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Eficácia erga omnes no controle concentrado de constitucionalidade e sistema de precedentes vinculantes no Brasil

Eficácia erga omnes no controle concentrado de constitucionalidade e sistema de precedentes vinculantes no Brasil

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O trabalho examina os procedimentos de controle concentrado de constitucionalidade no Brasil, com ênfase para os efeitos vinculantes da decisão proferida pelo STF e seus reflexos na teoria e na prática do Direito no País.

Resumo: O trabalho examina os procedimentos de controle concentrado de constitucionalidade no Brasil, com ênfase para os efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal e seus reflexos na teoria e na prática do Direito no País. 

Sumário: 1. Introdução. 2. ADIN e ADC. 2.1. Legitimidade ativa e participação do Ministério Público. 2.2. Procedimento. Medida cautelar. 2.3. Distinções entre os procedimentos de ADIN e ADC. 2.4. Efeitos da decisão. 3. ADPF. 3.1. Cabimento. 3.2. Legitimidade e procedimento. 3.3. Eficácia geral e efeito vinculante. 4. Conclusão. Notas. Referências.


1. Introdução

A importância recentemente conferida ao precedente no direito brasileiro se evidencia, com especial destaque, na eficácia geral outorgada às decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Por expressa disposição legal, determinadas decisões do STF são dotadas de efeito vinculante e eficácia contra todos, pelo que se configuram precedentes de observância obrigatória pelos órgãos do Poder Judiciário no julgamento de questões que envolvam a temática previamente apreciada pelo Supremo. Trata-se de regramento voltado a promover a economia processual e a racionalidade da jurisdição superior, que se via, repetidas vezes, diante de uma mesma questão de direito. O resultado do esforço voltado a conter tal problemática foi o estabelecimento inequívoco de um sistema de precedentes formalmente obrigatórios, que, a par da pretendida desobstrução do STF, propiciou maior estabilidade, isonomia e segurança na interpretação e aplicação do direito.  

Nos termos da CF/88, o Brasil adotou dois modelos de controle de constitucionalidade de normas, a saber, o norte-americano, também denominado concreto, incidental ou difuso, e o austríaco, nominado pela doutrina de controle concentrado, direto ou abstrato da regularidade constitucional de lei ou ato normativo (SCHULZE; GONÇALVES, 2013, p. 1). O controle difuso se dá pela atuação de todos os membros do Poder Judiciário, os quais, no julgamento das demandas que lhes são submetidas, têm o poder-dever de afastar a aplicação da norma que resulte em inconstitucionalidade no caso concreto. No âmbito do STF, o controle difuso é efetuado, em regra, por meio do recurso extraordinário, cabível, presente a repercussão geral, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da CF/88 (defesa direta do texto constitucional), declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal (competência do Supremo para apreciar, em última instância, a violação a norma constitucional) ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição (controle da constitucionalidade formal do ato local à luz da competência legislativa ou administrativa da União, Estados e Municípios, de base constitucional, ou da constitucionalidade material da medida impugnada, quando viole frontalmente dispositivo da Constituição), tudo nos termos do art. 102, III c/c § 3º, da CF/88 (BRASIL, 1988, p. 1).[1]

O controle concentrado, por sua vez, ocorre, no Brasil, precipuamente, na forma da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), todas previstas diretamente no texto constitucional (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1048-1119). [2] É sobre essa última forma de controle jurisdicional da supremacia da Constituição que se debruça o presente estudo, tendo em vista os efeitos impostos por lei à decisão judicial prolatada nessa espécie de tutela jurisdicional.


2. ADIN e ADC

  Previstas no art. 102, I, “a” c/c art. 103, da CF/88, [3] a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) são os instrumentos cabíveis, respectivamente, para a impugnação e a sustentação, em caráter abstrato, de lei ou ato normativo federal ou estadual (no pedido declaratório de inconstitucionalidade) e lei ou ato normativo federal (na ação que solicita o reconhecimento da constitucionalidade), em processo de competência originária do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1988, p. 1). A alegação de inconstitucionalidade, na ADIN, é efetuada em tese, independentemente de comprovação do cerceamento concreto de direito constitucional de pessoa física ou jurídica, pública ou particular. Na ADC, ação em que se busca apenas a confirmação da constitucionalidade da norma, exige-se, tão somente, a demonstração prévia da existência de controvérsia judicial acerca da constitucionalidade da lei ou ato normativo que, aqui, somente pode ser federal (BRASIL, 1999, p. 1). Trata-se de instrumentos que remontam à Constituição Brasileira de 1934, que instituiu a declaração de inconstitucionalidade prévia à intervenção federal, a qual foi aperfeiçoada pela EC n.º 16, de 1965, sob a égide da Constituição de 1946 (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 985-986). Até a vigência da CF/88, o direito brasileiro conhecia apenas a ADIN; somente com a EC n.º 3, de 1993, criou-se a figura da ADC, a qual, atualmente, é ação praticamente idêntica à ADIN, ressalvadas pequenas peculiaridades que serão apontadas adiante.

2.1. Legitimidade ativa e participação do Ministério Público

Na história das constituições brasileiras, a legitimidade para a propositura da ADIN sempre foi bastante restrita. Tendo em vista a presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Legislativo, os quais, inclusive, são submetidos a exame prévio de conformidade com a Constituição por comissões específicas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e, outrossim, por força da relevância de uma ação passível de resultar na supressão de determinada norma do ordenamento jurídico, é de se esperar que o poder de deflagrar referido procedimento não fosse conferido de forma generalizada ou indistinta.

