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A evolução da participação no Estado Moderno

A evolução da participação no Estado Moderno

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O conceito de participação é intrínseco à construção do Estado Democrático de Direito e sua evolução pode ser constatada como uma formulação histórica.

 FORMULAÇÃO DO CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO.

1.    Apresentação do Termo.

À palavra “participação”, dentro da seara do Direito Público e em especial do Direito Constitucional, deve-se atribuir um sentido técnico. Esta tarefa, porém, corresponde a árduo trabalho, fato este que se verifica em qualquer outra tentativa de definição de um instituto jurídico, e por que não dizer, em qualquer área do conhecimento humano. 

Nesta linha e atento à problemática do conhecimento, Antonio G. Penna  fornece um pequeno roteiro para a tarefa e ressalta que “vários são os problemas que se propõem à nossa reflexão no domínio da Epistemologia. O primeiro refere-se à natureza do conhecimento, ou seja, à detecção de sua essência; o segundo diz respeito à questão de seu valor ou de suas possibilidades; o terceiro aponta para as formas por ele assumidas; o quarto centra-se na questão da verdade; o quinto volta-se para o problema de suas origens; finalmente, como sexto tema, ressalta-se o tipo de abordagem adotado na investigação, valendo exemplificar este tema, com referências às posições assumidas, por exemplo, por Kant, por Bérgson, por James, por Popper etc.

Assim, com as luzes das ponderações acima, para uma melhor configuração da essência da participação, mister aprofundarmos na lição exposta por Bobbio , que coloca um ponto de partida para a delimitação final do instituto:

“ Parto de uma constatação sobre a qual podemos estar todos de acordo: a exigência, tão freqüente nos últimos anos, de maior democracia exprime-se como exigência de que a democracia representativa seja ladeada ou mesmo substituída pela democracia direta. Tal exigência não é nova: já a havia feito, como se sabe, o pai da democracia moderna, Jean Jacques Rosseau, quando afirmou que “ a soberania não pode ser representada” e, portanto, o “povo inglês acredita ser livre, mas se engana redondamente; só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez eleitos estes, ele volta a ser escravo, não é mais nada”. 

E socorrendo-se uma vez mais de Sartori , podemos colacionar que: 

“o status de teoria e novidade derivam, por conseguinte, da centralidade que ao conceito de participação e, assim, à participação entendida de acordo com um sentimento forte e não diluído da palavra. Concordo outra vez. Própria e significativamente entendida, a participação é um tomar parte pessoalmente, e um tomar parte desejado, auto-ativado.  Ou seja, participação não é um simples “fazer parte de” (um simples envolvimento em alguma ocorrência), e menos ainda um “tornado parte de” involuntário. Participação é movimento próprio e, assim, o exato inverso de ser posto em movimento (por outra vontade), isto é, o oposto de mobilização. Que isso seja o que o participativista queira dizer é salientado pelo fato de que todas as virtudes que atribui à participação – autocontrole, auto-realização e auto-instrução – dizem respeito ao sentido da palavra e não a seu sentido diluído”.

Com estas lições, pensamos que a essência da participação está demonstrada, não sendo despiciendo colacionar o significado que o vocábulo “participação” encontra no vernáculo pátrio : s.f. Ato ou efeito de participar; e para o verbete “participar”, encontramos o seguinte: v. tr. dir. e tr. dr. e ind. Fazer saber; anunciar; comunicar; ter ou tomar parte (em alguma coisa); associar-se pelo pensamento ou pelo sentimento. 

Salta deste significado que a interpretação do significante “participação” corresponde a tomar parte de algum processo. Claro fica também que a significação técnica que se pretende atingir dependerá, como o verbo “participar”, oriundo do substantivo feminino “participação”, é transitivo, do complemento verbal que se apor ao verbete participação.  E nesta linha, o refinamento se faz no sentido de apontar qual o processo em que se dará a participação.  E outra não pode ser a resposta, em nosso trabalho, a não ser o processo de decisão política. 

Trilhando esta linha e buscando uma vez mais a significação dos vocábulos dentro do vernáculo, agora para o verbete “decisão” , encontramos: s.f. Ato de  decidir; sentença; resolução; coragem; firmeza.  E para término, colacionamos o significado de “política”: s.f. Ciência do governo dos povos; arte de governar um Estado e regular suas relações com outros; princípios políticos. 

