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Abstrativização do recurso extraordinário. Mutação do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro

Abstrativização do recurso extraordinário. Mutação do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro

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Nosso controle de constitucionalidade está em franca mutação, havendo uma crescente valorização da jurisprudência, principalmente do Supremo Tribunal Federal, aproximando o sistema difuso do concentrado com maior efetividade.

Palavras-chave: Controle de constitucionalidade – mutação – abstrativização - sistema difuso - recurso extraordinário - sistema concentrado - efeitos.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. As técnicas de controle de constitu­­ciona­li­dade no direito comparado. 2.1. O sistema norte-americano 2.2. O sistema austríaco 2.3. O sistema alemão 3. Evolução histórica do sistema de controle de consititucionalidade brasileiro. 3.1. A Constituição Imperial. 3.2. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1891. 3.3. A Constituição de 1934 e o controle de constitucio­na­lidade. 3.4. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1937. 3.5. A Constituição de 1946 e o sistema de controle de consti­tu­cionalidade. 3.6. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1967/69. 3.7. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1988. 4. ABSTRATIVIZAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 4.1. O sistema concentrado de controle de constitucionalidade. 4.2. O sistema difuso de controle de constitucionalidade. 4.3. Abstrativização ou objetivização do sistema difuso de controle de constitucionalidade. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1.    INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico aborda o importante e relevante tema inerente ao controle de constitucionalidade, fazendo-se uma abordagem, no Capítulo I, acerca das influências que nortearam o sistema pátrio, no Capítulo II, acerca da evolução histórica de nosso sistema ou modelo de controle de constitucionalidade, abordando historicamente todas as constituições, passando pela imperial, republicana, polca, até a vigente para, no Capítulo III, fazer uma abordagem mais específica dos sistemas de controle difuso e abstrato e sua mutação em nosso ordenamento jurídico.

Será enfocado o Recurso Extraordinário, tendo em vista tratar-se de recurso tendente à ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo em decisões emanadas de Juizados Especiais de Pequenas Causas, com as especificidades da objetivação ou abstrativização, capaz de tornar prejudicial o interesse subjetivo das partes.

O tema adquiriu fundamental relevância e notoriedade, à partir do habeas corpus que julgou inconstitucional artigo da lei dos crimes hediondos, possibilitando efeitos erga omnes, à partir de um caso concreto, subjetivo.

Estudar a mutação verificada no instrumento processual denominado recurso extraordinário é de fundamental importância, denotando que, cada vez, mais, de forma crescente, deverá ser valorizada a jurisprudências dos tribunais superiores em nosso sistema, à partir dos precedentes da Suprema Corte brasileira.


2. As técnicas de controle de constitu­­ciona­li­dade no direito comparado

2.1. O sistema norte-americano

Conforme ensina Gilmar Mendes[1], a Constituição americana assimilou a distinção entre a common law e a equity, consagrando que o competia ao Poder Judiciário exercer jurisdições paralelas de common law e eqüidade, com os procedimentos de ambos os sistemas (exception ou injunction), porém, a eqüidade somente seria aplicada na ausência dos instrumentos previstos na common law.

A evolução do sistema de controle de constitucionalidade nos Estados Unidos levaria à adoção da ação declaratória como técnica de controle de constitucionalidade. O pedido de injunction não configurava senão um test case, uma vez que o requerente pretendia uma declaração judicial sobre a validade da lei.

Ocorreram, outrora, sérias objeções quanto à possibili­dade de se utilizar a ação declaratória no controle de constitu­cio­na­lidade das leis, ao argumento de que tal procedimento era incompatível com o princípio da divisão de poderes.

A despeito da sólida posição doutrinária e jurisprudencial, a Suprema Corte teve que curvar-se e rever o entendimento que repudiava a ação declaratória como instrumento de controle de constitu­cionalidade.

A adoção da ação declaratória como técnica de controle de constitucionalidade concede maior flexibilidade ao sistema de controle, superando a exigência de um contraditório rígido, sendo relativizada sua importância.

Embora possa conceder maior flexibilidade ao sistema, a ação declaratória, como técnica de controle de constitucionalidade, não pode ser  confundida com o controle direto[2].

O Judiciary Act, de 1937, assegurou ao Governo Federal a possibilidade de intervir no processo entre particulares, quando enfocada a constitucionalidade de lei federal atinente ao interesse público, com o direito de o Poder Executivo apelar para a Corte Suprema contra decisão que declara a inconstitucionalidade de lei federal, bem como a vedação aos juízes singulares para conceder injunctions que afastem a aplicação de lei do Congresso, sob o fundamento de inconstitucionalidade, ocorrendo uma tendência de conferir importância à questão constitucional em debate, em detrimento ou prejudicialidade da causa eventualmente discutida entre particulares [3].

As sucessivas reformas legislativas reduziram as competências recursais da Corte Suprema, atribuindo-lhe um poder de rejeição e, em tempos mais recentes, em 1988, uma nova reforma acabou por eliminar, praticamente, a jurisdição de apelação, de caráter obrigatório, em relação aos tribunais federais[4], dependendo a admissão de recurso de um juízo da Corte sobre a existência de razões especiais relevantes[5].  

Nesta esteira, os processos perante a Suprema Corte passaram a ser processos objetivos.

A utilização do juízo de relevância, tem permitido que a Corte se limite a apreciar questões constitucionais[6].

2.2.     O sistema austríaco

O modelo austríaco enseja uma nova concepção de controle de constitucionalidade, tendo em vista a competência para dirimir as questões constitucionais, por intermédio de pedido especial, formulado pelo Governo Federal, relativo a leis estaduais, ou pelos Governos estaduais, com relação às leis federais, sem a demonstração de qualquer interesse particular ou subjetivo.

Competia ao Tribunal julgar a questão constitucional como pressuposto de uma controvérsia pendente, sem previsão, contudo, de um controle concreto de normas relativo aos processos pendentes perante outros juízos ou Tribunais, o que somente foi introduzido em 1929, conciliando-se o  sistema de controle direto com o concreto, no curso de uma demanda[7].

Neste ponto, importante citar Cappelletti, quando doutrina que

“todos os outros juízes devem, irremediavelmente, aplicar as leis aos casos concretos submetidas a seu julgamento, sem possibilidade de abster-se da aplicação, tampouco daquelas leis que sejam consideradas manifestamente ou macroscopicamente inconstitucionais”[8].

O sistema austríaco consagrou ao lado dos processos de controle abstrato e concreto e dos recursos constitucionais espe­ciais, uma modalidade preventiva de controle de normas.

Podem ser objeto de controle de constitucionalidade as leis federais ou estaduais e os regulamentos editados pelas autoridades administrativas, cuja legitimidade há de ser verificada em relação à Constituição e da lei ordinária.