De início, e em muito por força de sua imbricação, na origem, com o procedimento da intervenção federal, o instrumento era de utilização exclusiva do Procurador-Geral da República, que detinha o monopólio da ação direta (MAKIYAMA, 2013, p. 1). A Constituição Federal de 1988, porém, ampliou significativamente o rol de legitimados, dispondo, nos termos do art. 103, com a redação conferida pela EC n.º 45/2004, que podem propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade: a) o Presidente da República; b) a Mesa do Senado Federal; c) a Mesa da Câmara dos Deputados; d) a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; f) o Procurador-Geral da República; g) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; h) partido político com representação no Congresso Nacional; e i) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (BRASIL, 1988, p. 1). Ademais, estabelece o § 1º, do art. 103, da CF/88, que, não tendo sido o autor da demanda, o PGR oficiará no feito como custos legis, exarando parecer prévio à decisão do Tribunal. Prevê a Constituição, ainda (§ 3º, do art. 103), que, na referida ação, o Advogado-Geral da União será citado para funcionar como defensor do texto impugnado (BRASIL, 1988, p. 1).

2.2. Procedimento. Medida cautelar

O processo e julgamento da ADIN e da ADC foi regulamentado pela Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999 (GOMES, 2013, p. 1). A lei estabelece regras formais, com indicação dos elementos obrigatórios da petição inicial, fixa prazos para a atuação das partes e interessados e dispõe sobre os poderes do relator e do tribunal na apreciação da matéria (BRASIL, 1999, p. 1). [4] Regula, ainda, a medida cautelar em cada um dos procedimentos e versa sobre os efeitos da decisão final em ADIN e ADC. Nos arts. 5º e 16, estabelece que não é dado ao autor desistir da ação direta e nos arts. 7º e 18, dispõe que não se admite a intervenção de terceiros (arts. 56 a 77, do CPC) nos mencionados procedimentos (BRASIL, 1999, p. 1).

Na forma dos arts. 4º e seguintes da referida lei, na Ação Direta de Inconstitucionalidade, recebida a petição inicial, o relator indeferirá liminarmente a exordial inepta, não fundamentada ou manifestamente improcedente. Superado exame preliminar, o relator pedirá informações aos órgãos ou autoridades que emanaram a lei ou ato normativo impugnado, os quais responderão no prazo de 30 (trinta) dias. Caso considere insuficientes os elementos constantes dos autos, poderá requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria, podendo, ainda, solicitar informações aos tribunais superiores e aos tribunais federais e estaduais sobre a aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição. Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá o relator, por despacho irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades (amicus curiae). Após a instrução do feito, serão ouvidos, sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se, cada um, no prazo de 15 (um) quinze dias (BRASIL, 1999, p. 1).

Ainda em se tratando de ADIN, dispõe a lei que, salvo no período de recesso, a medida cautelar, também aqui admitida, será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do STF, observado o quorum de 8 (oito) ministros, no momento processual situado após a audiência dos órgãos ou autoridades que editaram a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias. Se julgar indispensável, o relator ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República no prazo de 3 (três) dias. Apesar do rito abreviado, a lei assegura que, no julgamento da medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato, na forma estabelecida no RISTF. Ademais, sendo caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades que editaram a lei ou o ato normativo impugnado (BRASIL, 1999, p. 1).

Consoante o art. 11, da lei de regência, concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, no prazo de 10 (dez) dias, em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União, o dispositivo da decisão, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento regular de julgamento da ADIN. Dispõem os parágrafos do art. 11, da Lei n.º 9.868/99, que “a medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa” e que “a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.” (BRASIL, 1999, p. 1)

Ainda nos termos da lei, havendo pedido de medida cautelar, é possível ao relator, “em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica”, adotar um rito abreviado de julgamento da ADIN: após a prestação das informações, no prazo de 10 (dez) dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de 5 (cinco) dias, autoriza-se ao relator submeter o processo diretamente ao pleno do tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação (BRASIL, 1999, p. 1).

2.3. Distinções entre os procedimentos de ADIN e ADC

Para a Ação Declaratória de Constitucionalidade (arts. 13 a 21, da Lei n.º 9.868/99), o rito se afigura fortemente assemelhado. A distinção básica entre os procedimentos da ADIN e da ADC reside no fato de que, na segunda, não há necessidade de citação do Advogado-Geral da União para a defesa da norma objeto da demanda, vez que, a seu favor, já pesa a presunção de legitimidade dos atos públicos, o que inclui sua conformidade com os preceitos da Constituição. Ademais, o que se pretende com a ação é, precisamente, a confirmação da validade jurídica do ato, diante do que os argumentos apresentados pelo autor suprem a defesa que se faria da norma no processo. Quanto ao cabimento, há uma diferença significativa: enquanto a ADIN é utilizada para lei ou ato normativo federal ou estadual, a ADC somente pode ter por objeto lei ou ato normativo federal (BRASIL, 1999, p. 1). 

O art. 13, da mencionada lei, previa, para a ADC, rol de legitimados diverso, estatuindo que a propositura da ação era privativa do Presidente da República, da Mesa da Câmara dos Deputados, da Mesa do Senado Federal e do Procurador-Geral da República (BRASIL, 1999, p. 1). Tal norma foi revogada pela EC n.º 45/2004, que conferiu nova redação ao caput do art. 103, da CF/88, equiparando os legitimados para oferecer a ADC aos da ADIN.