Tem-se destarte o formato do conceito a que se deseja chegar. A participação na tomada da decisão política deve obrigatoriamente corresponder a “tomar parte” no “ato de decidir” em relação à “arte de governar um Estado “. 

Não há como negar que maior será o poder da comunidade se organizada em entidades, que devem atuar próximo ao setor público, acompanhando ações de governo, visando a maior eficiência e transparência, contribuindo para que sejam elevados os padrões de organização e de melhoria de desempenho da gestão pública, propondo, inclusive, formas mais eficazes de intervenção governamental e o consequente aprimoramento das suas práticas. 

Neste feixe, ainda podem as entidades da sociedade civil organizada fiscalizar e avaliar o comportamento e a atuação dos poderes, cobrando das autoridades públicas eficiência, lógica, ética e transparência, sobretudo no que diz respeito à integridade, à moralidade, à clareza de posições e ao decoro, promovendo divulgação da atuação e do processo legislativo, de projetos de alteração da lei, suas emendas, andamento, encaminhamento para votação e seus resultados, emitindo opiniões, pareceres e sugestões sobre questões conjunturais, contribuindo com propostas de políticas efetivas para o setor público.

Ainda no importante campo da formação da opinião pública, a sociedade civil, através de suas entidades, pode e deve prospectar e analisar vocações e tendências, promover seminários, debates, simpósios e cursos sobre assuntos econômicos, políticos, culturais e de cidadania. Formular estudos, pesquisas e levantamentos quantitativos e qualitativos, destinados à apuração estatística sobre nível e padrão de vida e emprego, ou relacionados a questões específicas, gerando base de dados, administrando acervos de documentos e registros, promovendo a divulgação, difusão e publicação de conhecimentos técnicos desenvolvidos e acumulados.

Não se pode esquecer, relembrando a lição de Tocqueville , onde muito bem exprime a base do sentimento comunitário que envolve o povo norte-americano, que a opinião pública deve fomentar projetos e atividades que digam respeito à capacitação, formação e qualificação profissional, a cidadania, o combate ao preconceito e direitos humanos, como maneiras efetivas de se melhorar as condições e a qualidade de vida do indivíduo e da população e de promover o desenvolvimento.

E mais, sem querer espaçar o rol de oportunidade que a sociedade civil organizada pode participar, sobretudo porque não atrelada aos formalismos de contratação do setor público, pode celebrar e manter acordos, convênios, intercâmbios e parcerias com organizações e instituições públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais.

Assim, como resposta à procura da definição técnico-jurídica do termo participação, temos que este é instituto do ramo do Direito Público, abarcado pelo Direito Constitucional, que estuda o instrumental jurídico apto para satisfazer e garantir a necessidade, e direito, da comunidade tomar parte e concorrer para a ampliação da capacidade de proposição e ingerência nas instituições do poder constituído, através de seu potencial humano e recursos operacionais, materializando-os na apresentação de alternativas e soluções de problemas através da formatação da opinião pública. 


A EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NO ESTADO MODERNO

Com vistas no método empregado para a perquirição da definição do termo “participação”, relembrando o roteiro exposto por Penna , foi vencido o primeiro e segundo momento do processo do conhecimento, ou seja, à detecção da essência do objeto de estudo e à questão de seu valor. 

Mister agora apontar a evolução do instituto estudado. Assim, faremos uma digressão à evolução do próprio Estado, tentando pontuar os momentos de participação na decisão política. 

1.    A Participação no Estado Liberal de Direito.

Após o reinado absoluto e inconteste do monarca, instauraram-se nas sociedades modernas, através de uma intensa participação do povo nos movimentos revolucionários , o que se convencionou chamar de Estado Liberal de Direito. Nesta época, sobressaiu-se o princípio basilar do constitucionalismo, já que este, até os dias de hoje, é garantia da liberdade dos homens, impondo severas limitações aos governantes. 

