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A preservação e promoção da saúde do trabalhador como competência do Sistema Único de Saúde

A preservação e promoção da saúde do trabalhador como competência do Sistema Único de Saúde

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Através de medidas que vão desde a investigação até o tratamento do trabalhador adoecido, o SUS intervirá ou servirá de instrumento para que o Estado possa aplicar métodos para a preservação da sua saúde.

RESUMO:O presente trabalho pretende discorrer sobre a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), quanto à prestação de serviços na área de vigilância em saúde do trabalhador. De forma sistematizada, o estudo abordará de forma cronológica, o histórico do desenvolvimento das políticas públicas em saúde do trabalhador, e os marcos na sua criação. Partindo do prisma histórico, o estudo fará uma análise sobre como o SUS atua hoje no setor regulado. Pretende-se demonstrar seus preceitos fundamentais e legais para a sua atuação na sociedade, a regulamentação, e também como consistem as políticas públicas para a proteção da saúde dos trabalhadores, conforme disposto pela Constituição Federal de 1988. O estudo também discorrerá sobre como estas políticas e regulamentações estão estruturadas no estado de Santa Catarina.

Palavras-Chave: Saúde do Trabalhador; Sistema Único de Saúde – SUS; Vigilância em Saúde do Trabalhador

SUMÁRIO:1.Introdução; 2. Histórico sobre as ações de vigilância em saúde do trabalhador e o SUS.; 3. Atuação dos SUS na área da saúde do trabalhador; 3.1 Riscos a saúde e o foco das ações da Vigilância em Saúde do Trabalhador; 3.2 Entrevista de campo na Vigilância Sanitária de Biguaçu / SC; 4.  Características do serviço de vigilância em saúde do trabalhador; 5. Diferenças das ações de vigilância em saúde do trabalhador das ações de auditoria do trabalho, do ministério do trabalho e emprego; 6. Conclusão; 7. Referências.


1. Introdução

Criado em 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi incumbido pela Constituição Federal (art. 200, inciso II) de “executar as ações de vigilância sanitária, epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”. Mas afinal, o que vêm a ser ações em saúde do trabalhador? Será que os trabalhadores, cidadãos e setores a serem regulados, têm acesso a este serviço, ou ao menos conhecem seu funcionamento, garantido por nossa Constituição?

Sendo do pouco conhecimento da população (mesmo sendo o tema reconhecido pelo texto constitucional como de relevância pública), o presente estudo tem por objetivo analisar e tentar esclarecer de que forma a administração pública tem agido para garantir à população o acesso a este direito, através dos serviços de vigilância em saúde do trabalhador.

Os serviços de vigilância em saúde do trabalhador consistem em um dos mecanismos utilizados pelo SUS, para fiscalizarem os ambientes de trabalho, identificando, reduzindo ou eliminando possíveis riscos a saúde dos trabalhadores. Providos de poder de polícia, os serviços de vigilância em saúde do trabalhador possuem legitimidade para utilizar os meios necessários e legais, para exigir que os empregadores ofereçam condições higiênico-sanitárias e de segurança satisfatórias para os trabalhadores, conforme previsto nas NRs e demais legislações pertinentes.

Ao analisarmos as ações de VISAT, perceberemos como um dos seus principais papéis a intervenção do Estado, seja na propriedade, no processo de trabalho ou nos ambientes de trabalho, visando atender às demandas sociais de saúde, individuais ou coletivas. No entanto, a atuação do SUS, como competente para assegurar o direito à saúde dos trabalhadores, supera a esta simples intervenção em prol de condições adequadas no ambiente de trabalho. Veremos adiante a complexidade destas ações, que envolvem diversos setores da administração pública, bem como diversificada área do conhecimento, a fim de entender todo o processo de adoecimento do trabalhador, desde a promoção até a reabilitação.

A escolha por este tema se deve a pouca abordagem nas grades curriculares do curso de direito, mesmo que represente um dos direitos coletivos constitucionais, e que possui grande impacto sobre as mais diversas demandas do Estado.

Objetivando demonstrar a importância do tema, o estudo será desenvolvido demonstrando a evolução da saúde do trabalhador na história, os impactos de sua atuação na sociedade, sua conceituação, forma de atuação, legitimidade, objetivo, estrutura, competência (e os conflitos) e diferença das ações da auditoria do trabalho.Ao fim do trabalho, pretende-se que o leitor tenha uma visão ampla de como é constituída, na prática, as ações de saúde do trabalhador, assegurada a todos os cidadãos brasileiros pela CF/88.


2. HISTÓRICO SOBRE AS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR E O SUS

Apesar do tema parecer recente para grande parte da sociedade, inclusive do próprio setor regulado, o termo “saúde do trabalhador” em lato sensu, é encontrado na literatura como já sendo mencionado por Hipócrates (460-377 AC), quando passou a relacionar do meio ambiente de trabalho com as moléstias adquiridas pelos trabalhadores.

No ano de 1700, Ramazzini[1] publicou a obra De morbis Artificum Diatriba, com uma série de relatos associando mais de cinquenta doenças com a atividade realizada pelos trabalhadores. Ao descrever o trabalho dos poceiros, relatava as condições desumanas de trabalho aceitáveis à época. Dizia ainda que:

[...] Os poceiros costumam cair no chão doente do peito, fluxões e outras afecções; na sua maioria são caquéticos em conseqüência da má alimentação que a sua pobreza lhes proporciona, tomam um aspecto amarelento e quando chegam aos quarenta ou cinquenta despedem-se de sua profissão e, ao mesmo tempo, da vida, pois é mísera a condição desses artesãos.

Mesmo discutida há séculos atrás, eram inexistentes políticas que assegurassem proteção aos trabalhadores ao longo da história. Só iniciaram algumas mudanças mais claras nesta área, consolidando alguns direitos aos trabalhadores, no final do século XVIII, quando do início da Revolução Industrial na Europa. Segundo Maeno (2005), é quando “começa a ser formar a classe operária, ainda desorganizada e sem direitos ou regulamentação que a protegesse.”

Até então, os trabalhadores estavam à mercê da própria sorte, só podendo laborar aqueles que gozassem de boa saúde. E esta saúde, consumida pelos empregadores através do processo produtivo, não carecia de qualquer medida de proteção ou prevenção. Caso um operário sofresse ferimento grave, ou até mesmo tivesse sofrido mutilação durante seu trabalho, precisava comprovar imprudência, imperícia ou negligência de seu empregador na esfera judicial, para raramente ganhar qualquer indenização. Era o empregado quem possuía o ônus da prova.

No decorrer da Revolução Industrial, surgiram grandes mobilizações sociais, pressionando o Estado a implantar políticas visando à seguridade social. Desta forma, se viu obrigado a legislar no sentido de amparar os trabalhadores, assegurando o esboço dos direitos sociais, que atualmente temos no ordenamento jurídico brasileiro de forma consolidada.

Começaram a surgir, pois, os seguros, que ficavam a cargo da empresa. Na Alemanha, no fim do séc. XIX, iniciaram a criação de leis que previam amparos aos operários, instituindo a obrigação patronal do seguro contra acidentes. Maeno (2005) menciona que:

[...] assim como na França, havia proteção do direito de indenização, sem esmiuçar a culpa direta ou indireta dos patrões, e o estabelecimento de uma caixa destinada para esse fim, que garantia a manutenção do relativo bem-estar à família do operário, vítima de acidente do trabalho.

