Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/31569
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Hermenêutica e justificação jurídica

reflexões sobre a (in)aplicabilidade dos postulados de Robert Alexy na moda de uniformização de julgados

Hermenêutica e justificação jurídica: reflexões sobre a (in)aplicabilidade dos postulados de Robert Alexy na moda de uniformização de julgados

Publicado em .

Além da argumentação empírica, dos cânones de interpretação e da dogmática jurídica, Robert Alexy (2001, p. 259) atribui relevância especial para a justificação em precedentes. Patrocina a vinculação compulsória aos precedentes como condição de igualdade e justiça, o que se mostra inexequível.

Resumo: O presente artigo científico se propõe, de modo coeso, a analisar os marcos fundantes da hermenêutica jurídica, com especial atenção à hermenêutica filosófica, haja vista os elementos cultivados em seu bojo e sua pertinência com o objetivo geral do artigo, a saber: a sobrevivência dos preceitos da teoria da justificação jurídica formulada por Robert Alexy em face ao movimento de uniformização de julgados e ao desvelar hermenêutico. Logo, distancia-se da avaliação que paira sobre a correção da teoria alexyana, para se perguntar sobre a continuidade de um dos seus aspectos, a justificação jurídica. Merece destacar que o presente artigo não deseja fornecer uma resposta polivalente, mas, sobremodo, a mensuração de (in)aplicabilidade. Utilizou-se, para o desenvolvimento desta presente pesquisa, o método indutivo, operacionalizado pelas técnicas de conceitos operacionais e da pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Hermenêutica; Justificação jurídica; Uniformização de julgados.


1. Introdução

A grosso modo, as ciências econômicas (diga-se a Economia de Mercado) tomaram de assalto o lugar nuclear da Física, dado o poder das primeiras em organizar a órbita de deslocamento, evolução e involução, das ciências “satélites”, magneticamente presas ao núcleo. Alardear que isso começou nos idos do século XVIII talvez não seja o mais correto, entretanto, com a ruína da “ameaça” socialista e a queda do Muro de Berlim, em 1989, chegou-se ao fim da História, como noticiou Fukuyama (1992). Exatamente nesse substrato que tomou forma o discurso único centrado na proposta neoliberal. Assim, esta suposta neutralidade expõe uma ideologia sem ideologia, que reprime questionamentos e novas propostas, ao estilo de Santo Agostinho: “se queres entender, deves crer primeiro”. Aí reside a novidade. Por séculos, diz Warat (1985, p. 49), “Uma ideologia fundamental sempre sucede a outra, isso é tudo. O que incomoda é que vivemos em uma época especial, onde nos perdemos na lenda que acabou, sem vislumbrar a mitologia sucessora.”

De imediato, as poucas vozes que se puseram a questionar a via única do discurso foram taxadas de retrógradas, deixadas isoladas em si, por não entenderem as novas ondas do “progresso”. A dualidade de posições passou a ser démodé, incabível nos novos tempos, preocupado com custos, eficiência, externalidades... Disso não escapou o Direito. Por conveniência ideológica, o Direito tomou por norte a máxima da segurança jurídica, como se as operações jurisdicionais fossem meros cálculos aritméticos do tipo “2 + 2 = 4”. Bem verdade que a atividade jurisdicional não pode ser um metalatifúndio decisório, no qual as sentenças variam conforme o humor da bílis. Isso, porém, não permite a mutação do sistema para o outro extremo, lócus de mera gestão, alheio a qualquer juízo de cognição, bem como da hermenêutica.

Nesse substrato, o da lógica aritmética, a jurisdição brasileira tem passado, desde a segunda metade da década de noventa do século anterior, por profundas modificações, a exemplificar: uniformização da jurisprudência; cláusulas de repercussão geral; recursos repetitivos e súmulas vinculantes, criando implicitamente a noção de que qualquer exercício hermenêutico-interpretativo é proibido. Graças a um giro linguístico, utilizando-se da esfinge da segurança jurídica, por ora matriarca da insegurança, institucionalizou-se como naturalidade o império da previsibilidade das decisões jurisdicionais, ainda que ao arrepio da Constituição da República.

O empreendimento de uniformização de julgados carece ser debatido horizontalmente, sem intervenções verticalizadas, sob pena de se restaurar no juiz a consciência de Eichmann que, em face da ausência de objeção executou ordens hediondas contra a humanidade na crença de estar fazendo o certo. Tais colocações apresentam, todavia, um paradoxo existencial. Em uma tirania, como a nazi-fascista, se admite, ainda, com a ruína do regime a escusa de consciência ante à violência e o descontrole do poder, porém qual a desculpa a ser dada no paradigma democrático onde cada indivíduo é solidário dos efeitos das ações executadas?

Diante do presente desafio as linhas que se seguem procuram, de modo coeso, a analisar os marcos fundantes da hermenêutica jurídica, com especial atenção à hermenêutica filosófica, haja vista os elementos cultivados em seu bojo e sua pertinência com o objetivo geral do artigo, a saber: a sobrevivência dos preceitos da teoria da justificação jurídica formulada por Robert Alexy em face ao movimento de uniformização de julgados e ao desvelar hermenêutico. Logo, distancia-se da avaliação que paira sobre a correção da teoria alexyana, para se perguntar sobre a continuidade de um dos seus aspectos, a justificação jurídica. Merece destacar que o presente artigo não deseja fornecer uma resposta polivalente, mas, sobremodo, a mensuração de (in)aplicabilidade.


2. O desvelar da hermenêutica...

Toda norma jurídica carece de interpretação e, quando o operador do direito se depara com um caso concreto busca no ordenamento jurídico uma norma abstrata que deverá ser aplicada, realizando a interpretação do direito. O vocábulo hermenêutica, etimologicamente advêm de Hermes, sacerdote do oráculo de Delfos incumbido de levar a mensagem dos deuses aos homens, que, ao aprender a linguagem possibilitara a compreensão do ininteligível e do desconhecido ou oculto. Para os gregos, hermeneúein, significava cumprir as funções de Hermes, transmitindo mensagens, enquanto hermeneía era entendida como a ação de explicitar ou traduzir as ordens do Olimpo e, posteriormente, como a atividade de atribuir sentido às palavras. Conforme adverte José Adércio Leite Sampaio (2009, p. 57), nesta última acepção, confundia-se, por um lado, com o latim interpretari (exhgeomai, ermhveuw) e, de outro, a raiz erm se associava com (s)erm de sermo ou discurso, vinculando-se, desde a sua fonte, com a linguagem.

Logo, na experiência grega, para saber interpretar e compreender, é essencial saber antes perguntar, somente com o perguntar bem (maiêutica) propicia ao interlocutor perseguir a verdade no diálogo. Contudo, entre os romanos, a hermenêutica se confundia com a atividade da jurisprudentia, com o inter-pretatio, com o dizer o direito, ou seja, resume-se em máximas interpretativas, onde, na Idade Média, passa a significar o esclarecimento de algo escondido por trás das letras, especialmente à serviço da teologia, no intuito de dar sentido aos versículos bíblicos obscuros, propiciando uma confluência do espírito e das escrituras.

A partir de Descartes (1985, p. 44), Bacon e Meyer inicia-se a cisão entre a hermenêutica e a interpretação, sendo que a primeira é elevada ao nível de ciência enquanto a segunda passa a ser seu objeto. Neste contexto, a interpretação passa a se dedicar ao mundo teológico, filosófico ou profano, e ao jurídico, considerando essencialmente os métodos gramaticais e histórico-críticos (BARROSO, 2004). Toda essa herança da escolástica, de alguma forma, perceptível ou não, ainda pulsa na atualidade. Tanto é que frequentemente utilizam-se expressões do gênero: “no sacerdócio de...”; “segundo a doutrina tal...”; “assim reza...”; “prega acerca do tema...”; “pontifica fulano...”, como se o discurso jurídico dependesse de revelação divina.  

Com isso, o texto normativo, núcleo da interpretação e da atribuição de sentido do ordenamento jurídico, pauta-se nas determinações da filosofia da consciência[1], proveniente da escola aristotélica, sobre a qual Emílio Betti fundamenta sua teoria hermenêutica objetivista-idealista.

