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Protocolo de Las Leñas: as cartas rogatórias no Mercosul à luz da jurisprudência do STF

Protocolo de Las Leñas: as cartas rogatórias no Mercosul à luz da jurisprudência do STF

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O Protocolo de Las Leñas trouxe novidades acerca das cartas rogatórias e da homologação das sentenças e laudos arbitrais no âmbito do Mercosul. Será que o direito processual brasileiro incorporou essas mudanças? Qual o posicionamento do STF?

I.Introdução

Somos um Estado Democrático de Direito. Poderíamos acrescentar, sem prejuízo ao sentido original do texto, que somos especificamente um Estado Democrático de Direito Interno. Ainda que tenhamos conseguido avançar em algumas matérias controvérsias entre o direito nacional e o direito internacional, o certo é que mantemos um sistema rígido de comunicação com as normas jurídicas de estados estrangeiros. Em caso de dúvida, prevalece a norma ou interpretação constitucional. Se surgir controvérsias, o Supremo Tribunal Federal faz valer a norma interna sobre a alienígena. “A Constituição Brasileira, no tocante às normas de alcance internacional, podemos dizer é bastante falha e quase sempre não se adapta às exigências das relações internacionais atuais. Nesta matéria a nossa Carta magna é tradicional e sem inovações[1]”.


II.A Constituição Brasileira e o Direito da Integração

Como já tivemos de notar, a nossa Constituição Federal ainda preserva uma soberania absoluta[2], que restringe a incidência de normas estrangeiras em nosso ordenamento jurídico pátrio, impondo sobre as mesmas um processo de integralização (“intranacionalização”) ao ordenamento jurídico nacional. Enquanto na Europa, por exemplo, já notamos o fenômeno da soberania partilhada e até de uma possível “constituição” partilhada[3]. Nosso País leva ao extremo o conceito tradicional de soberania.

A Constituição, norma fundamental do Estado, apresenta deficiente regulação do direito internacional, dificultando ao máximo a interferência de normas estrangeiras em nosso direito. A Emenda Constitucional nº 45/2004, apesar de não preencher os espaços, trouxe alguma novidade de relevo. Um novo parágrafo (4º)[4] foi inserido ao artigo 5º da Constituição. De relevância também a previsão do § 3º do mesmo artigo, quando se equipara os tratados sobre direitos humanos às emendas constitucionais. Mas não significa que tal fato se dará em todos os casos. Somente quando o tratado for incorporado ao direito nacional pelo iter das propostas de emendas constitucionais. Assim, o tratado precisará ter sido apresentado ao Congresso Nacional como PEC. Nada impede que apenas seja aplicado o processo legislativo das leis ordinárias. E antes mesmo da EC 45, não era proibido apresentar um tratado internacional ao Congresso por meio de PEC.

Talvez a grande novidade fosse a nossa Constituição, a exemplo da Constituição portuguesa[5], reconhecer de pronto a constitucionalização dos tratados internacionais sobre direitos humanos que o Brasil tenha ratificado, independentemente de processo de recepção.

Seria o Mercosul uma oportunidade para essa quebra de paradigma. Mas os membros ainda preservam um conceito rígido de soberania, dificultando e retardando o processo de integração sulamericano. Apenas timidamente o previsto no art. 1º do Tratado de Assunção[6] tem sido concretizado. A harmonização legislativa e jurisdicional ainda não é uma realidade, mesmo com os acordos de cooperação e assistência que o Brasil tem assinado.

Se referente a normas de direitos humanos o direito pátrio já dificulta sua aplicação em nosso território, maior dificuldade se manifesta com tratados sobre assuntos que não seja direitos humanos. Data venia, esse rigorismo e “bloqueio político” aos tratados internacionais não se coaduna com o “Estado de Direito” que pretendemos ser. Somos, isso sim, um Estado Constitucional. Mas não significa que sejamos democrático e justo. Significa que a ordem nacional se baseia numa constituição. O que o texto constitucional disser deverá ser obedecido pelo mais simples ato realizado sob o controle da “sagrada” constituição.

Muitas são as vozes que proclamam a constituição como indicativo de estado democrático e justo. A nosso ver, é a recepção automática das normas internacionais sobre direitos humanos que caracteriza o estado democrático e justo, como componente de uma ordem maior, porque mais ampla, de direito, a comunidade internacional. Mas antes de o Brasil chegar ao globalismo jurídico (num estágio de direito constitucional internacional), deverá, antes, solidificar o processo de integração no âmbito do Mercosul e, quem sabe, com todas as nações americanas.