No Brasil, em 1904, iniciaram-se os projetos para a implantação de legislação neste sentido, mas somente em 1919 temos a promulgação do projeto de lei que se fundamentava na teoria do risco profissional, elaborado por Adolfo Gordo, em conjunto com o Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo (DET). Este risco era conceituado como aquele inerente a atividade exercida no trabalho. O pensamento àquela época (que possui certa resistência até os dias atuais, como veremos posteriormente) era de ser aceitável a exposição dos trabalhadores a certos riscos, não por impossibilidade técnica, mas por outros determinantes.

O Estado brasileiro encontrava grande resistência para a elaboração de medidas necessárias para a proteção dos trabalhadores, sobretudo a barreira econômica. A saúde do trabalhador teve presença tímida nas Constituições Federais de 1946 e 1967, as quais se referiam apenas à higiene e segurança do trabalho como um dos direitos sociais, sem maiores detalhes. As constituições eram praticamente omissas, deixando a cargo de demais legislações suplementares a regulamentação da saúde dos trabalhadores.

 Segundo Munakata (1982, apud Maeno 2005), havia duas questões em jogo. De um lado, o perigo latente que representava a precariedade da situação dos trabalhadores, que poderia estimular ainda mais os movimentos operários, e, por outro, a desvantagem no quesito competitividade dos países que adotassem uma legislação trabalhista em relação aos que não o fizessem.

Embora não com a mesma rapidez de outros países, o Brasil acompanhou o esta tendência mundial. Nosso país deixa o modelo liberalista que predominava desde a monarquia, e passa ao intervencionista, o qual figura até os dias atuais. Mas essa quebra de paradigmas foi gradual, através de árduas conquistas, ao custo de vidas de muitos operários, até que a saúde do trabalhador fosse reconhecida e inserida na Constituição Federal de 1988 – CF/88, como um dos componentes da seguridade social.

Dentre as mais relevantes legislações na área de acidentes de trabalho, precedente da concepção da “saúde do trabalhador”, podemos destacar:

Decreto Legislativo 3.724, de 15/01/1919: Tinha como diretriz o princípio da unicausalidade, considerando como acidente de trabalho unicamente aqueles decorrentes da atividade laboral; caracterizava-se também por seu aspecto liberalista, não intervindo nas relações de trabalho;

Decreto 24.637, de 10/06/1934: Também levava em consideração o princípio da unicausalidade. Além disto, passou a considerar os sindicatos com instituições assistencialistas, e não reivindicatórios. Importante alteração feita por este dispositivo é o fato de ter atribuído ao Ministério de Trabalho, Indústria e Comércio a competência para estabelecer uma listagem das doenças equivalentes ao acidentes.

Decreto-Lei 7.036, de 10/11/1944: Passa a ampliar a teoria do risco profissional para o risco da autoridade, entendendo que, por ser o empregado subordinado ao patrão, todas as atividades por ele exercida eram em virtude do cumprimento de ordens emanadas. Logo, todos os acidentes poderiam se presumir de ordem direta ou indireta do empregador. O acidente de trabalho foi criado por esta lei, e passou-se a discutir a estatização dos seguros de acidentes de trabalho. Outra importante alteração desta lei foi a introdução da obrigação do empregador oferecer a máxima segurança e condição de higiene no trabalho, prevendo possíveis punições nos casos de descumprimento.

Percebe-se nitidamente o início da preocupação com a prevenção da saúde do trabalhador, estabelecida formalmente. A preocupação com saúde do trabalhador deixa de se limitar a medicina legal, com foco no tratamento das moléstias, e passa a abordar a questão sob um nicho social, aproximando-se do trabalhador individual de forma integrada com outras áreas do conhecimento. Aliado a esta concepção e a profundas mudanças nas indústrias, com a criação de novas tecnologias e novos riscos surge, então, a necessidade de se intervir nos fatores que oferecem riscos aos trabalhadores, criando-se o conceito de saúde ocupacional.

Esta nova posição de ver a questão da saúde dos trabalhadores por parte do Estado procura entender o operário, não apenas sua atividade. Leciona Maeno (2005) que:

Nos anos 1970, o olhar conferido pela medicina social – atento à estrutura social e do trabalho e mais próximo das instituições públicas de saúde – ganha nova dimensão: o ser humano, sua inserção no processo produtivo como um todo, na organização e na divisão do trabalho, e as características específicas de cada extrato social.[2] Este enfoque permitiu uma abordagem mais ampla das necessidades de saúde dos trabalhadores e resultou em um espectro mais largo e integral de instrumento para sua atenção.

Até a promulgação da CF/88, temos figuras bem distintas, no que tange a competência pela fiscalização da saúde do trabalhador. Se antes tínhamos a União com competência privativa, após, vemos claramente os municípios, Distrito Federal e os estados atuando de forma comum na execução das ações, tarefas e expedição de atos normativos. Os ambientes de trabalho e a saúde do trabalhador eram competência exclusiva do direito do trabalho consolidado, cujas normas de segurança e medicina de trabalho estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (Brasil, 1943) eram fiscalizadas pela União, através do Ministério do Trabalho (Reschke, 1996; Santos, 200 apud Bahia 2002).

Como ainda não estava bem definido a competência de executar estas ações, na área de saúde do trabalhado, a CF/88 não apenas assegurou este direito aos trabalhadores em 1988, como atribuiu ao Sistema Único de Saúde – SUS, a competência para executar as ações de vigilância em saúde do trabalhador – VISAT.

Finalmente, após a pressão e participação de diversos movimentos sindicais e sociais a Saúde do Trabalhador passa a ter nova denominação e uma definição administrativa, instituindo esta área à saúde, como sendo competência do SUS. Segundo o Ministério da Saúde (2005):

É de fundamental importância para a saúde, dado seu conteúdo eminentemente humanista, sendo a primeira constituição brasileira a referir-se “explicitamente à saúde como integrante do interesse público fundante do pacto social”(DALLARI, 1995), ao declarar, em seu art. 196, que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado”, direito esse a ser “garantido mediante políticas sociais econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos[3] e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”(Título VIII – Da Ordem Social, Cap. II – Da Seguridade Social, Seção II – Da Saúde)(DALLARI, 1995; BRASIL, 1989.

Martins (1998) afirma ainda que o Constituinte não se limitou, na seara trabalhista, apenas a legislação tributária, que apenas impõe normas para a remuneração do trabalhador quando laborando em condições que põe em risco a saúde. Estabeleceu que o SUS devesse ir além destas regras, cuidando literalmente da saúde de qualquer trabalhador, de qualquer área, mais ou menos perigosa. Ainda segundo Martins:

[...] o pressuposto é de que o trabalhador, que tem no seu trabalho a única fonte ou a principal fonte de sustento seu e de sua família, tem também na sua saúde seu principal capital, não se justificando que não haja um cuidado especial para preservá-la de doenças e de acidentes no exercício de suas atividades.

Temos em 1988, portanto, a implantação do mais importante pilar que hoje rege a saúde do trabalhador. Atualmente, a ações de saúde do trabalhador vem sendo constante regulamentada e aperfeiçoada, técnica e juridicamente, pelos estados e municípios, pois a universalização do acesso a saúde fez com que fosse necessário a repartição de competência de forma comum à União.