No que tange à medida cautelar, há ainda outra diferença na previsão normativa relativa à ADC: nos termos do art. 21, da Lei n.º 9.868/99, a cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade consistirá na “determinação de que os juízes e tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.” (BRASIL, 1999, p. 1). Se, contudo, o STF não concluir o julgamento no prazo de 180 (cento e oitenta dias), a cautelar perde a eficácia, restando liberados os juízos de primeiro grau e tribunais de segunda instância a prosseguir com o andamento dos feitos sobrestados (BRASIL, 1999, p. 1).

2.4. Efeitos da decisão

O aspecto mais relevante da lei que rege o processo e julgamento da ADIN e da ADC, para os fins deste estudo, porém, diz respeito aos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade. Em primeiro lugar, estabelece a legislação específica que a decisão do STF que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade em ADIN ou ADC é irrecorrível, ressalvados os embargos declaratórios – que, a rigor, não são espécie recursal – sendo, ademais, insuscetível de ação rescisória (art. 26). Demais disso, autoriza a lei, em seu art. 27, que, na declaração de inconstitucionalidade, o STF, por maioria de 2/3 dos seus membros, “tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, module os efeitos da referida decisão, restringindo sua aplicação ou estabelecendo que ela só tenha eficácia a partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Por fim, o parágrafo único, do art. 28, da Lei n.º 9.868/99, estabelece que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, “inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto”, proferidas em sede de ADIN ou de ADC, “têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.” (BRASIL, 1999, p. 1) [5] Atualmente, a disposição encontra amparo em norma constitucional, na medida em que o § 2º, do art. 102, da CF/88, com a redação conferida pela EC n.º 45/2004, prevê que as decisões de mérito do STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade “produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.” (BRASIL, 1988, p. 1) [6]

Uma primeira observação a ser efetuada diz respeito às técnicas de decisão à disposição do STF nos processos de controle de constitucionalidade. A doutrina majoritária entende que a declaração de constitucionalidade equivale ao reconhecimento da nulidade da lei e, portanto, produz efeitos ex tunc ou retroativos (BARROS, 2014, p. 1). O que o art. 28, parágrafo único, da Lei n.º 9.868/99, autoriza é a modulação desse efeito natural, originário, da declaração de inconstitucionalidade.

Respeitada a maioria qualificada de 2/3, o que equivale ao voto de 8 (oito) ministros do STF, pode o tribunal conferir à decisão eficácia ex nunc (meramente prospectiva), ou, ainda, fixar uma data futura, a partir da qual produzirá efeitos a declaração de inconstitucionalidade (efeito pro futuro). Ademais, no exercício dessa faculdade constitucional, pode o Supremo reconhecer a inconstitucionalidade total ou parcial da norma, declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, proceder à interpretação conforme à Constituição, declarar que a constitucionalidade da norma fica condicionada a determinado evento fático (“lei ainda constitucional”), proceder à declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade (julgamento de providência de Estado-membro a ser anulada em sede de intervenção federal) [7] ou efetuar declaração de inconstitucionalidade de caráter limitativo ou restritivo (declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, com suspensão da aplicação da lei e dos processos em curso até que o legislador, dentro de prazo razoável, manifeste-se sobre a situação constitucional), esta última hipótese cabível sempre que a declaração de nulidade da lei e sua consequente supressão do ordenamento jurídico resultem na perda de uma vantagem ou avanço considerável, sendo, porém, inadmissível que persista situação de violação a princípios constitucionais, a exemplo da isonomia (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1181-1206). Janete Ricken Lopes de Barros assim comenta as técnicas de controle de constitucionalidade utilizadas pelo Supremo:

A declaração de nulidade total ocorre nos casos em que a totalidade da lei ou do ato normativo é invalidado pelo Tribunal e está relacionada a defeitos formais, tais como a inobservância de dispositivos legais no processo legislativo, a exemplo de vício de iniciativa, o que já se verifica no Brasil desde a Constituição de 1967/69, oportunidade em que o STF declarou a inconstitucionalidade de emendas às Constituição estaduais relativas a matérias que somente poderiam ser disciplinadas mediante iniciativa do Executivo, gerando a declaração de nulidade total como expressão de unidade técnico-legislativa. Outro caso de declaração de nulidade total é em virtude da dependência ou interdependência entre as partes constitucionais e inconstitucionais da lei, salvo se algum dispositivo puder subsistir sem a parte inconstitucional, ocorrendo nessa hipótese uma declaração de inconstitucionalidade em virtude de dependência unilateral. Ainda pode ocorrer, diante da indivisibilidade da lei e da forte integração entre as parte, a declaração de inconstitucionalidade em virtude da chamada dependência recíproca. Dessa interdependência normativa, surge algumas vezes a declaração de inconstitucionalidade consequente ou por arrastamento, em virtude de sua dependência normativa em relação aos dispositivos inconstitucionais expressamente impugnados. A declaração de nulidade parcial advém da aceitação da teoria da divisibilidade da lei, pela qual o Supremo deve declarar a inconstitucionalidade somente da parte da norma viciada,sempre que puderem subsistirem de forma autônoma, quer seja, quando estiverem presentes as condições objetivas de divisibilidade e de que a norma que vai subsistir corresponde à vontade do legislador. A declaração de nulidade parcial sem redução de texto, já presente no sistema brasileiro desde 1949, ocorre nos casos em que o Tribunal se limita a considerar inconstitucional apenas determinada hipótese de aplicação da lei, sem que isso implique em alteração do seu programa normativo. Nos casos de possibilidade de mais de uma interpretação, os Tribunais devem buscar compatibilizar a lei com o texto constitucional, partindo da premissa de que o legislador, a quem foi dada a legitimidade originária para criar as leis, busca positivar uma norma constitucional e de onde se pode extrair o princípio orientador do controle de constitucionalidade intitulado de interpretação conforme à Constituição, que tem tomado contornos muito maiores do que simplesmente espécie de declaração de nulidade parcial sem redução de texto. (BARROS, 2014, p. 1)

