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Poluição eletromagnética e os limites do princípio da precaução: análise do caso do RE 627.189

Poluição eletromagnética e os limites do princípio da precaução: análise do caso do RE 627.189

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No caso analisado da poluição gerada por campos eletromagnéticos, acredita-se que a legislação vigente está suficientemente preparada para evitar riscos à saúde humana.

Resumo: O presente artigo discorre sobre a utilização indevida do princípio da precaução com fins de estabelecimento, pela via judicial, de padrões normativos mais rígidos para a regulamentação de poluição proveniente de campos eletromagnéticos, sob a justificativa vaga de ausência de certeza científica sobre o assunto e a demanda de exigências excessivas. Primeiramente, faz-se breve exposição sobre as características conhecidas da poluição eletromagnética, passa-se então para uma análise dos requisitos específicos para a aplicação do princípio da precaução e o estabelecimento de seus limites e finaliza-se com uma análise do caso do Recurso Extraordinário nº 627.189 que transita pelo STF, o qual diz respeito à matéria e deu ensejo à produção do presente trabalho.

Palavras-chave: Poluição Eletromagnética; Princípio da Precaução; Direito Ambiental

Sumário: Introdução; 1. Poluição de campos eletromagnéticos 2.(In)certeza científica e (in)certeza absoluta; 3. Limites da exigência de precaução; 3. Poluição eletromagnética e princípio da precaução: análise do caso do Recurso Extraordinário nº 627.189; Conclusão – pela razoabilidade na aplicação do princípio da precaução; Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

De início cabe salientar que não se abordará no escopo do presente trabalho a questão da existência ou não de fundamento constitucional para o princípio da precaução, bem como não se debaterá quanto à necessidade ou utilidade de separá-lo do princípio da prevenção ou de trata-lo como inserido neste. Faz-se aqui esta opção, eis que apesar dos debates é fato que o princípio da precaução vem sendo amplamente utilizado como tal na doutrina e jurisprudência brasileira e, assim, merece estudo à parte.

Feitas estas considerações iniciais, relembra-se que uma dos mais importantes documentos para a definição e aceitação de tal princípio no Direito Ambiental brasileiro foi a Declaração do Rio/92 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; cujo Princípio 15 estabeleceu que:

Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental.

Deste texto deriva-se a definição simplificada do princípio de que a ausência de certeza científica não pode ser alegada para postergar a adoção de medidas de precaução, para que se evitem possíveis danos ambientais.

Contudo, um grande problema que emerge dessa definição, e que se trata no presente artigo, é quanto aos limites de exigência dessa precaução. Um grande exemplo disto se vê no atual recurso extraordinário sobre poluição de campos eletromagnéticos – tipo de poluição que ainda carece de estudos para melhor compreensão – que se julga no STF[1], eis que debate-se a decisão do TJ-SP que, citando o princípio da precaução, determinou que a concessionária Eletropaulo reduzisse os limites de exposição dos campos derivados de linhas de transmissão elétrica para o mínimo possível, a fim de evitar riscos a moradores de residências próximas que alegam que a proximidade das torres de transmissão de energia elétrica teria potencial cancerígeno; assim, exigiu-se, efetivamente, que a empresa tome medidas além daquelas requeridas em lei.


1. POLUIÇÃO DE CAMPOS ELETROMAGNÉTICOS

De início, cabe breve exposição sobre as características da poluição dos campos eletromagnéticos, a fim de estabelecer as bases do que se sabe sobre este tipo de poluição que ainda carece de estudos para aprofundamento do conhecimento sobre seus efeitos.

Os tipos de radiações eletromagnéticas são vários e correspondem a diferentes níveis de frequências do espectro conhecido de radiações eletromagnéticas. Algumas dessas radiações, em ordem crescente, são: as ondas de rádio, as micro ondas, a radiação infravermelha, a luz visível, a radiação ultravioleta, os raios-x e os raios gama.

