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Políticas públicas de educação ambiental no Brasil

considerações acerca do processo de construção e desenvolvimento

Políticas públicas de educação ambiental no Brasil: considerações acerca do processo de construção e desenvolvimento

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Busca-se a compreensão do processo de construção de políticas públicas de educação ambiental no Brasil, a fim de verificar as estratégias dos atores envolvidos, bem como os rumos dessa política específica em um contexto capitalista e democrático.

INTRODUÇÃO

Desde a Revolução Industrial, o movimento de modelos de desenvolvimento e industrialização vinham sendo implantados, de maneira a apropriarem-se de recursos naturais e humanos indiscriminadamente. Por volta dos anos de 1970, em virtude de problematizações ambientais amplas, iniciou-se uma série de manifestações que culminaram na organização da Primeira Conferência Mundial do Meio Ambiente Humano, pela Organização das Nações Unidas. Também conhecida como Conferência de Estocolmo, nela foram deliberados diversos temas, dentre os quais capta-se a visão do ambiente sob a perspectiva da educação. Dessa forma, “a educação dos indivíduos para o uso mais equilibrado dos recursos foi apontada como uma das estratégias para a solução dos problemas ambientais” (TOZONI-REIS, 2008, p. 2), objeto esse reafirmado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no ano de 1992, para alcançar o desenvolvimento sustentável. Desde então, a educação ambiental passou a ser vista no campo de ação pedagógica, inaugurando uma nova fase no campo das políticas públicas a serem adotadas, uma vez que “visa a superação das injustiças ambientais, da desigualdade social, e da apropriação capitalista e funcionalista da natureza e da própria humanidade” (SORRENTINO et al, 2005, p. 287). No Brasil, a construção de políticas públicas específicas a essa modalidade foi um pouco mais tardia. Somente na década de 90, o Ministério da Educação, o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) desenvolvem ações para concretizar a educação ambiental, traçando parâmetros curriculares que colocam o tema como objeto transversal em todas as disciplinas, capacitando os professores e sistematizando as ações existentes. Assim, surge a Política Nacional de Educação Ambiental, caracterizada pela ampliação dos espaços e pela multiplicidade dos atores envolvidos.

Nessa esteira, o objetivo central deste trabalho pauta-se na busca pela compreensão do processo de construção e desenvolvimento de políticas públicas de educação ambiental no Brasil. Para isso, procurou-se analisar de maneira pormenorizada - valendo-se de modelos e tipologias específicas e adequadas - a Política Nacional de Educação Ambiental -, a fim de verificar as estratégias e comportamentos dos atores envolvidos, bem como os rumos dessa política específica em um contexto capitalista e democrático.


POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

Sobre Políticas Públicas

O estudo das Políticas Públicas está intimamente relacionado ao papel dos governos em relação às demandas de seus cidadãos. São elas “o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores” (RUA, 1998, p. 1), isto é, outputs resultantes da política.

Tal estudo, segundo Souza (2006, p. 23), conta com quatro grandes fundadores, no âmbito de área de estudo. O primeiro deles é Lasswell que em seu famoso livro Politics: Who Gets What, When and How (1958) difunde a ideia de que há uma elite que conduz a maioria das decisões de políticas públicas por meio de influência, enquanto o restante – denominado massa – possui muito pouco poder de demanda. Herbert Simon (1955) é outro nome lembrado como um dos precursores desse tipo de pesquisa, inserindo o conceito de racionalidade limitada aos decisores públicos (policy-makers) e pontuando que o cérebro humano é incapaz de processar toda a informação a ele conferida de maneira totalmente lógica. Para ele, a escolha racional pode ser, no máximo, uma crua e simplificada aproximação de um tipo de racionalidade global, maximizando variáveis e potencializando o ideal racional por meio de uma teoria de comportamento humano que irá decidir em um determinado contexto.