Em segundo lugar, cumpre registrar que a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade não vincula o próprio Supremo Tribunal Federal (BARBOSA, 2013, p. 1). Não obstante se espere certa estabilidade do julgado, é possível que a corte reaprecie a matéria em outra oportunidade e, à luz de uma nova leitura dos valores e princípios constitucionais, declare a inconstitucionalidade de norma anteriormente reputada constitucional, desde que haja “significativa mudança nas circunstâncias fáticas ou relevante alteração das concepções jurídicas dominantes” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1214). Em outras palavras, a decisão no controle concentrado de constitucionalidade não forma coisa julgada material. [8] É o que ensina William Akerman Gomes, quando afirma que,

 ao contrário do que ocorre com a res iudicata nos processos subjetivos, a doutrina assevera que a decisão de improcedência do pedido em sede de ADI não se reveste da autoridade da coisa julgada material, por ser inadequado impedir o STF de reapreciar a constitucionalidade ou não de uma lei anteriormente considerada válida, à vista de novos argumentos, de novos fatos, de mudanças formais e informais no sentido da Constituição ou de transformações na realidade que modifiquem o impacto ou a percepção da lei .(GOMES, 2013, p. 1)

Por último, importa considerar o significado do efeito vinculante e da eficácia erga omnes na decisão do STF no controle concentrado de constitucionalidade. Há uma diferença substancial entre os dois institutos (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1222). Do que se extrai do texto constitucional (art. 102, § 2º, da CF/88) e da lei que o regulamenta (art. 28, parágrafo único, da Lei n.º 9.868/99), a decisão de mérito sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade é dotada de eficácia “contra todos” (BRASIL, 1999, p. 1). Isto é: ressalvada a hipótese de, por algum fundamento específico, poder o tribunal restringir os efeitos da decisão, declarada a inconstitucionalidade da norma, é de se reconhecer, ipso jure, a sua imediata eliminação do ordenamento jurídico, estendendo-se a autoridade da decisão a todos, independentemente de terem participado do processo  (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1215). Logo, a eficácia erga omnes diz respeito ao alcance subjetivo da decisão do STF que controla a constitucionalidade.

O efeito vinculante, por sua vez, está relacionado à  limitação da autonomia funcional de magistrados e órgãos da Administração Pública. Para tais, enquanto particulares, pessoas físicas ou jurídicas, desnecessária seria a menção legal ao “efeito vinculante”, na medida em que a “eficácia” da decisão no controle concentrado de constitucionalidade, nos termos da lei, já seria oponível “contra todos”. Por conseguinte, em suas relações sociais e eventuais demandas judiciais, seria de observância obrigatória o teor do julgado pelo STF. Entretanto, na perspectiva funcional, do magistrado enquanto representante do Estado-juiz e da Administração Pública na condição de órgão executivo do direito posto, poderia restar dúvida acerca da aplicabilidade da decisão de inconstitucionalidade. Com efeito, o dogma do livre convencimento motivado e a sempre presente possibilidade de o magistrado efetuar um controle difuso de constitucionalidade, sobretudo à luz da tradição do civil law, que, em sua origem, desconhecia a vinculação aos precedentes judiciais (stare decisis), justificariam a indagação acerca da possibilidade de o juiz, na apreciação de causas futuras, fazer uso de sua autonomia funcional para julgar a questão constitucional conforme os ditames de sua consciência, desprezando a orientação do STF; do mesmo modo, tendo em vista a sensibilidade da atividade administrativa ao princípio da legalidade, é possível que se quisesse arguir que o Poder Executivo somente deixaria de aplicar a lei quando fosse suspensa sua execução pelo Poder Legislativo, nos termos do art. 52, X, da CF/88 [9] (BRASIL, 1988, p. 1).

Ambas as indagações se tornaram inadmissíveis em face da menção, no texto constitucional (art. 102, § 2º, da CF/88), ao “efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.” (BRASIL, 1988, p. 1) Significa dizer: enquanto a eficácia erga omnes assegura que a autoridade da decisão do STF se estenda a todos, independentemente de participação no processo, o efeito vinculante garante que Judiciário e Executivo cumprirão o conteúdo da decisão em seu mister funcional, pelo que restará vedada a aplicação da lei declarada inconstitucional independentemente de revogação formal ou suspensão de sua execução pelo Legislativo, na forma do art. 52, X, da CF/88.

