidades que recebem recursos públicos, independentemente do formato jurídico adotado. Esse monitoramento deve utilizar, assim como mencionado no item anterior, meios eletrônicos para divulgação;

c) organização de comitês ou conselhos de controle social voltados para acompanhar a realização das despesas de órgãos públicos específicos. Esses grupos, compostos por pessoas com formações técnicas distintas, podem funcionar com intenso uso de meios eletrônicos e lançar mão de instrumentos e expedientes jurídicos já existentes, assim como o Portal da Transparência do Governo Federal ([16]), os portais semelhantes em outros níveis estatais,  o pedido de informações e esclarecimentos (art. 5o., incisos XXXIII e XXXIV, da Constituição) e a Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527, de 2011);

d) desenvolver um controle social, nos moldes do item anterior, sobre a atuação dos órgãos de controle interno e externo. Nesse caso, uma preocupação adicional seria verificar se existem condições mínimas em termos de recursos humanos e materiais para o desempenho adequado das atividades dessas unidades de fiscalização;

e) articular a aprovação de projetos de leis definidores de uma radical profissionalização da Administração Pública com a redução extrema dos espaços ocupados por agentes não-detentores de cargos efetivos. É importante incorporar, nessas iniciativas, instrumentos voltados para: e.1) reduzir influências corporativas indevidas; e.2) definição de critérios objetivos para ocupação dos postos de direção por servidores de carreira; e.3) limitação de tempo para o exercício dessas funções de direção por ocupantes de cargos efetivos e e.4) definição de “quarentenas”, sem o exercício de cargos comissionados, depois da ocupação desses espaços por servidores concursados ([17]);

f) promover uma profunda reforma na Constituição eliminando as escolhas com fortes conotações políticas (por intermédio de listas tríplices e sêxtuplas) para composição dos Tribunais (do Poder Judiciário) e dos Tribunais de Contas ([18]);

g) adoção de legislação específica e rígida para os chamados “anfíbios” (aqueles que transitam entre os espaços profissionais públicos e privados, em regra como veículos de informações privilegiadas e contatos das mais variadas naturezas);

h) articular a aprovação de emenda constitucional definidora de profundas restrições na discricionariedade da execução orçamentária por parte do Poder Executivo (“orçamento impositivo”) ([19]). É público e notório que a “liberação de emendas parlamentares” funciona como um escuso balcão de negócios majoritariamente avesso aos interesses públicos;

i) articular a aprovação de uma profunda reforma político-eleitoral, envolvendo: i.1) rígidos mecanismos de fidelidade partidária; i.2) modelos eleitorais que facilitem e aprofundem os vínculos dos eleitos com os eleitores, como a perda de mandato por desempenho insatisfatório ou desviado dos compromissos assumidos; i.3) divulgação ampla, notadamente em meios eletrônicos, de plataformas de atuação e gastos de campanha; i.4) apresentação de candidaturas avulsas (sem vínculo com partidos políticos); i.5) modernização e democratização das eleições para os parlamentos (com a superação do atual sistema proporcional) e i.6) o financiamento público das campanhas ([20])([21])([22]) ;

j) envolver os cursos de direito, por suas entidades de representação estudantil e por suas direções institucionais, nos movimentos anteriores (identificados como itens “a”, “b”, “c” e “d”). Conforme matéria do prestigiado site CONJUR – Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br), veiculada no dia 3 de junho de 2011, “o Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países no mundo juntos. São 1.240 cursos ...” e “Atualmente, o curso de Direito é um dos que mais atrai alunos. Conforme o Censo da Educação Superior de 2009, divulgado em janeiro último pelo Ministério da Educação, está em segundo lugar, com 651 mil matrículas, atrás apenas de Administração, com 1,1 milhão de matrículas, seguido de Pedagogia (573 mil) e Engenharia (420 mil)”. Existe aí um enorme potencial de aprimoramento da formação técnica e política dos estudantes por intermédio de ações com profundas e positivas repercussões sociais;