Neste desiderato, para Emílio Betti (1953), a interpretação constitui-se no processo racional disciplinado, organizado, com claro objetivo reprodutivo. Para tanto, a atividade hermenêutica se prestaria exclusivamente a reproduzir e retransmitir a intenção, a vontade de um outro juízo responsável pela construção de representações submetidas à análise do intérprete. Não por acaso, reste mantida a busca pela verdade real, espírito da lei ou vontade do legislador. Está aí, justamente para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito, como quer Carlos Maximiliano (1998).

Como consequência deste retrato, não causa estranheza a orientação proferida por Eros Roberto Grau (2009, p. 44), para quem a “interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – o texto – até a Constituição.”. Note-se bem que, a esse respeito, a Constituição mantém, aos olhos do jurista, o signo de mero documento político, amplamente condicionado por diversos documentos hierarquicamente inferiores, como se possível fosse. Como consequência, além da desconsideração do primado da interpretação conforme a constituição acaba por decretar a não-aplicação do controle de constitucionalidade (BARROSO, 2004, p. 371).  

Vale salientar que, embora impossível a existência de um julgador neutro, do tipo ph7, a atividade interpretativa não deve representar um metalatifúndio decisório aberto e permeável ao extremo por manifestações ideológicas, as quais sustenta[ra]m a ideia de decidir conforme a “minha consciência”[2]. Se aceito este modos operandi, a esfera do indecidível dos direitos e garantias fundamentais restara totalmente relativizada, transformada em mera faculdade.

Adicione-se a este quadro a concepção instrumental do processo, bem como os preceitos da filosofia da consciência, pautada na relação sujeito-objeto. Neste cenário, a atividade hermenêutica funciona para atribuir sentido aos preceitos normativos de acordo com os objetivos pretendidos pelo Estado. Têm-se, portanto, uma inversão das ideias centrais do constitucionalismo. Já não prevalece a limitação dos poderes e a defesa dos direitos fundamentais, pelo contrário.

Além da crise de constitucionalidade que se vislumbra, e pior, proveniente do tradicional guardião da Constituição, é preciso reconhecer que o propósito primeiro da uniformização dos julgados, para o qual as súmulas vinculantes em muito contribuem, mira antes a previsibilidade das decisões a partir de critérios de hierarquia e subordinação, em detrimento da racionalidade das medidas adotadas (POSNER, 2007, p. 115-132). Essa compreensão se materializa com a uniformização da jurisprudência; cláusulas de repercussão geral; recursos repetitivos e súmulas vinculantes. O objetivo é claro: criar um discurso fundante (STRECK, 2010) para uniformizar e padronizar a-criticamente e de modo irrefletido o sentido da norma dentro do establishment jurídico, atribuindo ao aparato judiciário (juízes, promotores, advogados, etc.) a atuação como mera engrenagem de uma linha de produção fordista, a repetir sábias, pacíficas e remansosas ordens, mediante um poder de violência simbólico (BOURDIEU, 1989, p. 07).

Há que se considerar, por derradeiro, a impraticabilidade da tradicional compreensão do processo como instrumento do poder e da jurisdição. Enquanto tal prática for tolerada estar-se-á, direta ou indiretamente, vilipendiando os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e o Estado Democrático de Direito. Toda essa problemática ganha maior vulto com as teorias processuais dominantes que, grosso modo, alimentam o julgador com densa carga discricionária de decisão, pautada pela matriz da filosofia da consciência. O resultado direto desta equação importa, evidentemente, na incomunicabilidade do processo à luz da teoria geral do processo com um modelo constitucional garantista. 

Enfim, um modelo constitucional garantista de processo requer, sem demora, um espaço de defesa dos direitos e garantias fundamentais, restaurado pela hermenêutica, no qual possam estar incluídos os indivíduos, participando em contraditório com iguais oportunidades. Por oportuno, é preciso esclarecer que todas as reflexões anteriores, direta ou indiretamente, realizam uma desconstrução do lugar dos Juizados Especiais Federais em relação às teorias processuais e sua adequação com o Estado Democrático e Constitucional de Direito, especialmente no que diz respeito ao modelo constitucional [garantista] de processo. Para tanto, a proposta que se apresenta ao debate (e às críticas) reclama de arrancada um novo pensar hermenêutico, centrado na e pela linguagem, além da filosofia da consciência e das razões metafísicas.

Contudo, somente no século XIX, com Schleiermacher (2001) a hermenêutica retoma sua existência na linguagem. Além da análise gramatical das expressões linguísticas, o diálogo entre autor e o interprete era possível, porque ambos comungavam de um léxico e de uma gramática comum, bem como, de uma natureza humana igualitária que possibilita a junção, no tempo, das intenções e do sentido, via linguagem. A linguagem é tida por ele como o núcleo das preocupações hermenêuticas e também fonte de insegurança científica, pois é um fenômeno histórico, esquemático e esquematizante.

Assim, como constata José Adércio Leite Sampaio (2007, p. 63):

Estamos diante de um processo circular, pois a linguagem é histórica e a história só é lida pela linguagem. E como fica a interpretação nisso tudo? No meio – como parte – do círculo: toda interpretação de expressões lingüísticas envolve um universo não lingüísticopré-dado (...). Dialética (como unidade do saber operada nos limites de uma linguagem particular) e gramática (como auxiliar da compreensão lingüística) se unem, nesse quadro, à hermenêutica (como filosofia da compreensão do discurso).

Martin Heidegger (1993) foi quem, através da obra Ser e Tempo de 1927, impôs à filosofia uma reviravolta que, inspirado em Husserl (MARRAFON, 2008), ampliou a concepção da Hermenêutica, de modo que ela fosse vista como o compreender totalizante e universal, alicerçado na existência. Assim, o filósofo alemão através da temporalidade e do mundo vivido modificou a percepção do método e da ontologia tradicional ligada à subjetividade e aos dualismos metafísicos. A teoria heideggeriana está voltada não mais para o ente como ente, como fazia a metafísica tradicional, ou para a redução transcendental da fenomenologia husserliana; mas sim posicionada, e desde sempre compreendida para o ser. Estabelecendo-se, portanto, um novo campo de compreensão, uma compreensão existenciária, centrada no sentido do ser, do ser-aí, do Dasein. A partir desta iluminação Marin Heidegger se desfaz dos vínculos da teoria da razão, dando origem a um movimento de compreensão e de apreensão do conhecimento. Tem-se aqui a constituição de um “giro hermenêutico” que, ao invés de indagar sobre o que se sabe, pergunta qual o modo de ser desse ser que só existe compreendendo (SAMPAIO, 2007, p. 63).

Com Martin Heidegger (1997, p. 10) vê-se que:

Toda interpretação possui sua posição prévia, visão prévia e concepção prévia. No momento em que, enquanto interpretação, se torna tarefa explícita de uma pesquisa, então o conjunto dessas ‘pressuposições’, que denominamos situação hermenêutica, necessita de um esclarecimento prévio que numa experiência fundamental, assegure para si o objeto a ser explicitado. Uma interpretação ontológica deve liberar o ente na constituição de seu próprio ser. Para isso, vê-se obrigada, numa primeira caracterização fenomenal a conduzir o ente tematizado a uma posição prévia pela qual se deverão ajustar todos os demais passos da análise. Estes, porém, devem ser orientados por uma possível visão prévia do modo de ser dos entes considerados. Posição prévia e visão prévia, portanto, já delineiam, simultaneamente, a conceituação (concepção prévia) para a qual se devem dirigir todas as estruturas ontológicas.

Nessa nova compreensão, Martin Heidegger apruma o tempo e o mundo vivido no centro de sua proposta, superando a fenomenologia husserliana, detida no modelo reflexivo da mente, passa a ser vislumbrada no panorama do ser-no-mundo-prático-existencial (STEIN, 1990, 15). Nesta seara, o tempo ganha relevância, pois respalda a hermenêutica da facticidade, que redescobre o ser e o seu sentido na pré-sença, tal como arremata o filósofo alemão: “A compreensão do ser é em si mesma uma determinação do ser da presença.” (HEIDEGGER, 1997, p. 38).