Os embates para a consolidação das ações da saúde do trabalhador são diversos, haja vista seu caráter holístico, que envolve a quebra de diversos paradigmas e dogmas socioculturais, econômicos e políticos.

Os desafios da área de saúde do trabalhador são contínuos e imensuráveis. Mas cada vez mais vem sendo considerada como uma importante ferramenta para a construção de um trabalho não apenas de prevenção à saúde, mas de desenvolvimento social. A abrangência constitucional deste segmento expõe a certeza de sua importância através de suas ações, conforme passaremos a entender.


3. ATUAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NA ÁREA DA SAÚDE DO TRABALHADOR

Saúde do Trabalhador consiste, sob o prisma da gestão pública, em uma série de ações e políticas que visam à proteção e promoção da saúde dos trabalhadores. É uma das áreas da saúde pública responsável por estudar e intervir nas condições de trabalho que possam por em risco a saúde dos trabalhadores (Anacleto, 2005).

Inicialmente, é preciso frisar o conceito de saúde, que para a Organização Mundial da Saúde, “não é apenas ausência de doença, mas o completo bem estar físico, psicológico e social do indivíduo, o que engloba boa alimentação, atividade física, bons hábitos e conscientização do seu papel como protagonista da sua saúde”.

Por conseguinte, quanto a trabalhador, podemos entender “toda pessoa que exerça uma atividade de trabalho, independentemente de estar inserido no mercado formal ou informal de trabalho, inclusive na forma de trabalho familiar e/ou doméstico” (BRASIL, 2001).

Quando se fala em “saúde do trabalhador”, deve-se entender que este “bem-estar físico, mental e social” deva ser algo assegurado a todo cidadão, por ser o direito à saúde, um dos direito sociais previsto pela Constituição Federal de 1988.

Mas esta realidade era diferente até pouco tempo atrás. Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, os estudos que articulavam entre o trabalho e à saúde, limitavam-se apenas a Medicina do Trabalho e à Saúde Ocupacional. Com a promulgação da CF/88, a área foi considerada de relevância pública, sendo atribuído ao SUS a competência para executar as ações de vigilância em saúde do trabalhador, através do art. 200, inciso II.

Ao longo de sua existência, o SUS atendeu ou deveria atender a todos os trabalhadores, sem distinção de regime trabalhista, diferentemente da Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme se verá mais adiante. No entanto, a compreensãodo impacto sobre saúde, e a elaboração de políticas que visassem a proteção dos trabalhadores através de uma prática diferenciada, se consolidou apenas nos anos 80, quando o constituinte atribuiu ao SUS esta competência (Brasil, 2002).

Estas ações de competência do SUS são instrumentalizadas pelo sistema de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT). Este serviço de VISAT não consiste em um órgão, um setor, ou um departamento. Mas sim, em uma série de ações, composta por profissionais interdisciplinares, os quais têm por objetivo entender todo o processo produtivo, desde a prevenção até a recuperação, buscando incessantemente prevenir, proteger e intervir em quaisquer condição que ponha em risco a saúde dos trabalhadores

Logicamente, há necessidade de um órgão executar as ações e, por ser uma atividade que envolve não somente um, fica a cargo das Vigilâncias Sanitárias e as Epidemiológicas dos Estados e Municípios, ambas sendo blocos das Vigilâncias em Saúde composta por Vigilância Sanitária, Epidemiológica e Ambiental. Esta estrutura pode variar de acordo com a estrutura administrativa do ente público, mas assim estão inseridas no organograma das Secretarias de Saúde para utilizar-se da atribuição técnica e jurídica das Vigilâncias Sanitárias, e investigativo e notificatório das Vigilâncias Epidemiológicas.

Para melhor esclarecer sobre a definição de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT), cabe mencionar a Portaria MS/GM nº 3.120 de 1º de julho de 1998, que traz importante conceituação do assunto:

[A Vigilância em Saúde do Trabalhador] é uma atuação contínua e sistemática, ao longo do tempo, no sentido de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os fatores determinantes e condicionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos e ambientes de trabalho, em seus aspectos tecnológico, social, organizacional e epidemiológico, com a finalidade de planejar, executar e avaliar intervenções sobre esses aspectos, de forma a eliminá-los ou controlá-los” (Brasil, 1998)

Um dos diferenciais da VISAT é ter por uma de suas diretrizes, o objetivo de compreender os trabalhadores como sujeito ativo do processo de saúde-doença. Isto quer dizer que o trabalhador deve ser valorizado como um componente essencial para a promoção e prevenção da saúde,e não apenas um objeto da atenção à saúde, como é visto pela Saúde Ocupacional e pela Medicina do Trabalho. A VISAT, com foco no objeto principal de suas ações, desenvolverá suas ações inicialmente de forma pedagógica, através de práticas interdisciplinares, calcadas não somente o caráter médico/técnico ou de outras áreas do saber que não trabalham de forma integrada.

As ações possuem caráter extremamente holístico, sendo definido por Minayo-Gomez (1997) como “um corpo de práticas interdisciplinares – técnicas, sociais, humanas – e interinstitucionais, desenvolvidas por diversos atores situados em lugares sociais distintos e informados por uma perspectiva comum”.

Desta forma, a saúde do trabalhador não pode se resumir apenas em manter condições de higiene no ambiente de trabalho para prevenir doenças. O assunto é muito mais abrangente quando se fala na prevenção e promoção da saúde. A higiene é apenas um dos aspectos essenciais para a preservação da saúde dos trabalhadores e foco da VISAT. É um ramo que envolve a área médica, enfermagem, direito, segurança do trabalho, engenharia sanitária, psicologia, assistência social, entre outros inerentes ao trabalho.

Partindo-se deste pressuposto, podemos entender que para tanto, os processos de trabalho têm seus riscos e peculiaridades. Isto corrobora a necessidade da VISAT ser composta por um corpo técnico interdisciplinar, atuante desde a promoção da saúde até a reabilitação do trabalhador.Percebe-se nitidamente que as ações contemplam vasta área do conhecimento necessária a compreender, identificar e analisar as condições do meio ambiente de trabalho, sendo necessários esclarecer ao leito como consiste estes riscos.

3.1.RISCOS A SAÚDE E O FOCO DAS AÇÕES DA VISAT

Sob uma visão prática, a VISAT atuará, identificando e avaliando as condições que ponham em risco sua saúde. Podemos considerar como risco, qualquer fator ou condição com potencial para causar de danos à saúde, à propriedade e ao meio ambiente (BRASIL, 2001), mesmo que para causar danos, dependa de condições incertas.

Não obstante tenhamos na literatura diversas classificações de risco, podemos colher dos ensinamentos de Trivelato (1998, apud Brasil 2001) que estes riscos podem ser classificados, conforme sua natureza em:

Ambiental:

  • físico: radiação, temperatura, vibração, ruído, etc;
  • químico: substâncias químicas, poeiras, névoas, vapores, etc;
  • biológico: bactéria, vírus, fungos, etc;

Situacional:

  • instalações, equipamentos, materiais, operações, etc;

Humano ou comportamental:

  • decorrentes da ação ou omissão humana.