k) fortalecer a Advocacia Pública (instituição e carreiras), notadamente nas áreas de assessoria e consultoria jurídicas, como um importantíssimo (o mais efetivo) instrumento de controle preventivo de desvios e ilícitos das mais variadas naturezas no âmbito da Administração Pública ([23]). Atualmente, nessa linha de ação, é preciso combater o PLP n. 205, de 2012, proposta de alteração da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (AGU), que pretende afirmar uma odiosa Advocacia de Governo no seio da instituição com o enfraquecimento da atuação isenta dos advogados públicos federais ([24]);

l) promover um amplo e profundo conjunto de iniciativas voltadas para a formação e a afirmação social de uma pauta de valores e práticas contrárias à corrupção e procedimentos correlatos. Tal movimento precisa combater frontalmente a perversa e disseminada visão de que é positivo levar vantagem em tudo, contra tudo e contra todos, de forma lícita ou ilícita e em todos os espaços e manifestações da vida social;

m) articular a aprovação de diplomas legais específicos relacionados com as denúncias anônimas. É fundamental que as denúncias anônimas não sejam pura e simplesmente descartadas (arquivadas), em função do anonimato da origem. Importa definir procedimentos para instauração, de ofício, de investigações preliminares a partir de notícias minimamente consistentes acerca da prática de ilícitos importantes. Observe-se que os atos de corrupção e assemelhados normalmente integram um conjunto encadeado de providências e passam por inúmeros agentes públicos que não estão comprometidos com os desvios e estão dispostos, resguarda a sua segurança, em sentido amplo, a apontar as ocorrências verificadas;

n) organizar a efetiva aplicação da Lei n. 12.846, de 2013, voltada para a responsabilização objetiva, administrativa e civil, de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública ([25]);

o) definir um tratamento jurídico mais específico e adequado, notadamente para impedir/combater fraudes e viabilizar responsabilidades civis e penais, para as pessoas jurídicas integrantes de grupos econômicos e para as pessoas físicas (ou naturais) que integram os quadros societários dessas empresas;

p) definir um tratamento jurídico mais específico e adequado para a formação de forças-tarefas de servidores e órgãos públicos voltados, por intermédio de esforço conjunto e complementar, para o combate às várias práticas de corrupção;

q) extinção das punições que funcionam como verdadeiros prêmios, tais como as aposentadorias compulsórias;

r) reformar profundamente os sistemas recursais, nos processos civil, penal e disciplinar, mantendo o devido processo legal mas racionalizando os procedimentos, para abreviar a conclusão e a execução/efetividade das decisões/punições;

s) reformar profundamente as definições constitucionais relacionadas com a fixação de foros privilegiados, afastando o instituto nos casos de prática de infrações penais comuns (não vinculadas ao exercício dos mandatos ou cargos que exigem ampla independência funcional, como os de magistrados);

t) constituir um amplo comitê da sociedade civil organizada para acompanhar e garantir em relação à internet: t.1) a neutralidade da rede (ausência de privilégios de tráfego por critérios mercantis ou de outra natureza); t.2) a ampla acessibilidade, notadamente para evitar a exclusão digital; t.3) a ampla liberdade de comunicação e t.4) a ampla liberdade de divulgação/veiculação de ideias, pensamentos e propostas nos mais variados espaços eletrônicos possíveis;

u) constituir um amplo comitê da sociedade civil organizada para, em relação à imprensa tradicional (televisão, rádio e jornal): u.1) buscar a implementação de modelos de democratização (evitando a concentração em grandes grupos) e u.2) implementar mecanismos de crítica e controle social, sem censuras ou expedientes que atentem contra liberdade de expressão jornalística, com especial atenção para os enfoques das notícias de atos de corrupção tanto pela perspectiva passiva quanto ativa;

v) construir e influenciar candidaturas, notadamente para postos legislativos, em bases completamente novas. Nesse sentido, podem ser constituídos grupos de eleitores que indiquem ou recomendem o voto em certos candidatos comprometidos formalmente com determinadas plataformas de atuação e com um padrão de comportamento ético claramente definido e publicizado;

w) alterar a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a partir de uma ampla discussão multidisciplinar, com o objetivo de construir mecanismos de prevenção e combate aos atos de corrupção nessa seara;

x) organizar e disseminar, em todos os setores da Administração Pública, órgãos colegiados para democratização, especialização, aprimoramento e prevenção de desvios em relação a prática de importantes atos decisórios ([26]);

y) intensificar a utilização das sindicâncias patrimoniais ([27]), notadamente para os agentes públicos em posições sensíveis no processo de realização da despesa pública e na direção de órgãos e entidades da Administração Pública;

z) organizar numa rede, dentro e fora da internet, os vários blogs, sites, organizações, movimentos e iniciativas voltadas para o combate da corrupção e procedimentos correlatos ([28]). Assim, as ações individuais e pontuais podem ser visualizadas com mais facilidade, ampliadas e potencializadas ([29]).