Registre-se, ainda, um breve comentário acerca do alcance do efeito vinculante nas decisões do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Diferentemente do que possa parecer, o que vincula o Poder Judiciário e a Administração Pública não é apenas o dispositivo da decisão em ADIN ou ADC, mas os fundamentos ou “motivos determinantes” do julgado, que constituem a ratio decidendi do precedente (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1223). Assim já decidiu o STF, quando do julgamento da Reclamação n.º 1987, da relatoria do Min. Maurício Corrêa. (BRASIL, 2003, p. 1) [10] No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni doutrina:

O Supremo Tribunal Federal fala em motivos ou fundamentos determinantes, em conteúdo essencial e em eficácia transcendente. As expressões “motivos ou fundamentos determinantes” e “conteúdo essencial” se referem à decisão. Querem expressar os fundamentos que determinam ou são essenciais à conclusão judicial. A  eficácia transcendente, por sua vez, é aquela que transcende ao caso, interferindo sobre os demais casos que, embora não tratando da mesma norma, configuram igual questão constitucional, a ser solucionada mediante a aplicação dos mesmos fundamentos ou motivos que determinaram a decisão. (...) No common law, a ratio decidendi identifica os fundamentos, motivos ou razões determinantes ou essenciais da decisão. Em verdade, a preocupação com os fundamentos determinantes da decisão é a mesma que inspira a individualização da ratio decidendi. Trata-se de definir as razões que levaram a Corte a decidir, deixando-se de lado os pontos que, ainda que analisados, não interferem ou determinam o resultado do julgamento, considerados, assim, obiter dicta. A ratio decidendi ou os fundamentos determinantes estão inseridos na fundamentação da decisão. Individualiza-se a ratio decidendi ou os fundamentos determinantes olhando-se para a fundamentação. Se um fundamento, embora não necessário, pode ser suficiente para se alcançar a decisão, este apenas é determinante quando constitui premissa sem a qual não se chegaria na específica conclusão acerca do caso. De maneira que o fundamento determinante é o que se mostra imprescindível, e, assim, essencial à decisão que foi proferida. (...) No common law, não é preciso falar em eficácia vinculante. Basta aludir a  ratio decidendi, uma vez que a força obrigatória ou vinculante é inerente ao sistema de precedentes. Quando se pensa em ratio decidendi admite-se, implícita e automaticamente, a sua força obrigatória. De modo que a ideia de eficácia vinculante, no direito brasileiro, destina-se a enfatizar a força obrigatória dos fundamentos determinantes das decisões constitucionais. (MARINONI, 2014, p. 1)


3. ADPF

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) constava do texto original da CF/88 qual norma de eficácia limitada, na medida em que o art. 102, parágrafo único, limitava-se a fixar, para seu julgamento, a competência do Supremo Tribunal Federal, remetendo à legislação ordinária a delimitação de seu cabimento, rito e demais caracteres distintivos. A Emenda Constitucional n.º 3, de 17 de março de 1993, que instituiu a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), transformou o parágrafo único, do art. 102, da CF/88, em § 1º, sem, contudo, alterar a redação do dispositivo (BRASIL, 1988, p. 1). [11]

O instituto foi regulamentado pela Lei n.º 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Segundo o art. 1º, da mencionada lei, a ação tem por finalidade “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público” (BRASIL, 1999, p. 1). Nos termos do parágrafo único, do art. 1º, cabe também a ADPF “quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (BRASIL, 1999, p. 1).

3.1. Cabimento

A ADPF possui natureza nitidamente subsidiária: consoante o art. 4º, § 1º, da Lei n.º 9.882/99, “não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade” (BRASIL, 1999, p. 1). Comentando a aplicação do princípio da subsidiariedade no cabimento da ADPF, Gilmar Ferreira Mendes aduz que a interpretação do dispositivo deve ser efetuada à luz do caráter objetivo da jurisdição do Supremo Tribunal Federal, e não tendo em vista possíveis pretensões subjetivas, que demandariam o exaurimento da inteira atividade cognitiva do Poder Judiciário. Em palavras do autor:

De uma perspectiva estritamente subjetiva, a ação somente poderia ser proposta se já se tivesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial. Uma leitura mais cuidadosa há de revelar, porém, que na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental nesse processo deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva. Em outros termos, o princípio da subsidiariedade – inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão –, contido no § 1º do art. 4º da Lei n.º 9.882/99, há de ser compreendido no contexto da ordem constitucional global. (...) No caso brasileiro, o peito a ser formulado pelos órgãos ou entes legitimados dificilmente versará – pelo menos de forma direta – sobre a proteção judicial efetiva de posições específicas por eles defendidas. A exceção mais expressiva reside talvez na possibilidade de o Procurador-Geral da República, como previsto expressamente no texto legal, ou qualquer outro ente legitimado, propor a arguição de descumprimento a pedido de terceiro interessado, tendo em vista a proteção de situação específica. Ainda assim o ajuizamento da ação e a sua admissão estarão vinculados, muito provavelmente, ao significado da solução da controvérsia para o ordenamento constitucional objetivo, e não à proteção judicial efetiva de uma situação singular. Assim, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da arguição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos cabíveis já consolidados no sistema constitucional. Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a arguição de descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade – isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata – há de se entender possível a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental. É o que ocorre, fundamentalmente, nas hipóteses relativas ao controle de legitimidade do direito pré-constitucional, do direito municipal em face da Constituição Federal e nas controvérsias sobre direito pós-constitucional já revogado ou cujos efeitos já se exauriram. Nesses casos, em face do não cabimento da ação direta de inconstitucionalidade, não há como deixar de reconhecer a admissibilidade da arguição de descumprimento. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1097-1099)