Claramente, nestes tempos, através da participação política e da construção da opinião pública, substitui-se a idéia dominante do “the king can do no wrong” (o rei não pode errar) , pela prioridade das liberdades individuais dos concidadãos. Assim, institui-se que o poder é limitado por um outro poder. Em última análise, portanto, entendeu-se que o poder deve ser exercido em nome da lei e apenas quando decorrente desta. É exatamente esta a idéia passada na Constituição Francesa de 1791.    

E não somente nas lições da Revolução Francesa se encontram os pilares do Estado Liberal de Direito, sendo necessário citar “Os Artigos Federalistas” , de onde extrai-se o seguinte trecho: 

“Pode-se sem dúvida perguntar se estas cláusulas têm ou não o mesmo valor das que se encontram na constituição deste Estado. O estabelecimento do mandado de habeas corpus, a proibição de leis ex post facto e de títulos de nobreza, para os quais não há dispositivos correspondentes em nossa constituição, talvez sejam garantias mais efetivas para a liberdade e o republicanismo que qualquer um dos nela contidos.”                      

 Assim, os Estados Modernos, cada um a seu modo, desenvolveram o Direito Constitucional com suas próprias experiências políticas-jurídicas. Do direito inglês recebeu-se a clássica concepção da necessidade da separação dos poderes estatais . Ainda da Inglaterra, recebemos a ideia da impossibilidade do livre arbítrio do poder público, do qual deriva diretamente o princípio da legalidade, ou seja, da supremacia da lei sobre tudo e todos. 

Importante anotar que a natureza da participação do povo, desenvolvida nesta época, lugar primeiro na submissão do monarca ao primado da lei, dando início à abertura da participação do indivíduo na condução dos destinos da nação, se fez, no mais das vezes, pela via de revolução, o que não é de se estranhar, face a velada orientação dos doutrinadores da época. Confira-se a lição de Hobbes : 

“Por defeito de raciocínio (quer dizer, por erro), os homens são capazes de violar as leis de três maneiras. Em primeiro lugar por presunção de falsos princípios.  Por exemplo, quando depois de observar que em todos os lugares e em todas as épocas foram autorizadas ações injustas, pela força e as vitórias dos que as cometeram; e também que quando os poderosos conseguem manejar as sutilezas das leis de seu país são só os mais fracos, ou os que falharam em seus empreendimentos, que são considerados criminosos; observado isso, forem aceitos, nenhum ato poderá ser por si mesmo um crime, mas terá passam a basear  seu raciocínio nos seguintes princípios e fundamentos: que a justiça não passa de uma palavra vã, que tudo o que um homem consiga adquirir por sua indústria  ou pela sorte lhe pertence; que a prática de todas as nações não pode se injusta; que os exemplos de épocas anteriores são bons argumentos a favor de voltar a fazer o mesmo; e muitos outros da mesma espécie. Se tais princípios que ser tornado tal, não pela lei, mas pelo sucesso de quem o comete.”

O povo não tinha à sua disposição um instrumental jurídico para arrostar o monarca e exigir o respeito à sua participação na condução dos destinos da sociedade, motivo pelo que se observou, assim, na esteira da lição de Robbes acima exposta, a participação popular revolucionária.    

2. A Participação no Estado Social de Direito

Passada a euforia do aparecimento do Estado Liberal, reações começaram a ecoar por toda a Europa contra o liberalismo. A ausência do Estado gerou na economia grandes monopólios que esmagavam a pequena iniciativa. 

A despeito das preocupações liberais com a liberdade e a igualdade dos homens, a nova classe que surge nesta época, o proletariado, traz consigo também profundas desigualdades, além da miséria e dos grandes surtos epidêmicos. A renúncia do Estado, antes de ajudar, só prejudicava. 

 Este cenário propicia a retomada da participação popular  de cunho revolucionário, agora em favor do discurso Social. Importante para a detecção da natureza deste novo discurso, a lição de Spindel , na tentativa de expor o sentido de Socialismo, termo que hoje em dia, não constitui tarefa das mais simples.