Essas radiações podem ser divididas em dois grupos principais: as radiações ionizantes, que são aquelas de alta frequência – superior à da luz visível – e que são capazes de ionizar átomos alterando sua estrutura; e as radiações não-ionizantes, que são aquelas de menor frequência – igual ou inferior à da luz visível – que não são capazes de ionizar átomos e, portanto, incapazes de alterar sua estrutura.

Como se pode perceber, os campos eletromagnéticos a que comumente se refere são algumas das radiações de baixa frequência no escopo das radiações eletromagnéticas classificadas, ou seja, são todos do tipo não-ionizante. Ademais, os únicos perigos atualmente comprovados cientificamente ocorrem apenas nas extremas proximidades das fontes de emissão e fora destas somente está comprovada a interferência em equipamentos eletrônicos como televisões ou computadores.

Já a exposição prolongada a radiações do tipo ionizante pode, comprovadamente, gerar a ocorrência de câncer em seres humanos, eis que o que chamamos de câncer engloba diversos tipos de doenças que dizem respeito a alterações anômalas em células, e, como exposto, as radiações ionizantes são exatamente aquelas que possuem a capacidade de alterar estruturas moleculares.

É importante esta distinção para o caso que será analisado, eis que se discute o risco – e consequente necessidade de adoção de medidas de precaução – destes campos eletromagnéticos de radiação não-ionizante apresentarem, de alguma forma que ainda se desconheça, características cancerígenas a populações expostas a eles de modo prolongado, mesmo que a exposição ocorra dentro dos parâmetros legais de segurança, que seguem as determinações internacionais da OMS – Organização Mundial da Saúde.


2. (IN)CERTEZA CIENTÍFICA E (IN)CERTEZA ABSOLUTA

Embora muito se discorra na doutrina ambiental brasileira sobre o princípio da precaução, a ideia de certeza científica – conceito essencial à compreensão do princípio – não parece ser alvo de discussões da mesma magnitude. Assim, se analisará esse conceito, eis que somente com esta base se poderá extrair adequada conclusão sobre o princípio da precaução, pois a certeza científica obsta a adoção de medidas precaucionarias que seriam consideradas excessivas, dado o conhecimento que se tem sobre um assunto; constituindo, portanto, o primeiro dos limites ao princípio.

De início, cabe ressaltar que não é inútil a classificação da certeza como “científica”, eis que a mesma é utilizada para fins de distanciamento da pressuposição que a palavra “certeza”, utilizada sem qualificação, implica; que é a ideia de certeza absoluta.

A certeza científica é, então, aquela certeza que se chega após a utilização de um método científico de análise, com o uso de evidências e apuração lógica, e cuja conclusão é forte suficiente para que se tenha um razoável consenso dentre a comunidade científica.

Dessa análise, cabem dois apontamentos importantes. O primeiro é que para a certeza científica não é requerido absoluta concordância da comunidade científica, ou seja, é possível haver algum dissenso sem que se abale a certeza da conclusão a que se chegou. O maior exemplo disto ocorre com o fenômeno do aquecimento global, cuja existência constitui certeza científica, evidenciada pela sua contemplação em numerosos diplomas legais por todo o mundo e sua constituição como foco de muitas pautas nacionais e internacionais, mas que ainda encontra uma vocal ínfima minoria dissente.

O segundo é que a ideia de certeza científica, diferentemente da absoluta certeza, comporta a noção de mutabilidade, ou seja, pressupõe que o máximo que se pode é aproximar-se da verdade real, mas que é sempre possível – ainda que seja muito improvável – que posteriormente se prove errada a conclusão a que se nomeou certeza científica.