Logo, a inexistência de “outro meio eficaz de sanar a lesividade” não diz respeito à possibilidade de solução da questão por toda e qualquer demanda judicial prevista no direito brasileiro, o que, em verdade, tornaria a ADPF praticamente despida de aplicabilidade; trata-se, ao revés, da inviabilidade de utilização de outra ação constitucional, de competência do Supremo Tribunal Federal, apta a resolver questão de interesse à estabilidade da ordem jurídico-constitucional objetiva de forma ampla, geral e imediata. Isto é: em regra, o STF não conhecerá da ADPF se for cabível, para a solução da controvérsia, ADIN ou ADC; o fato, contudo, de não serem admissíveis as mencionadas ações de controle abstrato na hipótese não assegura que seja conhecida a arguição de descumprimento, a qual será recebida somente quando a corte constatar que, para aquele caso concreto, inexiste algum meio processual apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade (PAULO; ALEXANDRINO, 2012, p. 902-903). [12]

Nessa perspectiva, ensina Gilmar Ferreira Mendes (2007, p. 1099-1100) que é cabível ADPF para: a) controle de legitimidade do direito pré-constitucional, do direito municipal em face da Constituição Federal e nas controvérsias sobre direito pós-constitucional já revogado ou cujos efeitos já se exauriram; b) pretensão que objetive a declaração de constitucionalidade de lei estadual ou municipal que tenha sua legitimidade questionada nas instâncias inferiores do Poder Judiciário; c) controvérsias relacionadas com o princípio da legalidade (lei e regulamento); d) casos que envolvam a aplicação direta da Constituição, com alegação de contrariedade a dispositivo constitucional decorrente de decisão judicial ou controvérsia sobre interpretação adotada pelo Judiciário que não envolva a aplicação de lei ou normativo infraconstitucional; e) controvérsias concretas fundadas na eventual inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, aptas a dar ensejo a quantidade significativa de demandas (feição objetiva da discussão, que não dá ensejo a ADIN ou ADC mas poderia ser resolvida por ação ordinária ou recurso extraordinário, nem por isso violadoras, contudo, da subsidiariedade da ADPF, por força de seu caráter marcadamente objetivo); f) solubilidade de incongruências hermenêuticas e confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos órgãos, com possibilidade de ameaça a preceito fundamental, sempre que uma definição imediata da controvérsia mostrar-se necessária para afastar aplicações erráticas, tumultuárias ou incongruentes. [13]

 Ainda acerca do cabimento, cumpre registrar a existência da ADIN n.º 2.231-8, de 2000, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, atualmente pendente de julgamento, em que, no dia 5 de dezembro de 2001, foi proferido voto pelo relator, Min. Néri da Silveira, no sentido de deferir, em parte, o pedido de liminar, com relação ao  inciso  I,  do parágrafo único, do art. 1 º, da Lei n.º 9882/99, para excluir, de  sua  aplicação “controvérsia  constitucional concretamente já posta em juízo”, o que faria com eficácia ex nunc, até o julgamento final da ação direta. No mesmo voto, o relator manifestou-se favoravelmente ao deferimento da medida cautelar, com idênticos efeitos, para suspender o § 3º do art. 5 º, da mesma lei. Depois do voto do relator, pediu vista o Min. Sepúlveda Pertence, a qual foi renovada, justificadamente, no dia 28 de abril de 2004. Após isso, e até à presente data, não se manifestou o plenário do STF, quer sobre a medida liminar, quer sobre o mérito da ação (BRASIL, 2004, p. 1).

3.2. Legitimidade e procedimento

Nos termos do art. 2º, da Lei n.º 9.882/99, têm legitimidade para propor a ADPF os que a lei autoriza a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Faculta-se ao interessado, contudo, mediante representação, solicitar a propositura da arguição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá acerca da viabilidade do seu ingresso em juízo (BRASIL, 1999, p. 1).

A petição inicial da ADPF deve conter: a) a indicação do preceito fundamental que se considera violado; b) a indicação do ato questionado; c) a prova da violação do preceito fundamental; d) o pedido, com suas especificações; e) se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado. Quando não houver cabimento, faltar algum dos requisitos prescritos em lei ou for inepta, a exordial será indeferida liminarmente pelo relator,  em decisão passível de agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, para o órgão colegiado do tribunal. (BRASIL, 1999, p. 1).

Havendo pedido de liminar, o relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de 5 (cinco) dias. Salvo em caso de extrema urgência, perigo de lesão grave ou no período do recesso, quando poderá ser deferida ad referendum do plenário, a liminar será concedida pelo voto da maioria absoluta dos membros do tribunal, o que equivale ao voto de 6 (seis) ministros (BRASIL, 1999, p. 1).

Nos termos do § 3º, do art. 5º, da Lei n.º 9.882/99, a medida liminar determinada pela corte em sede de ADPF poderá consistir na determinação de que “juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.” (BRASIL, 1999, p. 1) Recorda-se que o dispositivo foi questionado por meio da ADIN n.º 2.231-8, de 2000, em que, no dia 5 de dezembro de 2001, foi proferido voto pelo relator, Min. Néri da Silveira, no sentido da inconstitucionalidade da referida norma. O julgamento, porém, foi suspenso em virtude de pedido de vista pelo então Min. Sepúlveda Pertence, que perdura até os dias atuais, diante do que subsiste a aplicabilidade do texto impugnado (BRASIL, 2004, p. 1).

O rito da ADPF conta com a requisição de informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, as quais devem ser prestadas no prazo de 10 (dez) dias. É possível ao relator, ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. A critério do relator, e por requerimento dos interessados, poderão ser autorizadas sustentação oral e juntada de memoriais. Findo o prazo para as informações, o Ministério Público, quando não funcionar como parte, terá vista do processo para exarar parecer no prazo de 5 (cinco) dias. Após, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os ministros, e pedirá dia para julgamento, o qual ocorrerá respeitado o quorum de 8 (oito) ministros (BRASIL, 1999, p. 1).