O parâmetro do controle de constitucionalidade, no sistema austríaco, é a Constituição, ressaltando-se, porém, que a Convenção Européia de Direitos Humanos integra formalmente o Direito Constitucional[9].

2.3.     O sistema alemão

O modelo de jurisdição concentrada concebido por Kelsen, e consagrado pela Constituição austríaca de 1920-1929, veio a ser adotado, inicialmente, na Itália e na Alemanha, sendo, semelhantes na estrutura, pois a utilização da ação direta, com titularidade para certos órgãos políticos e eficácia erga omnes das decisões proferidas pela Corte Constitucional.

Outrossim, as Constituições italiana e alemã não contêm a omissão inaugural do sistema austríaco em relação controle judicial concreto[10].

Ao combinar o controle direto e o controle concreto, imaginava Kelsen ter superado o grande problema identificado nos Estados Unidos, onde se ressentia da falta de uma modalidade autônoma de controle.

Na Alemanha a jurisdição constitucional é dotada de singular relevância, tendo em vista o direito de instituir a sua própria Justiça Constitucional, tendo sido convertida a jurisdição constitucional em pedra de toque do sistema político tedesco.

A Lei do Bundesverfassungsgericht não contém disciplina exaustiva de atos e procedimentos, podendo as lacunas ser preenchidas de forma analógica de outras regras processuais., assumindo o regimento interno do Tribunal o caráter de uma ordem processual complementar[11].

Embora existam diferenças relevantes entre os sistemas difuso e concentrado e da diversidade das influências filosóficas que lhes dão sustentáculo,  os modelos americano e europeu contém hoje mais pontos em comum, sendo o modelo americano revelador de uma forte prevenção em relação ao legislador; o modelo europeu, além dessa desconfiança, traz em acréscimo uma dúvida em relação ao papel do juiz.[12]

A possibilidade das instâncias singelas suscitarem a questão constitucional diretamente na Corte Constitucional (controle concreto) relativiza a concepção de um monopólio de controle de constitucionalidade, passando as instâncias ordinárias a um papel importante na deflagração do processo de controle de constitucionalidade, principalmente quanto à ilegitimidade, aproximando-se, nesse ponto, o sistema concentrado do modelo difuso.

A jurisdição constitucional experimenta hoje variações nas mais diversas perspectivas; é possível que o sistema concreto de controle seja o mais usual, sendo o recurso constitucional é um dos mais importantes instrumentos de interpretação e construção do direito constitucional[13].


3. Evolução histórica do sistema de controle de consititucionalidade brasileiro

3.1. A Constituição Imperial

A Constituição de 1824 não contemplava qualquer sistema assemelhado aos modelos modernos de controle de constitucionalidade, sendo certo que a  influência francesa possibilitou que se outorgasse ao Legislativo a atribuição de “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las”, bem como “velar na guarda da Constituição” (art. 15, n. 8º e 9º).[14], consagrando o dogma da soberania do Parlamento.

De outra forma, o Poder Moderador assegurava ao Chefe de Estado o poder-dever de velar para “a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes” (art. 98).

Não havia lugar nesse período para o modelo de controle judicial de constitucionalidade[15].

3.2. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1891

O regime republicano traz uma nova concepção, com a influên­cia do direito norte-americano sobre personalidades como a de Rui Barbosa, foi decisiva para a consolidação do sistema difuso, desde a Constituição Provisória de 1890 (art. 58, § 1º, a e b).

O Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, estabeleceu, no seu art. 3º, que, na guarda e aplicação da Constituição e das leis nacio­nais, a magistratura federal só intervirá em espécie e por provocação da parte, consagrando o sistema de controle por via de exceção[16].

A Constituição de 1891 incorporou essas disposições, reconhecendo a competência do Supremo Tribunal Federal para rever as sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, quando se questionasse a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do Tribunal fosse contra ela, ou quando se contestasse a validade de leis ou atos federais, em face da Constituição ou das leis federais, e a decisão do Tribunal considerasse válidos esses atos ou leis impugnadas (art. 59, § 1º, a e b).

A Lei de n. 221, de 20 de novembro de 1894, explicitou, ainda mais, o modelo judicial de controle de constitucionalidade, consagrando no art. 13, § 10, a seguinte cláusula: “Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou com a Constituição”.

A reforma constitucional de 1926 empreendeu algumas alterações, sem modificar, no entanto, a substância.

Consolidava-se, assim, o amplo sistema de controle difuso de constitucionalidade do direito brasileiro, com a consciência de que o controle não se faria in abstracto.

3.3. A Constituição de 1934 e o controle de constitucio­na­lidade

A Constituição de 1934 empreendeu importantes alterações no nosso sistema de controle de constitucionalidade, mantendo, no art. 76, III, b e c, as disposições contidas na Constituição de 1891, o constituinte determinou que a declaração de inconstitucionalidade somente poderia ser realizada pela maioria da totalidade de membros dos tribunais, evitando, assim, insegurança jurídica decorrente de decisões flutuantes nos tribunais (art. 179).

Consagrava ainda a Constituição a competência do Senado Federal para “suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”.

A maior inovação do texto de 1934 foi a “declaração de inconstitucionalidade para evitar a intervenção federal”, tal como mencionou Bandeira de Mello[17], ou seja, a representação interventiva, confiada ao Procurador-Geral da República.

A Constituição de 1934 proibia fossem julgadas pelo Poder Judiciário as questões políticas, prevendo o art. 68 ser “é vedado ao Poder Judiciário conhecer das questões exclusivamente políticas”.

Por derradeiro, insta observar que, na Constituinte de 1934, foi apresentado projeto de instituição de uma Corte Constitucional, inspirada no modelo austríaco e, na fundamentação da proposta, fazia-se referência à conferência de Kelsen sobre a essência e o desenvolvimento da jurisdição constitucional[18].

3.4. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1937

A Carta de 1937 traz um retrocesso no sistema de controle, embora não tenha introduzido qualquer modificação no modelo difuso de controle, uma vez que  o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando, no art. 96, parágrafo único, princípio segundo o qual, na hipótese de ser declarada a inconstitu­cionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderia este submetê-la novamente ao Parlamento  que, confirmada a validade da lei por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, tornava ineficaz a decisão do Judiciário, criando-se uma singular modalidade de revisão constitucional, pois a lei confirmada passava a ter a mesma eficácia de uma emenda à Constituição[19].

3.5. A Constituição de 1946 e o sistema de controle de consti­tu­cionalidade

A Constituição Federal de 1946 restaura o tradicional controle judicial no direito brasileiro e disciplinou a apreciação dos recursos extraordinários:

A Constituição de 1946 empreendeu nova formatação à ação direta de inconstitucionalidade (introduzida no Texto Magno de 1934), subordinando-se a intervenção federal à declaração de inconstitucionalidade do ato pelo Supremo Tribunal Federal (art. 8º, parágrafo único).