Charles Lindblom (1981), então, surge afirmando que a decisão da política pública é pautada em um jogo disputado entre grupos de interesse que pressionam para a formulação de políticas em seu benefício. Sua teoria criticou a prisão em fases distintas e não integradas dentro do processo de políticas públicas proposto por Lasswell, considerando-o inadequadamente engessado e alegou que o modelo de Simon não era possível:

A dificuldade fundamental resulta da discrepância entre a capacidade cognitiva limitada do ser humano e a complexidade dos problemas das políticas. Mesmo quando ampliada por meio de instrumentos, que vão da linguagem escrita aos computadores eletrônicos, a mente humana pode não abranger toda a complexidade da realidade social. (LINDBLOM, 1981, p. 20)

David Easton (1957) destacou-se por sistematizar as políticas públicas. Assim, ele procurou observar a sociedade a partir de sistemas complexos e interativos com inúmeros objetivos. Foi Easton o responsável por formular o diagrama que se descreve no recebimento de inputs/withinputs do ambiente/sistema, passando pela transformação em demanda (e a agregação de suportes), e tendo por resultado as decisões e políticas, denominados outputs.

Dye (apud Howlett, Ramesh e Perl 2013) afirma que política pública se trata de tudo que um governo decide fazer ou deixar de fazer, o que parece simplista, pois serve para qualquer ação governamental, além de reduzir a decisão ao governo. Para Lawrence Mead (1995), o termo refere-se ao estudo de políticas que analisam o governo à luz dos maiores assuntos públicos. Ela envolveria, portanto, a tentativa de conciliar o potencial de governo com o resultado obtido, na sofisticação de concepções tradicionais. Nesse seguimento, o autor destaca que o foco das políticas é justamente a resolução de conflitos coletivos:

In public policy, the focus is not on outcomes that are controversial so much as those in which everyone has no interest. The question is whether government can solve the collective action problems that are the most general and important, where the obstacle to action is not substantive disagreement so much as free-riding and effort to avoid costs.[1](MEAD, 1995, p. 2)

No entanto, conforme afirma oportunamente Souza (2006), a maioria das definições concentram seu foco no papel dos governos. Dessa forma, os conflitos, limites e possibilidades de cooperação seriam deixados de lado nessa análise, o que não parece ser a via mais adequada. Francisco Heidemann (2009), por exemplo, em termos genéricos, escreve que políticas públicas são decisões e ações de governo e de outros atores sociais. Eugenio Lahera (2003) observa que a política pública corresponde ao modo como manejar com assunto públicos. Para ele, as políticas públicas são um fator comum da política e das decisões do governo e da oposição.

Por fim, Howlett, Ramesh e Perl (2013) trazem sua visão sobre o que viria a ser uma política pública, e que parece bastante acertada na estrutura contemporânea:

A policy-making trata fundamentalmente de atores cercados por restrições que tentam compatibilizar objetivos políticos (policy goals) com meios políticos (policy means), num processo que pode ser caracterizado como ‘resolução aplicada de problemas’. (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013, p. 5)

Eles acreditam haver duas dimensões para essa compatibilização. A primeira é a dimensão técnica, na qual se verifica a adequação de instrumentos à resolução de problemas; a segunda, a política, trata das divergências dos atores sobre a existência ou gravidade de um determinado problema.

Sobre Política Pública de Educação Ambiental no Brasil

No Brasil, a institucionalização da educação ambiental surgiu a partir da criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), em 1973; desenvolvendo-se sob forma de princípio da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, na qual se estabelece a oferta da educação ambiental em todos os níveis de ensino, bem como em programas específicos. A Constituição Federal de 1988 concebe status importante ao meio ambiente e umas das linhas de ação estabelecidas é o Programa Nacional de Educação Ambiental, em 1994. Porém, uma política pública específica só foi tornada realidade em 1999 com a Lei 9.795, a qual estabeleceu a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), caracterizada pela ampliação dos espaços e pela multiplicidade dos atores envolvidos. Segundo a PNEA:

Art. 1º Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Partindo dessa perspectiva de enraizamento da educação ambiental, nota-se que seu conceito abarca um campo interdisciplinar, a partir da construção de conhecimentos, valores e atitudes para a defesa e a manutenção do ambiente equilibrado e saudável, tanto ao ser humano quanto aos demais seres do planeta.

