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O asilo como afluente da dignidade da pessoa humana

O asilo como afluente da dignidade da pessoa humana

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Espera-se que, no futuro, os indivíduos não tenham de se socorrer de pedidos de asilo ou de refúgio, mas possam viver condignamente no próprio país, ou onde escolherem para residir com ânimo definitivo.

Resumo: : O presente artigo demonstra que durante os séculos a preocupação do ser humano, em constante evolução como ser social, foi primeiramente com a sua sobrevivência, aprimorando meios de se manter isento de perseguições e ameaças, e, em segundo momento, criando dispositivos legais para lhe assegurarem a sobrevivência, com o reconhecimento de todos. Preliminarmente é apresentada a evolução do conceito de asilo, desde as épocas mais remotas da nossa sociedade, em seguida são discutidas suas formas de aplicação e, complementando o tema, mostra-se a evolução dos Direitos Humanos, propiciadores dos institutos do asilo e do refúgio.

Palavras-chave: Asilo; refúgio; direitos humanos; dignidade da pessoa humana.

Sumário: : Introdução; 1. Respaldo histórico; 2. Espécies de asilo; 2.1. Asilo territorial; 2.2. Asilo diplomático, político ou extraterritorial; 2.3. Uma nova espécie: o refúgio; 3. Direitos Humanos; Considerações finais; Referências.


INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é apresentar o instituto do asilo, seus avanços, desafios, adaptações no transcurso dos séculos, em paralelo ao desenvolvimento da sociedade, até chegarmos à Idade Moderna, quando houve uma sedimentação deste instituto com a instituição da sociedade internacional e no século passado, ocorrendo uma adaptação do mesmo, com a formatação do denominado refúgio.

Preliminarmente, será enfocado o desenvolvimento do asilo através dos séculos, suas formas, modos de concessão e seu novo formato. Num segundo momento, será estudada a evolução dos Direitos Humanos, tendo por base a Idade Média até a contemporaneidade, comprovando que, somente com a maturação trazida por sua existência ao longo dos séculos, se tornou possível a concretização do instituto do asilo e do refúgio na sociedade internacional.

Por fim, serão abordadas algumas considerações sobre os temas acima mencionados, demonstrando que o decorrer do tempo foi também responsável por sedimentar e fortalecer os Direitos Humanos, o asilo e o refúgio, pois os dois últimos são originários destes direitos, levando, também, uma reflexão da sociedade internacional sobre a matéria nesse século.


1. RESPALDO HISTÓRICO

Conforme apresentado por M. Cherif Bassiouni, a palavra asilo é oriunda do latim, mas tem suas origens no grego e significa “lugar inviolável”. O conceito de inviolabilidade, inerente ao asilo, estende-se ao requerente de asilo que, por sua virtude, se torna tão inviolável como o lugar onde busca proteção. Historicamente, o asilo era um lugar onde um Estado não podia exercer sua jurisdição sobre um indivíduo, garantindo a inviolabilidade desta pessoa. Tal situação deu origem à conexão legal entre asilo e jurisdição1.

Podemos afirmar que o instituto do asilo é quase contemporâneo à formação da humanidade, pois o instinto de conservação, próprio do ser humano, já nasceu com o ser humano e com a humanidade, que se abriga, foge da intempérie, da própria morte, visando ao encontro de um porto seguro, mediante o qual possa prosseguir em sua vida, são esalvo.

O asilo não foi praticado por todas as civilizações. De fato, a prática era irregular e aplicada eletivamente, mesmo por sistemas que a reconheceram. Mas foi considerado essencialmente um privilégio em vez de um direito. No entanto, os muitos exemplos de sua aplicação, através dos tempos, estão cada vez mais direcionados para dar credibilidade à teoria de Grotius, bem como a de Suarez que o sistema era um direito humano inerente a lei natural2.

Entre as civilizações conhecidas na História da Civilização, somente aqueles da Bacia do Mediterrâneo reconheciam e utilizavam o asilo com algum grau de consistência e sob certas regras. Ele floresceu nessa área entre o século V a.C. e o século XVI da nossa era, tendo a prática sido absorvida dos fundamentos filosóficos da Grécia, e institucionalizado em duas formas: a) aplicável para determinada pessoa, e b) aplicáveis acertos lugares.

As pessoas a quem o asilo se aplicou primeiro foram os atletas que participaram dos Jogos Olímpicos, artistas dionisíacos e embaixadores. Emtermos contemporâneos, adquire o status de imunidade diplomática, considerada uma forma de isenção da aplicação da autoridade jurisdicional sobre quem desfruta deposição privilegiada. Atualmente, essas pessoas são protegidas pela Convenção de Viena de 1963, sobre a proteção de diplomatas, funcionários consulares, membros da família de diplomatas e dos funcionários consulares, pessoal diplomático e consular3.

Os locais de asilo eram historicamente os templos, onde, em certas razões, foi concedido o asilo no santuário. A inviolabilidade de um santuário era respeitada até mesmo a ponto de protegeras pessoas condenadas à morte, enquanto eles permanecessem nas dependências do santuário.Na Bíblia, temos no Livro de Números, capítulo 35: 11-13,referências a cidades de refúgio:

Escolhereis para vós cidades que vos sirvam de cidades de refúgio, para que se refugie ali o homicida que tiver matado alguém involuntariamente.

e estas cidades vos serão por refúgio do vingador, para que não morra o homicida antes de ser apresentado perante a congregação para julgamento.

Serão seis as cidades que haveis de dar por cidades de refúgio para vós.4

Também se observa no Livro de Deuteronômio, capítulo 23:15-16, que o asilo era dado ao escravo fugitivo de seu senhor:

Não entregarás ao seu senhor o escravo que, tendo fugido dele, se acolher a ti. Contigo ficará, no meio de ti;

Contigo ficará, no meio de ti, no lugar que escolher, em alguma de tuas cidades onde lhe agradar; não o oprimirás.5

A tradição árabe pré-islâmica, existente na Península Arábica, consagrada pelo profeta Maomé, ao entrar em Meca em 623 d.C. e, depois de enfrentar seus opositores, proclamou dois locais como santuários. Finalmente, menciona os locais de asilo registrados no Talmud, na Bíblia, no Alcorão e são de fato entre os registros mais notáveis possuidores de cunho histórico6.

Ao longo da história inicial do asilo e em particular no que se refere ao asilo eclesiástico, existia um conceito comum da relação entre punição e as crenças transcendentais. Assim, um santuário não era violado porque os perseguidores se tornariam sujeitos à vingança da divindade cujo santuário foi violado e, em alguns casos, seria sujeito à punição temporal. Na Grécia antiga e na dinastia ptolomaica egípcia (305a.C-30d.C), a violação de um santuário era considerada um crime de traição (crimenmaiestateslaesae)7.Conforme exposto por Sanches:

[...] já no Concílio de Toledo de 638 a imunidade do asilo, surpreendentemente, foi estendida “ao longo dos trinta passos da porta da Igreja”, mas estavam excluídos da proteção aqueles que chegassem armados ou ainda aqueles que estivessem sendo julgados por crimes de traição. Nos Concílios de Coianca (1.050) e de Oviedo (1.115) foi plenamente reconhecido o asilo, excluindo aos servos de nascimento, ladrões públicos, excomungados publicamente, monges e monjas fugitivos e profanadores da Igreja e, foi alterada a extensão para setenta passos contados da porta da Igreja.

Ao longo da Idade Media, em especial a partir do século XIII, o instituto do asilo se viu debilitado pelos abusos frequentes sofridos pela Igreja, tanto pelas invasões e ataques por parte das autoridades civis, como pelo refúgio dado aos criminosos. Alguns autores, como Grotius, Vettel e Beccaria, contribuíram com a falta de glória do instituto, estimulando um sistema de asilo político fora do Estado, com o objetivo de rechaçar os chamados “pequenos reinos, fora da lei, dentro de um Estado legítimo formado”. São as palavras de Cesare Beccaria, em sua obra de 1774, Dos delitos e das Penas: “Dentro das fronteiras de um país, não podem existir lugares onde não são aplicadas as leis. As forças das leis devem seguir todos os cidadãos, assim como suas sombras seguem seus corpos”8.