Cada agente de risco pode se manifestar de forma direta ou indireta. A forma direta é quando o fator implica num dano direto à saúde do trabalhador. Por exemplo: inalação de pó de sílica, exposição ao amianto, exposição solar, etc. Já na segunda forma, ele implica em um risco baseado em um desencadeamento de fatores, para só então agir sobre a saúde do trabalhador. Por exemplo: equipamento danificado, não utilização de equipamentos de segurança, não cumprimento integral dos programas de saúde ocupacional (PCMSO, PPRA, LTCAT) etc.

Importante considerar que a simples exposição a estes agentes não caracterizam risco iminente. Para que o risco tenha potencial de causar danos à saúde, é necessário a combinação de dois fatores: o tempo e a periodicidade de exposição.

Esta classificação dos riscos auxiliará os profissionais da VISAT a identificar se as condições de trabalho têm potencial de causar danos à sua saúde e as medidas necessárias para, se possível, eliminar esta exposição. Não obstante, são critérios utilizados para o deferimento do pagamento de adicional de insalubridade dos trabalhadores por especialistas, mediante laudos técnicos. Mas a VISAT não entrará no mérito de ponderação da insalubridade, somente nas condições do ambiente de trabalho, deixando isto a mercê do Inspetor do Trabalho.

A ação da VISAT pode se iniciar pela invocação de instituições, pela própria sociedade ou quando no exercício de campanhas, projetos e ações preestabelecidas. Em geral, as ações são exercidas, como já mencionado, pelas vigilâncias sanitárias municipais (instrumento jurídico) numa primeira etapa, integradas com as vigilâncias epidemiológicas (instrumento de investigação epidemiológico). Isto porque, como são dotadas de poder de polícia, as vigilâncias sanitárias possuem poder coercitivo para exigir dos empregadores a adequação de possíveis irregularidades no ambiente de trabalho, após a frustração de um trabalho pedagógico realizado anteriormente.

Quando em atendimento, os profissionais verificam se as condições do ambiente de trabalho têm potencial de causar riscos à saúde dos trabalhadores. Existe diálogo com os trabalhadores, sondando-os e tentando identificar se existe algum outro fator socioambiental comprometendo a saúde, e se há coação por parte dos empregadores no sentido de fazer o trabalhador omitir alguma condição danosa a sua saúde.

3.2.ENTREVISTA DE CAMPO NA VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE BIGUAÇU / SC

Em entrevista de campo com o Chefe de Divisão de Vigilância Sanitária de Biguaçu/SC, Saul Freitas da Silva, com quase trinta anos dedicados este trabalho, este mencionou que a VISAT é realizada também na vistoria para concessão dos alvarás sanitários, não se limitando apenas às ações e campanhas de prevenção à saúde. No caso de descumprimento das normas vigentes, incluindo-se leis municipais, estaduais, federais, Normas Regulamentadoras, Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outras, é elaborado um relatório de inspeção sanitária e lavrado Auto de Intimação exigindo a adequação das irregularidades no prazo concedido, no caso de um risco que não seja iminente. Segundo Silva, quando é constatado risco iminente à saúde do trabalhador, pode ser interditado o estabelecimento ou apenas uma área, um setor ou até mesmo um maquinário.

As ações de saúde do trabalhador, embora realizadas em um primeiro momento pela vigilância sanitária, não se caracterizam exclusivamente pelo poder punitivo, concepção esta já obsoleta no novo modelo de vigilância sanitária. De Seta e Reis (2010) descrevem que:

Embora não atue todo o tempo só com base no poder de polícia, é ele quem assegura a efetiva capacidade de intervenção da vigilância sobre os problemas sanitários e possibilita uma atuação mais ampla sobre os interesses privados em benefício do interesse público. Para isso, seus modos de atuação compreendem atividades autorizativas (regis­tro de produtos, licenciamento de estabelecimentos, autorização de funcionamento), normativas, de educação em saúde e de comunicação com a sociedade[4]. Dos dois primeiros modos de atuação decorre seu caráter regulatório, de regulação social (e econômica) no campo da saúde (DE SETA, 2007).

Ainda segundo Silva,

As dificuldades enfrentadas pelas VISAT são diversas, principalmente por em vários momentos se defrontarem com a questão econômica, empresarial, cultural e social. Só que a parceria com outros segmentos de nossa sociedade vem funcionando muito bem e se aprimorando, pois estamos constantemente e insistentemente orientando a população [em especial a de trabalhadores] sobre a importância do cumprimento das legislações pertinentes, já que é tudo em prol da saúde de todos. Se vemos que trabalhando desta forma ainda exista persistência em condutas erradas por parte do setor regulado, não nos resta outra opção se não a autuação dos responsáveis, mas esta é sempre nossa última opção.           

Resta claro, portanto, que as ações de VISAT, integradas por um corpo interdisciplinar, com foco no trabalhador no processo produtivo, não descartam a intervenção estatal quando necessário para a aplicação de medidas administrativas indispensáveis para a proteção da saúde dos trabalhadores. A participação dos trabalhadores também é levada em conta, assim como as mais diversas áreas do conhecimento.

Não obstante ser necessário conhecer os riscos ambientais para que as autoridades tomem as medidas cabíveis, tão importante quanto, é realizar a aproximação ao trabalhador. Como foi visto, ainda existe alguma resistência das empresas em aceitar o papel da VISAT no que tange a saúde do trabalhador, acarretando no injusto receio dos trabalhadores em se manifestar diante dos profissionais, principalmente quando em inspeções. Esta situação cria outro desafio para o SUS: “viabilizar, na prática cotidiana, a comunicação com os trabalhadores, sujeitos e não apenas agentes da VISAT” (BAHIA 2002).

Para que isto seja possível, é necessário um sistema descentralizado, bem estruturado e com diretrizes bem definidas para por em prática tudo isto que se roga, em consonância com a CF/88, conforme veremos a seguir.


4. CARACTERÍSTICAS DOS SERVIÇO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR                       

Ao longo de sua evolução, é nítido perceber que o direito do trabalho vem priorizando a monetização dos riscos existente nos ambientes de trabalho em detrimento da busca pela salubridade destes locais. Tão pouco a busca pela conscientização e capacitação dos trabalhadores frente aos riscos a que estão expostos é valorizada. Na prática, o cumprimento das normas trabalhista por parte de empregados e empregadores tem o intuito de esquivar de possíveis punições, pouco considerando o benefício que a saúde terá observada tais normas.

A realidade do Brasil em ser um dos únicos países a instituir o adicional de insalubridade e periculosidade, utilizando-se "de prática abolida em vários países, a compra da saúde do trabalhador em suaves prestações"[5] tem se modificado lentamente após a promulgação da CF/88. O marco da saúde do trabalhador foi instituído no art. 200, inciso II, atribuindo ao SUS a competência para executar “as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como das de saúde do trabalhador.

Além disto, segundo Bahia (2002), quando o constituinte inseriu a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, foi alterado substancialmente a concepção de saúde do trabalhador e ambiente do trabalho, colocando-os como parte do direito à saúde, redefinindo as competências das três esferas do governo e inserindo-os na atribuições do SUS. Ferreira (2000) leciona que:

[...] a CF/88] é referência básica para as questões de saúde e segurança dos trabalhadores. A partir dos preceitos constitucionais serão elaborados os demais instrumentos legais e definidas as políticas de saúde e segurança no trabalho.