Nessa visão, a edificação da política pública de educação ambiental é pautada na pluralidade social das ações, isto é, no processo partilhado entre Estado e sociedade, por meio de atividades multicêntricas. No entanto, a falta de espaços de participação e os diálogos restritos, bem como a democracia representativa limitada, é um dos fatores que dificulta essa articulação e uma melhor disposição da política.

Políticas Públicas de Educação Ambiental entre o Capitalismo e a Democracia

As políticas públicas de educação ambiental surgem da urgência de uma série de ações compostas para a proteção ambiental. As revoluções industrial e tecnológico-científica e a sua aceleração ao longo do século XX proporcionou uma apropriação funcionalista da natureza no desenvolvimento desenfreado. Fomentado pelo capitalismo pautado na concorrência e clamor de uma minoria de bens privados, ao modelo de desenvolvimento econômico não importa o colapso de bens ambientais, principalmente com a exploração em países em desenvolvimento (antes conhecidos como o Terceiro Mundo). Nessa perspectiva, a premência do esgotamento desses bens causou, segundo Sorrentino et al (2005), uma mudança de paradigma, tanto político quanto científico.

Todavia, o aparente novo (e aceitável) panorama de (re)educação ambiental proposto pelo modelo capitalista traz alguns pontos intrincados e até mesmo bastante ilusórios, se analisados sob uma perspectiva mais crítica. O enfrentamento apoiado sugere que as políticas públicas de educação ambiental, uma vez advindas de ações multicêntricas, dependem mais da união das individualidades na questão ambiental do que das ações do coletivo. Dessa forma, a visão não rompe com o modelo capitalista, de modo que não há um questionamento aprofundado do modelo econômico, mas a renovação do próprio capitalismo por meio de novos sistemas de produção. Corroborando com isso, Rodrigues e Guimarães (2010) criticam que:

Vendo na natureza uma certa “santidade” e intocabilidade e na Educação Ambiental um instrumento de domesticação comportamental do ser humano, como se – cada um fazendo a sua parte e tomando ciência de uma crise puramente ambiental, no sentido mais estrito do termo – fosse possível resolver a problemática sócio-ambiental, essa dimensão conservadora da EA parece profícua e inerente ao modo de produção capitalista. (RODRIGUES e GUIMARÃES, 2010, p. 22)

            Além do mais, destacam os autores, os princípios democráticos e participativos são abandonados, na medida em que obscurecem-se os conflitos e controlam-se os sujeitos. Desse jeito, há uma disparidade nos próprios espaços de participação e a tendência a uma polarização elitista nas decisões tomadas relativamente a essas políticas públicas.


POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL (Lei 9.795/99): QUEM FAZ?

Consistindo a Política Nacional de Educação Ambiental o documento que pauta todos os princípios da aplicação desse tipo de política pública no Brasil, sua análise é de grande valor para o reconhecimento de suas estruturas e caminhos.

Os Atores Envolvidos e os Interesses em Jogo

Sendo a PNEA uma política pública de educação ambiental e partindo de uma visão complexista de ações multicênticas para a proposição de demandas e conquista de resultados, é imprescindível reconhecer os atores envolvidos nessa política. À primeira vista, uma classificação mais grosseira sugere a divisão em dois grupos: atores privados (empresas, grupos de interesse) e públicos (burocratas, políticos). No entanto, aqui intentou-se identificar e especificar os atores (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013; DAGNINO, 2002; RUA, s/d), partindo da assertiva proposta por RUA (s/d, p. 5) de que “o mais simples e eficaz é estabelecer quem tem alguma coisa em jogo na política em questão”.