Concluo essas singelas linhas reafirmando a complexidade do processo de combate à corrupção no Brasil. Trata-se de um esforço de longo prazo que precisa mobilizar uma parcela considerável da sociedade brasileira comprometida com ações moralmente aceitáveis. Os resultados dessa dura empreitada dependem de ações planejadas, coordenadas, organizadas e enérgicas voltadas para atacar as condições objetivas e subjetivas de realização e reprodução dos atos concretos de corrupção e assemelhados.


Notas

[1]O Editorial do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”, de julho de 2013, subscrito por Silvio Caccia Bava, registra: “As históricas mobilizações do mês de junho mudaram o cenário da política brasileira. Elas introduziram na cena pública, depois de décadas de ausência, o cidadão indignado. Até agora mais de 2 milhões de pessoas foram às ruas em 438 municípios protestar contra a condição insuportável da vida nas cidades”.

VAINER, Carlos. MEGA-EVENTOS, MEGA-NEGÓCIOS, MEGA-PROTESTOS. Uma Contribuição ao Debate sobre as Grandes Manifestações e as Perspectivas Políticas. Disponível em: <http://laurocampos.org.br/2013/06/mega-eventos-mega-negocios-mega-protestos>. Acesso em: 8 jul. 2013.

[2]"A Lei Ficha Limpa foi aprovada graças à mobilização de milhões de brasileiros e se tornou um marco fundamental para a democracia e a luta contra a corrupção e a impunidade no país. Trata-se de uma conquista de todos os brasileiros e brasileiras. Para garantir que essa vontade popular se reflita nestas e nas próximas eleições, a Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (ABRACCI), mantém o sítio Ficha Limpa – um instrumento de controle social da Lei Ficha Limpa e uma ação de valorização do seu voto!" (http://www.fichalimpa.org.br). 

[3]Veja a nota 21.

[4]Confira os sentidos mais estritos. Corrupção passiva. Art. 317 do Código Penal - “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Corrupção ativa. Art. 333 do Código Penal - “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.

[5]Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/materia-de-capa-o-custo-da-corrupcao-no-brasil-r-82-bilhoes-por-ano>. Acesso em: 23 nov. 2011.

[6]Dados para o ano de 2009 colhidos no site do Ministério do Planejamento (http://www.planejamento.gov.br).

O Jurômetro Fiesp-Ciesp (http://www.jurometro.com.br), um placar com acompanhamento em tempo real dos valores gastos com juros (nominais) pelo Governo, indica o desembolso de mais de R$ 217 bilhões no ano de 2011 (até o final de novembro).

Registre-se, ainda, que o Estado brasileiro paga os juros reais mais altos do mundo. Conforme notícia da imprensa (O Globo): “Mesmo com a queda de 0,5 ponto percentual na taxa de juros Selic, anunciada nesta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom) - de 11,5% para 11% ao ano - o Brasil ainda está na incômoda posição de país que paga os juros reais mais altos do mundo. Um ranking elaborado pela Cruzeiro do Sul Corretora mostra que o país paga juro real de 5,1%, a maior taxa entre 40 países pesquisados.  (...) A Hungria, segunda colocada, paga a metade do juro brasileiro. (...) Em terceiro lugar no levantamento feito pela corretora ficaram a Indonésia e o Chile, com juro real de 1,5%”. (Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-queda-da-selic-brasil-paga-juro-real-mais-alto-do-mundo-3357495. Acesso em: 2 dez. 2011).

[7]Endereço eletrônico: http://www.divida-auditoriacidada.org.br. 