A partir do século XVI, uma mudança doutrinária se apresenta nos escritos acadêmicos em matéria de asilo, onde as autoridades governamentais e religiosas consideravam as razões do indivíduo para pedir asilo. Na verdade, essa noção já existiana lei de asilo talmúdica e na prática greco-romana9, mas tinha sido limitada à prática de asilo eclesiástico, que contou mais sobre o indivíduo que procurou em seu santuário. Esta ênfase foi devida, em grande parte, a medidas desumanas, punitivas, aplicadas contra criminosos e fugitivos, razão por que ainda é hoje uma base válida para concessão de asilo por forçado Direito Internacional vigente10.

Por volta do século XVI, as ideias sobre a reforma da justiça penal apareceram, e por volta do século XVII, as guerras religiosas que se verificavam nos feudos diminuíram na Europa, especialmente após o Tratado de Westphalia, em 1648. No século XVIII, a reforma penal e preocupação com ordem mundial começaram a se fundir nos escritos de Cesare Beccaria. Este desenvolvimento trouxe novas considerações acerca do asilo: 1) mostrando que já não conferia imunidade absoluta para todos os tipos de fugitivos, porque os Estados foram considerados como tendo o dever de processar os criminosos comuns, conforme preceito criado por Grotius: autdedereautjudicare; 2) os Estados foram considerados como tendo o dever recíproco de promover o desenvolvimento da ordem mundial. Estas duas considerações são tão válidas hoje como quando surgiram no meio para o final do século XVII, na Europa. Curiosamente, este desenvolvimento ocorre una época em que os reformadores penais reuniram apoio suficiente para seus pontos de vista serem esclarecidos, objetivando tornar a justiça penal mais humana. Isto foi concomitante com as opiniões emergentes de publicistas que procuravam desenvolver uma estrutura para uma nova ordem mundial11.

A filosofia política, existente no século XVIII, incluindo a doutrina da separação entre Igreja e Estado, conduziu a novos conceitos e práticas de asilo, calcados em razões políticas e religiosas. As autoridades religiosas (de igrejas, mosteiros, conventos e santuários) davam asilo a fugitivos de autoridades seculares, especialmente quando a questão religiosa estava envolvida, e os Estados cada vez mais davam asilo político a dissidentes religiosos e políticos de outros países. “Mas os Estados não faziam distinção entre teses e outros motivos para a concessão de asilo, que também eram os mesmos, mais tarde servindo de base, no instituto da extradição, para negá-lo em razão de” delitos políticos".

O asilo religioso diminuiu como surgimento do Estado não-eclesiástico na maior parte da Europa e, após o desenvolvimento das teorias da separação entre Igreja e Estado e do declínio do direito divino dos reis, particularmente após a Reforma. Esse desenvolvimento deu origem ao tipo de asilo que existe hoje: uma forma de imunidade dos processos jurídicos estrangeiros concedidos pelo Estado de refúgio a um estrangeiro que se tornou sujeito à sua jurisdição12.Salienta Bassiouni o seguinte:

Em seus modernos estágios de formação, a teoria do direito de asilo, permeou desde um básico para muitas extrapolações. Um deles foi a doutrina doiusquarteriorum. Os Estados europeus usaram esta doutrina para continuar a sua dominação colonial no Oriente Médio através do sistema de "capitulações" e no Extremo Oriente através das "concessões". Através destes mecanismos, os estrangeiros europeus, no Império Turco Otomano e em partes da China, utilizavam o ius quarteriorum, uma forma de asilo por extraterritorialidade, objetivando protegê-los contra os processos de tomada de decisão de autoridade dos Estados em que forame quede outra forma teria tinha jurisdição sobre eles. O resultado dessa prática era ultrajante, com os estrangeiros colocados acima e além do alcance da lei locais. Ambas as políticas coloniais terminaram durante ou após a Segunda Guerra Mundial.13

O conceito de asilo continua sendo de uma imunidade pessoal, que se apresenta de duas formas: 1) de asilo territorial, por exemplo, negar a outro processo autoritário a capacidade de exercer jurisdição sobre um asilado; 2) asilo extraterritorial, diplomático ou político, por exemplo, a concessão de asilo em uma embaixada ou em um navio. A maioria dos estudiosos que tratam do assunto considera asilo territorial diferente do asilo extraterritorial ou diplomático. A fundamentação apresentada para essa distinção é que a extraterritorialidade nega a soberania do Estado em cujo território é exercida, enquantoa territorialidade afirma a soberania do Estado em cujo território ela é praticada. A distinção é, no entanto, sem diferença quanto a seu efeito, porque cada um deles, na prática, emana da mesma fonte. No entanto, esse aspecto reafirma a ratione materiae da prática, que decorre da mesma fonte. Contudo, o desenvolvimento desta distinção trouxe a dicotomia entre asilo extraterritorial, que é abrangido pela legislação nacional. A distinção entre o asilo territorial e extraterritorial fez com que muitos países, incluindo os Estados Unidos, consideram o asilo territorial uma questão de lei nacional e de rejeitar qualquer aplicação do direito internacional costumeiro, embora o Direito Internacional convencional ainda se aplica 14.


2. ESPÉCIES DE ASILO

No decorrer dos séculos foram sendo delineadas as formas de asilo, que constitui o assunto a ser abordado em seguida.

2.1. ASILO TERRITORIAL

O asilo consiste no recebimento do estrangeiro no território nacional, sem os requisitos de ingresso, a seu pedido, para evitar punição ou perseguição no seu país de origem por requisitos de natureza política ou ideológica. Esta espécie de asilo, admitida em toda a sociedade internacional, está consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 14, bem como na Convenção de Caracas, internalizado pelo Decreto nº 55.929, de 14 de abril de 1965, estando bem delineado que todo Estado tem direito, no exercício de sua soberania, de admitir dentro de seu território as pessoas que julgar conveniente, sem que, pelo exercício desse direito, nenhum outro Estado possa fazer qualquer reclamação.

Conforme assinalado na Convenção, o respeito que se deve à jurisdição de cada Estado sobre os habitantes de seu território deve-se igualmente, sem nenhuma restrição, à jurisdição que tem sobre as pessoas que nele entram procedentes de um Estado, onde sejam perseguidas por suas crenças, opiniões e filiação política ou por atos que possam ser considerados delitos políticos, tudo calcado em regras do Direito Internacional Humanitário. Observando-se que qualquer violação da soberania, consistindo em atos de um governo ou de seus agentes contra vida ou a segurança de uma pessoa praticados em território de outro Estado não se pode considerar atenuada pelo fato de a perseguição ter começado fora de suas fronteiras ou de obedecer a motivos políticos ou a razões de Estados.

Cabe ao Estado concessor do asilo a classificação da natureza do delito e dos motivos da perseguição. É razoável que assim seja, porque a tendência do Estado asilado é a de negar a natureza política do delito imputado e dos motivos da perseguição, para considerá-lo comum.

O asilo é uma instituição de caráter humanitário, pelo que não fica sujeito à reciprocidade.

Conforme preceituado na Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 o asilado ficará sujeito, além dos deveres impostos pelo Direito Internacional, a cumprir as disposições da legislação vigente e as que o governo brasileiro lhe fixar (art. 28). Não poderá sair do País sem prévia autorização do governo brasileiro (art. 29), sendo que a inobservância do disposto neste artigo importará na renúncia ao asilo e impedirá o reingresso nessa condição.

O fato do ingresso de uma pessoa na jurisdição territorial de um Estado se ter efetuado clandestina ou irregularmente não afeta a concessão do asilo, posto que serão considerados os motivos que levaram a pessoa a entrar no território nacional de forma irregular.