3.3. Eficácia geral e efeito vinculante

Nos termos dos arts. 10 a 14, da Lei n.º 9.882/99, [14] a decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em arguição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível e não pode ser objeto de ação rescisória. Efetuado o julgamento de mérito, cópia da ata da sessão do STF será encaminhada às autoridades responsáveis pela prática do ato, as quais ficarão adstritas às condições e modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental fixadas pelo Supremo na apreciação da demanda. O presidente do tribunal determinará aos órgãos autores do ato lesivo o imediato cumprimento da decisão, sendo que o acórdão será lavrado posteriormente. Dentro do prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União (BRASIL, 1999, p. 1).

Nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n.º 9.882/99, à semelhança do que ocorre em sede de ADIN e ADC, a decisão no processo de ADPF terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal. Outrossim, caso efetue declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, poderá o STF, “tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, por maioria de 2/3 de seus membros, o que equivale ao voto de 8 (oito) ministros da corte, modular os efeitos da declaração, por restringir sua aplicabilidade ou decidir que só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado – eficácia pro futuro (BRASIL, 1999, p. 1).

A diferença entre a decisão em ADPF e a prolatada nos procedimentos de ADIN e ADC resulta, tão somente, da amplitude do objeto de impugnação na arguição de descumprimento. Nesta, poderá o STF declarar a legitimidade ou ilegitimidade do ato vergastado, o qual, se for normativo, dará ensejo à aplicação das técnicas de decisão do controle abstrato de constitucionalidade (item 2.4, supra). Caso o objeto seja o direito pré-constitucional, contudo, limitar-se-á o tribunal a reconhecer a recepção ou não da lei em face da norma constitucional superveniente; incidindo, porém, sobre ato de efeito concreto, a exemplo de um ato administrativo singular ou sentença, a declaração será de legitimidade ou ilegitimidade do objeto, a qual, contudo, pode vir acompanhada de declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei sobre que se funda o ato impugnado (MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1119-1120).


4. Conclusão

O que se instituiu no Brasil, em sede de ADIN e ADC, foi, de modo inequívoco, uma específica modalidade de precedente formalmente vinculante em um sistema jurídico de tradição reconhecidamente romanista. Trata-se de inovação que alterou sobremaneira a postura dos cientistas e profissionais do Direito, na medida  em que se viram obrigados a acompanhar com especial atenção a atividade judiciária do Supremo Tribunal Federal, o qual passou a interferir diretamente no conteúdo do ordenamento jurídico. A sistemática do controle concentrado de constitucionalidade, com decisão do STF dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante, de observância obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública federal, estadual e municipal, é demonstração evidente da aproximação entre os sistemas jurídicos de common law e civil law pela via do prestígio da jurisprudência como fonte do Direito. Mais que isso, foi o estopim de um processo de transformação do Judiciário brasileiro que culminará com a vinculação às decisões dos tribunais superiores como regra, nos moldes do PLNCPC.

No caso da ADPF, o efeito legal das decisões do STF também é exemplo claro do ganho de influência dos precedentes judiciais no direito brasileiro. A eficácia geral e o efeito vinculante da decisão que resulta do processo, dotado de objeto nitidamente mais amplo que o da ADIN e da ADC, evidenciam, mais uma vez, a tomada de consciência da comunidade jurídica brasileira acerca da necessidade de estruturar o Judiciário nacional a partir de um sistema de precedentes vinculantes. O esforço em dar aplicabilidade ao regramento constitucional relativo à arguição de descumprimento de preceito fundamental, ante o caráter subsidiário de seu cabimento na jurisdição constitucional, revela não se tratar a inovação de simples empenho por reduzir a carga de processos distribuídos ao Supremo Tribunal Federal, mas de uma normativa consciente, direcionada a propiciar uma jurisdição mais célere, isonômica e de resultados, que passa pela reafirmação do papel de corte constitucional do STF e pela utilização racional do trabalho da Corte Maior pelos órgãos judiciários de inferior instância. Na medida em que até mesmo a Administração Pública passou a estar vinculada às decisões do Supremo em sede de controle de constitucionalidade, alteraram-se sobremaneira as próprias bases do processo decisório brasileiro, em transformação radical e abrupta, como sói suceder nas mudanças históricas, verdadeiramente significativas.


Notas

[1] BRASIL, 1988, P. 1: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

[2] A considerar a omissão inconstitucional, os autores elencam, também, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de Injunção como formas de controle concentrado.

[3] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993). (...) Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. § 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal. § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. § 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.”

[4] BRASIL, 1999, p. 1: “Art. 3o A petição indicará: I - o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações; II - o pedido, com suas especificações. Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de procuração, quando subscrita por advogado, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação. Art. 4o A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator. Parágrafo único. Cabe agravo da decisão que indeferir a petição inicial. Art. 5o Proposta a ação direta, não se admitirá desistência. (...) Art. 6o O relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado. Parágrafo único. As informações serão prestadas no prazo de trinta dias contado do recebimento do pedido. Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. (...) § 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. Art. 8o Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos, sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de quinze dias. Art. 9o Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento. § 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. § 2o O relator poderá, ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição. § 3o As informações, perícias e audiências a que se referem os parágrafos anteriores serão realizadas no prazo de trinta dias, contado da solicitação do relator.”