Finalmente, cabe ressaltar outro ponto importante, que é o fato de que a incerteza científica também não se confunde com a incerteza absoluta; ao se falar na ausência de certeza científica quanto ao grau de nocividade de algo para com o meio ambiente, há o ensejo à adoção de medidas de precaução, eis que se fala de incerteza científica, que presume a existência de um estudo inconclusivo sobre o assunto[2], revelador de um possível risco ao meio ambiente. Na incerteza científica há, portanto, uma mínima base para que se atente a um risco apontado e este merece, segundo o princípio da precaução, desde cedo a adoção de medidas precaucionarias. Assim, não será qualquer conjectura que dará ensejo a esta conduta precaucionaria, eis que da incerteza absoluta quanto a um assunto poderão supor-se absolutamente quaisquer riscos sem base alguma e, desse modo, seria impossível adotar medidas de precaução para todos os riscos que se imaginasse partindo do total desconhecimento sobre uma matéria.

Destarte, temos na ideia de incerteza científica um outro limite ao princípio da precaução, eis que a ausência de certeza científica não implica incerteza absoluta e assim não escusa a necessidade de uma mínima base científica na elaboração de uma conjectura que enseje a atenção a um possível risco ambiental[3].


3. LIMITES DE EXIGÊNCIA DA PRECAUÇÃO

Embora afirme ser despiciendo a pretensão de desenvolver diferença no plano constitucional entre prevenção e precaução, Fiorillo acrescenta algo que muito nos interessa ao se manifestar sobre os limites de exigência inseridos na ideia de princípio da precaução previsto no Princípio 15 da Declaração do Rio/92:

Não se pode dizer, com base exclusivamente neste princípio, qual a conduta a ser tomada ante a ocorrência da atividade concreta que tenha potencial de degradação irreversível do meio ambiente. Deste se obtém somente mandamento para a tomada de iniciativas de precaução, seja por parte do estado, dos Parlamentos ou da própria comunidade internacional, ainda que o risco de dano não possa ser cientificamente demonstrado.[4] (grifo nosso)

É interessante a afirmativa de Fiorillo, eis que percebemos que não se pode dizer que o princípio demanda a cessão da atividade que ameaça o meio ambiente ou mesmo que esta deva ser realizada da forma menos poluente possível, mas simplesmente que devem ser tomadas medidas de precaução.

Revela-se como de grande importância essa simples dedução ao considerarmos a ideia do desenvolvimento sustentável, eis que se pretendêssemos proteger apenas o meio ambiente, sem qualquer consideração pelo crescimento econômico e a instauração e prosperidade das atividades que o propiciam, teríamos que a melhor forma de evitar o dano ambiental seria a adoção de extremos contra estas atividades poluentes; todavia, na forma como temos o princípio da precaução, basta que haja medidas de precaução, basta que essas medidas creiam-se suficientes à prevenção de possível dano que se clama grave ao meio ambiente para a satisfação do princípio.

Precaução, portanto, não implica em atingir níveis ótimos de proteção ambiental, mas meramente de prevenção de ameaças sérias. É importante ressaltar isto, eis que muitas vezes nota-se o uso do princípio da precaução de maneira exagerada, demandando-se o máximo possível de comprometimento ambiental de uma empresa ou atividade poluidora em resposta exagerada a uma ameaça, sim, possível, mas não necessariamente plausível, surgida de uma incerteza absoluta dentro do Judiciário, que se vê na posição de decidir sobre matérias as quais não domina.

Assim, chega-se a casos como o acórdão da Apelação Nº 9170246-32.2007.8.26.0000 do TJ-SP, em que se afirmou a “grande possibilidade dos campos eletromagnéticos de baixa frequência serem agentes carcinogênicos para seres humanos” (grifo nosso), apesar de ser absolutamente controverso o tema, com pesquisas amplamente inconclusivas – o que será abordado no capítulo posterior – e determinou-se a inaplicabilidade do valor determinado pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – de 83,3 μT (micro tesla), na Resolução Normativa Nº 398/2010, junto à “obrigação da concessionária de energia elétrica em reduzir o campo eletromagnético da linha de transmissão a 01 (um) μT”[5].