Embora o constituinte tenha deferido a titularidade da ação direta ao Procurador-Geral da República, a disciplina da denominada representação interventiva configurava uma peculiar modalidade de composição de conflito entre a União e o Estado, aferindo eventual violação de deveres constitucionalmente impostos ao ente federado[20].

A argüição de inconstitucionalidade direta teve larga utilização no regime constitucional inaugurado em 1946.

A Emenda n. 16, de 26 de novembro de 1965, instituiu, ao lado da representação interventiva, e nos mesmos moldes, o controle abstrato de normas estaduais e federais. A reforma realizada objetivava novos rumos à estrutura do Poder Judiciário.

Nos termos do Projeto de Emenda à Constituição, o art. 101, I, k, passava a ter a seguinte redação:

“k) a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”.

E o art. 5º do Projeto acrescentava os seguintes parágrafos ao art. 101:

“§ 1º Incumbe ao Tribunal Pleno o julgamento das causas de competência originária (inciso I), das prejudiciais de inconstitu­cionalidade suscitadas pelas Turmas, dos recursos interpostos de decisões delas, se divergirem entre si na interpretação do direito fe­deral, bem como dos recursos ordinários nos crimes políticos (inciso II, c) e das revisões criminais (inciso IV).­

§ 2º Incumbe às Turmas o julgamento definitivo das matérias enumeradas nos incisos II, a e b, e III deste artigo.

§ 3º As disposições de lei ou ato de natureza normativa, consideradas inconstitucionais em decisão definitiva, perderão eficácia, a partir da declaração do Presidente do Supremo Tribunal Federal publicada no órgão oficial da União”.

E o art. 64 da Constituição passava a ter a seguinte redação:

“Art. 64. Incumbe ao Presidente do Senado Federal, perdida a eficácia de lei ou ato de natureza normativa (art. 101, § 3º), fazer publicar no Diário Oficial e na Coleção das leis, a conclusão do julgado que lhe for comunicado”[21].

No que pertine ao controle de constitucionalidade da lei municipal, a Emenda n. 16 consagrou, no art. 124, XIII, regra que outorgava ao legislador a faculdade para “estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Município em conflito com a Constituição do Estado”.

É interessante notar que, sem se inspirar diretamente em Kelsen, o legislador constituinte brasileiro acabou por positivar idéia de um advogado da Constituição (CF de 1967/69, art. 119, I, l).

3.6. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1967/69

A Constituição de 1967 não realizou grandes inovações no sistema de controle de constitucionalidade, mantendo intocado o controle difuso e a ação direta de tendo subsistido, como prevista na Constituição de 1946, com a Emenda n. 16, de 1965.

A representação para fins de intervenção, de titularidade do Procurador-Geral da República, foi ampliada, para assegurar mais do que a observância dos chamados princípios sensíveis (art. 10, VII), como também garantir a execução de lei federal (art. 10, VI, 1ª parte). A competência para suspender o ato estadual foi transferida para o Presidente da República (art. 11, § 2º), preservando-se o controle de constitucionalidade in abstracto, como previsto na Emenda n. 16, de 1965 (art. 119, I, l).

A Emenda n. 7, de 1977, introduziu, juntamente com a representação de inconstitucionalidade, a representação para fins de interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual, outorgando ao Procurador-Geral da República a legitimidade para provocar o Supremo Tribunal Federal (art. 119, I, e), na tentativa de evitar a proliferação de demandas, com a fixação da exegese da lei.

A Emenda n. 7, de 1977, findou a controvérsia sobre a utilização de liminar em representação de inconstitucionalidade, reconhecendo a com­petência do Supremo Tribunal para o pedido de cautelar, efetuado pelo Procurador-Geral da República (CF de 1967/1969, art. 119, I).

Poucas questões suscitaram tantas e tão intensas discussões quanto à da eventual discricionariedade do Procurador-Geral da República para oferecer ou não a representação de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal. A doutrina, manifestou-se pela obrigatoriedade de o Procurador-Geral da República submeter a questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal[22].

Outros autores como Celso Agrícola Barbi (Evolução do controle de constitucionalidade das leis no Brasil, RDP, 4:40), José Carlos Barbosa Moreira (As partes na ação declaratória de inconstitucionalidade, Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado da Guanabara, 13:67), José Luiz de Anhaia Mello (Os princípios constitucionais e sua proteção, São Paulo, 1966, p. 24), Sérgio Ferraz (Contencioso constitucional, comentário a acórdão, Revista de Direito, 20:218) e Raimundo Faoro (voto no Conselho Federal da OAB, Arquivos, 118:47), apoiaram a tese da “faculdade do exercício da ação pelo Procurador-Geral da República”.

Como concebida, a representação de inconstitucionalidade tinha caráter dúplice ou natureza ambivalente, permitindo ao Procurador-Geral submeter a questão constitucional ao Supremo Tribunal quando estivesse convencido da inconstitucionalidade da norma ou, mesmo quando convencido da higidez da situação jurídica, surgissem controvérsias relevantes sobre sua legitimidade.

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, na versão de 1970, consagrou expressamente essa idéia (DJ, 4 set. 1970, p. 3971 e s.):

“Art. 174.................

§ 1º Provocado por autoridade ou por terceiro para exercitar a iniciativa prevista neste artigo, o Procurador-Geral, entendendo improcedente a fundamentação da súplica, poderá encaminhá-la com parecer contrário”.

Essa cláusula foi alterada em 1980, passando o Regimento Interno a conter as seguintes disposições:

“Art. 169. O Procurador-Geral da República poderá submeter ao Tribunal, mediante representação, o exame de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que seja declarada a sua inconstitu­cio­nalidade.

§ 1º Proposta a representação, não se admitirá desistência, ainda que afinal o Procurador-Geral se manifeste pela sua improcedência”.

Continuou o Procurador-Geral a fazer representações de inconstitucionalidade, ressaltando a relevância da questão e opinando, de quando em vez, pela constitucionalidade da norma.

Ressalte-se, pois, que a idéia inerente à fórmula regimental (RISTF, art. 169) — concepção constante da Emenda Constitucional n. 16 — era a de que o Procurador-Geral da República poderia efetuar o controle abstrato de normas quando surgissem “controvérsias constitucionais”.

Muitas decisões importantes foram proferidas no processo abstrato de normas, como aquelas nas quais se reconheceu a existência do princípio da proporcionalidade como postulado constitucional[23]

O maior mérito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob a vigência das Constituições de 1946 (Emenda n. 16, de 1965) e de 1967/69, está relacionado com a definição da natureza jurídico-processual do processo de controle abstrato, com a identificação da natureza objetiva desse processo, a caracterização da iniciativa do Procurador-Geral da República como simples impulso processual e o reconhecimento da eficácia erga omnes das decisões de mérito proferidas.