[8]Dados do Censo 2010 (http://www.ibge.gov.br) indicam que os 10% mais pobres ganhavam apenas 1,1% do total de rendimentos. Já os 10% mais ricos ficaram com 44,5% do total. O rendimento médio no grupo do 1% mais rico: R$ 16.560,92. A renda média mensal per capita foi calculada em R$ 668. Entretanto, metade da população recebia até R$ 375 por mês, valor inferior ao salário mínimo oficial em 2010 (R$ 510).

Observa-se um emblemático exemplo das profundas desigualdades sociais no Brasil a partir de vários dados de uma entrevista publicada na Revista Piauí n. 62, de novembro de 2011, com um conhecido advogado brasiliense, identificado na aludida publicação como “o protetor dos poderosos”. Lê-se no texto: a) “um  amigo arrisca que seu patrimônio ultrapasse 100 milhões de reais”; b) “ficam no subsolo [da residência do advogado] uma adega de dois andares, com 4 mil garrafas de vinho, ...”; c) “A Polícia Federal fez uma batida no escritório do banqueiro e descobriu uma nota fiscal de 8 milhões de reais, relativos aos honorários do advogado. (…) 'Aliás, acho bom que isso tenha vazado porque ficam sabendo o meu preço e não tentam pechinchar” e d) “Uma vez, jantamos em três e a conta foi de 120 mil reais, acredita?”. A matéria ainda registra frase atribuída ao advogado e que teria sido proferida em público: “Deus me deu a sorte de só ter cliente inocente”.   

[9]Eis as principais características do modelo implementado (algumas delas profundamente articuladas): câmbio flutuante; metas de superávit primário; metas de inflação; intenso endividamento do Estado; juros altíssimos;  desnacionalização do parque produtivo; financiamento externo baseado na exportação de minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto; profunda concentração e elitização da grande imprensa; elevada distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos; significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um certo incentivo à violência física e simbólica. 

[10]Outro exemplo emblemático: a “Lei de Gerson”. “Na cultura brasileira, a Lei de Gérson é um princípio em que determinada pessoa age de forma a obter vantagem em tudo que faz, no sentido negativo de se aproveitar de todas as situações em benefício próprio, sem se importar com questões éticas ou morais. A "Lei de Gérson" acabou sendo usada para exprimir traços bastante característicos e pouco lisonjeiros do caráter midiático nacional, associados à disseminação da corrupção e ao desrespeito a regras de convívio para a obtenção de vantagens pessoais.

A expressão originou-se em uma propaganda de 1976 criada pela Caio Domingues & Associados, que havia sido contratada pela fabricante de cigarros J. Reynolds, proprietária da marca de cigarros Vila Rica, para a divulgação do produto. O vídeo apresentava o meia armador Gérson da Seleção Brasileira de Futebol como protagonista.[1][2]

O vídeo inicia-se associando a imagem de Gerson como "Cérebro do time campeão do mundo da Copa do mundo de 70" sendo narrado pelo entrevistador de terno e microfone em mão, que se passa em um sofá de uma sala de visitas, este entrevistador pergunta o porque de Vila Rica, que durante a resposta recebe um cigarro de Gerson e acende enquanto ouve a resposta, que é finalizada com a frase: "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo de um bom cigarro, gosto de levar vantagem em tudo, certo? leve vantagem você também, leve Vila Rica!".

Mais tarde, o jogador anunciou o arrependimento de ter associado sua imagem ao anúncio, visto que qualquer comportamento pouco ético foi sendo aliado ao seu nome nas expressões Síndrome de Gérson ou Lei de Gérson. O diretor do comercial, José Monserrat Filho, tentando se eximir de responsabilidade passa a dizer que o público que fez interpretação errônea do seu video declarando que: "Houve um erro de interpretação, o pessoal começou a entender como ser malandro. No segundo anúncio dizíamos: “levar vantagem não é passar ninguém para trás, é chegar na frente”, mas essa frase não ficou, a sabedoria popular usa o que lhe interessa". Nos anos 80 começaram a surgir sujeiras, escândalos e a população começou a utilizar o termo "Lei de Gérson".[3]” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Gérson>. Acesso em: 26 nov. 2011.