Independentemente das conclusões a que se chegue posteriormente com pesquisas quanto à poluição eletromagnética, este é um exemplo claro de uso excessivo do princípio da precaução, eis que não se demandou simples tomada de medidas de precaução, mas exigiu-se a máxima restrição possível da atividade da concessionária, sem adequada consideração dos efeitos socioeconômicos da exigência, da possibilidade de existência de precaução já abarcada pela norma reguladora[6] ou do nível de plausibilidade científica da ameaça para sopesamento da resposta precaucionaria.

Assim, passa-se para a discussão aprofundada dessa relação entre princípio da precaução e a poluição de campos eletromagnéticos com o debate do caso que corre no STF, o qual teve ensejo pela apelação citada.


4. POLUIÇÃO ELETROMAGNÉTICA E PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: ANÁLISE DO CASO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 627.189

Como explicitado, o Recurso Extraordinário nº 627.189 que transita atualmente pelo STF teve origem no mencionado caso no TJ-SP, em que associações de moradores de dois bairros paulistanos alegaram que a proximidade das torres de transmissão de energia elétrica a suas residências teria potencial cancerígeno.

De início, vale notar que, em nossa análise, a distância da área residencial, bem como o nível de intensidade das radiações provenientes das torres de transmissão presumem-se dentro dos parâmetros legais, eis que do contrário se estaria debatendo outra questão, qual seja, a violação pura e simples das normas vigentes.

Dito isto, é interessante ressaltar que a questão da poluição dos campos eletromagnéticos é cercada por muito “misticismo” âmbito do Direito em geral, eis que se há controvérsias dentro da área específica que os estuda cientificamente, quem dirá com relação a grande parte operadores do Direito. Assim, referimo-nos novamente ao que foi dito no capítulo anterior: há uma tendência a compensar o desconhecimento com julgamentos que excedem os limites de cautela apropriados.

No desconhecimento da matéria, torna-se então aos experts e a Lei 11.934/2009, bem como a já mencionada Resolução Normativa 398/2010 da ANEEL, fizeram bem por adotar valores e determinações prescritos pela ICNIRP – Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante – e tidos como adequados também pela OMS – Organização Mundial da Saúde –, para uma margem de segurança com relação à poluição de campos eletromagnéticos. Ademais, acrescenta-se que estes valores permaneciam atualizados quando foram adotados em 2009[7] e o parágrafo único do artigo 4º da Lei 11.934/2009 ainda determinou que:

Enquanto não forem estabelecidas novas recomendações pela Organização Mundial de Saúde, serão adotados os limites da Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante - ICNIRP, recomendados pela Organização Mundial de Saúde.

De tal forma, há ainda a previsão para alteração dos valores previstos, conforme haja alteração nos valores adotados pela OMS.

Cabe aqui uma discussão sobre o que constitui precaução. É possível falar em necessidade de adoção de medidas de precaução na forma de alteração judicial de valores regulamentados da emissão de campos eletromagnéticos? Não constituiria adoção de medidas de precaução a própria criação da Lei 11.934/2009 e a Resolução 398/2010 da ANEEL – ambas, ressalte-se, ainda recentes para o Direito – para a regulamentação desse tipo de poluição, que antes permanecia relativamente desregulada?

Ademais, a fixação dos valores cabe à ANEEL, que foi legalmente incumbida para fazê-lo. Assim, não há como falar em necessidade de adoção de precaução onde já há, bem como não se pode determinar a insuficiência dos valores dessa precaução em oposição à própria agência com competência para dizê-los suficientes ou não[8]. Ainda, como já mencionado, a Lei já prevê a evolução desses e determinou que esta deve ocorrer conforme o parâmetro que determinou como apropriado, qual seja, as determinações da OMS.

Vale mencionar também a evidência exposta na audiência pública convocada pelo relator do Recurso Extraordinário, o Ministro Dias Toffoli, em que se afirmou repetidamente que embora seja possível reduzir a emissão de campos eletromagnéticos no caso tratado, isto seria excessivamente custoso, bem como poderia gerar a redução do fornecimento de energia à população; e ainda, a grande maioria dos especialistas que se manifestaram ou demonstraram completa incerteza sobre os efeitos dos campos magnéticos – clamando assim simplesmente pela atuação com cautela – ou afirmaram que acreditam não haver grandes riscos à saúde no funcionamento de torres de transmissão dentro dos padrões atuais.