Por conseguinte, ao analisarmos a previsão constitucional da saúde do trabalhador, podemos constatar que a questão “saúde é direito de todos e dever do Estado” foi adaptada também para o campo do Direito do Trabalho, indicando ser a saúde um direito do trabalhador e dever do empregador. Para esta compreensão, há de se observar a previsão da “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, conforme estabelecido pelo art. 7º, XXII da CF/88.

Nesta conjuntura, incumbiu-se o legislador de estabelecer a Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080/90, a qual dispõe sobre a competência e a própria conceituação de saúde do trabalhador, nos termos do art. 6º:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

[...]

c) de saúde do trabalhador; e

[...]

§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:

I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;

II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;

III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;

IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;

V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;

VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;

VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e

VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.

Denota-se que o legislador buscou, além de conceituar a VISAT, defender a criação de novas estratégias para a ampliação do conhecimento e mecanismos de intervenção nos meios de produção. Isto é decorrência de, assim como várias demandas da área do direito, a saúde do trabalhador estar em constante mudança e evolução.

A adoção dessas novas tecnologias vêm reduzindo a exposição a certos riscos ocupacionais em alguns ramos, ensejando a melhora nas condições de trabalho, em prol de um ambiente mais salubre e menos perigoso, mas paralelamente a tecnologia também trás novos riscos. Destaca-se a geração de riscos na área química, indústria nuclear e empresar que trabalham com organismos geneticamente modificado, os quais representam novos riscos para o meio ambiente, para a saúde dos trabalhadores e da população em geral. A conseqüência disto é a necessidade das normas estarem em constante atualização da realidade que convivem os trabalhadores frente ao mundo globalizado. Exemplo disto é a pressão existente no Brasil e vários países do mundo contra o trabalho com o amianto, já proibido em diversos países inclusive na União Européia.[6]

No Brasil, insta salientar que as previsões legais para a área de saúde do trabalhador são calcadas nos princípios do SUS. Conforme leciona Brasil (2005), as ações de VISAT propõem ainda uma leitura dos princípios gerais do SUS, absorvidos da CF/88 pela Lei Orgânica da Saúde e sendo exprimida pelo art. 7º, podendo ser resumidas da seguinte forma:

Universalidade: todos os trabalhadores são objetos e sujeitos da VISAT, independentemente de serem urbanos ou rurais, formais ou informais, com ou sem vínculo empregatício, servidor público, celetista, autônomo, aposentado ou demitido. O termo “trabalhador” deixa de utilizado como adjetivo, que caracteriza um grupo da população, e passa a ser visto como a identidade dos diversos pacientes e cidadãos.

Integralidade: as ações se articulam desde a prevenção até a recuperação, intervindo quando necessário nos ambientes de trabalho, mas dando ênfase para a promoção de ambientes de trabalho saudáveis.

Descentralização: as ações de VISAT estão integradas desde o nível municipal, estadual e nacional. Importa dizer que cabe aos gestores, respeitadas suas atribuições e competências, realizarem em âmbito municipal o desenvolvimento destas ações, de forma harmônica com as demais esferas.

Controle Social: os trabalhadores participam das ações como sujeitos e objetos, auxiliando os serviços de VISAT a compreender, identificar e planejar a melhor forma de executar as ações, pois será possível entender quais as demandas e as prioridades do setor regulado.

Intersetorialidade: devido a ampla complexidade do serviço, as ações de VISAT requerem dos gestores a articulação com outros setores e áreas, que envolve desde a normatização até a intervenção nos ambientes de trabalho.

Interdisciplinaridade: para a VISAT executar suas ações, é imprescindível compreender vários saberes técnicos, como já frisado anteriormente, aplicados de forma harmônica entre si, devendo ser necessário que o saber operário seja o maior foco da atuação.

Pesquisa-intervenção: como as intervenções se caracterizam por ser um processo contínuo, é necessário subsidiar estas ações com base em conhecimentos constantemente aprimorados e atualizados.

Estes são princípios basilares da constituição da Lei Orgânica de Saúde. Portanto, se faz necessário que as demais normas complementares os tenham por diretriz. Dentre essas normas, devemos destacar a Portaria do Ministério da Saúde nº 1.823 de 23 de agosto de 2012, a qual estabelece de forma bastante clara a adoção destes princípios e a implementação dos objetivos da Política Nacional de Saúde do Trabalhador:

Art. 8º São objetivos da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora:

I - fortalecer a Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) e a integração com os demais componentes da Vigilância em Saúde, o que pressupõe:

a) identificação das atividades produtivas da população trabalhadora e das situações de risco à saúde dos trabalhadores no território;

b) identificação das necessidades, demandas e problemas de saúde dos trabalhadores no território;

c) realização da análise da situação de saúde dos trabalhadores;

d) intervenção nos processos e ambientes de trabalho;

e) produção de tecnologias de intervenção, de avaliação e de monitoramento das ações de VISAT;

f) controle e avaliação da qualidade dos serviços e programas de saúde do trabalhador, nas instituições e empresas públicas e privadas;

g) produção de protocolos, de normas técnicas e regulamentares; e

h) participação dos trabalhadores e suas organizações;

II - promover a saúde e ambientes e processos de trabalhos saudáveis, o que pressupõe:

a) estabelecimento e adoção de parâmetros protetores da saúde dos trabalhadores nos ambientes e processos de trabalho;

b) fortalecimento e articulação das ações de vigilância em saúde, identificando os fatores de risco ambiental, com intervenções tanto nos ambientes e processos de trabalho, como no entorno, tendo em vista a qualidade de vida dos trabalhadores e da população circunvizinha;

c) representação do setor saúde/saúde do trabalhador nos fóruns e instâncias de formulação de políticas setoriais e intersetoriais e às relativas ao desenvolvimento econômico e social;

d) inserção, acompanhamento e avaliação de indicadores de saúde dos trabalhadores e das populações circunvizinhas nos processos de licenciamento e nos estudos de impacto ambiental;

e) inclusão de parâmetros de proteção à saúde dos trabalhadores e de manutenção de ambientes de trabalho saudáveis nos processos de concessão de incentivos ao desenvolvimento, nos mecanismos de fomento e outros incentivos específicos;

f) contribuição na identificação e erradicação de situações análogas ao trabalho escravo;

g) contribuição na identificação e erradicação de trabalho infantil e na proteção do trabalho do adolescente; e

h) desenvolvimento de estratégias e ações de comunicação de risco e de educação ambiental e em saúde do trabalhador;

III - garantir a integralidade na atenção à saúde do trabalhador, que pressupõe a inserção de ações de saúde do trabalhador em todas as instâncias e pontos da Rede de Atenção à Saúde do SUS, mediante articulação e construção conjunta de protocolos, linhas de cuidado e matriciamento da saúde do trabalhador na assistência e nas estratégias e dispositivos de organização e fluxos da rede, considerando os seguintes componentes:

[...]