3.7. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1988

O intenso debate de outrora sobre o monopólio da ação por parte do Procurador-Geral da República não promoveu mudança na jurisprudência consolidada sobre o assunto, mas foi decisiva para a alteração produzida pelo constituinte de 1988, com a ampliação da legitimação em relação à ação direta.

Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988, dispõem de legitimidade para propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

A Constituição de 1988 mitigou o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso, ao ampliar a legitimação para propositura da ação direta de inconsti­tu­cio­na­lidade (CF, art. 103), autorizando que, praticamente, todas as contro­vér­sias constitucionais relevantes fossem conhecidas pelo Supremo Tribunal Federal por intermédio do controle abstrato de normas.

Ao ampliar a legitimidade para provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.

A Constituição de 1988 conferiu ênfase não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, tendo em vista que as questões constitucionais passam a ser veiculadas por intermédio de ação direta de inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal.

A Emenda Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993, disciplinou o instituto da ação declaratória de constitucionalidade, introduzido no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, firmando a competência do STF para conhecer e julgar a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, processo cuja decisão definitiva de mérito possuirá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Executivo e do Judiciário.


4. ABSTRATIVIZAÇÃO DO SISTEMA DIFUSO

Partindo do pressuposto de diferentes concepções filosóficas e de experiências históricas diversificadas, o controle judicial de constitucionalidade continua a ser classificado, para finalidades didáticas, em modelo difuso e concentrado, ou, às vezes, entre sistema de controle de constitucionalidade americano e austríaco ou europeu.

Essas concepções quase que excludentes ensejaram o surgimento dos modelos mistos, combinando elementos dos dois sistemas básicos, citando-se como exemplos o sistema brasileiro e o sistema português.

O desenvolvimento desses dois modelos básicos aponta em diretriz de convergência a partir de certos referenciais.

O modelo concentrado (austríaco ou europeu) adota as ações individuais para a defesa de posições subjetivas e cria mecanismos específicos para a defesa dessas posições, como a atribuição de eficácia ex tunc da decisão para o caso concreto.

O sistema americano, por sua vez, perdeu em parte a característica de um modelo direcionado para a defesa de posições unicamente subjetivas e encampa uma modelagem processual que valora o interesse público em sentido amplo. 

4.1. O sistema concentrado de controle de constitucionalidade

O sistema concentrado de constitucionalidade teve origem no modelo austríaco, que se irradiou pela Europa por intermédio de Kelsen, e consiste na atribuição de “guardião” da Constituição a um único órgão. Desenvolve-se a partir de um processo objetivo, em que o interesse concreto das partes é irrelevante.

No Brasil, o controle concentrado é representado pela ação direita de inconstitucionalidade (Adin), visa atacar o vício da lei, em tese, estadual ou federal. O órgão competente para julgá-la é o STF, cuja decisão judicial faz coisa julgada erga omnes, podendo ter efeitos ex tunc e ex nunc, dependendo do caso em concreto, com inaplicabilidade imediata da lei e sem necessidade de suspensão pelo Senado Federal.

Em sua obra mais famosa “Teoria Pura do Direito”, Hans Kelsen fala sobre a situação da lei inconstitucional e seus efeitos. Para ele, não se pode dizer que uma lei inconstitucional seja uma lei inválida ou nula, pois na realidade ela não é sequer uma lei, pois “a afirmação de que uma lei válida é contrária à Constituição (anticonstitucional) é uma contradição, pois uma lei somente pode ser válida com fundamento na Constituição” (KELSEN, 1996 p. 300).

Kelsen utiliza-se, portanto, de um raciocínio lógico: a lei inconstitucional é como se não existisse, mas enquanto não for assim declarada, por procedimento constitucional, é válida.

No Brasil, foi adotado o sistema misto do controle de constitucionalidade, ocorrendo ao mesmo tempo o modelo americano de caso concreto (difuso); e paralelamente a ele o sistema europeu, denominado de abstrato.

As principais diferenças entre os dois sistemas de controle de constitucionalidade, estão no fato de que:

[...] enquanto no controle difuso, aberto a qualquer juiz, a constitucionalidade de uma lei é aferida com base no caso concreto submetido ao Judiciário, como causa de pedir, o sistema concentrado é chamado de abstrato justamente por abstrair, na análise da matéria, de qualquer caso concreto ou, de modo geral, de toda a realidade dos acontecimentos pertinentes direta ou indiretamente à norma em discussão. (PRADO, 2007 p. 58)

4.2. O sistema difuso de controle de constitucionalidade

Como visto em capítulo anterior da presente monografia, com o advento da República, consagrou-se o sistema difuso do controle de constitucionalidade, tendo se procedido em 1934 à introdução da ação direta, como procedimento preliminar do processo interventivo (CF 1934, art. 12), consolidando-se em 1946 o desenvolvimento da representação interventiva contra lei ou ato normativo estadual (CF 1946, art. 8º § único); somente em 1965, com a representação de inconstitucionalidade, passa a integrar o nosso sistema a modalidade de controle abstrato de normas (Emenda nº 16/65 à Constituição de 1946).

A Constituição de 1967/1969, além de propor a representação interventiva em face do direito estadual (CF art. 11, § 1º, “c”) estabeleceu a representação de lei municipal, pelo chefe do Ministério Público local, para a intervenção estadual (art. 15, § 3º, d). 

Com a Emenda nº 7, de 1977, foi deferida ao Supremo Tribunal Federal a competência para conhecer e julgar representação do Procurador-Geral da República para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual.

Ao final da década de 80, conviviam no sistema de controle de constitucionalidade elementos do sistema difuso e do sistema concentrado de constitucionalidade, possibilitando, assim, o surgimento de um modelo híbrido ou misto de controle.

Se a intensa discussão sobre o monopólio da ação por parte do Procurador-Geral da República não levou a uma mudança na jurisprudência consolidada sobre o assunto, é fácil constatar que ela foi decisiva para a alteração introduzida pelo constituinte de 1988, com a significativa ampliação do direito de propositura da ação direta (CF, art. 103). 

A Constituição de 1988 conferiu ênfase, portanto, não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vez que, quase todas as controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo Tribunal Federal, por intermédio do processo de controle abstrato de normas. 

Desta forma, juntamente com o sistema difuso, que autoriza os juízes e tribunais afastar a aplicação da lei in concreto (CF 1988, art. 97, art. 102, III, a a c, art. 105, II, a e b) e dos novos institutos do mandado de segurança coletivo, do mandado de injunção, do habeas data e da ação civil pública, consagrou-se,  no  sistema constitucional brasileiro:

    a) a ação direta de inconstitucionalidade do direito federal e do direito estadual em face da Constituição, mediante provocação dos entes e órgãos referidos no art. 103 da Constituição;

    b) a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal em face da Constituição Federal, mediante provocação dos entes e órgãos referidos no art. 103 da Constituição;

    c) a representação interventiva, formulada pelo Procurador-Geral da República, contra ato estadual considerado afrontoso aos chamados princípios sensíveis ou, ainda, para assegurar a execução de lei federal;

    d) a ação direta por omissão, mediante provocação dos entes e órgãos referidos no art. 103 da Constituição.