[11]Mais um exemplo emblemático. O professor Audemaro Araujo Silva, quando trabalhou na Prefeitura Municipal de Maceió, participou de grupo de trabalho voltado para identificar irregularidades na folha de pagamento da municipalidade. Uma pérola foi constatada, segundo seu relato. Em certo órgão público municipal, vários funcionários recebiam 1/3 de férias por meses a fio. Ademais, o cálculo do terço de uma remuneração de oitocentos reais passava de quatrocentos reais. Houve uma considerável reação contra o fim da “vantagem”. Afirmava-se, nos corredores do órgão público envolvido, com ênfase e convicção: "Se o presidente, governador, prefeito, roubam (e muito!), então roubemos todos. Para quem vai ficar a nossa parte?".

[12]Os exemplos escolares ou acadêmicos são propositais. Afinal, esses espaços de convivência são justamente onde se formam ou moldam, em grande medida, consciências e pautas de valores importantíssimas para o resto da vida. Veja a constatação de Yvonee Maggie: "Ao longo da pesquisa descobrimos que, na hierarquia produzida na escola, os nerds ou bons alunos são os mal vistos, ao contrário dos malandros que parecem gozar de privilégios entre os colegas. Por meio de um survey no qual o estudante era perguntado se já havia sofrido algum, ou visto alguém sofrer, preconceito, foi possível construir uma hierarquia de xingamentos. O bom aluno aparece em um dos primeiros lugares como objeto de preconceito ou discriminação entre os alunos enquanto os malandros, admirados pelos colegas". Nerds e marrentos, caxias e malandros. Disponível em <http://g1.globo.com/platb/yvonnemaggie/page/2/>. Acesso em: 29 nov. 2011.

[13]Observe-se nesse tipo de atitude um profundo desprezo pela coisa pública, pelo espaço público. Laurentino Gomes, no seu festejado livro “1808”, registrou que no Rio de Janeiro do início do século XIX o lixo era regularmente jogado às ruas pelas janelas e, com alguma frequência, um pedestre recebia o “batismo” de dejetos humanos.

[14]Um aspecto de fundamental importância: o parlamentar responde, mesmo que seja por sua assessoria, as comunicações escritas e eletrônicas (com críticas, observações, propostas, denúncias, etc) a ele dirigidas?

[15]Confira o site “Adote um Distrital” (http://adoteumdistrital.com.br). 

[16]Mantido pela Controladoria-Geral da União no seguinte endereço eletrônico: http://www.portaltransparencia.gov.br.  Esse importante instrumento permite consultar até mesmo às ordens de pagamento realizadas pela unidade fiscalizada. Exemplifico. Em http://www.portaltransparencia.gov.br/despesasdiarias/pagamento?documento=110161000012011OB802873, é possível constatar que a Advocacia-Geral da União pagou R$ 1.235.998,44 à empresa MULTI CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA, no dia 10 de outubro de 2011, referente à locação do prédio de uma das suas sedes. Aliás, sob a ótica da eficiência dos gastos públicos, não seria mais adequado construir um edifício para abrigar o referido órgão público?

[17]Percebe-se claramente na Administração Pública, em todos os níveis, a utilização de cargos comissionados, ocupados tanto por estranhos ao serviço público como por servidores de carreira, como instrumentos ou ferramentas de realização de inúmeros interesses privados e escusos. Cria-se, em larga escala, uma “cadeia de comando” disposta, em troca da remuneração do cargo comissionado, a viabilizar todo tipo de capricho ou interesse divorciado do interesse público.

“Prefeituras do País criam 64 mil cargos para nomeação política em quatro anos.

Prefeitos incharam a máquina com aumento de 14% das vagas sem concurso nas 5.566 cidades brasileiras; uso dos postos como moeda de troca é recorrente.

Nos quatro anos de mandato entre 2008 e 2012, os 5.566 prefeitos do País criaram, em conjunto, 64 mil cargos comissionados – aqueles para os quais não é necessário fazer concurso público, e que costumam ser loteados por indicação política.

Com a massiva abertura de vagas, o total de funcionários públicos municipais em postos de livre nomeação subiu de 444 mil para 508 mil. Juntos, eles lotariam os oito maiores estádios da Copa de 2014.

(...)