O médico sanitarista e professor da USP Victor Wünsch Filho mencionou que “não há aglomeração de casos [de leucemia em crianças] em torno das linhas de transmissão de energia” e que o único caso de radiação que se sabe que tem efeito sobre o ser humano na distância tratada é o caso das radiações ionizantes; Luiz Adriano Domingues do CEPEL – Centro de Pesquisas de Energia Elétrica – lembrou ainda que as linhas de transmissão de energia e distribuição sequer são a principal fonte de exposição a campos eletromagnéticos presente na vida das pessoas; e o físico italiano Paolo Vecchia, professor na Universidade de Roma, ex-presidente do ICNIRP e ex-consultor do Conselho do Comitê Internacional do Projeto EMF da OMS, insistiu que os riscos à saúde pela a estes campos não podem ser considerados a partir de estudos isolados.[9]

Posto isto, retorna-se a um dos primeiros pontos deste artigo, quanto à incerteza científica. Embora haja dissenso quanto à questão colocada, não se acredita que haja evidência suficiente para a invocação do princípio da precaução sob pretexto de “ausência de certeza científica”, eis que, novamente, a ausência de certeza científica não escusa a necessidade de evidência suficiente para a plausibilidade da suposta “ameaça séria de danos irreversíveis ao meio ambiente”; especialmente em caso que não só se demanda a simples implementação de medidas de precaução, mas em que se argui pela insuficiência das medidas já presentes na salvaguarda dos valores oficiais previstos em legislação, cujos níveis de proteção possuem, inclusive, base científica forte internacional explícita e com previsão de adaptabilidade e que desconsidera a razoabilidade ao ignorar os riscos socioeconômicos da redução da emissão – redução de fornecimento de energia à população e custos exacerbados de adaptação das linhas de energia.


CONCLUSÃO – PELA RAZOABILIDADE NA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

O princípio da precaução é um dos mais importantes princípios do Direito Ambiental brasileiro, representando um grande avanço na proteção do meio ambiente, eis que facilita a atuação preventiva em uma área onde essa forma, da prevenção, é a única verdadeiramente eficiente de combate aos problemas a que é sujeita.

Contudo, como é notório, a ânsia pela proteção do meio ambiente tende a gerar excessos e o princípio que se discute não apresenta exceção. É necessário, portanto, uma abordagem com razoabilidade na aplicação do princípio da precaução, eis que não se pode partir da ideia de ausência de certeza científica para demandar ações contra qualquer tipo de ameaça possível, eis que a esfera do possível é demasiadamente ampla e deve ser temperada, ao menos, pela plausibilidade, constituída por suficiente evidência científica e, como exposto, não se tem qualquer teoria que ligue a radiação eletromagnética proveniente de torres de transmissões ao risco de câncer que não se limite a evidência meramente estatística, eis que se trata de radiação não-ionizante e, pelo que se sabe, incapaz de causar alterações em estruturas atômicas.

Ademais, este clamo por razoabilidade não se limita à efetiva utilização ou não do princípio da precaução a um determinado caso, mas também aponta que deve haver proporcionalidade da exigência de medidas de precaução de acordo com a relação entre probabilidade de concretização da ameaça tida como grave e os efeitos socioeconômicos que causará a sua implementação. Assim, embora se possa exigir a adoção de medidas para prevenção mesmo de uma ameaça cuja concretização seja pouco provável, a título de precaução, não se deve fazê-lo de modo a gerar prejuízos sociais e gastos econômicos desproporcionalmente excessivos.

Por fim, no caso específico analisado da poluição gerada por campos eletromagnéticos, acredita-se, pelos motivos expostos, que a legislação vigente está suficientemente preparada para evitar riscos à saúde humana, bem como dispõe de dispositivos adequadamente suficientes flexíveis para moldar-se à evolução constante das descobertas relativas a este tema controverso e que ainda padece de maiores estudos; não requerendo, destarte, adoção de maiores medidas de precaução no sentido proposto nas ações judiciais mencionadas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 13. ed.. São Paulo: Saraiva, 2012.