 Na lição de Spindel, essa dificuldade pode ser creditada à utilização ampla e diversificada deste termo, que acabou por gerar um terreno bastante propício a confusões, apontando que: 

 “Constantemente encontramos afirmações de que os comunistas lutam pelo socialismo, assim como também o fazem os anarquistas, os anarco-sindicalistas, os sociais-democratas e até mesmo os próprios socialistas. A leitura de jornais vai nos informar que os governos Cubano, Chinês, Vietnamita, Alemão, Austríaco, Inglês, Francês, Sueco entre outros, proclamam-se socialistas. Caberia então perguntar o que é que vem a ser este conceito, tão vasto, que consegue englobar coisas tão dispares. A História das Idéias Socialistas possui alguns cortes de importância. O primeiro deles é entre os socialistas Utópicos e os socialistas Científicos, marcado pela introdução das idéias de Marx e Engels no universo das propostas de construção da nova sociedade. O avanço das idéias marxistas consegue dar maior homogenidade ao movimento socialista internacional.  Pela primeira vez, trabalhadores de países diferentes, quando pensavam em socialismo, estavam pensando numa mesma sociedade - aquela preconizada por Marx - e numa mesma maneira de chegar ao poder. “

Neste ambiente, podemos pontuar o surgimento do proletariado, o que acarretou em novas ideologias voltadas para a redenção da classe, como o anarquismo e o socialismo. Os socialistas desenvolveram várias teorias sobre como chegar ao poder através da participação em movimentos populares, realçando o embate de duas novas classes - a burguesia, dona dos meios de produção e capital e o proletariado, responsável pelo funcionamento das máquinas, donos de sua força de trabalho, o que, ao contrário das outras classes marginalizadas ao longo da história, garantiu a este proletariado o poder de parar a produção, ao cruzar os braços, em greve. Foram dois teóricos alemães, Karl Marx e Friedrich Engels , que formularam uma proposta mais acabada de socialismo, no fim do século XIX. 

Para Marx, o proletariado aparecia como a única classe social capaz de destruir de uma vez por todas a exploração do homem pelo homem, ao destruir o capitalismo, chegando ao poder pelo caminho da revolução. No poder, os trabalhadores se encarregariam de eliminar as diferenças sociais, o que assinalaria a passagem do socialismo ao comunismo. 

Na outra ponta do fenômeno da participação, alinharam-se países que aderiram a um regime mais liberal, arrimado no regime democrático. Após a segunda guerra mundial, desenvolvem, propriamente dito, a teoria que culminou no chamado Estado Social de Direito. Nesta forma de pensamento, cabe ao Estado a eterna busca da igualdade entre os homens. Assim, sua mais importante missão é o estabelecimento de meios para que tal objetivo fosse finalmente atingido, sendo digno de referência o trabalho de Léon Duguit:   . 

“ São assim qualificadas todas as doutrinas que partem da sociedade para chegar ao indivíduo, do direito objetivo para o direito subjetivo, da norma para o direito individual. E, ainda, todas as doutrinas que consideram a validade da norma que se impõe ao homem enquanto ser social, derivando os seus direitos subjetivos das suas obrigações sociais. Enfim, todas as doutrinas que concebem o homem como um ser social exatamente por estar submetido a uma regra social que lhe impõe obrigações com relação aos outros homens e cujos direitos derivam das mesmas obrigações, isto é, dos poderes que possui para realizar livre e plenamente seus deveres sociais.”(1996:19).

Importante se faz ressaltar que, deste modo, não há mais espaço privado totalmente protegido das ingerências estatais. Incumbe-se o Estado de regulamentar absolutamente todas as relações sociais, não havendo mais espaço para o individualismo, que reinava absoluto no Estado Liberal de Direito. 

Aqui claramente começou a se formar uma proeminência do Poder Executivo sobre os demais poderes e um processo de afastamento do povo do centro de decisões.  Isto se deu em conseqüência das inúmeras atividades que o Estado reservou para si, o que inclusive foi alvo de inúmeras críticas por parte de alguns pensadores da época.

3. A Participação no Estado Democrático de Direito.

Em consequência do negativismo produzido pelo Estado que vivia sob um intenso positivismo formalista, os indivíduos buscaram uma nova forma de se conquistar a tão almejada justiça social. Entre elas, os cientistas do direito passaram a mencionar expressamente o que se convencionou chamar de participação popular. 