O primeiro destaque são os políticos – eleitos para mandatos de tempo determinado - responsáveis pela formulação e execução das leis. Portanto, possuem papel importante na formulação e implementação de políticas públicas. São eles os prefeitos, vereadores, deputados, etc. Interessante atentar para determinados compromissos setoriais assumidos em campanhas, em virtude de financiamento recebido. Nessa esteira os partidos políticos, que ligam Estado e sociedade por meio da representação, também compõem um importante sujeito das relações de políticas públicas. Outro ator relevante é a burocracia estatal. Trata-se de agentes do governo e funcionários da administração, que auxiliam na execução da política pública. Seus cargos requerem especialização e informação; e também podem estar em constante disputa para ascensão no seu setor. Esses dois atores são fundamentais para a formulação e execução da PNEA, uma vez que detém o poder da decisão pública. Dessa forma, cabe a eles criar ou extinguir projetos e programas.

Alguns dos sujeitos mais importantes são os grupos de interesse. Dentro de uma perspectiva de controle pluralista, por exemplo, esses grupos possuem um grande poder de influência para a construção de política pública por meio de mecanismos de pressão, sejam eles financeiros, informativos, persuasivos, vantagens ou intercâmbio. São grupos organizados que normalmente defendem interesses setoriais e, na sua grande maioria privados. Podem ser empresários ou um sindicato, por exemplo. No caso da PNEA, a impressão que se tem é que o interesses privados são bastante semelhantes ao interesse público. No entanto, é de se estranhar que de um lado seja vetado um mínimo de recursos estatais para a política e de outro se sustente um discurso extremamente positivo de incentivos privados a essas políticas, inclusive com isenções fiscais, etc. Isto é, os grupos necessitam utilizar a ideia da educação ambiental ao seu favor.  

O cidadão comum, formador do público, na sociedade atual - apesar de possuir um papel de legitimador no sistema da democracia representativa como eleitor - carrega pouca influência na formulação de políticas públicas. No Brasil, seu histórico de pressões relevantes é pontual e apequenado em relação a outras democracias.

A mídia, por meio das comunicações de massa, é capaz de relatar, identificar e filtrar problemas e realidades ao grande público. Seu poder de persuasão e manipulação é gigantesco como formador de opinião e, portanto, temerário visto seu poder em mobilizar outros atores de acordo com seu interesse. No caso da PNEA, a mídia delata vários casos de caos ambiental, no entanto encobrindo outros tantos, muitas vezes ligados aos seus próprios interesses.

Por fim, os agentes internacionais influenciam na política pública, de modo a modificá-la ou conformá-la de acordo com seus interesses. O Banco Mundial e FMI, com inegável influência econômica, são capazes de direcionar a política de acordo com seu aporte financeiro. As ONG’s ambientais – não necessariamente internacionais – foram importantes no fomento da entrada do problema na agenda e ainda o são auxiliando na formação de pessoal capacitado na formação continuada de professores.

Think Tanks, organizações de pesquisa, experts e consultores acadêmicos configuram um grupo para pesquisa multidisciplinar especializada buscando a melhor solução. No Brasil, o IPEA ganha destaque na pesquisa em educação e o Censo Escolar como programa de pesquisa.

Evidentemente que não se deve olvidar do caráter interinstitucional das ações e das articulações imperativamente necessárias para o funcionamento desde governo à comunidade, empresas e associações, a fim de agir de forma integrada. Além disso, o papel institucional do Ministério da Educação e do Ministério do Meio Ambiente se mostram fundamentais para o apoio e execução de programas. Nessa mesma esteira, é conveniente observar a composição do Comitê Assessor do Órgão Gestor da PNEA se perfaz por líderes de diversos setores, conforme art. 4º do decreto que regulamenta a PNEA, dentre eles da ABONG, CONAMA, OAB, ABI, e setor produtivo nacional.