[5] BRASIL, 1999, p. 1: “Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória. Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão. Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.”

[6] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 102. (...) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

[7] Consoante reconhecido no RISTF, art. 175, esse tipo de decisão do STF, que é prévia à intervenção federal, faz coisa julgada material. Cf. MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1196.

[8] Para Gilmar Ferreira Mendes, há coisa julgada material na decisão do Supremo Tribunal Federal que controla a constitucionalidade em abstrato, sendo esse um dos fundamentos do efeito vinculante. Segundo o autor, a possibilidade de o STF reapreciar a matéria é lastreada na alteração das condicionantes materiais e fáticas da jurisdição constitucional, que, em seu entender, contribuem para a formação de nova demanda judicial por substituição da causa de pedir remota. Cf. MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1214-1219.

[9] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;”

[10] BRASIL, 2003, p. 1: “RECLAMAÇÃO. CABIMENTO. AFRONTA À DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1662-SP. SEQÜESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. PRECATÓRIO. VENCIMENTO DO PRAZO PARA PAGAMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL 30/00. PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Preliminar. Cabimento. Admissibilidade da reclamação contra qualquer ato, administrativo ou judicial, que desafie a exegese constitucional consagrada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma oblíqua. 2. Ordem de sequestro deferida em razão do vencimento do prazo para pagamento de precatório alimentar, com base nas modificações introduzidas pela Emenda Constitucional 30/2000. Decisão tida por violada - ADI 1662-SP, Maurício Corrêa, DJ de 19/09/2003: Prejudicialidade da ação rejeitada, tendo em vista que a superveniência da EC 30/00 não provocou alteração substancial na regra prevista no § 2º do artigo 100 da Constituição Federal. 3. Entendimento de que a única situação suficiente para motivar o sequestro de verbas públicas destinadas à satisfação de dívidas judiciais alimentares é a relacionada à ocorrência de preterição da ordem de precedência, a essa não se equiparando o vencimento do prazo de pagamento ou a não inclusão orçamentária. 4. Ausente a existência de preterição, que autorize o sequestro, revela-se evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta, que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. A decisão do Tribunal, em substância, teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação. Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados, uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional. 5. Mérito. Vencimento do prazo para pagamento de precatório. Circunstância insuficiente para legitimar a determinação de sequestro. Contrariedade à autoridade da decisão proferida na ADI 1662. Reclamação admitida e julgada procedente.”

[11] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 102, § 1º, CF/88: § 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado do parágrafo único em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93)“

[12] Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino fazem as seguintes considerações, com exemplos: “Segundo pensamos, a orientação vigente no âmbito do STF é que, em uma primeira análise, deve ser avaliada a possibilidade de afastar a suposta lesividade mediante o uso de algumas das ações integrantes de nosso controle abstrato de normas. Se for possível obter, realmente, o efeito desejado, mediante o uso, por exemplo, de uma ação direta de inconstitucionalidade, é certo que o Pretório Excelso não conhecerá a ADPF, por desatendimento à regra da subsidiariedade ora em comento. Todavia, ainda que se conclua que na há uma ação integrante do controle abstrato de constitucionalidade apta a sanar, realmente, o estado de lesividade, mesmo assim, se houver algum outro meio processual eficaz na prática (e não só na teoria), especialmente, se ele já tiver sido concretamente usado antes da propositura da ADPF, o Supremo Tribunal Federal não conhecerá a arguição. Foi o que aconteceu, por exemplo, no Referendo em Medida Cautelar na ADPF 172/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, decidido em 10.06.2009. Nessa ocasião, os Ministros do STF entenderam não caber a ADPF por existirem outros remédios jurídicos, dotados de igual eficácia, para sanar a lesividade, apontando, especialmente, para o fato de que, no caso, os interessados na ADPF já haviam impetrado habeas corpus e mandado de segurança, bem como ajuizado ação cautelar, visando a reverter a situação que entendiam lesiva a preceito fundamental. Em síntese, entendemos que a posição dominante no âmbito do Supremo Tribunal Federal, atualmente, seja pelo não cabimento da ADPF, em princípio, quando a lesividade da situação que se pretenda afastar possa ser efetivamente sanada mediante alguma das demais ações integrantes do controle abstrato de normas. Entretanto, mesmo que não exista uma ação no controle abstrato de constitucionalidade apta a neutralizar, a Corte não conhecerá da ADPF se constatar que, para aquele caso concreto, existe algum outro meio processual apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade.” Cf. PAULO; ALEXANDRINO, 2012, p. 902-903.

[13] Nesse último caso, o RE não se mostra meio eficaz à solução da violação coletiva a preceito fundamental pela limitação do efeito da decisão nele proferida, que faz coisa julgada somente em relação às partes da demanda concreta. Cf. MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 1101.

[14] BRASIL, Lei n.º 9.882, 1999, p. 1: “Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. § 1º O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente. § 2o Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União. § 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público. Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Art. 12. A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em arguição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória. Art. 13. Caberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do seu Regimento Interno.”


Referências

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Autor

  • Cláudio Ricardo Silva Lima Júnior

    Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - dupla diplomação. Ex-Assessor da Justiça Federal de Primeira Instância na 5ª Região. Ex-Assessor do Ministério Público Federal na 1ª Região. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

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LIMA JÚNIOR, Cláudio Ricardo Silva. Eficácia erga omnes no controle concentrado de constitucionalidade e sistema de precedentes vinculantes no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4104, 26 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30502. Acesso em: 23 abr. 2024.