IV - ampliar o entendimento de que de que a saúde do trabalhador deve ser concebida como uma ação transversal, devendo a relação saúde-trabalho ser identificada em todos os pontos e instâncias da rede de atenção;

V - incorporar a categoria trabalho como determinante do processo saúde-doença dos indivíduos e da coletividade, incluindo-a nas análises de situação de saúde e nas ações de promoção em saúde;

VI - assegurar que a identificação da situação do trabalho dos usuários seja considerada nas ações e serviços de saúde do SUS e que a atividade de trabalho realizada pelas pessoas, com as suas possíveis conseqüências para a saúde, seja considerada no momento de cada intervenção em saúde; e

VII - assegurar a qualidade da atenção à saúde do trabalhador usuário do SUS.

Temos estabelecido por esta Portaria no âmbito do Ministério da Saúde, os objetivos da VISAT. Esta previsão é constantemente atualizada, sendo essa a versão mais recente da Política Nacional de Saúde do Trabalhador.

A Política Nacional de Saúde do Trabalhador é fruto da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho que apesar de terem nomes semelhantes, não devem ser confundidas. Na primeira, temos como órgão responsável por sua elaboração o Ministério da Saúde, conforme mencionado anteriomente. Já a segunda, a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST) está prevista pelo Decreto nº 7.602, de 7 de novembro de 2011 e instituiu formalmente o objetivo da promoção e proteção da saúde dos trabalhadores por meio de ações de promoção, vigilância e assistência, elencando, ainda, as atribuições de cada órgão responsável pela gestão tripartite da PNSST, composta pelo Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério da Previdência Social. Nesta, ao Ministério da Saúde, foram atribuídas as seguintes responsabilidades:

a) fomentar a estruturação da atenção integral à saúde dos trabalhadores, envolvendo a promoção de ambientes e processos de trabalho saudáveis, o fortalecimento da vigilância de ambientes, processos e agravos relacionados ao trabalho, a assistência integral à saúde dos trabalhadores, reabilitação física e psicossocial e a adequação e ampliação da capacidade institucional;

b) definir, em conjunto com as secretarias de saúde de Estados e Municípios, normas, parâmetros e indicadores para o acompanhamento das ações de saúde do trabalhador a serem desenvolvidas no Sistema Único de Saúde, segundo os respectivos níveis de complexidade destas ações;

c) promover a revisão periódica da listagem oficial de doenças relacionadas ao trabalho;

d) contribuir para a estruturação e operacionalização da rede integrada de informações em saúde do trabalhador;

e) apoiar o desenvolvimento de estudos e pesquisas em saúde do trabalhador;

f) estimular o desenvolvimento de processos de capacitação de recursos humanos em saúde do trabalhador; e

g) promover a participação da comunidade na gestão das ações em saúde do trabalhador;

Mas a implantação desta política não bastava para por em prática as ações, mesmo nas versões anteriores. Foi necessária a criação de um mecanismo com o propósito de efetivar estas ações na prática e sair do âmbito teórico. Desta forma, após quase uma década de indefinições a partir da Lei 8.080/90, foi criado em 2002 a Rede Nacional de Ação Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), por meio da Portaria nº 1.679/GM, com o objetivo de “disseminar ações de saúde do trabalhador, articuladas às demais redes do Sistema Único de Saúde, SUS” [7]. Atualmente, sua regulamentação está prevista na Portaria nº 2.728, de 11 de novembro de 2009.

A RENAST tem como objetivo principal estimular a criação dos Centros de Referências em Saúde do Trabalhador (CEREST), os quais poderão ser estaduais ou regionais. Estes centros têm por função “dar subsídio técnico para o SUS, nas ações de promoção, prevenção, vigilância, diagnóstico, tratamento e reabilitação em saúde dos trabalhadores urbanos e rurais”, conforme dispõe o art. 7º da mesma Portaria. Em outras palavras, por intermédio destes centros houve e continua havendo maior aproximação do SUS junto aos municípios na execução das ações, seja capacitando profissionais, realizando campanhas para a promoção, intervindo em meio ambiente de trabalho, investigando, dando suporte técnico aos municípios, realizando operações conjuntas, criação de projetos e propostas inclusive para o Poder Legislativo entre outros. Podemos citar como exemplo em Santa Catarina, a recente a proibição de abastecimento de combustível além do automático dos veículos, com o objetivo de proteger a exposição dos trabalhadores ao benzeno exalado pelo combustível derivado de petróleo, estabelecida pela Lei nº 16.333, de 20 de janeiro de 2014.

No estado de Santa Catarina, o CEREST está inserido dentro do organograma da Diretoria de Vigilância Sanitária Estadual, constituída em uma das gerências, chamada de Gerência em Saúde do Trabalhador. A opção por locá-la dentro da Vigilância Sanitária Estadual foi baseada na força jurídica que teriam as ações, face seu poder de polícia. Não obstante, existe integração com diversos setores pertinentes: Vigilância Epidemiológica, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho, entre outros.

Com esta mesma concepção, os municípios catarinenses exercem as ações de VISAT utilizando organograma semelhante, inserindo as ações no âmbito das vigilâncias sanitárias municipais, em conjunto com as demais que compõem o bloco da vigilância em saúde municipal (vigilância epidemiológica, ambiental e sanitária). Entretanto, nem todos os municípios possuem regulamentação e estrutura para exercer as ações de saúde do trabalhador. Esta condição está melhor consolidada nos maiores municípios do estado, como Blumenau, Florianópolis, Chapecó, Criciúma, Joinville, por exemplo. Nos menores municípios, devido aos fatores estruturais e de recursos humanos, existe amparo dos CEREST’s das macro-regiões, que realizam ações em conjunto com a vigilância do município.

Embora haja vasta regulamentação para a saúde do trabalhador, ainda existem várias dificuldades enfrentadas pelas VISAT’s. Estas dificuldades partem da questão logística, de recursos humanos, políticas, sócio-econômicas, entre outros, indo até as questões de conflito de competência com a inspeção do trabalho do MTE. Ferreira Junior (2002) menciona que:

 Outro fator importante é representado pela indefinição e/ou duplicidade de atribuições, tanto no interior do SUS, como entre as instituições governamentais, particularmente com o TEM, reflexo da falta de políticas institucionais claramente estabelecidas.

Tanto a CF/88 quanto a Lei 8.080/90, ratificaram a competência da saúde do trabalhador no âmbito do SUS. Entretanto, não foi estabelecida de forma exclusiva. A fiscalização do trabalho ainda rende discussão entre VISAT e as Delegacias do Trabalho, pelo fato da CF/88 ter sido controversa quanto a competência para fiscalizar o trabalho. Dallari (1995) também entende ter havido um “deslize técnico no campo sanitário-constitucional”, por atribuir à União a competência exclusiva para “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”, conforme art. 21, inciso XXIV, em detrimento da organização do sistema de saúde, a quem atribuiu a competência de “executar as ações... de saúde do trabalhador”. Passaremos, portanto, a analisar esta questão.


5. DIFERENÇAS DAS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR DAS AÇÕES DE AUDITORIA DO TRABALHO, DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO

Conforme se observou através dos esclarecimentos trazidos anteriormente, as ações de VISAT possuem alguns aspectos que se assemelham e às vezes até se confundem com a Inspeção do Trabalho do MTE. Isto não é por acaso. Realmente algumas ações são realizadas por ambos os órgãos, mas sempre com a mesma função: de proteger a saúde do trabalhador, sob égides diferentes.