As Abordagens Adequadas à Análise

A apresentação das abordagens de análise mostra-se relevante, visto que torna-se o ponto de partida e a visão de mundo do analista que vai lidar com a política pública. A visão elitista oriunda na crença da democracia como método - ou seja, o mero procedimentalismo formal – vê em um bloco monolítico, com sujeitos de posições-chave na economia, o grande poder de influenciar as políticas públicas. Trata-se portanto, de uma clara tendência liberal, em que cabe à massa a mera legitimação de um grupo – por meio do voto – que, ignorando a vontade de uma maioria, decide segundo suas conveniências.

A perspectiva pluralista concebe a teoria estadunidense de diferentes grupos de poder que, por meio de disputa e negociação, influenciam as políticas públicas. Essas elites formam vários centros de poder, isto é, os “grupos de interesse são os atores políticos mais relevantes na modelação da política pública” (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013, p. 44). Avaliada sob essa ótima, a Política Nacional de Educação Ambiental poderia ser englobada no incrementalismo de Lindblom, visão que afirma que a política pública não parte do zero, mas de decisões marginais, que desconsideram mudanças bruscas nos programas (Souza, 2006, p. 29). Segundo Lindblom, ainda:

[...] as condições em que se espera que os administradores implementem as políticas os colocam com muita frequência na situação de participantes do processo decisório. Além disso, a execução cria políticas [...]. Sempre que a decisão política se faz mediante tentativas e erros (isto é, quase sempre), uma vez que cada passo corrige as inadequações do passo precedente, a implementação se torna uma fonte importante de informações a respeito do próximo passo. A implementação de políticas anteriores constantemente orienta novas políticas. (LINDBLOM, 1981, p. 62)

O corporativismo é uma espécie de pluralismo surgido na Europa. No entanto, sua teoria de grupo difere por tratar-se de uma perspectiva em que as categorias são mais singularizadas e organizadas.

A abordagem marxista destaca que as instituições políticas e sociais constituem o meio para se alcançar a emancipação econômica da classe operária (RODRIGUES, 2006, p. 32). Tais observações são essenciais a quem procura um Estado Social pautado na diminuição das desigualdades sociais e na redução aos danos ambientais proporcionados pelo capitalismo. Partindo desse enfoque, a Política Nacional de Educação Ambiental é tratada a partir da criticidade de não procurar modificar a estrutura capitalistas, mas tão-somente adaptar os modos de produção através de um discurso meramente enfadonho.

Por fim, o neoinstitucionalismo surge para romper com a tradição puramente culturalista, mesclando as instituições como fator de ordem e a política como interpretação do mundo. Muller e Surel (2002) distinguem três tipos.

O Neoinstitucionalismo histórico crê em uma cadeia causal, com análises comparadas e caminhos evolutivos da ação pública, diminuindo, assim, a força das instituições. O Institucionalismo da escolha racional traça que o método citado reduziria as incertezas nas preferências dos atores sociais. O Institucionalismo sociológico procura somar instituições elementos culturais, em um estudo do Estado em interação. Tendo em vista o forte enraizamento cultural no Brasil e a importância de suas instituições, é relevante observar que a última perspectiva apresentada parece ser a escolha mais acertada ao contexto nacional.