A manifestação livre do pensamento que é concedida ao habitante de um Estado se estende àquele a quem for concedido o asilo, desde que sua manifestação não se traduza em propaganda sistemática por meio da qual se incite ao emprego da força ou da violência contra o governo do Estado reclamante.

2.2. ASILO DIPLOMÁTICO, POLÍTICO OU EXTRATERRITORIAL

O asilo diplomático começa a ser mais rotineiro a partir do século XVI, quando temos como exemplo a expulsão dos judeus da Espanha, pelos reis católicos Fernando e Isabel, em 1492. Os judeus expulsos se transferiram para Portugal, onde receberam permissão para ali ficar durante, no máximo, oito meses, por ordem de Dom João II.

Como resultado de um acordo matrimonial entre Dom Manuel com Isabel de Castela e Aragão, filha mais velha dos reis católicos, viúva de Dom Afonso, herdeiro da coroa portuguesa, que, como cláusula para a realização do casamento, deveria ocorrer a expulsão dos judeus de Portugal, tendo Dom Manuel protelado ao máximo sua decisão. Entretanto, por interesses políticos, o rei expulsou de Portugal,em 1497,todos os judeus que não se converteram ao cristianismo.15

Na Europa, sob o clima da Reforma Protestante, vários povos procuraram asilo em outros Estados, fugindo dos confrontos de cunho religioso, tendo Sanches mencionado à situação dos valdenses que se asilaram na Suíça:

Uma questão interessante foi a fuga, para a Suíça, de vinte mil valdenses, quando na Itália, o Duque de Saboia, Victorino Amadeo, emitiu um decreto desconhecendo a religião reformada em Janeiro de 1686. Os valdenses se exilaram em Genebra, até a noite de 27 de agosto de 1689, quando grande parte do grupo retornou a Itália, no célebre episodio conhecido como “Gloriosa Repatriação”. Assim mesmo, na França foi verificado o êxodo de protestantes ao Reino Unido, Suíça, Países Baixos e a antiga Prússia.16

Há pertinência para o nosso estudo o fato de a França, no século XIX, ser o primeiro Estado do mundo a promulgar uma lei específica aos refugiados, denominada: Etrangersrefugies que resideronten France, isto em 1832. Passados mais de 15 anos, o primeiro ministro britânico, respondendo aos governos da Rússia e Prússia sobre suas petições de entrega de autores de uma revolta fracassada na Hungria, afirma:

Se existe hoje uma regra que, mais que qualquer outra, tenha sido observada por todos os Estados, grandes e pequenos do mundo civilizado, trata-se da não entrega de refugiados políticos, a menos que exista um Tratado que obrigue o Estado a isso. As leis de hospitalidade, os ditames da humanidade e os sentimentos gerais de humanidade proíbem tais entregas; e qualquer governo independente que aderisse a um pedido de entrega como este, seria, a justo título, universalmente estigmatizado como inferior e desonrado.17

Verifica-se em Montevidéu, no final do século XIX, especificamente em 1889, a celebração do Tratado de Direito Penal Internacional entre os países Uruguai, Bolívia, Argentina, Paraguai e Peru, que versava sobre jurisdição, asilo, regime da extradição, procedimento de extradição e prisão preventiva. O segundo tema (asilo) proibia a entrega de perseguidos por crimes políticos, a extradição por crimes de duelo, adultério, injurias, calúnias e delitos contra cultos. Ademais, outorgava ao Estado o direito de exigir substituição da pena de morte por outra inferior, se fosse o caso, antes de proceder à entrega do réu18.

No século XX, temos o Decreto nº 1.570, de 13 de abril de 1937, que internalizou as convenções sobre direitos e deveres dos Estados e sobre asilo político, assinadas em Montevidéu em 26 de dezembro de 1933, por ocasião da VII Conferência Internacional Americana e posteriormente, em relação específica à Convenção de Caracas de 1954, tendo esta sido internalizada pelo Decreto nº 42.628, de 13 de novembro de 1957, promovido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), fixando que o asilo diplomático poderá ser outorgado em legações19, navios de guerra e acampamentos ou aeronaves militares20, a pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos. No caso, o agente diplomático, comandante de navio de guerra, acampamento ou aeronave militar, depois de concedido o asilo, comunicá-lo-á com a maior brevidade possível ao Ministro das Relações Exteriores do Estado territorial ou à autoridade administrativa do lugar, se o fato houver ocorrido fora da capital.

A concessão de asilo não se estende àquelas pessoas que, na ocasião em que o solicitem, tenham sido acusadas de delitos comuns, processadas ou condenadas por esse motivo pelos tribunais ordinários competentes, sem haverem cumprido as penas respectivas; nem a desertores das forças de terra, mar e ar, salvo quando os fatos que motivarem o pedido de asilo, seja qual for o caso, apresentem claramente caráter político21.

Concedido o asilo, o Estado asilante, que o for receber, pode pedir a saída do asilado para território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente, salvo caso de força maior, as garantias necessárias a fim de o asilado não correr perigo sua vida, sua liberdade ou sua integridade pessoal, ou para que, de outra maneira, ele seja posto em segurança, com o correspondente salvo-conduto (art. 12)22.

O asilo terá seu término quando: a) ocorrer a naturalização do asilado no Estado de asilo; b) quando o asilado partir do Estado de asilo; c) quando for expulso do Estado de asilo, fato que somente poderá ocorrer em casos excepcionais; e) quando cessar a causa que motivou o asilo; f) quando o asilado morrer; g) quando o recebedor de asilo for condenado por crime comum.

2.3. UMA NOVA ESPÉCIE: O REFÚGIO

Conforme salientado por Blainey, no início da segunda década do século XX, sobre a necessidade de haver uma entidade internacional organizada no sentido de viabilizar o instituto do asilo, por iniciativa da Sociedade das Nações foi criado o Alto Comissionado para os Refugiados Russos, em 1921, em decorrência dos apátridas surgidos com a queda do Império Otomano e pela Revolução Russa.23

Um dos primeiros instrumentos jurídicos internacionais relativos a refugiados foi a Convenção de Genebra de 1933, que fornecia àqueles por ela protegidos uma condição similar à de estrangeiros privilegiados. Já em 1938, em Londres, foi criado o Comitê Intergovernamental para os Refugiados (IGCR), objetivando sua realocação. Com a proximidade do término da Segunda Guerra Mundial, em 1943, o IGCR atuou em conjunto com a Administração das Nações Unidas de Socorro e Reconstrução (UNRRA), este órgão foi criado por iniciativa dos aliados, cuja principal função era repatriar vítimas de guerra, provenientes dos territórios ocupados.

Após a Segunda Guerra Mundial e com a nova recomposição territorial em decorrência da criação de diversos países, em virtude de vários fatores, inclusive aqueles oriundos de antigas colônias no continente africano, surgiram também problemas de caráter religioso, étnico, econômico, forçando a migração de parcela dessas populações.

Mas, como é normal, os conflitos não eclodem de um dia para outro, levando algum tempo para serem equacionados e apresentadas soluções para eles. Em 28 de julho de 1951 ocorre a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, fruto da Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, convocada pela Resolução nº 429 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1950, entrando em vigor em 22 de abril de 1954, de acordo com o artigo 43 da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU).

O refúgio seria uma interpretação ampliada do conceito de asilo. Este último se circunscreve somente à perseguição de cunho político, diverso do refúgio que abrange perseguições étnicas, grupo social, religião, nacionalidade, opiniões políticas. O Estatuto dos Refugiados prevê que o refugiado é

pessoa que, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele 24

O refúgio se estende ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que dependerem do refugiado economicamente, desde que se encontrem em sua companhia quando da entrada no território nacional.