Pontua Ernildo Stein (1997, p. 77-78):

Com isto Heidegger inventa uma outra hermenêutica. Por que desenvolveu o método fenomenológico, próprio do seu tipo de trabalho filosófico, Heidegger inventa o que poderíamos chamar de hermenêutica que é capaz de expor o desconhecido [...] e este desconhecido é para Heidegger propriamente aquilo que nunca se aceitou, nunca foi conhecido, porque sempre foi encoberto. E é justamente na compreensão do ser que nós, sempre, e toda a tradição metafísica, usamos mal, na medida em que na compreensão do ser sempre se pensava na compreensão do ente: a ideia, a substância, Deus, o saber absoluto, etc. [...] e o método hermenêutico, enquanto hermenêutico existencial, pretende exatamente trazer este novo.

A revolução estava instalada, Martin Heidegger re-situou o homem com sua finitude no mundo vivido, que não se afirma na racionalidade, em verdades absolutas, superando a relação ser-objeto para a construção da relação sujeito-sujeito imersa em um processo compreensivo-interpretativo na linguagem, agora a morada do ser. O homem, porém, não é apenas um ser vivo, pois, ao lado de outras faculdades, também possui a linguagem. “Ao contrário, a linguagem é a casa do ser; nela morando, o homem ex-siste enquanto pertence a verdade do ser, protegendo-a.” (HEIDEGGER, 1987, p. 58).

Influenciado por Heidegger, Hans-Georg Gadamer (1997) lapidou a transição entre razão epistêmica moderna e racionalidade hermenêutica, estabelecendo os alicerces de uma hermenêutica filosófica, um verdadeiro plus em relação à fenomenologia hermenêutica e à hermenêutica da facticidade. Para Gadamer (1997, p. 588), importa aquilo que é comum a toda maneira de compreender, o que efetivamente incide sobre a possibilidade de compreensão, e não o método. Assim, a hermenêutica é trabalhada a partir da historicidade do ser, haja vista a mobilidade da vida, dada pela experiência humana de mundo que, desde sempre na linguagem, construída na vivência consubstanciada ao longo do tempo.

Por conseguinte, compreender é um processo no qual o intérprete se inclui, onde ocorre uma fusão de horizontes das posições pessoais de cada envolvido no acontecer hermenêutico, que se opera em ato uno e não por partes como doutrinaram os antigos (subtilitasintelligendi, subtilitasexplicandi e subtilitasapplicandi). O texto, objeto por excelência da hermenêutica, proporciona a construção do sentido pelo intérprete a partir de si mesmo, de seu modo de ser e de compreender o mundo, sempre numa perspectiva linguística. Afinal, “O ser que pode ser compreendido é linguagem” (GADAMER, 1997, p. 612). Nas palavras de Lênio Luiz Streck (2010, p. 218), em síntese, “Hermenêutica será, assim, o ex-surgir da compreensão, a qual dependerá da facticidade e historicidade do intérprete”, sendo que este acontecer se dá fenomenologicamente no mundo vivido.

Ante o exposto, Martin Heidegger, ao aprumar um novo olhar ao mundo a partir de uma hermenêutica reformulada que pretere a metafísica e a relação sujeito-objeto, em favor do ser-aí, concebe uma clareira de luz para o universo da compreensão (interpretação), cuja clarificação aponta para o ser-aí, o homem.

Conforme Lênio Luiz Streck (2010, p. 201), o homem é definido como existência, como poder-ser, que invade a noção de ser-no-mundo, onde o estar-aí é ser-no-mundo, o resultado da análise da mundanidade. Ou seja, a compreensão do ser-aí exige uma pré-compreensão do mundo. “O ser humano é compreender. Ele só se faz pela compreensão. Ele só se dá pela compreensão. Compreender é um existencial, que é uma categoria pela qual o homem se constitui”, via linguagem, a morada do ser. Assim, o processo hermenêutico-compreensivo arquitetado por Heidegger permite no próprio ser-aí, a noção de compreensão, que procura proporcionar a liberação das possibilidades de encobrimento do ser-no-mundo.

Ao compreender o mundo, o homem objetiva existencialmente interpretar a si mesmo. Assim, pela interpretação, almeja-se desvelar o sentido dos sentidos da existência humana, “que nos aproxima do sentido pleno e permite a vivência de uma relação fundada na liberdade e democracia.” (DIAS, 2003, p. 94).

Sobre o tradicional prisma historiador e jurista se equiparam: todos se encontram em uma expectativa de sentido imediata, frente a um texto. Na verdade, não há acesso imediato ao elemento histórico. Como atesta Hans-Georg Gadamer (1997), só existe valor histórico quando o pretérito é compreendido em seu entrelaçamento com o presente, e isto o jurista deve imitar. Para a execução de uma hermenêutica jurídica, faz-se essencial que a lei vincule isonomicamente todos os indivíduos. Logo, a prática da interpretação consiste em aplicar a lei caso a caso. Com isso, a hermenêutica deixa de ser vista como método para o descobrimento da verdade, para se tornar filosofia invadida pela linguagem (STRECK, 2010).

Nesta perspectiva, não faz sentido manter-se devoto, como se preso a dogma, as tradicionais formulações processuais. Não há hipótese plausível de coabitação entre processo como relação jurídica ou como instrumento a serviço da jurisdição e dos desígnios do Estado e qualquer exercício de hermenêutica filosófica. A relação de ascendência de uma parte sobre a outra impede qualquer exercício satisfatório e igualitário de linguagem. Ainda que supostamente presente um diálogo, estará cerceado por inúmeros obstáculos. Por isso, a partir de um modelo constitucional (garantista) de processo, a atividade de des-velamento requer a compreensão da facticidade e da historicidade das ações mediante um processo interpretativo substancialmente democrático, praticado via linguagem, nos ditames do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da isonomia, da autoridade competente, da presunção prévia de não-culpabilidade.

Daí que o des-velamento, a pré-compreensão e a compreensão de determinado acontecimento exige a participação dos interessados. A decisão, muito embora na sua concepção original vincule-se a ideia de revelação divina (Urtheil), não pode ser resultado de um monólogo. Para tanto, cânones do tipo relação jurídica processual, instrumentalidade, jurisdição como atividade do poder devem ceder espaço para um novo paradigma processual, obrigado, claro, com a garantia dos direitos fundamentais. Por consequência, defensor dos indivíduos frente ao Estado e demais poderes e de igual sorte, preocupado com a inclusão e participação democrática dos destinatários do ato final em igualdade material.


3. O movimento de uniformização de julgados

Por sua vez, deve-se mensurar o hiato existente entre os preceitos hermenêuticos debatidos e a prática judicial manejada pelos operadores jurídicos de plantão. Não se fazem necessárias maiores digressões acerca do faroeste forense instalado no ato de motivação das decisões judiciais. Trata-se de verdadeiro gap, nos dizeres de Alexandre Morais da Rosa (2011). Tendencialmente as decisões acontecem distantes do círculo hermenêutico possível de ser instalado.

Observa-se a repristinação de antigos hábitos interpretativos na aplicação do Direito, agora maquiados com atributos de uniformização e sumularização do Direito. Ao ponto das decisões judiciais deixarem de dizer o Direito, para simplesmente tentarem manter uma suposta coesão argumentativa, via eficácia transcendental das decisões dos órgãos de cúpula[3].

Ademais, incessantemente, dia após dia, a prestação da devida tutela jurisdicional mantêm-se em vias de contenção, ou melhor, apresenta-se paulatina e progressivamente sonegada. Se foi o tempo em que havia a discussão sobre as questões fáticas no bojo dos processos. A força motriz impulsiona na sintetização das discussões de teses jurídicas, preferencialmente teses processuais. Tal qual uma colônia de bactérias, súmulas, enunciados, orientações jurisprudenciais, questões de ordem e verbetes jurisprudenciais se reproduzem instantaneamente (STRECK; ABBOUD, 2013, p. 11). O microssistema dos Juizados Especiais Federais nutre, ainda mais, esta perspectiva, inclusive, admitindo preceitos de estandartização emanado por colegiados paraestatais (FONAJEF).

Logo, verbetes genéricos e desprovidos de facticidade acabam por esconder cada caso. Consequentemente rompe-se com a possibilidade de qualquer juízo de des-velamento de sentido e pré-compreensão. Torna-se impossível, nesta lógica, a prolação de decisões corretas. Em regra, a doutrina padece de capacidade de oxigenação de novos argumentos, procura reafirmar as remansosas jurisprudências. A velha queixa de falta de unicidade jurisprudencial começa a ser sanada pela uniformização das decisões dos tribunais de ascendência hierárquica (STRECK; ABBOUD, 2013, p. 12-13). Solidificam-se as teses, ignoram-se os fatos, possibilitando aos jurisdicionados a antecipação de sentidos, bem como da solução, já no primeiro grau de jurisdição. Porém, com outro detalhe insidioso: tolhendo o interesse recursal quando da afronta às decisões dos tribunais superiores. Viola-se frequentemente a garantia do devido processo legal, com o detalhe de se observar poucas linhas que desafiem a pertinência deste modelo de uniformização.