Uso político. Cargos de livre nomeação, em tese, servem para que administradores públicos possam se cercar de pessoas com quem têm afinidades políticas e projetos em comum. Na prática, no entanto, é corrente o uso dessas vagas como moeda de troca. Além de abrigar seus próprios eleitores ou correligionários, os chefes do Executivo distribuem as vagas sem concurso para partidos aliados em troca de apoio no Legislativo ou em campanhas eleitorais” Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,prefeituras-do-pais-criam-64-mil-cargos-para-nomeacao-politica-em-quatro-anos,1053212,0.htm>. Acesso em: 10 ago. 2013.

[18]Observam-se, nessa seara, indevidas influências políticas (no pior sentido da palavra) e familiares, trocas de favores, pressões não-republicanas e outras práticas nefastas e condenáveis.

[19]Piscitelli, Roberto Bocaccio. ORÇAMENTO AUTORIZATIVO X ORÇAMENTO IMPOSITIVO. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1636/orcamento_autorizativo_piscitelli.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 jul. 2013.

[20]Veja a “Plataforma pela Reforma do Sistema Político” (http://www.reformapolitica.org.br).

[21]Veja a campanha por eleições limpas (http://eleicoeslimpas.org.br).

[22]“Quatro gigantes da construção civil que também administram rodovias foram as empresas que mais doaram dinheiro nas seis últimas eleições realizadas no país, entre 2002 e 2012. São elas, em ordem decrescente: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão.

Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, as quatro empreiteiras doaram, nesse período, R$ 615,5 milhões, em valores já corrigidos pela inflação. Pela legislação eleitoral, empresas que exploram concessão pública não podem contribuir com candidatos ou partidos políticos. Não há nenhum impedimento legal, no entanto, para que elas financiem as eleições por meio de outros braços de seus grupos”. Revista Congresso em Foco. Ano 2. Número 6. Junho/Julho de 2013. Pág. 34.

[23]Pouquíssimas instituições podem realizar um controle prévio efetivo sobre as mais variadas atuações do Poder Público. Nessa seara, assume especial destaque e relevo os órgãos consultivos da Advocacia Pública.

[24]Ver as fortes e  republicanas reações ao projeto em questão em: <http://www.aldemario.adv.br/sosagu.htm#5a>.

[25]Os arts. 16 e 17 da Lei n. 12.846, de 2013, tratam do “acordo de leniência”, celebrado “com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaboram efetivamente com as investigações e o processo administrativo”. O art. 22 da lei cria o “Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP”

[26]A gestão de importantes áreas e interesses públicos com base em órgãos colegiados dificulta os desvios de várias ordens, potencializa a eficiência administrativa a partir de várias visões sobre os meus atos e problemas e instala ambientes democráticos e participativos, onde impera o debate e a discussão de propostas e  ideias.

[27]Instituída pelo Decreto n. 5.483, de 2005, consiste atualmente em procedimento administrativo de investigação diante de notícia fundada ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público. Pode e deve ter seu raio de ação ampliado como importante ferramenta preventiva.

[28]Eis algumas experiências importantes presentes na internet: Contas Abertas (http://contasabertas.uol.com.br); Transparência Brasil (http://www.transparencia.org.br); Observatório da Corrupção (http://observatorio.oab.org.br); Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (http://www.mcce.org.br) e Instituto de Cultura de Cidadania (http://www.avozdocidadao.com.br).

[29]Ver a Rede AMARRIBO Brasil de ONGs em http://www.amarribo.org.br.

"A Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade - ABRACCI - é uma rede de organizações engajadas com a missão de “contribuir para a construção de uma cultura de não corrupção e impunidade no Brasil por meio do estímulo e da articulação de ações de instituições e iniciativas com vistas a uma sociedade justa, democrática e solidária.

A ABRACCI foi criada em janeiro de 2009 durante as atividades do Fórum Social Mundial com o apoio da Transparência Internacional. Hoje são dezenas de entidades integradas na luta contra a corrupção e a impunidade no Brasil, e na promoção de uma cultura de transparência e integridade" (http://www.abracci.org.br).


Autor

  • Aldemario Araujo Castro

    Advogado Procurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Ex-Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (pela OAB/DF) Ex-Corregedor-Geral da Advocacia da União (AGU)

    Textos publicados pelo autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Aldemario Araujo. O combate efetivo à corrupção exige propostas específicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3837, 2 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26306. Acesso em: 26 abr. 2024.