A partir daí, se verifica que  o povo reunido deve participar de modo firme e efetivo no processo político, nas decisões de Estado e no controle dos atos da Administração Pública.

As reivindicações em torno da volta do ideário da justiça cresceram, já que a opinião pública não poderia mais aceitar que os conteúdos normativos estivessem longe da promoção da justiça, preocupação esta que sacudiu a comunidade jurídica, dando-se vulto à participação e à missão do jurista, como salientado por Cláudio Lembo : 

“É claro que a democracia, na constante mutabilidade social que possibilita, permite a prevalência de seus valores básicos. É preciso apenas que a sociedade, por si e por seus agentes, atue constantemente, sem esmorecimento, na salvaguarda da essência da própria democracia. Essa tarefa exige extenuante análise da sociedade e de suas instituições. Tudo que estiver equivocado necessita ser realinhado.” 

Foi assim na Constituição que a participação popular consagrou a busca pelo bem estar social. As sociedades reconheceram que a Lei Fundamental não é apenas mais uma dos ordenamentos a mercê dos cidadãos, ainda que o maior. 

A Magna Carta de um povo deve prezar como seu mais elevado bem jurídico a defesa das liberdades e da dignidade humana. É preciso falar ainda que, a partir do Estado Democrático de Direito, o próprio homem passa a ser encarado como parte de uma comunidade, que interage com esta de inúmeras formas.       

É forçoso reconhecer que num país onde a sociedade civil nunca se organizou efetivamente, a ação afirmativa do regime democrático não será possível ou será em muito minimizada.  As demandas da sociedade têm que reverberar no Estado, assim como a ação do mesmo deve ser feita sem distorções no sentido de responder aos anseios democráticos do povo. A cristalização das instituições democráticas e seu amadurecimento só se farão quando a sociedade civil e o Estado caminharem “pari passo” e quando a participação popular se fizer ação afirmativa da própria democracia.

Destarte, a participação na democracia passou a possibilitar um alto nível de engajamento e participação cívica – eliminando os resultados negativos do controle social, que surgem onde os níveis de participação são baixos ou quase inexistentes. Para garantirem uma participação saudável, os sistemas cívicos precisam aderir ao valor básico da transparência e do acesso significativo e apropriado. 

A democracia é o modelo que melhor aponta para a teoria da participação, integrando os determinantes sociais, ambientais e econômicos. Esse equilíbrio só pode ser estabelecido através da participação de todos os setores implicados. Diferentes mecanismos de engajamento dos cidadãos devem ser implementados com o fim de garantir a concretização dessa participação, sendo que a palavra cidadão deve ser entendida no seu sentido mais amplo, incluindo não só indivíduos, mas também os grupos, as associações e organizações que representam os interesses comuns.

Neste regime é possível descrever as relações existentes entre quem vive na sociedade e quem a governa. Elas incluem: 

  • •    Engajamento cidadão
  • •    Democracia cívica
  • •    Participação pública
  • •    Engajamento cívico
  • •    Democracia local
  • •    Participação comunitária
  • •    Organização de moradores, de bairros etc. 
  • •    Sociedade civil

Este pois o atual estágio do instituto da participação, que a sociedade civil, através da formatação da opinião popular e das entidades constituídas, lutam por aprimorar, agora já não mais pela via revolucionária, mas sim pelo primado da lei e da justiça. 


PARTICIPAÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO

1.  Titularidade do Poder na Atual Constituição. 

  Tal é a importância da participação no Estado Democrático de Direito, que inúmeros países fizeram constar esta posição em suas Constituições, entre eles o Brasil, em nossa lei maior promulgada em 1988. Chega-se a esta conclusão pela simples observância do artigo 1º de nossa Constituição, que expressamente tabula como fundamentos de nosso Estado a cidadania, que em conjunto com a livre iniciativa e o pluralismo político, aponta elevado grau de possibilidade de participação da comunidade  nos destinos da nação, senão vejamos: 

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em “Estado Democrático de Direito” e tem como fundamentos:

I   a soberania;

II   a cidadania;

III   a dignidade da pessoa humana;

IV   os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V   o pluralismo político

O preâmbulo de nossa Constituição é também claro, ao se referir que estamos em um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias(...)”