Conforme salientado na Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, ficam excluídos da condição de refugiados aqueles que: a) já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR); b) sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro; c) tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; d) sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.25

Conforme pode ser visualizado, a materialização do refúgio foi a conscientização da sociedade internacional que, percebendo a nova dinâmica mundial apresentada no fim do século XIX e início do século XX, com novos Estados sendo criados, por diversos fatores, trouxe também novos problemas que deveriam ser enfrentados. Entre estes problemas, destacam-se as migrações por razões sociais, econômicas, religiosas e étnicas, levando a formatação do refúgio e propiciando a conscientização de que os direitos humanos são compostos, também, além dos direitos civis e políticos, dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Tal afirmação leva-nos a diferenciar o asilo político do refúgio, sendo que o primeiro é ato discricionário, por parte do Estado concedente, no exercício de sua soberania, devido a perseguições políticas de caráter individual, conforme acima mencionado, enquanto que o segundo demanda a ação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em virtude de motivação étnica, religiosa, econômica, sociais e culturais, sendo que atingem parcela de uma coletividade.

Por ocasião da Copa do Mundo de 2014 houve uma grande incidência de ganeses entrando no Brasil, sendo que mais de uma centena solicitaram refúgio na Polícia Federal, na cidade de Caxias do Sul (RS), alegando perseguição religiosa.

O maior fluxo de refugiados é do Haiti, sendo que em dezembro de 2011 foram concedidos 3.396 pedidos de refúgio, estando naquele período, além destes, outros 2.000 pedidos aguardando o pronunciamento do CONARE, para poderem entrar no País.

A entrada se dá maciçamente pela região norte, especificamente pelo estado do Amazonas e Acre, sendo que quase a totalidade dos haitianos informa que trabalhavam na construção civil e fundamentam seu pedido na falta de condições de sobrevivência no país de origem e procuram no Brasil uma vida mais digna, respaldados na Declaração Universal dos Direitos Humanos que lhes assegura o direito à vida, à liberdade, de acesso ao trabalho, à moradia, alimentação e vestimenta adequadas.


3. DIREITOS HUMANOS

Com o desenrolar do período medieval, sob o influxo do cristianismo, com suas noções fundamentais da pessoa humana e de poder, o reconhecimento dos direitos humanos aparece como uma reação contra os excessos da autoridade que os negava e quase sempre com caráter contratual e de atribuições de concessões ou privilégios particulares, como prerrogativas reconhecidas a grupos de pessoas.

Fatos expressivos voltados para esse processo evolutivo das instituições medievais no sentido de proteger a pessoa encontram-se nos Concílios de Toledo de 638 e 653; nos decretos da Cúria de Leão de 1189, procedido por Afonso IX; na Magna Carta, firmada pelo rei inglês João sem Terra, em 21de junho de 121526, considerado o documento básico das liberdades inglesas, à qual se asseguram as provisões de Oxford, de 1258, impostas pelos barões ingleses a Henrique III, limitativas do poder do rei e dos seus sheriffs, mediante conselhos regionais; na Bula Áurea de André II, da Hungria, de 1222, que reconheceu o direito de resistência dos governados ao governante; as leis de Leão e Castela, de 1256, denominadas “As Sete Partidas”, que objetivavam a proteger a inviolabilidade da vida, da honra, do domicílio e da propriedade, assegurando aos acusados um processo legal, evitando a punição injusta, já que a primeira regra das “Sete Partidas” dispunha que: “Os juízes devem garantir a liberdade”; os Privilégios Gerais, de 1283, de Pedro III, de Aragão; a Carta das Liberdades, de 1253, de Teobaldo II, de Navarra; os Privilégios e Foros da União, de 1287, de Afonso XII; a Carta de Neuchâtel, dos condes Ulrico e Bertoldo, de 1214, que outorgava a cidadania ao estrangeiro e lhe dava proteção; o Código de Magnus Erikson, da Suécia, de 1350, segundo o qual o réu devia jurar o seguinte:

[...] ser leal e justo com seus cidadãos, de modo que não proíba nenhum, pobre ou rico, de sua vida ou de sua integridade corporal sem processo judicial em devida forma, como o regido no direito e a justiça do país, e que tampouco ninguém proíba de seus bens senão em acordo com o direito e mediante processo legal.27

Esses documentos revelam a lenta evolução dos direitos individuais, desde a Idade Média. O cristianismo, com seus conceitos fundamentais de pessoa humana e de poder, se apresenta como a maior contribuição para estes direitos serem reconhecidos naquele momento da História.

Na Idade Moderna, especificamente na Inglaterra, foram produzidos no século XVII três documentos expressivos de proteção aos direitos individuais. O primeiro foi a Petition of Rights, de 1628, redigida pelos “condes espirituais e temporais e os comuns assentos no Parlamento”, sob a invocação da Magna Charte Libertatum, na qual requeriam ao rei, entre outras medidas, que nenhum homem livre fosse detido ou aprisionado, nem despojado de seu feudo, suas liberdades e franquias, nem considerado fora da lei, nem exilado, nem molestado de qualquer outro modo, senão em virtude de sentença legal de seus pares ou de disposição das leis do país. O segundo foi o Habeas Corpus Amendment Act, sendo esta uma das maiores conquistas da liberdade individual, em face da prepotência dos detentores do poder público. O terceiro foi o Bill of Rights, considerando ilegais os atos da autoridade real que, sem permissão do Parlamento, suspendessem as leis ou sua execução e mandassem arrecadar dinheiro pela ou para a coroa real além do permitido pelo Parlamento. Também considerava ilegal a perseguição à pessoa por motivo de petição dirigida ao rei, pois este era direito de todos.

O século XVIII foi marcado por três documentos expressivos de preocupação com o indivíduo. O primeiro foi a Declaração da Independência dos Estados Unidos como afirmação dos direitos inalienáveis do ser humano e a proclamação de que os poderes dos governos derivam de consentimento dos governados, afirmando o seguinte:

[...] temos como evidentes por si mesmas as verdades seguintes: todos os homens são criados iguais; eles são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; entre esses direitos encontram-se a vida, a liberdade, a busca da felicidade. Os governos são estabelecidos pelos homens para garantir esses direitos, e seus legítimos poderes derivam do consentimento dos governos.28

O segundo documento foi a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de junho de 1776, cronologicamente, o primeiro, pois antecedeu em um mês a Declaração da Independência. Essa declaração afirmou:

[...] que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos naturais, dos quais não podem, ao entrarem em estado de sociedade, privar ou despojar sua posteridade por nenhuma convenção a saber: o gozo da vida e da liberdade, bem como dos meios de adquirir e possuir bens e de procurar e obter a felicidade e a segurança.29

O terceiro documento foi a Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, da Revolução Francesa, de 26 de agosto de 1789, cujo preâmbulo afirmava que “a ignorância e o desprezo dos direitos do homem30 são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos”. Proclamou que: todos os homens nascem livres e iguais em direitos; a meta de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão; a origem de toda soberania está alicerçada na nação; a liberdade consiste em poder fazer tudo que não cause danos ao demais; o exercício dos direitos naturais do homem tem por limites os que asseguram gozo deles aos demais; a lei só pode proibir as ações danosas da sociedade; tudo quanto não for proibido pela lei não pode ser impedido; ninguém será obrigado a fazer o que não mandar a lei, e que a lei é a expressão da vontade geral.

O século XVIII encerrou, assim, sob a égide do liberalismo individual, abrindo caminho para que ocorresse a consolidação do liberalismo no século XIX. A sociedade reorganizou-se, seguindo as doutrinas políticas, econômicas e sociais do individualismo liberal. Os direitos do homem vieram a ser, no século XVIII e na primeira década do século XIX, apenas os direitos do indivíduo tomado isoladamente. O uso amplo da liberdade individual acabou por desequilibrar a sociedade ocidental, criando um mundo de injustiças sociais.

Em 1916, o Instituto Americano de Direito Internacional discutiu um projeto de Declaração de Direitos do Homem, apresentado por Alexandre Alvarez, mas sem obter qualquer resultado31. Na verdade, o início da nova fase dos Direitos Humanos viria acontecer após o Tratado de Paz de Versalhes, com a criação da Sociedade das Nações, em 1919.