Nesse novo contexto, deve-se estudar o controle incidental ou concreto de normas.

Como é sabido em direito, foi adotado, entre nós, de início, o modelo difuso de declaração de inconstitucionalidade[24].

A matéria não sofreu alterações profundas nos textos subseqüentes.

A instituição das garantias constitucionais do habeas corpus e do mandado de segurança individual e coletivo ampliou, significativamente, a chamada via de defesa ou de exceção contra o ato ou omissão eivados de inconstitucionalidade, admitindo-se, inclusive, a utilização desses remédios em caráter preventivo[25], inclusive, com o reconhecimento da legitimidade da ação declaratória como instrumento processual para obter a inconstitucionalidade de lei ou ato desconforme com a ordem constitucional[26].  A ação popular passa a constituir, também, forma judicial válida para provocar o controle jurisdicional da constitucionalidade[27].

Nos modelos concentrados, a diferenciação entre controle concreto e abstrato assenta-se, basicamente, nos pressupostos de admissibilidade.  O controle concreto de normas tem origem em uma relação processual concreta, constituindo a relevância da decisão, pressuposto de admissibilidade.

O controle abstrato, por sua vez, não está vinculado a uma situação subjetiva.

Assim, a característica fundamental do controle concreto ou incidental de normas parece ser o seu desenvolvimento inicial no curso de um processo, no qual a questão constitucional configura antecedente lógico.

4.3. Abstrativização ou objetivização do sistema difuso de controle de constitucionalidade

A matéria inerente ao controle incidental de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal sofreu significativas mudanças.

Neste sentido, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, já em  1940, consagrava, no art. 85, parágrafo único, que:

“se por ocasião do julgamento de qualquer feito se verificar que é imprescindível decidir-se sobre a constitucionalidade ou não de alguma lei, ou de certa e determinada disposição nela contida, ou de ato do Presidente da República, o Tribunal, por proposta do Relator, ou de qualquer de seus membros, ou a requerimento do Procurador-Geral, depois de findo o relatório, suspenderá o julgamento para deliberar na sessão seguinte, preliminarmente, sobre a argüida inconstitucionalidade, como prejudicial.”

O art. 86 do Regimento previa que, se a argüição de inconstitucionalidade ocorresse perante qualquer das Turmas, competia ao Tribunal Pleno julgar a prejudicial de inconstitucionalidade da lei ou ato impugnado.

O vigente Regimento do Supremo Tribunal Federal prevê, no art. 176:

“Argüida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, em qualquer outro processo submetido ao Plenário, será ela julgada em conformidade com o disposto nos arts. 172 a 174, depois de ouvido o Procurador-Geral.”

Nos processos de competência das Turmas, dar-se-á a remessa do feito ao julgamento do Plenário, em caso de relevante argüição de inconstitucionalidade (RISTF, art. 176, § 1º, c/c o art. 6º, II, a).

O julgamento da matéria exige quorum de oito ministros (RISTF, art. 143, parágrafo único), somente podendo ser proclamada a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do preceito ou ato impugnado se, num ou noutro sentido, se tiverem manifestado seis ministros (RISTF, art. 173, caput, c/c o art. 143).  No caso de ausência de ministros em número que possa influir no julgamento, proceder-se-á à sua suspensão, aguardando-se o comparecimento dos ausentes (RISTF, art. 173, parágrafo único), ou convocando-se ministros do Tribunal Federal de Recursos (RISTF, art. 40).

Não será declarada a inconstitucionalidade se não for alcançada a maioria de seis votos (RISTF, art. 173 c/c o art. 174).  Declarada, porém, a inconstitucionalidade, no todo ou em parte, serão comunicados os órgãos interessados, remetendo-se cópia autêntica da decisão ao Presidente do Senado Federal, para os fins do disposto no art. 42, VII, da Constituição Federal de 1967/1969.

A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, firmada nos termos do art. 178 do Regimento Interno, aplica-se a todos os casos submetidos às Turmas ou ao Plenário (RISTF, art. 103 c/c o art. 11, I e II), assegurando-se, porém, a qualquer ministro o direito de propor, em novos feitos, a revisão do entendimento assentado, não devendo ocorrer após a comunicação da decisão ao Senado Federal.

Nessa mesma linha, no julgamento do RE n° 102.553-DF[28], o Tribunal assumiu a condição de titular da guarda da Constituição para examinar a constitucionalidade de outras normas, ainda que não interessasse ao recorrente. Tratava-se da apreciação de uma Resolução do Senado Federal que versava matéria de alíquota de ICMS. No caso, na terminologia adotada à época, não se conheceu do recurso extraordinário do contribuinte porque não lhe interessava, na espécie, a declaração de inconstitucionalidade. Não obstante, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade do ato normativo.

Tem-se aqui também um quid de objetivação do processo de controle incidental no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

A Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, estabeleceu as seguintes regras aplicáveis ao recurso extraordinário interposto contra decisão das turmas recursais dos juizados especiais:

“Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

§ 1º O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.

§ 2º O pedido fundado em divergência entre decisões de Turmas de diferentes Regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por Juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

§ 3º A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica.

§ 4º Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

§ 5º No caso do § 4º, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 6º Eventuais pedidos de uniformização idênticos, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.

§ 7º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias.

§ 8º Decorridos os prazos referidos no § 7º, o relator incluirá o pedido em pauta na Seção, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os ‘habeas corpus’ e os mandados de segurança.

§ 9º Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 6º serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.

§ 10 Os Tribunais Regionais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição dos órgãos e os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.

Art. 15. O recurso extraordinário, para os efeitos desta lei, será processado e julgado segundo o estabelecido nos §§ 4º a 9º do art. 14, além da observância das normas do Regimento.”

Embora referentes ao incidente de uniformização a ser desenvolvido perante o STJ, essas regras (art. 14, §§ 4º a 9º) aplicam-se também ao recurso extraordinário, por força do art. 15 da aludida Lei. 