Esta enorme preocupação com tais princípios faz com que o Estado não mais esteja apenas compromissado com a lei, mas com todos esses fundamentos basilares consagrados. Qualquer lei ou norma que eventualmente diga contra qualquer um destes valores, por exemplo, será automaticamente inconstitucional. 

E a participação não é favor do governante escolhido, sendo espancada qualquer dúvida pelo parágrafo primeiro do artigo que inaugura a Constituição, atribuindo que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, por representantes ou diretamente.                 

Assim, o atual Estado brasileiro não se trata de uma plutocracia, posto que o poder político não esta obrigatoriamente situado no poder da riqueza, ou preponderantemente na classe dos mais abastados, não sendo deste único grupo que o poder emana.

Também não é o Estado brasileiro uma teocracia, visto que a classe sacerdotal brasileira não administra o poder, aliás não sendo despiciendo lembrar que pela nova constituição, a religião católica não é mais a religião oficial do pais, como ainda ditam alguns, pois cuidou nossa magna lei de assegurar a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o libre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias .  

Por final, não existe entre nós a prática da aristocracia, sistema político em que o governo é exercido por pessoas da nobreza ou classe social superior . 

É sem sombra de dúvida o Brasil um Estado Democrático de Direito, como assentado no artigo inaugural da Constituição. 

2.    Direito de expressão e formação da opinião pública

Importante notar que nesta linha, a comunicação, para a participação democrática, deve ser utilizada como ferramenta fundamental para o trabalho e a articulação entre entidades do movimento social e a sociedade. É com esta perspectiva que o direito à informação ganha, no Estado Democrático, maior vulto, pois sem esta base, não poderá haver formatação da opinião pública, instrumental primeiro para a participação.  

Nossa constituição não descurou do direito de informação e liberdade de expressão, quando em seu artigo 5º, IX, disciplinou que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Na mesma senda, o texto constitucional, em seu artigo 220, dispõe que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veiculo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição."; e arremata com seus parágrafos que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço para a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no Art. 5º IV, V, X, XII e XIV", e  que “ é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. 

Assim, a liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, deve ser reconhecida como essencial para a efetivação de uma sociedade democrática e participativa, sendo um direito fundamental e intransferível, inerente a todas as pessoas. 

Não há como não reconhecer que a todos os membros da comunidade seja lícito buscar, receber e difundir informações e opiniões livremente, sob pena de vulneração do princípio de que toda pessoa tem direito a oportunidades iguais, sem qualquer tipo de discriminação por raça, cor, religião, sexo, opiniões políticas, origem social, posição econômica  etc. 

Dentro ainda desta matiz do direito à informação, não se pode olvidar que toda pessoa tem direito a ter acesso, de forma rápida e atualizada, às informações a seu respeito, contidas em bancos de dados, registros públicos ou privados, e de atualizá-las ou modificá-las caso seja necessário, nos moldes do garantido pelo direito de Habeas Data reconhecido em nossa constituição no pétreo artigo 5º, LXXII ,  

O acesso às informações em poder do Estado é um direito fundamental dos indivíduos. Os Estados são obrigados a garantir o exercício desse direito e eventuais limitações devem ser estabelecidas previamente por leis. 

Entre nós, nossa constituição cuidou de, além de prever o instituto do Habeas Data, de garantir sua efetividade pela via do estatuído no artigo 5º, LXXVII, in verbis: 

“São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos  necessários ao exercício da cidadania.”  

 3. Direito de Associação 

Como corolário da participação, também nossa constituição cuidou de garantir o livre direito de ir e vir , outorgando expressamente à comunidade o direito de reunião em locais públicos .

Porém acreditamos que somente estes direitos não seriam suficientes para a garantia da participação, se não houvesse o constituinte garantido a plena liberdade de associação e a criação de cooperativas e associações independentemente de autorização, nos temos do já citado artigo 5º, XVII e XVIII da C.F., in literris: 

“ XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento” 

Sem possibilidade de associação, os benefícios disponíveis para um indivíduo, através de qualquer instituição social não poderiam ser realizados. O homem tem o direito de não ser excluído de participar dessas instituições, pugnando pelo aperfeiçoamento e satisfação das necessidades da pessoa humana. 