Com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, houve a mobilização de enormes contingentes de trabalhadores na Europa, recrutando-se parte deles para as frentes de batalha e parte para assegurar a atividade industrial destinada à ação bélica. Isso acentuou o valor do trabalhador e estimulou os movimentos reivindicatórios das classes operárias, que já se desenvolviam desde o século XIX.

Abriu-se um conflito entre o trabalho e o capital, ante um Estado indiferente e conivente com a opressão dos trabalhadores por parte dos empresários. O fim da Primeira Guerra Mundial trouxe em seu bojo a crise do Estado liberal, favorecendo o surgimento de Estados totalitários, formados dentro dos princípios fascistas e comunistas, em reação ao liberalismo. Estes Estados traziam a proposta de realização da justiça social, antes sequer cogitada pelo liberalismo. Entretanto, uns e outros incorreram na prática da opressão, suprimindo as liberdades políticas, sob a alegação de que, somente mediante um regime forte, seria possível realizar a justiça social desprezada pelo liberalismo.

Após a Primeira Grande Guerra, o quadro dos Direitos Humanos vem adquirir amplitude, de certa forma clara, na comunidade dos povos, consagrados no texto inaugural da primeira organização internacional: a Sociedade das Nações. Inicia-se, então, a fase denominada de promoção, separar ainda não em escala mundial, mas pelo menos já com a referência internacional a certos direitos.

Nesse sentido, a Liga das Nações feriu a estrutura jurídica mundial até então em vigor. De fato, a noção de que as relações do Estado com seus próprios cidadãos não admitem a intervenção de outros é parte do conceito de soberania. Até então, os poderes do Estado no seu território eram absolutos, exceto quando limitados por tratados. E constata-se ser através de tratados que se verificam as primeiras exceções ao total controle doméstico dos Direitos Humanos32. Considera-se como prova dessa prática nascente a inclusão no Pacto da Sociedade das Nações do princípio da proteção às minorias nacionais33.

Em 1929, o Instituto de Direito Internacional elaborou uma Declaração Internacional de Direitos do Homem inspirada nas declarações da Virgínia e da França e que estavam inclusas nas constituições dos principais países do Ocidente, dando, assim, uma roupagem de universalidade a esses direitos.34

Em 1939, um novo conflito internacional levou as nações à Segunda Guerra Mundial. Com o fim das hostilidades, os países envolvidos procuram estatuir, por meio de organismos internacionais, regras jurídicas destinadas à manutenção da paz futura. E, ao elaborá-las, processa-se uma tomada de consciência da íntima correlação entre a Paz e os Direitos Humanos35. A partir daí, sucedem-se os instrumentos internacionais que se ocupam diretamente do tema.

Na lição de Miguel Franchini-Netto a Carta do Atlântico é o marco inicial, a central dinâmica do sistema jurídico em elaboração. A ela, segue-se, em 1º de janeiro de 1942, a Declaração das Nações Unidas, quando 28 nações, incluindo a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, em Washington, associam-se nesse ato, abrangendo uma grande área geográfica, e incorporam um programa comum de propósitos e princípios, por meio deste documento histórico. Os signatários declaram-se convictos de que sua vitória na guerra contra as potências do eixo Roma – Berlim – Tóquio era essencial para defender a vida, a liberdade, a independência e a liberdade religiosa. Esse documento tem grande relevância na reformulação ou humanização do Direito das Gentes, mencionando expressamente que “o empenho em preservar a justiça e os direitos humanos e não só nos seus respectivos países, como em outros” 36, afirmação que foi levada à Conferência de São Francisco.

São analisadas e obtidas, em reuniões sucessivas, novas formas de convivência mundial. De 19 a 30 de outubro de 1943, os Ministros das Relações Exteriores dos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética37. Na Conferência de Moscou, é esboçada a ideia de uma organização mundial mantenedora da paz e da segurança, e ainda faz pública uma declaração conjunta do Presidente Roosevelt, do Primeiro-Ministro Churchill e do Marechal Stalin, mostrando sua concordância com a punição dos oficiais, soldados ou militares do Partido Nazista, a ser efetuada nos países onde as atrocidades tinham sido cometidas. Aqui temos a configuração jurídica do “criminoso de guerra” e da responsabilidade individual perante o Direito Internacional, assim como a dos crimes contra a Paz e a Humanidade.

A Carta do Atlântico estruturou uma nova forma de convivência, divisando a noção de que a paz e a segurança entre as nações se apoiam na preliminar do respeito aos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana.

Em 7 de outubro de 1944, na Conferência de Dumbarton Oaks, foi submetido ao exame dos governos convidados o projeto de organização internacional, que visava a facilitar a solução dos problemas econômicos, sociais e outros de ordem humanitária, existentes entre as nações e promover o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

De acordo com Júlio Marino de Carvalho38, foi em 25 de abril de 1945 que os representantes de 50 Estados se reuniram em São Francisco, onde discutiram a problemática dos direitos humanos e confiaram os estudos sobre este tema a uma Comissão de Direitos Humanos. Concluída essa tramitação das nações empenhadas em criar a manter um clima de paz universal, em 26 de junho de 1945, foi firmada a Carta da ONU, que funcionou como inspiradora de um Direito Internacional moderno, revestido de novas características. Os textos normativos emanados da Sociedade das Nações, da Carta do Atlântico de 1941, da Declaração das Nações Unidas de 1942 e outros convênios foram considerados ultrapassados.

Com base nesses dispositivos, a ONU, amparada aos dispositivos de sua Carta, na qual reafirmam “sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher”, constituiu, em 1946, por meio do Conselho Econômico e Social, uma Comissão de Direitos Humanos. Depois de quase três anos de trabalho e após examinar 13 anteprojetos que recebera, a Comissão apresentou seu projeto para ser levado à Assembleia Geral. Ali, na terceira comissão, o projeto, com redação final de René Casin, recebeu mais de 150 emendas. Um dos juristas que acompanharam os trabalhos da comissão fez este registro: “Assistiu-se assim a discussões ideológicas, filosóficas, históricas, jurídicos, até mesmo linguísticas muito apaixonadas, revestidas de um estilo de debates acadêmicos sobre o alcance e a significação de cada artigo, cada frase, cada palavra.”39

Nas palavras de Júlio Marino de Carvalho a Declaração Universal de Direitos Humanos, foi aprovada, afinal, em 10 de dezembro de 1948. Não houve voto contra. Dos 58 Estados-Membros das Nações Unidas, 48 votaram pela aprovação, dois estiveram ausentes e oito abstiveram-se de votar: União Soviética, Bielorrússia, Polônia, Tchecoslováquia, Ucrânia e Iugoslávia, por motivos ideológicos ligados a conceitos de liberdade e propriedade; Arábia Saudita e Egito, por motivos religiosos e pela recusa à igualdade dos direitos de homens e mulheres, e União Sul-Africana, por motivos econômicos e rejeição ao princípio da não-discriminação por motivo de raça e cor, que preparou o terreno para a internacionalização desses direitos40. O documento foi aberto à ratificação e à adesão em vigor desde 3 de janeiro de 1976 (Resolução 2.200). A ratificação de 75 Estados até 1982 demonstra a universalidade dessa importantíssima proclamação.

A Assembleia Geral das Nações Unidas tem o objetivo de apresentar o homem como um ser livre, liberto de constrangimentos e temores, capacitado a cumprir uma visão social sem as peias de interferências alheias abusivas que tolhem o pensamento e subjugam vontades. A Declaração dá realce aos direitos fundamentais, na demonstração da dignidade dos direitos do homem e da mulher, com o fim de criar um clima de paz, harmonia e colaboração não só nos lares com em todos os ambientes da interação humana.

Na pedra angular no arcabouço dos direitos humanos foi fixado o dogma de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (artigo1º).