Esta “confusão” de área de competência iniciou-se com a promulgação da CF/88, onde foram estabelecidas as repartições de competência tanto do SUS, como do MTE. O direito a saúde foi positivado – conforme dispõe o art. 23, inciso II – estabelecendo que:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - cuidar da saúde[8] e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Portanto, os Estados, Municípios e Distrito Federal, passaram a ser competentes comuns na garantia da saúde à população, o que engloba a saúde dos trabalhadores. Essa competência, segundo o Dallari (1995, apud Ministério da Saúde, 2005):

[...] admite a possibilidade de execução conjunta de tarefas, sejam elas disciplinadoras, normativas ou de execução de tarefas materiais, concretas, não excluindo da obrigação de cooperação qualquer ente federativo e afirmando a responsabilidade da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para aquelas tarefas sociais que julgou essenciais à adequada ordem soberana.

Porquanto o Constituinte tenha atribuído a competência concorrente para executar as ações de saúde do trabalhador entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tratou de estabelecer como competência exclusiva da União “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”, conforme art. 21, XXIV da CF/88. Ora, se o Sistema Único de Saúde precisa executar as ações de saúde do trabalhador, as quais devem ser realizadas por meio de inspeção no trabalho, por que o constituinte não estendeu essa competência ao SUS? Esta contradição persiste até hoje e, fora as demais ações já pacificadas como sendo atribuição de ambos os órgãos, a questão punitiva ainda gera discussão por não estar ainda definido se tem a Vigilância em Saúde do Trabalhador esta prerrogativa ou não, havendo, portanto, divergências jurisprudenciais, ora reconhecendo ora não reconhecendo, conforme colhido dos julgados. Vejamos primeiramente reconhecendo a legitimidade:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - AUTUAÇÃO DE EMPRESA POR INFRAÇÃO ÀS NORMAS DE HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO EFETUADA PELO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA MUNICIPAL - LIMINAR CONCEDIDA, DETERMINANDO A NÃO AUTUAÇÃO EM CASO ESPECÍFICO - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO DE CURITIBA, LEVANTADA PELA AGRAVADA, AFASTADA PELO ARTIGO 23, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - IRRESIGNAÇÃO QUANTO À IMPOSSIBILIDADE DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA SER VISTA COMO COLABORADORA DA PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR - CABIMENTO, NOS TERMOS DO ARTIGO 23, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - COMPETÊNCIA DA DIREÇÃO MUNICIPAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS - PARA EXECUTAR SERVIÇOS DE SAÚDE DO TRABALHADOR - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 18, INCISO IV, ALÍNEA E, DA LEI Nº 8.080/1990, E ARTIGOS 30 A 34 DA LEI MUNICIPAL Nº 9.000/1996 - DECISÃO REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Não há que se falar em incompetência do Município de Curitiba na presente hipótese, eis que a competência para a proteção à saúde, inclusive do trabalhador, é concorrente, ou seja, cabe a todo o Estado genericamente compreendido, nos termos do artigo 23, inciso II, da Constituição Federal[9]. 2. Compete à direção municipal do Sistema Único de Saúde - SUS - executar serviços de saúde do trabalhador, conforme disposto no artigo 18, inciso IV, alínea e, da Lei nº 8.080/1990, e artigos 30 a 34 da Lei Municipal nº 9.000/1996.

(TJ-PR - AI: 5846353 PR 0584635-3, Relator: José Marcos de Moura, Data de Julgamento: 12/01/2010, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 314)

Em contrapartida, verifica-se a existência de decisão contrária:

FISCALIZAÇÃO. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. AUTO DE INFRAÇÃO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE DELEGAÇÃO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Salvo nos casos de delegação específica à outros órgãos, incumbe exclusivamente ao Ministério do Trabalho e Emprego a fiscalização do ambiente laboral e a aplicação de penalidades[10] (art. 626 c/c 159 da CLT). A ausência de tal delegação leva à ilação de que a visita de inspeção realizada por órgão vinculado ao SUS não teve como objetivo a verificação das normas de saúde relacionadas ao trabalho. Recurso não provido.

(TRT-15 - RO: 3904620125150053 SP 024149/2013-PATR, Relator: CARLOS ALBERTO BOSCO, Data de Publicação: 05/04/2013)

Ainda é possível encontrar nos julgados, decisões prevendo que o SUS possui competência de fiscalizar, restringindo o poder punitivo apenas ao MTE:

TRT-PR-06-08-2010 APLICAÇÃO DE MULTA POR ÓRGÃO MUNICIPAL (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE CURITIBA - VIGILÂNCIA SANITÁRIA). AMBIENTE E CONDIÇÃO DE TRABALHO COM RISCO À SAÚDE DO TRABALHADOR; AUSÊNCIA DE USO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL E INOBSERVÂNCIA ÀS DETERMINAÇÕES NA NR-18, ITEM 18.13. DO MTE. INCOMPETÊNCIA DO ÓRGÃO MUNICIPAL. De acordo com os artigos 21, inciso XXIV; 23, incisos II e VI; 30, inciso VII, 200, incisos II e VIII, da Constituição Federal; artigos 154; 200, incisos, I a VIII; 626 e parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, as ações em saúde do trabalhador e nos ambientes de trabalho cabem, não só à União, mas também aos Estados e aos Municípios. Porém, a competência para punir e aplicar sanções por infringência às normas voltadas à segurança e saúde do trabalhador (v.g. ambiente e condição de trabalho com risco, ausência de uso de equipamento de proteção individual e inobservância às determinações na NR-18 do MTE) é das Delegacias do Trabalho, por expressa previsão no diploma legal consolidado, bem assim no Decreto nº 4.552/2002, sob pena de superposição de atividades fiscalizadoras, geradora de insegurança jurídica aos empregadores.

(TRT-9 1205200914902 PR 1205-2009-14-9-0-2, Relator: CELIO HORST WALDRAFF, 1A. TURMA, Data de Publicação: 06/08/2010)

Apesar de haverem decisões contrárias, percebe-se, mediante o decorrer do estudo, que as ações de VISAT não se limitam ao texto constitucional, sendo incabível a interpretação isolada de um ou dois artigos da constituição, conforme Ministério da Saúde (2005):

[...] essas conclusões são juridicamente absurdas, tendo em vista eu decorrem de uma interpretação isolada de um ou dois artigos da Constituição (art. 21, XXIV e art. 22, I), desconectados de todo ordenamento constitucional, princípios, diretrizes e demais regras constitucionais atinentes à Saúde Pública, para atender interesses de determinados setores da sociedade, em prejuízo exclusivo do nosso trabalhador.

Embora haja diversas divergências, vislumbra-se que a VISAT tem como principal foco a saúde do trabalhador, prevenção e promoção da saúde e a redução de riscos de doenças e agravos. Preponderantemente, o objeto de fiscalização é o ambiente de trabalho e a compreensão do trabalhador inserido no processo produtivo. Pouco importa a relação do empregado com o empregador, questões burocráticas, pagamento ou não de direitos trabalhistas, encargos sociais, do contrato de trabalho, trabalho de menores de idade. Além disto, servidores públicos também estão elencados no rol de trabalhadores submetidos à VISAT, pelo princípio da universalidade, algo que não é admitido pela Inspeção do Trabalho.