Este princípio se aplica de um modo especial às condições associadas ao trabalho. Importante o ensinamento de Siqueira Neto , quando discorre sobre a liberdade sindical, onde preleciona que “ conforme sensível constatação, a liberdade sindical se concilia com a tradição dos direitos fundamentais dos homens. A liberdade sindical, é, na verdade, um dos direitos fundamentais do homem, integrante dos direitos sociais, componente essencial das sociedades democrático-pluralista.”

Entendemos que é no Trabalho que o homem encontra o modo de viver e é uma forma de participação contínua no aprimoramento da sociedade. Se a dignidade do trabalho é protegida e os direitos básicos dos trabalhadores são respeitados e fiscalizados através de uma pronta participação da comunidade, mais próximos estaremos da efetividade do bem comum. 

4. Direito de Greve

Neste ponto também devemos colacionar que nosso legislador constituinte garantiu um grande poder de pressão para o trabalhador, adquirindo vulto as associações de classe e sindicatos, no tocando ao direito de greve. 

A Constituição Federal, em seu artigo 9º assegura o direito de greve a todo trabalhador , competindo-lhe a oportunidade de exercê-lo sobre os interesses que devam por meio dele defender. 

Considera-se legítimo o exercício de greve, com a suspensão coletiva temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços, quando o empregador, ou a entidade patronal correspondente, tiverem sido anteriormente avisadas, com lapso temporal de setenta e duas horas nas atividades essenciais e quarenta e oito horas para as demais, sendo assegurado ao grevistas: 

 - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem a greve;

- a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

Outrossim, apesar de parecer irrestrito o direito de greve, este sofre alguns óbices, sendo que os meios adotados por empregados e empregadores, em nenhuma hipótese, poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais, não podendo a manifestação e atos de persuasão utilizados pelos grevistas impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. 

Fica também vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout). É assegurado, neste caso, aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação. 

Não há dúvida pois que o Direito de Greve é uma ferramenta de grande impacto social, muito utilizada pelas entidades de classe e sindicatos.

Sua evolução está atrelada com a Revolução Industrial surgida do liberalismo econômico. Historicamente, a paralisação de atividades ou serviços é um dos recursos mais eficazes, à disposição dos trabalhadores ou do povo em geral, como meio de pressão para se obter determinada reivindicação.

Sendo assim, ela se desencadeia e se desenvolve sob a égide do poder de representação quase sempre através dos sindicatos, pois é um instrumento dos trabalhadores coletivamente organizados para a realização de melhores condições de trabalho.

A força da greve é inegável. No Brasil, em menos de cem anos a greve que era considerada crime, converteu-se em direito esculpido na Lei Fundamental.

Os regimes totalitários proíbem as greves, pois não admitem este tipo de participação oposicionista. Todo o direito provém do Estado. Os opositores são considerados traidores.  Já as democracias liberais consideram a greve um direito e inclusive a constitucionalizaram. 

Entre nós, no século passado, em 1858, os tipógrafos do Rio de Janeiro entraram em greve, por motivo de melhoria salarial. A partir daí, surgiram outras greves como: a dos ferroviários da Central do Brasil em 1891 e a greve dos Colonifícios Crespi de São Paulo que abrange várias cidades do interior do Estado, envolvendo cerca de 75.000 operários. 

Na época as greves representavam uma ameaça aos governos totalitários que insistiam em exercer seu poder através de sanções. Porém, a partir de 1900, quando o sistema político caracterizou-se pela idéia liberal que defendia a confiança no indivíduo e não no Estado, a greve exerceu-se com uma liberdade dos trabalhadores, sem leis que a restringissem ou a disciplinassem.

Em 1937, com a implantação do Estado Novo, a greve voltou a ser encarada como um delito e considerada como um recurso anti-social e prejudicial à economia.