A Emenda Regimental nº 12 do Supremo Tribunal Federal, de 12 de dezembro de 2003, regulamentou a matéria no âmbito do Tribunal, fixando os novos parâmetros para o recurso extraordinário contra as decisões dos juizados especiais, nos termos seguintes:

[...] Art. 2º Fica acrescido ao artigo 321 do Regimento Interno o § 5º, incisos I a VIII, com o seguinte teor:

§ 5º Ao recurso extraordinário interposto no âmbito dos Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, aplicam-se as seguintes regras:

I - verificada a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio da ocorrência de dano de difícil reparação, em especial quando a decisão recorrida contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, ad referendum do Plenário, medida liminar para determinar o sobrestamento, na origem, dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida, até o pronunciamento desta Corte sobre a matéria;

II - o relator, se entender necessário, solicitará informações ao Presidente da Turma Recursal ou ao Coordenador da Turma de Uniformização, que serão prestadas no prazo de 05 (cinco) dias; 

III - eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão manifestar-se no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação da decisão concessiva da medida cautelar prevista no inciso I deste § 5º;

IV - o relator abrirá vista dos autos ao Ministério Público Federal, que deverá pronunciar-se no prazo de 05 (cinco) dias;

V - recebido o parecer do Ministério Público Federal, o relator lançará relatório, colocando-o à disposição dos demais Ministros, e incluirá o  processo em pauta para julgamento, com preferência sobre todos os demais feitos, à exceção dos processos com réus presos, habeas-corpus e mandado de segurança;

VI - eventuais recursos extraordinários que versem idêntica controvérsia constitucional, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais ou de Uniformização, ficarão sobrestados, aguardando-se o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal;

VII- publicado o acórdão respectivo, em lugar especificamente destacado no Diário da Justiça da União, os recursos referidos no inciso anterior serão apreciados pelas Turmas Recursais ou de Uniformização, que poderão exercer o juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se cuidarem de tese não acolhida pelo Supremo Tribunal Federal;

VIII - o acórdão que julgar o recurso extraordinário conterá, se for o caso, súmula sobre a questão constitucional controvertida, e dele será enviada cópia ao Superior Tribunal de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais, para comunicação a todos os Juizados Especiais Federais e às Turmas Recursais e de Uniformização.

Depreende-se desse normativo que o recurso extraordinário das decisões dos juizados especiais federais teve um tratamento diferenciado por parte do legislador, admitindo, expressamente, o encaminhamento de alguns recursos ao Supremo Tribunal e a retenção dos recursos idênticos nas Turmas recursais (art. 14, § 6º).

 Tendo em vista a possibilidade de reprodução de demandas idênticas, autoriza-se o relator a conceder liminar para suspender, de ofício ou a requerimento do interessado, a tramitação dos processos que versem sobre idêntica controvérsia constitucional. (art. 14, § 5º)[29]. Trata-se de disposição que se assemelha ao estabelecido no art. 21 da Lei n. 9.868/ 99, que prevê a cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, e no art. 5º, da Lei n. 9.882/99, que autoriza a cautelar em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental. 

Afastando-se da perspectiva subjetiva do recurso extraordinário, a Lei n. 10.259/2001, no art. 14, § 7º, autorizou o relator a pedir informações adicionais, se assim entender necessário, ao Presidente da Turma recursal ou ao Coordenador da Turma de Uniformização, podendo também ouvir o Ministério Público no prazo de 5 dias.

Na mesma linha, a aludida disposição permitiu que eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, se manifestem no prazo de 30 dias (art. 14 § 7º, 2ª. parte) . Trata-se de um amplo reconhecimento da figura do amicus curiae, que, como se sabe, já foi prevista na Lei n. 9868/ 99  (arts. 7º e 18, referentes à ADIn e à ADC; art. 482, do CPC, relativo ao incidente de inconstitucionalidade) e na Lei n. 9.882/99 (art. 6º, § 1º, a propósito da ADPF).

Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção  que caracteriza o recurso extraordinário, deixando de ter caráter subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, a função de defesa da ordem constitucional objetiva.

Nesse sentido, destaca-se a observação de Häberle segundo a qual “a função da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjectivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo”, dotado de uma “dupla função”, subjetiva e objetiva, “consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional objetivo”.[30]

Muito provavelmente, a fórmula adotada para o recurso extraordinário no âmbito dos juizados especiais federais, será estendida para os recursos extraordinários regulares, nos quais se discutam matérias repetitivas.

Neste sentido, de lege ferenda, o PL nº 12/2006 (nº 6.648/2006 na Câmara dos Deputados), que regulamenta o art. 102, § 3º da CF/88, aprovado no Senado e submetido à Câmara dos Deputados, recomenda-se a adoção de sistemática idêntica para os recursos extraordinários regulares: 

Congresso Nacional decreta: Art. 1° A Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 543-A e 543-B:

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1° Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2° Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 3° O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral."

O recurso extraordinário regular - especialmente aquele inserido no contexto das questões de massa - poderá merecer disciplina idêntica à adotada para o recurso especial dos juizados especiais federais e, portanto, dos processos objetivos.

Mas que efeitos hão de se reconhecer ao ato do Senado que suspende a execução da lei inconstitucional?

Lúcio Bittencourt afirma que “o objetivo do art. 45, nº IV – a referência diz respeito à Constituição de 1967 – é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos”[31].  Outros reconhecem que o Senado Federal pratica ato político que “confere efeito geral ao que era particular (...), generaliza os efeitos da decisão”[32].

    “Revogada uma lei, ela continua sendo aplicada, no entanto, às situações constituídas antes da revogação (art. 153, § 3º, da Constituição).  Os juízes e a administração aplicam-na aos atos que se realizaram sob o império de sua vigência, porque então ela era a norma jurídica eficaz.  Ainda continua a viver a lei revogada para essa aplicação, continua a ter existência para ser utilizada nas relações jurídicas pretéritas (...)

    A suspensão por declaração de inconstitucionalidade, ao contrário, vale por fulminar, desde o instante do nascimento, a lei ou decreto inconstitucional, importa manifestar que essa lei ou decreto não existiu, não produziu efeitos válidos.

    A revogação, ao contrário disso, importa proclamar que, a partir dela, o revogado não tem mais eficácia.

    A suspensão por declaração de inconstitucionalidade diz que a lei ou decreto suspenso nunca existiu, nem antes nem depois da suspensão.

    Há, pois, distância a separar o conceito de revogação daquele da suspensão de execução de lei ou decreto declarado inconstitucional.  O ato de revogação, pois, não supre o de suspensão, não o impede, porque não produz os mesmos efeitos.”[33]

O sistema de controle de constitucionalidade encontra-se em um período transição.

Embora a Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, tenha autorizado o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos limitados, é importante questionar sobre a admissibilidade do uso dessa técnica de decisão no âmbito do controle difuso.

Segundo a doutrina, a jurisprudência americana evoluiu para admitir, ao lado da decisão de inconstitucionalidade com efeitos retroativos amplos ou limitados (limited retrospectivity), a superação prospectiva (prospective overruling), que tanto pode ser limitada (limited prospectivity), aplicável aos processos iniciados após a decisão, inclusive ao processo originário, como ilimitada (pure prospectivity), que sequer se aplica ao processo que lhe deu origem.[34]

Cavalcanti O sistema difuso ou incidental americano, marcadamente tradicional, passou a admitir a diminuição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, em casos determinados, até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro.