No mesmo sentido, e antecipando-se um pouco às Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos aprovou, em maio de 1948, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, dando a base para estabelecer um sistema interamericano de proteção desses direitos. Ainda no mesmo ano, a Organização dos Estados Americanos aprovou a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais.

Na exposição de Júlio Marino de Carvalho, a Declaração não tardou a produzir resultados positivos de ordem prática e a influir na vida dos povos. O tratado de paz com o Japão, o estatuto de Trieste, a convenção de Paris entre a França e a Tunísia foram os primeiros exemplos de sua presença nos planos político e jurídico internacionais, chamada que foi como um dos fundamentos daqueles atos. Algumas constituições, como as da Indonésia, da Síria, da Jordânia, da Líbia, do Haiti, de Porto Rico e da Alemanha, foram expressamente influenciadas. No Brasil, o Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana foi criado pela Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, fazendo-lhe expressa referência. Decisões de tribunais, como a Suprema Corte dos Estados Unidos, e os da França, da Holanda e da Bélgica, da Itália e das Filipinas têm-na tomado como referência e fundamento. No Brasil, o Tribunal Federal de Recursos terá sido o primeiro a invocá-la para fundamentar uma decisão, da qual foi relator o Ministro Cunha Mello.41

Dois anos depois, os Estados europeus aprovaram a Convenção Europeia de Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e instituíram a Comissão e a Corte Europeia de Direitos Humanos, objetivando assegurar a garantia coletiva de certos direitos enunciados na Declaração Universal. Em 1952, aprovou-se em Paris o protocolo adicional a essa convenção. No mesmo ano, foi reconhecido o direito de os povos disporem de si mesmos, mencionado nos dois pactos dos direitos humanos42. Em 1961, aprovou-se, em Turim, a Carta Social Europeia. Em 1963, firmou-se em Estrasburgo outro protocolo adicional à Convenção Europeia.

Em 22 de novembro de 1969, em São José da Costa Rica, aprovou-se a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, cujo preâmbulo também alude expressamente à Declaração Universal como fonte de seus princípios e normas. A proposta para sua criação foi iniciativa da delegação brasileira na IX Conferência Interamericana de 1948, em Bogotá, e somente em 1959 o Conselho de Jurisconsultos elaborou, no Chile, o projeto da convenção. Dunschee de Abranches assim se manifestou a respeito do assunto: “Como era natural, o projeto se inspirou na Corte Europeia, mas houve a adaptação às peculiaridades do continente americano, onde a maioria dos governos ainda não estava preparada para aceitar a competência litigiosa da Corte, com caráter obrigatório”43.

É muito notável a dificuldade em encontrar fórmulas aptas para exprimir as ideias humanitárias comuns aos Estados signatários, conciliando as diferenças referentes a tradições jurídicas, sistemas políticos e fé religiosa. Essas diferenças não existem apenas entre os Estados ocidentais e os Estados de democracia popular, entre o mundo cristão e o mundo islâmico, entre as tradições continentais de direito civil e as anglo-saxônicas de common law.Todas foram superadas em prol do bem comum44.

Almir de Oliveira45 assevera que, seguindo a tendência de regionalização dos instrumentos básicos de proteção dos direitos humanos, os Estados africanos aprovaram, em janeiro de 1981, na cidade de Banjul, capital da Gâmbia, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, chamada Carta de Banjul. De acordo com Cançado Trindade no preâmbulo desse instrumento, reafirmaram o compromisso, por eles assumido na Carta de Organização da Unidade Africana, de “eliminar sob todas as suas formas o colonialismo da África, e coordenar e intensificar a sua cooperação e os seus esforços para oferecer melhores condições de existência aos povos da África.”46 Inspirados nas suas tradições históricas e nos valores da civilização africana, reconheceram que os direitos fundamentais do ser humano se baseiam nos atributos da pessoa humana, o que justifica a sua proteção internacional. Também reafirmaram a sua adesão às liberdades e aos direitos humanos e dos povos contidas nas declarações, convenções e outros instrumentos adotados no quadro da Organização da Unidade Africana, no Movimento dos Países Não-Alinhados e da Organização das Nações Unidas.

Na Carta dos Direitos Humanos e dos Povos no Mundo Árabe aprovada em julho de 1971, a Liga dos Estados Árabes adotou o projeto elaborado em Siracusa, na Itália, por um grupo de juristas e intelectuais árabes, ali reunidos. No preâmbulo, a Carta fornece como base o reconhecimento da dignidade inerente à dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros de uma família como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz mundial e reafirma a sua fé nos princípios proclamados na Carta das Nações Unidades e na Carta Internacional dos Direitos Humanos.

A Carta cria, também, uma Comissão Árabe de Direitos Humanos e uma Corte Árabe de Direitos Humanos, com as mesmas características, atribuições e competências das europeias. Em função das velhas tradições culturais do povo árabe, pode imaginar-se o quanto será difícil aos seus líderes e governantes operacionalizar entres eles as regras da Carta, principalmente, no que tange à igualdade e à não-discriminação por motivo de sexo e de religião. A Carta tem como base, à semelhança dos instrumentos aprovados sob a égide das Nações Unidas, uma filosofia nitidamente ocidental, estranha em grande parte à do mundo islâmico, onde o direito, o poder político e a religião praticamente se confundem.47

Trabalhando nesta vertente, encontramos no Direito Internacional várias convenções que demonstram a preocupação da sociedade internacional no alcance da dignidade da pessoa humana como as quatro Convenções de Genebra, de 194948, bem como o Protocolo Adicional I, de 197749, todos fazendo referência à responsabilidade das partes contratantes em se comprometerem a respeitar e a fazer respeitar, em todas as circunstâncias, aqueles tratados humanitários, ou seja, o Estado-Parte deve respeitar, por si, por seus agentes e jurisdicionados, as regras do Direito Humanitário.

Fato que marca tal posicionamento foi decidido pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), na década de 1980: caso "Nicarágua versus Estados Unidos", no qual este último sofreu reprimendas por parte da CIJ para que respeitasse, entre outros, o direito de soberania e a independência política da república da Nicarágua, como qualquer outro Estado da região ou do mundo deveria ser totalmente respeitado e não deveria ser, de maneira alguma, colocado em risco por atividades militares ou paramilitares proibidas pelo princípio da lei internacional. Em particular destaca-se o princípio em que os Estados deveriam se abster, nas suas relações internacionais, da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou contra a independência política de qualquer Estado, e o princípio referente à obrigação de não intervir na jurisdição doméstica de um Estado, princípios incluídos na Carta das Nações Unidas e na Carta de Organização dos Estados Americanos.50

Com os decorrer dos séculos, os Direitos Humanos foram se alicerçando em fundações sólidas, não podendo o asilo e o refúgio se distanciarem dessa base, pois ambos são afluentes deles e devem permanecer ligados ao tronco maior parase manterem abastecidos de seiva visando à própria sobrevivência.

Conforme afirmado por Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado somente, mas algo construído, uma criação humana, estando em constante processo de construção e reconstrução, se adaptando à conjuntura internacional, motivando toda a sociedade internacional na sua concretização, pois cada pessoa tem o “direito a ter direitos” no âmbito de uma proteção internacional.51


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme observado, no decorrer deste artigo, o desenvolvimento da sociedade internacional vem demandando tempo para serem forjados conceitos e direitos a todos assegurados para garantir uma vida com dignidade, saindo de ambientes insatisfatórios para o individuo para um ambiente de mais segurança, ainda não o ideal, mas que evoluem para uma atmosfera propícia na qual as pessoas tenham sua dignidade respeitada.

Não deve ser deixado no esquecimento o fato de que os Direitos Humanos precisam de uma manutenção periódica e esclarecedora, inibindo ser alvo de falhas e rupturas, que ameaçam fazer ruir o que vem sendo construído durante vários séculos. Haja vista o abalo significativo sofrido no século passado, durante a Segunda Guerra Mundial e no período da guerra fria, quase derrubando os conceitos criados desde a constituição da sociedade moderna.