ICNIRP – International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection. Guidelines for limiting exposure to time varying electric, magnetic and electromagnetic fields (up to 300 GHz). In: Health Physics, Vol. 74, Nº 4, pp. 494-522, 1998. Disponível em: http://www.icnirp.de/documents/emfgdl.pdf.

ICNIRP – International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection. ICNIRP Statement on the “Guidelines for limiting exposure to time varying electric, magnetic and electromagnetic fields (up to 300 GHz)”. In: Health Physics, Vol. 97, Nº 3, pp. 257-258, 2009. Disponível em: http://www.icnirp.de/documents/StatementEMF.pdf.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 4. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.


Notas

[1]RE 627.189, Relator: Ministro Dias Toffoli.

[2]Édis Milaré fala sobre a existência de controvérsia científica, também pressupondo, portanto, que deve haver um mínimo suporte, expressivo, na comunidade científica para o lado que clama pela existência de ameaça real ao meio ambiente, ainda que não requeira consenso para a aplicação do princípio da precaução In: MILARÉ, 2005, p. 167.

[3] “Na forma como conhecida hoje, o princípio apenas limita-se a afirmar que a falta de certeza científica não deve ser usada como meio de postergar a adoção de medidas preventivas, quando houver ameaça séria de danos irreversíveis. (grifo nosso) In: FIORILLO, 2012, p. 130.

[4]Ibidem.

[5]Apelação Cível com Revisão n° 679.208-5/5-00, da Câmara Especial do Meio Ambiente do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Renato Nalini.

[6]“Quanto ao efetivo risco para a saúde, as divergências entre as partes não autorizam substituir a precaução da Administração Pública pela do Poder Judiciário” (grifo nosso) In: Voto vencido do Des. Antônio Celso Aguilar Cortez na Apelação Cível com Revisão n° 679.208-5/5-00, da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Renato Nalini.

[7]A Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante emitiu um comunicado oficial de que os valores adotados em 1998 deveriam permanecer os mesmos, eis que nenhum estudo posterior apontou qualquer ameaça plausível de danos a seres humanos dentro dos padrões estabelecidos, sendo especialmente mencionada a falta de plausibilidade de risco de câncer. In: ICNIRP, 2009.

[8]“Nada autoriza que o Poder Judiciário se sobreponha à análise e decisão administrativa sem prova de ilegalidade, avançando no mérito do ato administrativo, com base no medo do risco, equiparando potencial de risco com potencial de dano, à vista de avaliações divergentes por critérios subjetivos” In: Voto vencido do Des. Antônio Celso Aguilar Cortez na Apelação Cível com Revisão n° 679.208-5/5-00, da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Renato Nalini.

[9]Informações provenientes de palestras proferidas em audiência pública convocada pelo STF sobre poluição eletromagnética, transcorrida de 06 a 08 de março de 2013. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=vDIk6_Cnlbc&list=PLippyY19Z47tmLfvkG1frhPwY8oOcyHdW


Abstract: The present article pertains to the undue use of the principle of precaution to establish, through judicial means, more rigorous standards of regulation for the pollution of electromagnetic fields, under the vague justification of lack of scientific certainty on the matter and the request of excessive demands. First, we make a brief exposition of the electromagnetic pollution’s characteristics, then an analysis of the specific requirements for the principle of precaution’s application and the establishment of its limits and then we finalize with a case analysis of the Extraordinary Appeal nº 627.189 that transits through STF, which pertains to the subject and provided the opportunity for the production of this paper.

Keywords: Electromagnetic Pollution; Principle of Precaution; Environmental Law


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Renato Traldi. Poluição eletromagnética e os limites do princípio da precaução: análise do caso do RE 627.189. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3858, 23 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26483. Acesso em: 24 abr. 2024.