Assim, ressalte-se que modelo difuso não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dos efeitos.

Rui Medeiros doutrina:

“-- É sabido, desde logo, que existem domínios em que a restrição do alcance do julgamento de inconstitucionalidade não é, por definição, susceptível de pôr em causa esse direito fundamental (v.g., invocação do nº 4 do art. 282 para justificar a aplicação da norma penal inconstitucional mais favorável ao argüído do que a norma repristinada);

-- Além disso, mostra-se claramente claudicante a representação do direito de acção judicial como um direito a uma sentença de mérito favorável, tudo apontando antes no sentido de que o artigo 20 da Constituição não vincula os tribunais a ‘uma obrigação-resultado (procedência do pedido) mas a uma mera obrigação-meio, isto é, a encontrar uma solução justa e legal para o conflito de interesse entre as partes’;

-- Acresce que, mesmo que a limitação de efeitos contrariasse o direito de acesso aos tribunais, ela seria imposta por razões jurídico-constitucionais e, por isso, a solução não poderia passar pela absoluta prevalência do interesse tutelado pelo art. 20 da Constituição, postulando ao invés uma tarefa de harmonização entre os diferentes interesse em conflito;

-- Finalmente, a admissibilidade de uma limitação de efeitos na fiscalização concreta não significa que um tribunal possa desatender, com base numa decisão puramente discricionária, a expectativa daquele que iniciou um processo jurisdicional com a consciência da inconstitucionalidade da lei que se opunha ao reconhecimento da sua pretensão. A delimitação da eficácia da decisão de inconstitucionalidade não é fruto de ‘mero decisionismo’ do órgão de controlo. O que se verifica é tão-somente que, à luz do ordenamento constitucional no seu todo, a pretensão do autor à não-aplicação da lei desconforme com a Constituição não tem, no caso concreto, fundamento.”[35]

Assim, o STF pode declarar a inconstitucionalidade restrita, sem qualquer ressalva, essa decisão afeta os demais processos com pedidos idênticos pendentes de decisão nas diversas instâncias. Os próprios fundamentos constitucionais legitimadores da restrição embasam a declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex nunc nos casos concretos. A inconstitucionalidade da lei há de ser reconhecida a partir do trânsito em julgado. Os casos concretos ainda não transitados em julgado hão de ter o mesmo tratamento (decisões com eficácia ex nunc) se e quando submetidos ao STF.

O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de discutir a aplicação do art. 27 da Lei n. 9868/99 em alguns casos.

No primeiro, controvertia-se sobre a constitucionalidade do parágrafo único do art. 6º da Lei Orgânica 222, de 31 de março de 1990, do Município de Mira-Estrela- SP, que teria fixado seu número de vereadores em afronta ao disposto no art. 29, IV, da Constituição. É que tal disposição prevê que o número de vereadores seja fixado proporcionalmente à população local, observando-se, nos Municípios de até um milhão de habitantes, a relação de um mínimo de 9 e um máximo de 21. Acolhendo proposta formulada em voto-vista por mim proferido, o Tribunal houve por bem consagrar que a decisão de inconstitucionalidade seria dotada de efeito “pro futuro”[36].

O segundo caso diz respeito à mudança de orientação jurisprudencial a propósito da exigência de recolhimento à prisão para que o acusado pudesse apelar, discutido na Reclamação nº 2.391. Embora a matéria ainda esteja pendente, em razão de pedido de vista, a discussão demonstra que tais casos de revisão de jurisprudência amplamente consolidada no âmbito do Tribunal tornam relevante a discussão em torno dos efeitos da decisão, pois tal mudança certamente repercutirá sobre casos já julgados. Parece que, no presente caso, o Tribunal encaminha-se para reconhecer que a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei nº 9.034/95 há de ser declarada com efeitos “ex nunc”[37].

O terceiro caso refere-se à decisão proferida na ADI nº 3.022, de 18.08.2004, na qual declarou o Tribunal a inconstitucionalidade de lei do Rio Grande do Sul, reconhecendo-se, pela primeira vez, que a decisão teria eficácia pro futuro[38].

Por fim, mencione-se o julgamento do HC nº 82.959, de 23.02.2006, quando o Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diploma legal. Entendeu-se, no caso, que a vedação de progressão de regime, prevista na norma impugnada, afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei 8.072/90, art. 5º). No entanto, explicitou o Tribunal que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas na data do julgamento, esclarecendo que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão. Mais uma vez, portanto, conferiu o Tribunal efeitos restritivos às suas declarações de inconstitucionalidade[39].

Eis a ementa de importante e famoso precedente jurisprudencial envolvendo a matéria:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CRIME HEDIONDO. DIREITO À PROGRESSÃO DE REGIME. DECISÃO NÃO DECIDIDA NAS INSTÂNCIAS COMPETENTES. SÚMULA 691/STF. EFEITOS DA DECISÃO NO HC 82.959. INCIDÊNCIA DA LEI Nº 11.464/2007. IRRETROATIVIDADE DE LEI PENAL MATERIAL MAIS GRAVOSA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da inadmissibilidade de impetração sucessiva de habeas corpus sem o julgamento definitivo do writ anteriormente impetrado. Súmula 691/STF. 2. Os fundamentos da impetração ensejam a concessão da ordem de ofício. A Lei nº 11.464/2007 é de se aplicar apenas a fatos praticados após a sua vigência. Quanto aos crimes hediondos cometidos antes da entrada em vigor da mencionada Lei nº 11.464/2007, a progressão de regime está condicionada ao preenchimento dos requisitos do art. 112 da LEP. Precedentes. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar ao Juízo da Execução Criminal que proceda a novo exame dos requisitos para a progressão, embasado no art. 112 da LEP.

Decisão: A Turma não conheceu do pedido de habeas corpus. Concedeu,   porém, de ofício, a ordem para afastar a incidência da Lei 11.464/2007, nos termos do voto do Relator. Unânime. 1ª Turma, 03.06.2008.” (HC 94212 DJe-177  DIVULG 18-09-2008  PUBLIC 19-09-2008).

A partir do julgamento desta matéria – progressão de regime em crimes hediondos – tornou-se muito difundida a questão da abstrativização do recurso extraordinário, já existente em nosso sistema.


CONCLUSÃO

O modelo de controle de constitucionalidade adotado no Brasil, inicialmente, era o difuso, passando a ser adotado o sistema concentrado, à partir da representação interventiva.

No sistema concentrado, a matéria constitucional recebe tratamento objetivo, pouco importando os direitos (em concreto) das partes envolvidas, para este julgamento, que produz efeito vinculante para o Poder Público e erga omnes.