Popularmente a ação de uniformização dos julgados é atribuída como resultado da importação de elementos da cultura jurídica da common law. Especialmente dos preceitos do sistema jurídico-processual inglês. Conforme anota Carlo Augusto Cannata (1996, p. 216), o paradigma inglês orienta-se a partir do poder do monarca distribuído em três aspectos: sendo senhor feudal supremo, possuía competência para conhecer e julgar de litígios entre os senhores feudais investidos diretamente pelo rei (tenants in chief); enquanto rei da Inglaterra concentrava competência para conhecer e julgar os litígios de interesse direto da monarquia (placita coronae) e; por estar no vértice do poder, detinha dirigismo sobre os tribunais inferiores.

Contudo, a força da locomotiva da uniformização dos julgados clama a análise de institutos conexos. O primeiro deles, o staredecisis (aqui, precedente), é explicado pelo adágio staredecisis et non quieta movere (continuar as coisas decididas e não mover as quietas). Por força da tradição, o precedente possui uma holding, da qual se colhe a força vinculante. Ademais, apenas a fundamentação da decisão traz os atributos vinculantes, jamais o dictum(portanto, não o verbete). Na lição de LenioStreck e Georges Abboud (2013, p. 30), o “mais importante a dizer aqui é que os precedentes são ‘feitos’ para decidir casos passados; sua aplicação em casos futuros é incidental”.

Deposita-se nesta informação a distinção feita no intuito de uniformização dos julgados no Brasil, em comparação com a matriz. Os instrumentos de uniformização de julgados manejados pelo ordenamento jurídico brasileiro se apresentam para regular hipóteses gerais e abstratas, editados para casos futuros. Logo, cumprem com os mesmos propósitos dos atos normativos comuns, equiparando e descalcificando as funções legislativas. Depara-se com a transfiguração do judicial reviewpara feições de judicial legislation, do controle de constitucionalidade para a criação jurisprudencial da norma (RODOTÀ, 2012, p. 64). É uma divergência inconciliável com a cepa da common law. Afinal, não são raros os casos de “precedentes” por aqui editados que são desprovidos de casos passados (MAUÉS, 2011, p. 39).

Tal procedimento se equipara à atividade legislativa inerente ao Poder Legislativo. Em complemento, coloca no mesmo cesto, indistintamente texto e norma, lei e direito. Conforme já antecipado, se afasta por completo de qualquer critério material hermenêutico. Assim como se critica a impotência do legislador em antever todas as possibilidades de aplicação do texto normativo que produz, faz-se necessário pôr em xeque a capacidade do intérprete padronizar todas as hipóteses de incidências futuras, antecipando respostas genéricas que dispensam supostamente a apreciação da facticidade inerente. Cria-se uma arquitetura normativa “pós-lei” (STRECK; ABBOUD, 2013, p. 31).

Daí a razão pela qual Alexandre Morais da Rosa (2011) vislumbre neste panorama o transplante racional dos argumentos jurídicos para a perspectiva da moda. A decisão paradigma distancia-se da decisão tomada como base, cuja lacuna de sentido é preenchida pelo imaginário. A compulsão pela velocidade nas decisões engessa momentos de reflexão e aprofundamento. Os informativos (diga-se de passagem, a última moda) dão cores para esta suposta dinamicidade. A última publicação flagela as versões anteriores, de modo que a migração se justifica unicamente pela simbologia de manter-se atualizado. Decisões deixaram de dizer o direito para o caso em concreto. As decisões já estão dadas antes mesmo do ajuizamento da lide. Nos Juizados Especiais Federais, a título de exemplo, caso a decisão esperada não tenha ainda sido uniformizada, as demais instruções ficam sobrestadas, de forma a ceifar qualquer crivo hermenêutico. O que mais falta para a extrema unção do devido processo legal?

Neste espaço, se opera por assim dizer do modo absolutamente distinto das matrizes do common law, pois nesta tradição, a partir da lógica do staredecisis o julgador é investido na função de garimpo de precedentes anteriores para extrair destes argumentos suficientes para a resolução do caso (STRECK; ABBOUD, 2013). Desta forma, a força vinculante não é ativada por um precedente em específico, como se quer no Brasil, mas pelo arcabouço fornecido pelo conjunto de precedentes. Eis outra diferença essencial de ser detectada e, sobremodo, erradicada: é de indispensável relevância na cultura de precedentes da common law a análise da casuística que nutre a lide. Portanto, não há um rompimento das questões fáticas que permeiam a adoção/produção de precedentes, diversamente das ramificações brasileiras que pretendem instituir no julgamento um rapto de facticidade e temporalidade. Logo, precedentes não se confundem, nem se assemelham com súmulas vinculantes, nos moldes da EC45/2004.

Além desta variável concreta, merece reflexão a ratiodecidendi que tonifica cada precedente. A ratiodecidendié o critério argumentativo da decisão, o elo de cognição entre a resolução motivada do caso e o caso em si. Nesta baila, a estandartização de ratiodecidendis não se mostra constitucionalmente possível, pois fere inúmeros direitos e garantias fundamentais. Em suma, na ratiodecidendi vigora o controle de arbitrariedades. De igual sorte, esta não pode ser confundida com a obter dicta, que resume-se tão somente nos argumentos registrados na decisão, mas não configurados como fundamentos jurídicos dela, de modo que a presença da obter dicta é mera faculdade para a validade da decisão (TARUFFO, 2007).

Em verdade, diante destas parcas e abreviadas constatações percebe-se a elevada e grave confusão existente entre o modelo da common law e o paradigma de precedentes que se instituiu no ordenamento jurídico brasileiro, através de súmulas vinculantes, súmulas, enunciados, orientações jurisprudenciais, verbetes, questões de ordem e afins. A proposta de agilização do sistema fora engolida pelo seu engessamento. Acreditou-se que a produção de enunciados seria a resolução de múltiplos casos por simples e rasteiro silogismo, de modo a praticamente proibir qualquer juízo hermenêutico (inclusive, a ponto de não bonificar os juízes que divergem da jurisprudência consolidada dos Tribunais, ou seja, um modo indireto de punição disciplinar). Não há como negar a natureza legislativa positiva que a matriz de estandartização de julgados assume no cenário brasileiro ao tempo em que edita enunciados abstratos e genéricos ex nunc (VALE, 2006). Além disso, as súmulas, lato sensu, apresentam-se com força suficiente, inclusive, para suplantar a própria lei (MANCUSO, 2009).

Não por acaso, além do já registrado, preceitue LenioStreck (2011, p. 390) que as súmulas se afiguram como decisões de caráter aditivo (em relação a norma) e manipulativo (em relação ao seu conteúdo), de modo que súmulas para determinar que dispositivo é inconstitucional, afrontam com o controle de constitucionalidade previsto na Constituição Federal. O que vem tomando corpo no Brasil com a instituição de súmulas, sendo que, decidir em nome-do-Pai  – o superior hierárquico – sobrepõem-se as previsões constitucionais. Por esta razão os juízes lato sensu têm uma predileção mais apurada para julgar seus casos em bases hierarquicamente bem fundamentadas, porém incomunicáveis. Consequentemente, se revela uma sobreposição de diversas forças e fontes, obviamente difíceis de serem unificadas (CATANIA, 2008, p. 07). 

Há de se registrar outro caráter extremamente sério e insidioso: a força dos precedentes. Ronald Dworkin (1999) assevera que o poder decorrente dos precedentes não pode ser considerado a partir do órgão judicial que o produz, mas sim dos argumentos que o compreende. Importante: não são os precedentes a fonte das fontes[4]. De forma diversa, o arremedo de cultura de precedentes que se almeja instituir no Brasil pactua de bases gravitacionais totalmente diversas. Tratou de sucumbir com a força argumentativa das decisões para considerar privativamente a posição hierárquica do órgão emissor e o lugar do agente que lhe aplicará. Saiu de cena o poder dos argumentos para submissão aos argumentos do poder. Daí, com razão e veemência questiona Manuel Atienza (2013), em que consistirá a dimensão dialética e retórica nestes novos espaços de vinculação e mitigação da independência dos magistrados?.