A ANÁLISE DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Para Dagnino et al (2002), o escopo da análise da política abarca uma gama de atividades, que estão envolvidas de alguma forma no exame de causas e consequências da ação governamental. Dessa forma, “tem como objeto os problemas com que se defrontam os fazedores de política (policy makers) e como objetivo auxiliar o seu equacionamento através do emprego de criatividade, imaginação e habilidade” (DAGNINO et al, 2002, p. 3). Klaus Frey (2000), ainda, faz importante destaque de sub-conceitos da análise da política pública, apresentando três termos básicos a serem distinguidos:

• a dimensão institucional ’polity' se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo;

• no quadro da dimensão processual ’politics' tem-se em vista o processo político, frequentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição;

• a dimensão material ’policy' refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas. (FREY, 2000, p. 216-217)

Nas Arenas de Lowi

Uma maneira de abordagem da análise de políticas públicas é a Tipologia da Política ou Policy Arena, presente nos escritos de Theodore Lowi (1972). Ele desenvolve esse modelo examinando a política pública a partir da formação de arenas do poder para apoio ou rejeição da temática em pauta. Divide-se em quatro classificações.

A primeira arena é a distributiva, em que a origem do recurso é coletiva e a destinação é para determinados setores, qualificando-se pelo pequeno nível de conflito. A arena redistributiva é muito mais conflituosa, uma vez que pauta-se na transferência de recursos de determinados grupos a outros a fim de estabelecer um equilíbrio maior entre eles (um bom exemplo é o Programa Bolsa-Família). A arena regulatória pauta-se em ordens, proibições e restrições, afim de impor obrigações (uma lei de trânsito, por exemplo). E, por fim, a constitutiva, a qual lida com as normas sob as quais as outras políticas públicas devem devem ser formuladas. Dessa forma, o teórico conclui que:

To illustrate, if two policies have about an equal chance of failure or success in the achievement of some social purpose the legislature has agreed upon, then that one should be preferred that has the most desirable impact on the political system. It should be the expertise of the political scientist to specify these kinds of consequences, and a policy framework would be necessary to do this. This is science, yet it reaches to the very foundations of democratic politics and the public interest.[2](LOWI, 1972, p. 308)

Em relação à Política Nacional de Educação Ambiental, apesar de toda a problematização anteriormente relatada no que concerne ao levantamento de seus recursos, resta claro ser uma política distributiva. Isso porque sua característica fundamental é, a partir de recursos coletivos, o investimento no setor específico da educação ambiental ao qual, no entanto, todos têm acesso. Dessa maneira, não há conflito eminente e relevante relatado, pois trata-se de um investimento de proveito comum.

Sob a perspectiva da ‘policy cycle’

O modelo mais conhecido de análise de política pública é o Policy Cycle. Originado em uma proposta de Lasswell de divisão em etapas na década de 1950, o “ciclo de políticas” ganhou contornos ao longo dos anos, tornando-se mais dinâmico e sensível aos exames (JANN e WEGRICH, 2007, p. 43). Trata-se de um processo analítico, no qual:

A vantagem mais significativa é que ele facilita o entendimento de um processo multidimensional por meio da desagregação da complexidade do processo em um número indeterminado de estágios e subestágios, em que cada um deles pode ser investigado isoladamente ou em termos de sua relação com cada um ou com todos os outros estágios. (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013, p. 16) 

Conforme corrobora Frey (2000), é sumamente importante levar em conta o caráter dinâmico e a complexidade temporal da análise pelo policy cycle. Nesse ponto, o autor reflete que apesar de haver uma sequência lógica de elementos da análise (as etapas), é pertinente que elas sejam investigadas sob uma visão ampla e inter-relacional, isto é, umas com reflexos nas outras, deslocando-se o objeto dinamicamente. Apesar de autores dividirem as fases em números diferentes, grande parte deles concorda na diferenciação básica de cinco estágios: a montagem da agenda, a formulação, a tomada de decisão, a implementação e a avaliação.