No presente século, quando ainda existem regiões no nosso planeta desprovidas de quaisquer direitos, muito menos os humanos, os Direitos Humanos devem ser reforçados e esclarecidos às populações pelos organismos internacionais, mas também e principalmente assegurados pelos próprios governos de cada Estado. Esta ação objetiva que, com um período razoável de tempo e com a maturação devida, os indivíduos não tenham de se socorrer de pedidos de asilo ou de refúgio, mas possam viver condignamente no próprio país, ou onde escolherem para residir com ânimo definitivo.


REFERÊNCIAS

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Notas

1BASSIOUNI, M. Cherif. International extradition. New York: Oxford, 2007, p. 159. (Tradução livre).

2Idem, p. 168.

3 Internalizado pelo Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965.

4 BÍBLIA SAGRADA. Tradução: João Ferreira de Almeida. São Paulo: Imprensa Bíblica Brasileira, 1974, p.198. Também verificamos semelhante texto descrito no Livro de Deuteronômio, capítulo 19: 1-11.

5Idem, p. 229.

6Temos no Alcorão a “Makka”, um local inviolável, reconhecido pelos costumes árabes como invioláveis às perseguições, às vinganças e à violência. Conforme ALCORÃO. Disponível em:<https://www.islam.com.br. Acesso em: 15 jun. 2014.

7 BASSIOUNI, M. Cherif, op. cit., p. 170.

8 SANCHES, Luciana Taynã. As origens históricas do direito de asilo. Conteúdo jurídico, Brasília, 2 out. 2013. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.45361&seo=1>. Acesso em: 15 jun. 2014; BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2010, p. 66, fazendo uma analise acerca dos asilos, considera-os como uma fuga a ação da lei, incitando mais ao crime do que as penas os evitam.

9Conforme BRION, Marcel. A real Cleópatra, muito acima da lenda. Revista História Viva, São Paulo, 26. ed., dez. 2005, p. 22-25, ao descrever o episódio onde Pompeu, após ser derrotado na Batalha de Farsália (travada na Grécia a 9 de agosto de 48 a.C., enfrentou as tropas romanas de Júlio César e Cneu Pompeu Magno, no contexto da guerra civil entre populares e optimates, que colocou a República Romana nas mãos de César), busca asilo no Egito, onde tinha certeza de encontraria adeptos.

10Na primeira metade do século XVI no “Livro das Leis” se enunciam os casos que não seriam procedentes para aplicação da medida de asilo, em conformidade com o Direito Romano e Canônico. Dada a transcendência do asilo religioso, se faz necessário revisá-los:

“O asilo religioso não é válido aos seguintes criminosos: 1º) ao ladrão público que vigia os caminhos e estradas para causar danos; 2º) a quem destrói ou queima os campos, as árvores e as vinhas; 3º) ao que tira a vida de outrem; 4º) ao que sai da igreja para matar, roubar ou cometer outro crime para depois voltar para pedir acolhida; 5º) ao que mata traindo; 6º) ao servo de foge de seu senhor, seu dono; 7º) ao herege público; 8º) ao que furta na igreja; 9º) ao assassino quando provado que tenha cometido o crime; 10º) ao que comete adultério; 11º) ao violador ou raptor; 12º) ao que traía seu senhor; 13º) ao sodomita; 14º) ao judeu ou mouro que seja devedor dos cristãos ou cometa qualquer delito”. Conforme SANCHES, Luciana Taynã, op. cit.

11 BASSIOUNI, M. Cherif, op. cit., p. 171. (Tradução livre).

12 BASSIOUNI, M. Cherif, op. cit., p. 171. (Tradução livre).

13 Idem, p. 172.

14BASSIOUNI, M. Cherif, op. cit., p. 173. (Tradução livre).

15GARRIDO, Álvaro; COSTA, Leonor Freire; DUARTE, Luis Miguel (Orgs.).Estudo em homenagem a Joaquim Romero Magalhães. Economia, Instituições e Império. Coimbra: Almedina, 2012, p. 528-529.

16 França, Suíça, América e Reino Unido foram grandes receptores de refugiados nesta época, o que inspirou a inserção da proteção jurídica dos refugiados em seus respectivos ordenamentos jurídicos. Conforme SANCHES, Luciana Taynã, op. cit.

17Idem.

18Este foi o primeiro passo, que deu início a outros relevantes acordos firmados por países americanos, como: A Convenção sobre Asilo Político (Havana, 1928), Convenção sobre Asilo Político (Montevidéu, 1933), Tratado sobre Asilo e Refúgio Político (Montevidéu), 1939, Tratado sobre Direito Penal Internacional (Montevidéu, 1940), Convenção sobre Asilo Territorial (Caracas, 1954), Convenção sobre Asilo Diplomático (Caracas, 1954), Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José de Costa Rica, (Costa Rica, 1969) e Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948), Declaração de Cartagena (1984), Declaração do Rio de Janeiro sobre Refúgio (2000), entre outros. Conforme SANCHES, Luciana Taynã, op. cit.

19 Legação é a sede de toda missão diplomática ordinária, a residência dos chefes de missão, e os locais por eles destinados para esse efeito, quando o número de asilados excederem a capacidade normal dos edifícios, conforme artigo 1º, do Decreto nº 42.628, de 13 de novembro de 1957.

20 Os navios de guerra ou aeronaves militares que se encontrarem provisoriamente em estaleiros, arsenais ou oficinas para serem reparados, não podem constituir recinto de asilo, conforme artigo 1º, do Decreto nº 42.628, de 13 de novembro de 1957.

21 Tem possuir caráter essencialmente político, caso contrário não ensejará a concessão de asilo, como foi o caso da advogada Eloisa Samy ligada a black bloc, que teve seu pedido de asilo negado no Consulado do Uruguai no Rio de Janeiro, por falta de pressuposto para o mesmo, ou seja, perseguição política. A referida advogada responde a processo na 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, juntamente com outros Black blocs. Conforme HAIDAR, Daniel. Uruguai nega asilo a advogada ligada a Black blocs. Disponível em: https://veja.abril.com.br/noticia/brasil/defesa-de-advogada-ligada-a-black-blocs-admite-dificuldade-em-concessao-de-asilo. Acesso em: 27 jul. 2014.

22 Mas nem sempre é o que ocorre, como verificamos no caso de Roger Pinto Molina, senador boliviano, que pediu asilo na embaixada brasileira na Bolívia, sendo-lhe concedido asilo diplomático em 28 de maio de 2012, após 15 meses como refugiado e depois de ter diversos pedidos de salvo-conduto negados pelo governo boliviano, com o pressuposto que Pinto era criminoso comum, ele foi trazido, por via terrestre, ao Brasil por um diplomata da embaixada do Brasil em La Paz. O próprio MERCOSUL pronunciando-se sobre o fato afirmou: que esse direito não deve ser restringido nem limitado em sua extensão sob nenhuma hipótese. Disponível em:<https://exame.abril.com.br/mundo/noticias/governo-boliviano-pede-que-opositor-abandone-asilo-no-brasil?page=2>. Acesso em: 01 set. 2014.

23A Sociedade das Nações decidiu nomeou Fridtjof Nansen como delegado, representante da Noruega, que desde 1919 vinha conduzindo a repatriação de prisioneiros de guerra em nome deste organismo. O Primeiro Alto Comissário conseguiu assegurar o provimento de assistência aos refugiados por parte de alguns governos e agências voluntárias e foi também o criador do famoso Passaporte Nansen, documento que pôde ser utilizado, primeiramente, como um Certificado de Identidade, e também, como documento que permitia ao titular retornar ao país que o havia expedido. Conforme BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. Tradução: Tibério Júlio Couto Novais. São Paulo: Fundamento Educacional, 2008, p. 299.