Talvez elementos embrionários para esta resposta possam decorrer da constatação de que no atual contexto hermenêutico (uma hermenêutica da ilusão, é verdade) as perguntas são antecipadas pelas respostas, previamente construídas e postas à disposição para download. Em paralaxe, merece inclusão a advertência de SlavojŽižek (2005), para quem vive-se no “deserto do real”, isto é, o semblante do sistema processual artificialmente construído para mascarar a sonegação dos bens vitais. Oxalá, quem sabe um dia esta tese seja desnecessária frente ao declínio das questões processuais em favor das substâncias em si.

Outra incongruência a ser ventilada é o defenestramento do devido processo legal e do contraditório. O processo de estandartização dos julgados, consequentemente a sua uniformização produzem uma via de sentido único. Não se admite qualquer testificação, qualquer contestação, sob pena de repreensão disciplinar. Tal ceticismo, porém esquece da impossibilidade de se construir um saber unitário e excludente sobre o direito (LEAL, 2010). Assim, o day-in-court veste-se com trajes de gala, de modo que, “a clientela não é mais do advogado, mas do judiciário que é portador de um hermenêutica (jurisprudência) unilateral e dirigente dos destinos jurídicos da população e do sentido das leis que porventura queira aplicar em suas decisões.” (LEAL, 2010, p. 151).

Por esta razão a utilização da expressão “horizonte de eventos”. Trata-se de apropriação de termo decorrente da física quântica e da astronomia para as searas do Direito. Horizonte de eventos representa a fronteira matemática que indica o ponto de não retorno amplamente manejado quando da abordagem dos paradoxos que permeiam a compreensão de buracos negros. Um buraco negro é uma estrutura tão densa que dele nada pode escapar, nem mesmo a luz. Uma vez sugado por sua energia nada regressa, de forma a sair do nosso universo (HAWKING, 2014).

Fenômeno idêntico acontece com o estado d’arte da uniformização dos julgados no Brasil. O “horizonte de eventos” transfigura-se para fronteira argumentativa que indica o ponto de não retorno, tudo o que é abduzido pelo verbete uniformizador fica fora e intacto do ordenamento jurídico. Logo, o movimento de uniformização de julgados no atual estágio está para o ordenamento jurídico como está um buraco negro para física.

Súmulas, enunciados, orientações jurisprudenciais, questões de ordem e afins apresentam-se como argumentos únicos e generalizantes da argumentação judicial. Passam a existir por si, de modo autônomo e independente, absorvendo todos os argumentos levados para suas cercanias. Uma vez absorvidos pelo expedientes de uniformização dos julgados nele serão consumidos, sem chance de retorno ou imaculabilidade. Se opera a cisão do mundo da decisão com o mundo do comportamento social (CATANIA, 2008, p. 12), como se possível fosse.

O formato brasileiro inovou de tal modo, em relação ao paradigma inglês, que pelas plagas nacionais pouco de discute acerca da possibilidade de superação do precedente (overruling) ou da distinção (distinguishing) por se tratar de um caso diferente (BUSTAMANTE, 2007, p. 234). Ou seja, além das vicissitudes constatadas no processo de produção de verbetes a precariedade compromete sua manutenção e controle de excepcionalidade[5].

Em sede de Juizados Especiais Federais, todavia, todos estes tópicos são potencializados em virtude das particularidades do microssistema e da realidade jurisdicional que se propõem a judicar. Um microssistema concebido para reduzir as tradicionais burocracias do direito processual e estabelecer bases sólidas de igualdade de armas entre os litigantes é vergastado para prosseguir com razões diversas: satisfação dos propósitos estatais e a compulsão pelo fetiche da previsibilidade das decisões judiciais. Não por acaso se presencie na atualidade a banalização dos “julgamentos por bloco”.

O intuito de uniformização dos julgados além do rasgo hermenêutico que produz, afasta a efetiva prestação jurisdicional das garantias processuais emanadas pela Constituição Federal. No aspecto procedimental, a uniformização dos julgados engessa de tal sorte as demandas que se torna igualmente burocrático o acesso à justiça. Fulmina com o devido processo legal e seus atributos corolários. O contraditório é minimizado em seu aspecto dinâmico. O dever constitucional de motivação das decisões é substituído por simulacros, através dos quais as decisões já estão prontas antes mesmo do conhecimento das pretensões resistidas. Noutro viés, o substancial, é simplesmente esquecido e intencionalmente desprezado para dar vazão à apreciação de celeumas processuais, como se o bem de vida fosse absolutamente dispensável. O adágio de que o mundo da decisão é o mundo do comportamento social resta deletado (CATANIA, 2008). Pode-se notar, de igual sorte a abertura para alterações e surpresas (insegurança) de ordem material e processual no curso da lide, comprometendo as bases sólidas da anterioridade/legalidade.

Consequentemente, não se pode compactuar com Víctor Ferreres e Juan AntonioXiol (2010, p. 46), para quem há preenchimento de critério de legitimidade por decisões judiciais vinculantes que não se condicionam às questões dos destinatários dos julgados. Logo, a índole uniformizadora perpassa incólume pelas particularidades fáticas e pelas necessidades dos litigantes quando da apresentação da lide, diversamente do que se propõem de universalização (este sim, crente de decisões judiciais absolutamente neutralizadas da influência de qualquer variável) (KENNEDY, 2001). Há de se divergir desta proposta e de se exigir critérios hermeneuticamente rígidos em sua estrutura e em seu sentido.

Acerca da rigidez, faz-se necessário e urgente exigir maior e mais densa solidez e coerência nos critérios para edição de eventuais verbetes uniformizadores. A elaboração de estandartes jurisprudenciais não podem fechar um cerco aos expedientes ordinários de fundamentação jurídica em proveito de soluções de emergência, com perfil gestor administrativo ou policialesco. Exigir para a edição de súmula, junto aos Juizados Especiais, por exemplo, apenas a consolidação da jurisprudência pela Turma, tomada pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, cabendo ao relator propor-lhe o enunciado. A qualquer momento sujeita-se a alteração ou cancelamento e, tal qual a moda, a versão mais recente derroga as preexistentes. Tudo muito simples...para algo propenso a decidir o destino de milhares de indivíduos, para recusar conhecer e prover recurso e, aceitar decisões pelas suas próprias razões. Entretanto, se a cada nova fase lunar se editam novos verbetes sumulares, resta caracterizada a insegurança instalada em nome da segurança jurídica, pois não se concede tempo para a almejada estabilização dos julgados.

Em paralelo há de se avaliar o potencial que cada matéria uniformizada possui de desafiar recursos e novos incidentes de uniformização dos julgados. O excesso na posologia de pedidos de uniformização que se convertem em novas súmulas, ilustrativamente perante as Turmas Regionais de Uniformização e a Turma Nacional de Uniformização acabam pela velocidade na alteração dos enunciados em insuflar o ajuizamento de novas demandas. Evidente que o intuito maior não é a estabilização da jurisprudência. Talvez faça sentido a lição de Alfonso Catania (2008, p. 19), para quem existe uma mutação da decisão em norma, em preterição da norma em decisão. Os objetivos se sedimentam na verticalização dos argumentos de hierarquia para domesticação dos julgados nas instâncias inferiores.

Em síntese, a uniformização promove uma saída darwiniana, aparentemente schmittiana, para tentar justificar a ausência de legitimidade do modelo decisório instituído nos Juizados Especiais Federais, por exemplo.


4. À guisa de considerações finais: há espaço para a teoria de justificação jurídica de Robert Alexy

Antes de comentários mais aprofundados, faz-se necessário abrir parêntesis para a discussão que permeia a abordagem dos postulados da hermenêutica filosófica e os preceitos teóricos de Robert Alexy. No espaço acadêmico brasileiro muito se tem questionado a abertura principiológica e sua afronta à hermenêutica do eixo Heidegger-Gadamer. Todavia, não é este o objetivo central deste artigo. A questão nodal perpassa a subsistência da teoria de justificação jurídica e o movimento de uniformização jurídica. Todavia, no que diz respeito ao movimento de uniformização dos julgados – muitos, vinculantes – abre-se senda para se questionar a validade dos critérios de ponderação? Mas esta é outra demanda.