A montagem da agenda trata, em suma, de quando um problema comum se torna um problema público, ou seja, de interesse público. É a fase na qual esse problema se insere na agenda governamental por afetar parte significativa da população. Howlett, Ramesh e Perl (2013) consideram o mais crítico dos estágios do policy cycle, visto que se refere ao modo como os problemas surgem e não enquanto algo da atenção governamental, causando um enorme impacto no processo político. No Brasil, a política de educação ambiental começou a ganhar seus contornos com a participação em conferências e assinatura de tratados mundiais concernentes ao problema global da poluição e da conservação ambiental, como ocorridos em Estocolmo (1972) e Rio de Janeiro (1992). A criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (1973) e da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente (1981) fomentaram ainda mais a ideia da adesão a uma política pública específica, culminando na busca por soluções ao problema já definido na agenda brasileira.

A formulação da política pública se dá a partir da constatação do problema e do apontamento das possíveis soluções. “Policy formulation includes the definition of objectives – what should be achieved with the policy – and the consideration of different action alternatives”[3](JANN e WEGRICH, 2007, p. 48), isto é, trata-se da criação de opções sobre o que e como lidar com um problema da agenda. É a proposta de meios e/ou instrumentos e objetivos para que se alcance a solução de determinado problema. A PNEA foi inicialmente proposta em 1993 baseada em parâmetros e valores acordados com outras nações, em tratados internacionais. No entanto, sua tramitação durou seis anos (e sua regulamentação mais três anos), em virtude de uma série de negociações a respeito de algumas proposições feitas, estratégias de ação debatidas e busca de recursos. É importante lembrar também que o momento político era bastante delicado: do recente início da redemocratização ao período da reforma.

A etapa de tomada de decisão ocorre quando as opções foram debatidas e determinadas oficialmente. Conforme afirmam Howlett, Ramesh e Perl (2013, p. 157), as decisões políticas normalmente geram alguma declaração formal ou informal de intenção por parte dos atores públicos autorizados, no sentido de tomar ou não alguma ação. Importante salientar que esse sentido de “tomada de decisão” é estrito, uma vez que se embasa nas etapas anteriores para acontecer, mirando escolhas e opções apresentadas, em que pese ser a tomada de decisão amplo sensu uma ação comum em outros estágios da policy cycle. Depois dos seis anos de trânsito, nesta fase é que o documento-base ou a própria Lei 9.795 (Programa Nacional de Educação Ambiental) foi redigida e aprovada, traçando linhas de ação multicêntricas com a participação de diversos grupos de interesse diretamente descritos, princípios, participantes definidos e conceituações necessárias de educação ambiental forma e não formal, de acordo com as diretrizes acordadas. Interessante destacar que um dos artigos que tratava de um percentual mínimo dos valores de multas ambientais para a promoção de programas de educação ambiental foi vetado, fragilizando financeiramente o futuro da política. Ademais, é interessante colocar em epígrafe que:

Para Marta Rodrigues (2010), a implementação consiste na aplicação da política pela máquina burocrática, cabendo, no entanto, também a etapa de planejamento administrativo e de recursos humanos do processo político. Dessa forma:

[...] é preciso que a política a ser implementada esteja baseada numa teoria que relacione a causa (do problema) com o efeito desejado (a solução proposta). Os resultados dessa etapa do processo (outcome) constituem-se o impacto do programa ou política implementado. (RODRIGUES, 2010, p. 51)

Nessa esteira, Frey (2000) disserta que na implementação, o interesse da análise trata de verificar se os resultados reais de determinadas políticas correspondem aos impactos projetados na formulação da mesma. Rua (1998), da mesma forma, relata que o estudo da implementação é um sinal de haver um “elo perdido” entre os processos de tomada de decisão e avaliação. Dessa maneira, para a autora:

A implementação pode ser compreendida como o conjunto de ações realizadas por grupos ou indivíduos de natureza pública ou privada, as quais são direcionadas para a consecução de objetivos estabelecidos mediante decisões anteriores quanto a políticas. (RUA, 1998, p. 13)