Quando se fala em saúde do trabalhador, o constituinte estabeleceu que são abrangidos neste conceito os celetistas, informais, trabalhadores rurais, servidores públicos, entre outros. Enfim, o princípio da universalidade resta evidente por abranger todas as categorias de trabalhadores, algo não absorvido pela Inspeção do Trabalho do MTE, que não inclui, por exemplo, servidores públicos como setor regulado, mas tão somente os celetistas.

Entre os aspectos que mais diferenciam as ações da VISAT das de Auditoria do Trabalho é a forma de abordagem. Enquanto que nas ações do MTE ocorre uma inspeção mais voltada para o lado jurídico e observâncias das normas trabalhistas, a VISAT propõe um modelo diferenciado, focando no poder pedagógico como forma de conscientizar o setor regulado dos riscos à saúde pelas condições do ambiente de trabalho. Esta quebra de paradigma tenta lentamente modificar a cultura punitiva dos órgãos fiscalizadores, pois, é notório que, não sendo assim, as ações tem repercussão imediata na adoção de medidas proteção. Em outras palavras, a maioria dos problemas no processo produtivo (em sua maioria por vícios culturais) tendem a persistir quando o órgão fiscalizador põe os pés para fora de determinado estabelecimento.

Destarte, conclui-se que após a promulgação da CF/88, a concepção de competência exclusiva de “inspecionar trabalho” definida pelo art. 21, XXIV diz respeito à relação existente entre o empregado e o empregador, não se estendendo as questões de saúde do trabalhador, assim como o ambiente de trabalho. Não se deve, portanto, confundir a atribuição de cada órgão. A Saúde do Trabalhador não está englobada pela Inspeção do Trabalho e, sendo a saúde direito de todos, não existe lógica restringir o SUS de executar suas ações por equívoco do Constituinte ou por mera desatualização do texto constitucional frente às mudanças de nossa sociedade. Saúde do Trabalhador é um direito constitucional de todo o cidadão e, porquanto possa haver normas ou entendimentos conflitantes, a atuação de um, de outro ou de demais órgãos não podem ser consideradas nulas, eis que o foco da ação é o trabalhador, em detrimento de qualquer burocracia que impede a boa execução destas ações.


6. CONCLUSÃO

As ações de Saúde do Trabalhador prevista pela Constituição Federal ainda pode ser consideradas recentes, levando-se em conta que as demais políticas em vigor para a área surgiram anos depois, e ainda esbarram em vícios culturais dos mais diversos segmentos da sociedade. Não obstante, ainda há certo desinteresse dos gestores públicos em investir em um campo que, de certa forma, não trará resultados tão imediatos com a proteção da saúde da população trabalhadora, mas em sua maioria, a longo prazo.

Em que pese diversas barreiras para a atuação do Estado em prol da saúde dos trabalhadores, mesmo havendo normatização para a proteção da saúde dos trabalhadores, após mais de um século de conquistas, foi necessário que os gestores públicos estabelecessem de que forma o SUS executaria suas ações atribuídas pela Constituição Federal. Através do estudo, objetivou-se trazer esclarecimentos para a compreensão das políticas adotadas pelos governos.

Espera-se ter esclarecido também que, por intermédio dos setores de Vigilância em Saúde do Trabalhador – os quais são vinculados às Secretarias de Saúde nas diversas esferas – o SUS realiza suas ações objetivando compreender não apenas os riscos profissionais sob o quais o trabalhador possa estar exposto, mas também entender os aspectos sócio-econômicos, culturais e epidemiológicos que são fatores que implicam em dano indireto à saúde do trabalhador. Não há dúvidas que esta nova postura vem quebrando o paradigma da medicina do trabalho e saúde e higiene-ocupacional, a qual apenas confronta o risco profissional e a medida a ser adotada para eliminar/cessar/diminuir a exposição.

Pode-se perceber que esta nova postura visa à cessação da compensação pecuniária dos riscos expostos, buscando-se literalmente a proteção da saúde dos trabalhadores com medidas técnicas e efetivas, sob a égide dos princípios do SUS. Isto envolve a pesquisa, investigação, observação, fiscalização, tratamento e acompanhamento dos trabalhadores adoecidos para se traçar políticas para a área sob o ponto de vista do próprio trabalhador.

Outro aspecto do estudo pode render discussões: ainda que a CF/88 tenha deixado clara a competência da executar ações na área de saúde do trabalhador pelo SUS, o constituinte deixou uma lacuna quanto ao poder de fiscalização e punição de responsáveis que infringem normas pertinentes. Existem divergências, mas percebe-se que o entendimento majoritário é no sentido de ser competente os serviços de VISAT para possíveis punições, haja vista o interesse público na causa e a universalidade de sua cobertura, não restringindo-se apenas a trabalhadores celetistas. De qualquer forma, tanto a VISAT quanto a Inspeção do Trabalho exercem relevante função social, e conflitos de competência não são de interesse nenhum da sociedade, por isto, deve trabalhar de forma harmônica.

Após o decorrer do presente trabalho, vislumbra-se que a estrutura desenvolvida para as ações de VISAT tem por escopo a preservação e promoção da saúde dos trabalhadores, para que estes possam laborar em condições que não acarretem em dano à sua saúde, direta ou indiretamente. Através de diversas medidas, que vão desde a investigação até o tratamento do trabalhador adoecido, o SUS intervirá ou servirá de instrumento para que o Estado possa aplicar métodos para a preservação da saúde.

O tema é extremamente abrangente e abre margem para aprofundamento do estudo para diversas áreas, seja jurídica, engenharia, enfermagem, medicina, social, etc. No entanto, o objetivo do trabalho foi apresentar um panorama geral sobre a atuação do Estado para proteção da saúde dos trabalhadores, conforme previsto pela CF/88, tendo em vista a escassa produção de teses nesta área pela ciência jurídica, mas que representa um campo relevante para atuação do profissional do direito.


7. REFERÊNCIAS

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BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde do trabalhador: cadernos de atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2001;

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DE SETA, Marismary Horsth; REIS, Lenice Gnocchi da Costa; DELAMARQUE, Elizabete Vianna. Gestão da vigilância à saúde. Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração. UFSC; [Brasília]: CAPES: UAB, 2010.

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SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: LTR, 1999. 2 v.


Notas

[1] B. Ramazzini.As doenças dos trabalhadores. 3.ª ed. Tradução de Raimundo Estrela. São Paulo: Fundacentro, 2000.

[2] Grifo meu.

[3] Grifo do autor.

[4] Grifo meu

[5] VENDRAME, A.C.; Os Adicionais de Risco no Contexto da Saúde do Trabalhador. [IN] Jornal do VII Congresso Brasileiro de Direito Individual do Trabalho (pp. 66 - 69). Coordenação: Prof. Amauri Mascaro Nascimento. São Paulo. 12 e 13 de abril de 1999. Editora LTr.

[6] Disponível em: < http://oglobo.globo.com/infograficos/proibicao-do-amianto-no-mundo/> Acesso em 21/04/2014.

[7] Em : < http://www.renastonline.org/temas/centro-refer%C3%AAncia-sa%C3%BAde-trabalhador-cerest>. Acesso em 27 de março de 2014.

[8] Grifo meu.

[9] Grifo meu.

[10] Grifo meu.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Thiago Alexandre. A preservação e promoção da saúde do trabalhador como competência do Sistema Único de Saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4266, 7 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31553. Acesso em: 25 abr. 2024.