Robert Alexy (1997, p. 157) estabelece a teoria da justificação jurídica a partir do diagnóstico de o discurso prático ser poroso e impossibilitado de completa extinção de lacunas. Tal lacuna de racionalidade, em seu entender, demonstraria a impotência dos argumentos em prover na integralidade a supressão de todas as lacunas, de modo a não produzir nenhuma solução correta, mas plurimas possibilidades de respostas corretas.

Nestes termos, ao divergir dos postulados de Ronald Dworkin, fomenta elementos hábeis para a multiplicação de princípios e valores alheios ao Direito para simulação de fundamentos jurídicos. De tal sorte, o modelo tripartite de sistema jurídico – regras; princípios e procedimentos – propicia, na prática, a descalcificação da solidez das normas jurídicas, em favor do discurso prático.

Seguindo esta linha, Alexy defende a desvinculação da dogmática do empirismo e, o que é pior, da lógica. Assim, “na medida em que o discurso dogmático é um discurso sobre questões práticas, ele é um discurso prático.” (ALEXY, 2001, p. 319-320). Perde-se, com esta defesa, a exigibilidade de correção das decisões jurídicas, bem como, a compulsoriedade de fundamentação jurídica. Exige-se, compulsoriamente, apenas a justificação de um caso especial de afirmação normativa (ALEXY, 2001, p. 218).

Não se trata de mero manejo de palavras e categorias jurídicas. Existe uma alteração substancial grave do itinerário decisório. Defender a justificação significa autorizar a antecipação do produto final, independentemente dos critérios colecionados, o que importa é que estes justifiquem as opções particulares do julgador. Por sua vez, fundamentar vincula-se à necessidade – no caso brasileiro, dever constitucional – de se fundir fatos com fundamentos jurídicos de modo a se obter um produto final indissociável dos argumentos. Portanto, cerceia juízos de solipsismo judicial, proveniente da escola do Direito Livre e da instrumentalidade.

Por tanto, a partir do dever insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, há de se rechaçar a ideia de justificação jurídica estabelecida por Robert Alexy, notadamente pela incompatibilidade constitucional que nutre. Some-se nestas razões a dimensão hermenêutica excludente, afinal, decisão judicial não é justificação, mas fundamentação, de modo que o ato decisório seja o último momento argumentativo do processo.

No que tange ao movimento (moda) de uniformização de julgados, a partir de uma analogia torta com o sistema de precedentes da common law, importante fixar novas críticas à teoria de Robert Alexy, que se somam ao problema insanável da justificação jurídica como paradigma de decisão judicial. Além da argumentação empírica, dos cânones de interpretação e da dogmática jurídica, Robert Alexy (2001, p. 259) atribui relevância especial para a justificação em precedentes. Patrocina a vinculação compulsória aos precedentes como condição de igualdade e justiça, o que se mostra inexequível, conforme já exposto.

Contudo, o caráter mais sedicioso provem das duas regras básicas construídas para justificação em precedentes: a primeira, determina a citação de precedentes, sempre que possa ser feito; a segunda, a necessidade de se argumentar somente nos casos de desvinculação da justificação de precedentes (ALEXY, 2001, p. 259). Há problemas claros em se aceitar tal postulado, notadamente pela permissividade de reprodução desatenta de argumentos exarados em um realidade descompassada com a situação fática des-velada. Porém, potencializam-se as incongruências quando exige a argumentação somente nos casos de preterição dos precedentes, isto é, verbetes sumulares. Fica cristalino, portanto, a prevalência da hierarquia das justificações sobre os argumentos de hierarquia ao arrepio da Constituição Federal.

Essa é a moda do momento. Claro que se pode negar qualquer impacto da moda. Mas isto seria desconsiderar o que se passa, talvez se acreditando demais nas convicções. A hermenêutica tradicional continua atuando com noções que não fazem mais sentido do ponto de vista hermenêutico, mas que estão na moda .

Pode-se dizer que se vive a era do “realismo jurídico tropical” em que a lógica que preside este modelo é a dos informativos etiquetados com as grifes com durabilidade efêmera, de uma semana. Até a próxima semana não se sabe, de fato, o que pode ter mudado. O aumento da velocidade constante impede, de igual sorte, a possibilidade de reflexão. Os informativos são uma espécie de adição, de vício, dos jogados na inautenticidade. A última edição da interpretação (sic) ocupa o lugar da última versão da moda. E como a maioria não quer aparentar estar out, o sentido altera-se automaticamente. O paraíso da funcionalidade impede que as reflexões se postem de maneira constante, dada a fragmentação do momento .

O produto – verbete – nesta nova economia simbólica do Judiciário desde antes e pelo sujeito. Não lhe concede, ademais, espaço para dizer o contrário. O argumento de autoridade toma o lugar da reflexão, impondo o sentido aparentemente estático e paradoxalmente cambiante. Beira ao absurdo a edição de mais de um verbete uniformizador por sessão de julgamento na Turma Nacional de Uniformização ou, a majoritária avocação de atribuições julgadoras para o presidente do órgão colegiado.

Joga-se, assim, de um lado com a premência de estar in e, de outro, com a irracionalidade do mercado consumidor. O Judiciário acabou, pois, transformando-se no cenário próximo ao da moda. As decisões judiciais deixaram de dizer o caso. Elas passaram a ser produzidas para serem vistas, justificando, como quer Robert Alexy, atos jurídicos prévios (afinal, não é esta a razão existencial da modulação temporal dos efeitos da decisão e do controle de externalidade?).

O computador e a internet propiciaram uma vitrine para as decisões judiciais. Reproduzem-se como metâmeros. De um lado orquestradas pelos órgãos de cúpula e na lógica da Orquestra Judicial, espraiam-se como um sinfonia única para toda a estrutura jurisdicional. Há uma compulsão por admirar, copiar e legitimar quem nos conduz. A decisão judicial, pois, está vestida com as roupas da última coleção e garantida pela grife STF, STJ, TNU e afins.

Infelizmente, tais práticas impedem a polifonia do Direito e do discurso jurídico. Neste cenário de prevalência da filosofia da consciência, enclausurada na relação sujeito-objeto, a produção do Direito se dá ao modo liberal-individualista-normativista, ligado umbilicalmente à procura de uma verdade sacralizada representada pela divisa “It’sthelaw”. Com isso o Direito como fruto de um monólogo, abastece um modo de exclusão de uma minoria [progressivamente seletiva] para a maioria, sem voz e vez que, à luz das artes cênicas não se encaixa nem como coadjuvante, talvez mera figuração. O indivíduo “perdeu o lugar de onde podia fazer oposição, de onde podia dizer ‘Não! Não quero!’, de onde podia se insurgir: ‘as condições que me são apresentadas não são aceitáveis, não concordo’” , como bem discorre Melman (2003, p. 39), falta notadamente um lugar para o debate, o que é pior: até mesmo no Judiciário, tradicional recinto de diálogo.

Em busca de celeridade, eficiência, economia processual e afins, a justificação das decisões assume uma posição de obediência hierárquica, mesmo que flagrantemente inconstitucional. Neste plano, o modo de tomada de decisões escapa do tradicional modelo de ato de conhecimento, para ser ato de hierarquia funcional, sem se espraiar em uma tentativa de compreensão, de des-velamento. Portanto, falta à decisão o desenvolvimento do processo como procedimento em contraditório  que, à luz da Física possui força centrípeta apta a reunir todas as vozes dos destinatários do ato final no bojo do processo, de forma que o Direito seja polifônico e a decisão resultado da interação argumentativa dos destinatários do ato final.


Referências bibliográficas

BARCELOS, Ana Paula. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

BOCHENEK, Antônio César. A interação entre tribunais e democracia por meio do acesso aos direitos e à justiça. Análise de experiências dos juizados especiais federais cíveis brasileiros. Tese defendida no Programa de Doutorado Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI. Universidade de Coimbra. Coimbra: 2011. 

BRASIL, Conselho da Justiça Federal. Resolução n. 61/2009. Disponível em www.cjf.jus.br. Acesso em 11 jan. 2014.

BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Agravo de Instrumento n. 200702010116761, Rel. Des. Fed. Raldênio Bonifácio Costa. DJe 18/09/2008. Disponível em www.trf2.jus.br. Acesso em 10 nov. 2013. 