Na visão de Howlett, Ramesh e Perl (2013), a implementação é a decisão em prática. Assim é todo “o esforço, os conhecimentos e os recursos empregados para traduzir as decisões políticas em ação” (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013, p. 179). Nesse diapasão, os autores reiteram o papel e os meios dos atores para chegar a determinado objetivo, de acordo com os seus interesses. Sua aplicação depende de servidores públicos, burocratas, mas atores não-governamentais também podem participar dessas ações:

Os subsistemas políticos passam então a dar uma importante contribuição à implementação na medida em que seus participantes aplicam conhecimentos e valores para dar forma ao lançamento e à evolução dos programas de implementação das decisões políticas. (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013, p. 179)

A Política Nacional de Educação Ambiental traça pressupostos e diretrizes para a implementação de programas nas três esferas. Em nível federal, há programas em destaque como o Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas, o Com-Vida, o Formação Continuada em Educação Ambiental dos Profissionais da Educação e o Programa Nacional de Educação Ambiental criado em 1994 e revisto pela 3ª vez em 2005. Recentemente, em 2013, o Governo Federal criou um incentivo à sustentabilidade nas escolas com o Programa Dinheiro Direto na Escola – Escolas Sustentáveis. Nas demais esferas, há um grande aumento no número de escolas e iniciativas de educação ambiental presentes também.

A avaliação é a etapa final, definindo-se pela medição dos efeitos gerados pela política pública em confronto com os objetivos traçados. É quando se verifica se a política pública deu certo ou não; é “o processo em que se determina como uma política de fato está funcionando na prática” (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013, p. 199). No Brasil, o IPEA destaca-se por fazer esse tipo de estudo com propriedade. Há dados nos cadernos do SECAD/MEC e nas pesquisas feitas no Censo Escolar que comprovam que o número de adeptos ao ensino ambiental bem como a projetos têm aumentado.


CONCLUSÃO

Um passo adiante foi dado. As políticas públicas de educação no Brasil mostram-se bastante adequadas e satisfatórias ao contexto contemporâneo e a Política Nacional de Educação Ambiental tem se mostrado importante documento regente desse processo. Evidentemente, o complicado processo de construção e desenvolvimento de políticas públicas se mostra muitas vezes intrincado, mas as contribuições multicêntricas e as cooperações auxiliam no desenvolvimento do caso brasileiro.

Entretanto, deve-se atentar, de igual forma, aos interesses privados muitas vezes ocultados nos dispositivos e ações presentes nessas políticas. Como já visto, o próprio sistema econômico capitalista pode ser bastante persuasivo na condição do seu discurso ambiental em prol da sua própria renovação. É claro, os interesses privados estão inerentes em todos os estágios da construção da PNEA, desde seu financiamento até a inclusão de membros de determinados grupos titulares de gestão da política, mas a existência de uma política de educação ambiental e de programas articulados e em funcionamento mostra ser aquela uma motivação bastante importante no contexto político brasileiro.


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Notas

[1]Em matéria de política pública, o foco não está nos outcomes (resultados) que são muito controversos, bem como naqueles em que ninguém tem interesse. A questão é se o governo consegue resolver os problemas de ação coletiva que são mais gerais e importantes, nos quais o obstáculo para ação não é uma discordância substantiva tão grande quanto o free-riding e os esforços para evitar custos.

[2]Para ilustrar, se duas políticas têm uma chance igual de falha ou sucesso na realização de algum propósito social que o legislador concordou, então aquela que deveria ser preferida é a que tem mais impacto no sistema político. Deve ser a perícia do cientista político a especificar esses tipos de consequências e o quadro político que seria necessário para fazê-lo. Isso é ciência, mas também atinge os próprios fundamentos da política democrática e do interesse público.

[3]A formulação da política pública inclui a definição de objetivos – que podem ser alcançados com a própria política – e a consideração de diferentes alternativas de ação.



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REY, Lucas Antonio Penna. Políticas públicas de educação ambiental no Brasil: considerações acerca do processo de construção e desenvolvimento . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4156, 17 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33628. Acesso em: 23 abr. 2024.