Na década de 80, os movimentos sindicalistas recrudesceram, com a chamada abertura política e recomeçaram as paralisações com destaque para o chamado centro industrial paulista. Os metalúrgicos paralisaram o trabalho durante 30 dias. Seguiram-se muitos conflitos de caráter violento, manifestações de rua e confrontos com tropas policiais. Esse período foi um marco para as conquistas trabalhistas. A forte influência sindical dos anos 80, culminou inclusive, na criação de um partido político que mais tarde se tornaria um dos mais importantes partidos, o atual  partido dos trabalhadores (PT).

Sob o ponto de vista Constitucional, nossas Cartas Políticas de 1824, 1891 e 1934 se omitiram acerca do direito de greve; a Constituição de 1937, porém declarou a greve e o “locaute” como recursos anti-sociais.

A Constituição de 1946 reconheceu como direito dos trabalhadores, mas com amplas restrições aos chamados serviços essenciais e industriais básicos.

As Constituições de 1967 e 1969 reproduziram tais restrições, especificadas na legislação ordinária.

A atual Constituição assegurou amplo exercício do direito de greve, estabelecendo que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, sendo que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei, como já sobredito. 

Tem-se assim, por final, que a greve não é um simples direito fundamental dos trabalhadores, mas um direito fundamental de natureza instrumental e desse modo se insere no conceito de garantia constitucional. A greve é um recurso legítimo a que se pode recorrer, sempre que houver impasse nas negociações coletivas. Porém, mesmo que legal, não poderá ser indefinida, mas temporária, posto que não é um fim em si mesma, mas uma forma de pressão.

5. Justicialização do Processo Político e Ação Popular

Compreendida como um instrumento posto a serviço de cada membro da coletividade no sentido do controle e da revisão da legitimidade dos atos administrativos, a ação popular foi introduzida em nosso ordenamento jurídico através do inciso 38 do art. 113 da Constituição Federal de 1934, o qual assim dispunha,verbis:

"Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios".

Consagrou-se o instituto dentre os direitos públicos subjetivos do indivíduo, dando eficaz instrumento para a participação popular no rumo do Estado, podendo o cidadão,  com este instrumental jurídico, além do poder de escolher seus governantes, fiscalizar-lhes os atos.

Com o advento do regime do Estado Novo, terminou a ação popular suprimida da Carta de 1937, sendo posteriormente introduzida na Carta de 1946 (Art. 141, §38) - passando também a abranger a administração indireta (autarquia e sociedade de economia mista ) - e mantida na Constituição Federal de 1967 (art. 150, §31), a qual empobreceu o seu espectro subjetivo, no uso da rubrica "entidades públicas".

A Lei nº 4.717, de 20 de junho de 1965, veio regular o procedimento da ação, e finalmente a Constituição de 1988 emprestou maior abrangência ao seu objeto e alcance, como se vê no art. 5º, LXXIII: 

"Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio-ambiente, e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência."

Encarregou-se a vigente Constituição em dilatar o campo de atuação da ação popular, de modo a contemplar a proteção da moralidade administrativa, bem como a guarida dos interesses difusos, não sendo despiciendo dizer que Alexandre de Moraes  apresenta a definição deste instituto citando Hely Lopes Meirelles, colacionando que a Ação Popular “é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos - ou a estes equiparados - ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos." 

Importante ainda apontar que se encontra superada a discussão sobre poder ou não o Ministério Público ajuizar ação popular. A doutrina era unânime em dizer que não, salvo na hipótese de o membro da Instituição propô-la na qualidade de cidadão comum, sem estar investido em suas funções institucionais. 

Hoje em dia, essa questão tem apenas valor histórico. É certo que o Ministério Público não é ente legitimado à propositura de ação popular; para chegar a esta conclusão basta a simples leitura do inciso LXXIII do art. 5º da Constituição da República e do art. 1º da Lei nº 4.717/65. Entretanto, poderá o Parquet propor ação civil pública com o mesmo objeto da ação popular. Isso se dá por expressa autorização legal, consubstanciada no artigo 25, inciso IV, alínea "b" da Lei nº 8.625/93, verbis:

"Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem."

Por final e por todo o que foi exposto é forçoso reconhecer que a ação popular é um grande instrumento de participação da comunidade nos destinos do Estado, sendo que a sua utilização provoca, sem sombra de dúvida a judicialização do processo político, dando azo para a participação judicial na decisão estatal. 


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