Com a Constituição da República de 1988, mitigou-se a importância do sistema difuso de controle de constitucionalidade no Brasil, passando a ganhar importância no cenário jurisprudencial o sistema concentrado, com ampliação dos legitimados ativos e aumento de representatividade das minorias.

Entretanto, verifica-se o sistema em franca mutação constitucional, tendo em vista que instrumentos processuais empregados no sistema difuso, devido à relevância da argüição, podem vir a ser transformados em processos objetivos, em que as partes são afastadas do julgamento e, a causa de pedir, tornada prejudicial ao julgamento da inconstitucionalidade.

Referida mutação está positivada tanto no Regimento Interno do STF quanto na legislação que trata dos recursos repetitivos nos Juizados Especiais, em matéria de Recurso Extraordinário.

Entretanto, é de se ressaltar que não somente o Recurso Extraordinário é passível de objetivização, mas, também, outros recursos e remédios constitucionais, como o Habeas Corpus, no caso emblemático envolvendo progressão de crimes hediondos.

Percebe-se, portanto, que o nosso controle de constitucionalidade está em franca mutação, havendo uma crescente valorização da jurisprudência, principalmente do Supremo Tribunal Federal, aproximando o sistema difuso do concentrado com maior efetividade.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] MENDES, Gilmar Ferreira. Os diferentes tipos de inconstitucionalidade. Material da 2ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG.

[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Os diferentes tipos de inconstitucionalidade. Material da 2ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG.

[3] Segado, Francisco Fernandez. La Obsolescencia de la Bipolaridad Tradicional, de los sistemas de justicia constitucional. Porto Alegre. Sintese-IDP (material da 1ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional – UNISUL-IDP-REDE LFG), p. 69.

[4] SEGADO, Francisco Fernandez. Op. cit., p. 75-76.

[5] Idem, p. 76.

[6] MENDES, Gilmar Ferreira. Análise do direito comparado e nacional Material da 1ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG, p. 4.

[7] MENDES, Gilmar Ferreira. Ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Material da 3ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG, p. 7.

[8] Cappelletti, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2.ed. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Fabris, 1992., p. 108.

[9] MENDES, Gilmar Ferreira. Análise do direito comparado e nacional Material da 1ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG, p. 5.

[10] Enterría, Eduardo Garcia de, La constitución como norma y el tribunal constitucional, Madrid, Ed. Civitas, 1981, p. 135.

[11] MENDES, Gilmar Ferreira. Ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Material da 3ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG, p. 12.

[12] Segado, Francisco Fernandez. Op. cit., p. 64.

[13] MENDES, Gilmar Ferreira. Ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Material da 3ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG, p. 13.

[14] Pimenta Bueno, José Antonio, Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, Brasília, Senado Federal, 1978, p. 69.

[15] Barbi, Celso Agrícola, Evolução do controle de constitucionalidade das leis no Brasil, RDP, 1968, 1(4):36.

[16] Barbi, Celso Agrícola, Evolução, Op. cit., p. 37.

[17] Bandeira de Mello, Oswaldo Aranha, Teoria das Constituições rígidas, p. 170.

[18] Projeto do Deputado Nilo Alvarenga, de 20-12-1933, Annaes da Assembléia Nacional Constituinte, Rio de Janeiro, 1935, v. 3, p. 33-5.

[19] Bastos, Celso Ribeiro, Curso de direito constitucional, 5. ed., São Paulo, Saraiva, 1982, p. 63.

[20] Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Teoria das Constituições rígidas, cit., p. 192.

[21] Brasil, Constituição (1946),p. 67.

[22] Bastos, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, p. 68.

[23] Rp. 930, de 10-3-1976, Relator: Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2 set. 1977; Rp. 1.054, de 4-4-1984, Relator: Ministro Moreira Alves, RTJ n. 110, p. 967-8; Rp. 1.077, de 28-3-1984, Relator: Ministro Moreira Alves, RTJ n. 112, p. 34 (58-9, 62).

[24] BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1968, p. 99; BARBI, Celso Agrícola. Evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil, RDP, 1(4):37;  MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Teoria das constituições rígidas, 2ª ed., São Paulo, Bushatsky, 1980, p. 156.

[25]  BITTENCOURT. O controle jurisdicional..., cit., p. 101 e 105-10; BUZAID, Alfredo. “Juicio de amparo” e mandado de segurança, Revista de Direito Processual Civil, 5:69; BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 1982, p. 58-60.

[26]  BITTENCOURT. O controle jurisdicional..., cit., p. 102-5.

[27]  Cf., a propósito, SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional; doutrina e processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1968, p. 125-30.

[28] RE nº 102.553-DF, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 21.08.1986, DJ de 13.02.1987 (RTJ 120/725).

[29]  Na MC em Ação Cautelar nº 272, da relatoria da Min. Ellen Gracie, DJ de 25.02.2005, o Tribunal concedeu a liminar requerida, nos termos do art. 14, § 6º da Lei 10.259/ 2001, para conferir efeito suspensivo ao RE nº 418.918 até o seu julgamento final, e determinar a suspensão na origem, até o pronunciamento da Corte sobre a matéria, de todos os processos em tramitação perante os Juizados Especiais e Turmas Recursais da Seção Judiciária Federal do Estado do Rio de Janeiro nos quais se discutisse a desconsideração de acordos firmados em decorrência do termo de adesão previsto na LC 110/2001.

[30] HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico, Sub Judice 20/21, 2001, p. 33 (49).

[31]  BITTENCOURT. O controle jurisdicional..., cit., p. 145.

[32]  BROSSARD, Paulo. O Senado e as leis inconstitucionais, Revista de Informação Legislativa, 13(50):61; cf. MARINHO, Josaphat. O art. 64 da Constituição e o papel do Senado, Revista de Informação Legislativa, 1(2); BUZAID, Alfredo. Da ação direta..., cit., p. 89-90; CAVALCANTI. Do controle..., cit., p. 162-6; MELLO. Teoria..., cit., p. 210; BASTOS.Curso..., cit., p. 84.

[33] Brasil. Congresso, Senado Federal, Parecer nº 154, cit., p. 268.

[34] Palu, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade, São Paulo 2a. ed., 2001, p. 173; Medeiros, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1999.

[35] Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 746-747.

[36] Cf.RE nº 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 07.05.2004. Cf., ainda, Sexta Parte, supra, capítulo sobre as  decisões com limitação de efeitos.

[37] Rcl. nº 2.391, Rel. Min. Marco Aurélio. Julgamento não concluído. A matéria pende de definição por motivo de pedido de vista.  Cf., Sexta Parte, supra, capítulo sobre a eficácia limitada na ADIn e na ADC.

[38] ADI nº 3022, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 18.08.2004.

[39] Cf. HC nº 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 13.03.2006.


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MAYER, Rogério. Abstrativização do recurso extraordinário. Mutação do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4050, 3 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30557. Acesso em: 19 abr. 2024.