BRASIL. Primeira Turma Recursal do Distrito Federal. Mandado de Segurança n. 200534007545820. Rel. Juiz Federal Alexandre Machado Vasconcelos. Julgado em 09/11/2007. Disponível em www.trf1r.jus.br. Acesso em 05 jan. 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento 749963. 2ª Turma. Rel. Min. Eros Roberto Grau, j. 08/09/2009. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 15 jan. 2014. Vide ainda: AI 701043/2009, AI 624713ED/2007, HC 98.814/2009 e HC 86.533/2005.

BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. Pedido de Uniformização 2004.81.10.00.5768-9, rel. Juiz Federal José AntonioSavaris, j. 16.11.2009. Disponível em www.cjf.jus.br. Acesso em 05 jan. 2014.

BRASIL. Turma Recursal de São Paulo. Mandado de Segurança n. 201063010076231. Rel. Juiz Federal Claudio Roberto Canata. Julgado em 04/02/2010. Disponível em www.trf3r.jus.br. Acesso em 05 jan. 2014. 

BRASIL. Turma Regional de Uniformização – 4ª Região. Autos 2005.7.60.002724-9-RS. Rel. Juiz Federal Andrei Pitten Velloso, publicado em 08/01/2010. Disponível em www.trf4.jus.br. Acesso em 15 nov. 2013. 

CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Recursos nos juizados especiais. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2007.

COLEGIADO da TNU julgou 2.180 processos em 2013. Disponível em www.cjf.jus.br. Acesso em 06 fev. 2014. 

GRINOVER, Ada Pellegrini. O tratamento dos processos repetitivos. JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maria Terra. Processo civil: novas tendências – estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Junior. Belo Horizonte: DelRey, 2008, p. 05.

IBAÑEZ, Perfecto Andrés. Justificación de lasdecisionesjudiciales: una aproximaciónteórico-práctica. REDONDO, María Cristina; SAUCA, José María; IBAÑEZ, Perfecto Andrés. Estado de derecho y decisionesjudiciales. Madrid: FundaciónColoquio Jurídico Europeo, 2009.  

MARINONI, Luiz Guilherme Bittencourt; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, v. 2 .

REDONDO, María Cristina. Sobre lajustificación de la sentencia judicial. ______; SAUCA, José María; IBAÑEZ, Perfecto Andrés. Estado de derecho y decisionesjudiciales. Madrid: FundaciónColoquio Jurídico Europeo, 2009.

ROCHA, FelippeBorring. Juizados especiais cíveis: aspectos polêmicos da Lei 9.099/1995, de 29/9/1995. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 

SANTOS, Marisa Ferreira dos; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: federais e estaduais. São Paulo: Saraiva, 2010. 

SILVA, Luís Praxedes Vieira da. Juizados especiais federais cíveis. Campinas: Millennium, 2002.

STRECK, Lenio Luiz. O panpricipiologismo e a “refundação positivista”. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; FRAGALE FILHO, Roberto; LOBÃO, Ronaldo. Constituição & ativismo judicial. Limites e possibilidades da norma constitucional e da decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência?. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

VIEIRA, Luciano Pereira. Sistemática recursal dos juizados especiais federais cíveis. Doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. 

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Apontamentos sobre os juizados especiais cíveis. Revista de Processo. São Paulo, v. 21, n. 82, p. 38-45, abr/jun. 1996.

XAVIER, Flavia da Silva; SAVARIS, José Antonio. Manual dos recursos nos juizados especiais federais. Curitiba: Juruá, 2009.   ALEXY, Robert. El concepto y la validez delderecho. Traducción de Jorge Seña. 2. ed. Barcelona: GEDISA, 1997.

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. A teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. Tradução de Zilda Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.

ATIENZA, Manuel. Curso de argumentación jurídica. Madrid: Trotta, 2013.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2004.

BASTO, Antonio Carlos Pereira de Lemos. Precedentes vinculantes e jurisdição constitucional. Eficácia transcendente das decisões do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

BETTI, Emílio. Teoria generale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè. 1953, v. 1.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

BUSTAMANTE, Thomas. Uma teoria normativa do precedente judicial: o peso da jurisprudência na argumentação jurídica. Tese de doutorado defendida perante o curso de Doutorado em Direito. Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007.

CANNATA, Carlo Augusto. Historia de laciencia jurídica europea. Madrid: Tecnos, 1996, p. 216. Sobre este assunto, recomenda-se, ainda: DAVID, René. O direito inglês. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

CATANIA, Alfonso. Metamorfosideldiritto. Decisione e norma nell’etàglobale. Bari: Laterza, 2008.

DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução de Elza Moreira Marcelina. Brasília: UnB, 1985.

DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. Florianópolis: Momento Atual, 2003.

DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio. Tradução de Marta Guastavino. Barcelona: Ariel, 1999.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FERRERES, Víctor; XIOL, Juan Antonio. El caráter vinculante de lajurisprudencia. Madrid: FundaciónColoquio Jurídico Europeo, 2010.

FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II. Trad. Enio Paulo Gichini. Petrópolis: Vozes, 2002. 

GORI, Luca. Il dialogo «polifonico» nell’ordinamento australiano: ilruolodellelawreformcommissions (ovverodiun dialogo per il Parlamento). SCAFFARDI, Lucia. Parlamenti in dialogo. L’usodellacomparazionenellafunzione legislativa. Napoli: Jovene, 2011.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. rev. ampl. Sao Paulo: Malheiros, 2009.

HAWKING, Stephen. Informationpreservationandweatherforecasting for blackholes. Disponível em: www.arxiv.org. Acesso em: 28 jan. 2014.

HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Lisboa: Guimarães Editores, 1987. 

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte I. Petrópolis: Vozes, 1993.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte II. Trad. Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1997.

KENNEDY, Duncan. Dueinterpretazzionidelpostmodernismo come teoria giuridicadell’interpretazzione. PALAZZO, Antonio. L’interpretazionedellaleggeallesogliedel XXI secolo. Napoli: EdizioniScientificheItaliane, 2001.

LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: Forum, 2010.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo estado de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão judicial entre o sentido da estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008.

MAUÉS, Antonio Moreira. Súmula vinculante e proteção dos direitos fundamentais. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; FRAGALE JUNIOR, Roberto; LOBÃO, Ronaldo. Constituição & ativismo judicial. Limites e possibilidades da norma constitucional e da decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Entrevistas por Jean Pierre Lebrun. Tradução de Sandra Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003.

NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva. A litigância de interesse público e as tendências ‘não compreendidas’ de padronização decisória. Revista de Processo. São Paulo, v. 189, p. 38, set. 2011.

OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão judicial e o conceito de princípio. A hermenêutica e a (in)determinação do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

PIZZORUSSO, Alessandro. La produzione normativa in tempidiglobalizzazione. Torino: G. Giappichelli, 2008.

POSNER. Richard A. Problemas de filosofia do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

RODOTÀ, Stefano. Il dirittodiaverediritti. Bari: Laterza, 2012.

ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídicoe controle de constitucionalidade material: aportes hermenêuticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 

SAMPAIO, José Adércio Leite. Hermenêutica e distanciamento: uma narrativa historiográfica. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Constituição e processo. A contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: DelRey/IHJ, 2009. 

SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Hermenêutica. Arte e técnica de interpretação. Tradução de Celso R. Braida. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

STEIN, Ernildo. Epistemologia e crítica da modernidade.  2. ed. Ijuí: Unijuí, 1997.

STEIN, Ernildo. Seis estudos sobre “Ser e tempo”. Petrópolis: Vozes, 1990.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência?. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

STRECK, Lenio. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 

TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Napoli: EditorialeSchientifica, 2007.

VALE, Vanice Lírio do. Impasses sistêmicos da versão brasileira de precedentes vinculantes. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 384, mar-abr. 2006.

WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: FISCS, 1985.

WRÓBLEWSKI, Jerzy. Constitución y teoría general de la interpretación jurídica. Tradução de Arantxa Azurda. Madrid: Civitas, 2001.

ŽIŽEK, Slavoj. Bienvenidos al desierto de lo real. Tradução de Cristina Vega Solis. Buenos Aires: Akal, 2005.