24Conforme o artigo 1º, §1º, alínea “c” do Estatuto dos Refugiados de 1951. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO. Disponível em: <https://www.pucsp.br/IIIseminariocatedrasvm/documentos/convencao_de_1951_relativa_ao_estatuto_dos_refugiados.pdf>. Acesso em: 8 jul.2014.

25Conforme PLANALTO. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9474.htm>. Acesso em: 8 jul. 2014.

26 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.11, explicita que não houve a preocupação com os direitos do homem, mas sim com os direitos dos ingleses, decorrentes da imemorial law of the land.

27OLIVEIRA, Almir de. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.111.

28OLIVEIRA, Almir de, op.cit., p.117.

29 Idem, p.118.

30 A França, que editou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, repetiu a expressão em 1793. Igualmente a Constituição de 1946 falava, no preâmbulo, em direitos do homem, como o fez a de 1958.

A declaração Universal de 1948 é dos Direitos do Homem.

No Brasil, a Carta de 1824 referia-se aos “direitos políticos e individuais” (art. 178); a Lei Magna de 1891 continha simplesmente uma “declaração de direitos”; a de 1934, uma “declaração de direitos” (Título III) que compreendia um capítulo intitulado “Dos direitos e garantias individuais”; a de 1937 tinha também um capítulo intitulado “Dos direitos e garantias individuais”; a de 1946 repetia a de 1934 e continha uma declaração de direitos que incluía um capítulo intitulado “Dos direitos e garantias individuais”. Nesta, o art. 141, § 13, mencionava expressamente “os direitos fundamentais do homem”.

A Constituição de 1967 preferiu a expressão “direitos e garantias individuais” (cap. IV), da mesma forma que a Emenda nº 1/69 (cap. IV). Já o art. 149, I (da redação de 1967), fala em garantia dos direitos fundamentais do homem, como o art. 152, I (da redação de 1969).

A Constituição em vigor refere-se a “direitos e garantias fundamentais” (Título II), cujo capítulo I enuncia “direitos individuais e coletivos” e o capítulo II, “direitos sociais”. O art. 17. faz referência a “direitos fundamentais da pessoa humana”, enquanto o art. 60, § 4º, IV, a “direitos e garantias individuais”. Já o art. 5º, LXXI, menciona “direitos e liberdades constitucionais”. Conforme FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, op. cit., p. 15.

31 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direitos humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 29.

32 FRANCHINI-NETTO, Miguel. Os Direitos Humanos na ONU. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 30.

33 Denominação dada por John Carey em seu livro The International Legal Order on Human Rights in The Future of the International Legal Order, vol. 4, Princeton University Press, 1972, afirmando que o Princípio da Proteção às minorias nacionais é aquele no qual deva haver permanente fiscalização internacional das garantias dos direitos coletivos das minorias de um determinado país. (Tradução livre).

34 OLIVEIRA, Almir de, op. cit., p. 123.

35 FRANCHINI-NETTO, Miguel,op. cit., p. 38.

36 Idem, p. 37.

37 Cordell Hull, pelos Estados Unidos da América; Anthony Eden, pelo Reino Unido e Molotov, pela União Soviética.

38 CARVALHO, Júlio Marino de. Os direitos humanos no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 55.

39 CARVALHO, Júlio Marino de, op. cit., p. 198.

40CARVALHO, Júlio Marino de, op. cit., p. 199.

41 Idem.

42 A 5 de fevereiro de 1952, pela Resolução 547, a Assembleia Geral recomendou à Comissão de Direitos do Homem a inclusão, nas Convenções que elaborava sobre os Direitos Humanos, de um artigo, comum, referente à “autodeterminação dos povos”, princípio esses que não figurará na Declaração Universal de 1948. Essa Resolução foi aprovada sem anuência da maioria das potências ocidentais. Visava à eliminação do sistema colonial, e contou, desde logo, com o apoio decisivo dos países agroasiáticos que, desde 1955, começavam a ingressar na ONU. A manifestação da vontade da maioria vem consignada em vários atos e métodos aplicados pela Organização com essa finalidade. Foi reconhecido, então, o direito de autodeterminação com um dos direitos humanos. De 1952 e 1953, a Assembleia Geral reafirmou sua deliberação em favorecer o anticolonialismo, emitindo uma relação de fatores que, possuídos, condições de independência dariam às populações sob domínio. Afinal, aprovou a Declaração sobre a outorga da independência a países e povos coloniais, instituindo mecanismo para assegurar a sua aplicação. A proposta de uma Declaração foi apresentada, inicialmente, pela União Soviética com quatro abstenções: Estados Unidos, Portugal, Espanha e Reino Unido.

43 Conforme entrevista de ABRANCHES, Carlos Alberto Dunschee de. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 set.1979, p. 11.

44 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Tradução: João Ferreira. 12. ed. Dicionário de política. Brasília: EdUNB, 2002, p. 356.

45 OLIVEIRA, Almir, op. cit., p. 211.

46 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Saraiva. 1991, p. 486.

47OLIVEIRA, Almir de, op. cit. p. 214.

48A primeira Convenção de Genebra foi uma iniciativa de Henri Dunant, um suíço. Em 1863, ele organizou, com um grupo de pessoas, uma convenção não oficial para "estudar os meios de combater a insuficiência do serviço sanitário nos exércitos em campanha". Esta convenção foi o marco da criação da Cruz Vermelha.

A segunda Convenção foi escrita em 1906. Ela estendeu as obrigações da primeira Convenção às forças navais.

A terceira Convenção de Genebra foi escrita em 1929 e teve como objetivo definir o tratamento de prisioneiros de guerra.

O termo prisioneiro de guerra é definido nesta Convenção: é reconhecido como prisioneiro de guerra todo combatente capturado, podendo este ser um soldado de um exército, um membro de uma milícia ou até mesmo um civil, como os resistentes.

A quarta Convenção foi escrita em 1949. Ela revisou as três Convenções anteriores e acrescentou uma quarta, relativa à proteção dos civis em período de guerra.

Quando se fala hoje em dia da Convenção de Genebra, refere-se ao resultado desta Convenção.

De acordo com esta Convenção, os civis são claramente protegidos de toda hostilidade: a) eles não podem ser sequestrados, para servir, por exemplo, de "escudos humanos"; b) toda e qualquer medida de retorsão visando aos civis ou seus bens é estritamente proibida; c) as punições coletivas são estritamente proibidas. Conforme DHNET. Disponível em:<https://www.dhnet.org.br/direitos/sip/dih/prot1.htm>. Acesso em: 9 jul.2014.

49 Protocolo I: Emenda às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, sendo adotado em 8 de junho de 1977 pela Conferência diplomática sobre a reafirmação e desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável a conflitos armados. Entrou em vigor em 7 de dezembro de 1979. Concerne à proteção das vítimas de conflitos armados internacionais, considerando que conflitos armados contra a dominação colonial, ocupação estrangeira ou regimes racistas devem ser considerados como conflitos internacionais. Até 12 de janeiro de 2007, havia sido ratificado por 167 países dos 188 participantes Convenções de Genebra de 1949. Dentre os países que não ratificaram o protocolo, estão: Estados Unidos, Israel, Irã, Paquistão, Afeganistão e Iraque. Este protocolo foi internalizado pelo Decreto nº 849, de 25 de junho de 1993. Conforme PLANALTO. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0849.htm>. Acesso em: 9 jul.2014.

50 Conforme TRIPOD. Disponível em:<https://hmjo.tripod.com/Dip/Cases/Nicaragua.htm>. Acesso em: 9 jul.2014.

51 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 498.


Abstract: This article demonstrates that over the centuries the human concern, evolving as a social being, was first with its survival, improving means of keeping free from harassment and threats, and, in the moment, creating legal provisions for you ensure survival, with the recognition of all. Preliminarily the evolution of the concept of asylum is presented, from the earliest times of our society, are then discussed their application forms and complementing the theme shows the evolution of Human Rights, enablers of the institutes of asylum and refuge .

Key words: Asylum; refuge; human rights; dignity of the human person.


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