Notas

[1] Acerca da Filosofia da Consciência recomenda-se: (OLIVEIRA, 2008, p. 137-138). Por séculos o modo de pensar ocidental foi orientado basicamente pelos escritos aristotélicos, a maioria aglutinada por compiladores ansiosos em ordenar todos os tratados esparsos no período posterior ao declínio da cultura helênica. Pois bem, em nome da organização cometeu-se um grave e prolongado equívoco. Assim, os escritos de Aristóteles foram dispostos, a critério dos compiladores, em três disciplinas acadêmicas: lógica, física e ética. Todavia, aquilo que Aristóteles alcunhava de Filosofia Primeira, a filosofia propriamente dita, não se moldava em nenhuma das três áreas. Desta forma, todo este material foi acomodado em uma publicação apartada, a Tàmetàtàphysikà (que significa: o que está ao lado, o que vem depois da Física). Neste diapasão, tal expressão resta desprovida de conteúdo, substancialmente irrelevante. Contudo, a partir de um novo prisma, inaugurado por Heidegger para o vocábulo metà, entendido como “ir para um outro lugar”, aquilo que nada dizia passou a ser visto como aquilo “que se lança para fora da física”, que se move em direção do outro ente, resgatando algo capaz de estabelecer um contraponto à insuficiente relação sujeito-objeto.

[2] Neste sentido: (WRÓBLEWSKI, 2001); (KENNEDY, 2010); (STRECK, 2010).  

[3] Neste tópico, porém com conclusões distintas se apresenta (BASTO, 2012).

[4]  Neste sentido: “Al contrario, nell’ordinamento inglese (e in altri da essoderivati), lostatute (cioèlaleggedel Parlamento) e il precedente (cioèlaregolaimpiegata come ratiodecidendi in ocasione delladecisioneresa da um giudice in relazione ad um concreto caso giudiciario) si dividonolafunzionedi fonte principaleimpiegatanel sistema, poichè si ammettechelostatutelaw (cioèildiritto legislativo) possa modificareilcommon law (cioèildirittodi origine giudiziaria), per consentendosi al tempo stessocheilcommon law possa interpretareildirittodiorigene legislativa ricoprendolo, per cosìdire, diprecedenti fino in certo qual modo a sostituirlo. In un sistema diquesto tipo, pertanto, non puòparlarsidi ‘fonte dellefonti’ poichéil relativo sistema resulta dall’altraedèsemmaiilcarattererazionaledeldirittogiudiziario ad influenzarelaformazionedeldiritto legislativo piùche inverso.” (PIZZORUSSO, 2008, p. 17-18).

[5] “Nesse aspecto, o processualismo constitucional democrático por nós defendido tenta discutir a aplicação de uma igualdade efetiva e valoriza, de modo policêntrico e comparticipativo, uma renovada defesa de convergência entre o civil law e common law, ao buscar uma aplicação legítima e eficiente (efetiva) do Direito para todas as litigiosidades (sem se aplicar padrões decisórios que pauperizem a análise e a reconstrução interpretativa do direito), e defendendo o delineamento de uma teoria de precedentes para o Brasil que suplante a utilização mecânica dos julgados isolados e súmulas em nosso país. Nesses termos, seria essencial para a aplicação de precedentes seguir algumas premissas essenciais: 1º - Esgotamento prévio da temática antes de sua utilização como um padrão decisório (precedente): ao se proceder à análise de aplicação dos precedentes no common law se percebe ser muito difícil a formação de um precedente (padrão decisório a ser repetido) a partir de um único julgado, salvo se em sua análise for procedido um esgotamento discursivo de todos os aspectos relevantes suscitados pelos interessados. Nestes termos, mostra-se estranha a formação de um ‘precedente’ a partir de um julgamento superficial (ou poucos) recursos (especiais e/ou extraordinários) pinçados pelos Tribunais (de justiça/regionais ou Superiores). Ou seja, precedente (padrão decisório) dificilmente se forma a partir de um único julgado. 2º - Integridade da reconstrução da história institucional de aplicação da tese ou instituto pelo tribunal: ao formar o precedente o Tribunal Superior deverá levar em consideração todo o histórico de aplicação da tese, sendo inviável que o magistrado decida desconsiderando o passado de decisões acerca da temática. E mesmo que seja uma hipótese de superação do precedente (overruling) o magistrado deverá indicar a reconstrução e as raízes (fundamentação idônea) para a quebra do posicionamento acerca da temática. 3º - Estabilidade decisória dentro do Tribunal (staredecisishorizontal): o Tribunal é vinculado às suas próprias decisões: como o precedente deve se formar com um discussão próxima da exaustão, o padrão passa a ser vinculante para os Ministros do Tribunal que o formou. É impensável naquelas tradições que a qualquer momento um ministro tente promover um entendimento particular (subjetivo) acerca de uma temática, salvo quando se tratar de um caso diferente (distinguishing) ou de superação (overruling). Mas nestas hipóteses sua fundamentação deve ser idônea ao convencimento da situação de aplicação. 4º - Aplicação discursiva do padrão (precedente) pelo tribunais inferiores (staredecisisvertical): as decisões dos tribunais superiores são consideradas obrigatórias para os tribunais inferiores (‘comparação de casos’): o precedente não pode ser aplicado como mecânico pelos Tribunais e juízes (como v.g. as súmulas são aplicadas entre nós). Na tradição do common law, para suscitar um precedente como fundamento, o juiz deve mostrar que o caso, inclusive, em alguns casos, no plano fático, é idêntico ao precedente do Tribunal Superior, ou seja, não há uma repetição mecânica, mas uma demonstração discursiva da identidade dos casos. 5º - Estabelecimento de fixação e separação das ratione decidendi dos obter dicta da decisão: a ratiodecidendi (elemento vinculante) justifica e pode servir de padrão para a solução do caso futuro; já o obter dictumconstituem-se pelos discursos não autoritativos que se manifestam nos pronunciamentos judiciais ‘de sorte que apenas as considerações que representam indispensavelmente o nexo estrito de causalidade jurídica entre o fato e a decisão integram a ratiodecidendi, onde qualquer outro aspecto relevante, qualquer outra observação, qualquer outra advertência que não tem aquela relação de causalidade é obter: um obter dictum ou, nas palavras de Vaughan, um gratisdictum. 6º - Delineamento de técnicas processuais idôneas de distinção (distinguishing) e superação (overruling) do padrão decisório: A ideia de se padronizar entendimentos não se presta tão só ao fim de promover um modo eficiente e rápido de julgar casos, para se gerar uma profusão numérica de julgamentos. Nestes termos, a cada precedente formado (padrão decisório) devem ser criados modos idôneos de se demonstrar que o caso em que se aplicaria um precedente é diferente daquele padrão, mesmo que aparentemente seja semelhante, e de proceder à superação de seu conteúdo pela inexorável mudança social – como ordinariamente ocorre em países de common law.” (NUNES, 2011, p. 38). 


Autor

  • Marcio Ricardo Staffen

    Marcio Ricardo Staffen

    Doutorando em Direito Público pela Università degli Studi di Perugia - Itália. Doutorando e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (Conceito CAPES 5). Especializando em Gestão Acadêmica e Universitária pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (UDESC - ESAG). Possui Graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Pesquisador do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Professor Honorário da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidad Inca Garcilaso de la Vega (Peru). Professor nos cursos de graduação em Direito e especializações no Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI) e na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica UNIDAVI. Advogado (OAB/SC). Coordenador da Escola Superior de Advocacia Subsecção Rio do Sul (OAB/SC). Realizou cursos junto à Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Università degli Studi di Perugia UNIPG, Università Roma Trè, Università degli Studi di Camerino UCAM, Universidad de Alicante - UA e Universidade Karlova IV (Praga). Membro do Comite da Escuela de Formación de Auxiliares Jurisdiccionales de la Corte Superior de Justicia del Callao (Peru). Membro Honorário do Ilustre Colegio de Abogados de Ancash (Peru). Membro efetivo da Sociedade Literária São Bento. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI. Líder do Grupo de Pesquisa Direito, Constituição e Sociedade de Risco (GPDC-UNIDAVI).

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STAFFEN, Marcio Ricardo. Hermenêutica e justificação jurídica: reflexões sobre a (in)aplicabilidade dos postulados de Robert Alexy na moda de uniformização de julgados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4080, 2 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31569. Acesso em: 25 abr. 2024.