A constituição, juntamente com a jurisprudência constitucional, é o instrumento de implantação e consolidação do direito da integração, que é um desdobramento do direito internacional, formando um ramo autônomo, ainda que relacionados.

O Direito da Integração é um ramo novo do Direito, um desdobramento do Direito Internacional, regulador das organizações internacionais comunitárias, em princípio com órgãos supranacionais…O Direito da Integração se desenvolveu sobretudo com base na experiência europeia, ou seja, no fenômeno das Comunidades Europeias e o seu desembocar na União Europeia…entendemos que um ordenamento jurídico de integração é um ordenamento jurídico ímpar, bem distinto das organizações internacionais de tipo clássico.

As Américas ainda estão longe de concretizarem o direito da integração que Liquidato teorizou. E, consoante a mesma, não é ainda o momento oportuno. Assim declara a autora: “Entendemos que na atual conjuntura histórica do Cone Sul, é mais conveniente ao Mercosul explorar e fazer valer a cooperação já existente, do que a busca, neste momento de dificuldades econômicas crônicas sofridas pela Argentina, de uma integração[7].” Com todo respeito ao posicionamento da Professora, é exatamente nesses momentos de crise econômica e política que o direito ganha espaço para se consolidar. Parece-nos, passando vistas ao processo histórico, que o Estado se firma em duas colunas principais, a economia e a política, e o direito é o ponto de equilíbrio entre ambas, o termo que preza pela estabilidade. Quando uma das áreas está em crise, o direito compensa o desfalque. E quando estão ambas inabaláveis, o direito cuida de manter a situação, corrigindo desvios que poderiam ensejar um abalo.

Claro que nossa conclusão é bem simplória, mas serve para tentar mostrar que uma crise, econômica ou política, não afasta o direito, antes, reclama-o, possibilitando sua afirmação. Que as crises nas Américas sejam oportunidades para as nações do nosso continente buscarem a cooperação e integração. Que o Tratado de Assunção realize e amplie seus objetivos. E que o Protocolo de Las Leñas seja um instrumento eficaz de harmonização jurisdicional no âmbito do Mercosul, abrindo caminho ao processo de integração.


III.O Protocolo de Las Leñas e o processo de integração

Antes que tratemos de estudar o Protocolo de Las Leñas e, logo, a visão do STF sobre o mesmo, mister expor em poucas linhas a situação jurídica do Tratado de Assunção no direito brasileiro. Afinal, o Protocolo é parte deste Tratado. Conhecer este antes daquele pode gerar interpretações destoantes. Além disso, conhecer o processo de integração do direito na América do Sul ajuda a entender os dilemas entre o direito internacional e o direito nacional, no que tange ao direito processual.

No dia 26 de Março de 1991 foi assinado, no Paraguai, o Tratado de Assunção, que criou o Mercado Comum do Sul – Mercosul. Em 17 de Dezembro de 1994 foi assinado o Protocolo de Ouro Preto, marcando a passagem do Mercosul de uma zona de livre comércio para a união aduaneira. O processo de integração, entretanto, não avançou porque, ainda hoje, os signatários do Tratado de Assunção não criaram um órgão jurisdicional para a solução dos conflitos. O mais longe que se chegou foi com o Protocolo de Brasília, que regula o Tribunal Arbitral[8], além de outros protocolos de cooperação, como o de Las Leñas.

Se for a intenção do Mercosul criar um espaço comum de direito (direito da integração), precisará de um tribunal supranacional para assegurar a coerência e uniformidade do sistema jurídico mercossulista[9]. Até então, inexiste um órgão com poder sancionatório que obrigue os Estados a aplicarem as normas internacionais por eles criadas. Logo, por enquanto, não podemos afirmar que o Mercosul se insira no dito “direito comunitário”[10], que é um ramo novo e autônomo do direito internacional. Apenas aceitamos, e mesmo assim com ressalvas, as normas internacionais, prevalecendo, em caso de conflito, a ordem nacional.

Como vimos, o Mercado Comum do Sul não formou um direito comunitário (direito da integração) na América do Sul. Pode, a longo prazo, contribuir para tal fim. Podemos dizer, com muita fé, para não dizer utopia, que estamos no processo de integração, processo esse que está longe de se consolidar. Também faz parte desse processo de integração sulamericana a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, no chamado sistema regional americano de proteção de direitos fundamentais[11]. As Américas (em especial a América Latina) formam uma região marcada por desigualdades sociais, regimes ditatoriais e cultura de violência e impunidade. Ainda estamos na fase de consolidação dos regimes democráticos, o que justifica a incapacidade de muitos governos promoverem a paz, os direitos fundamentais e o desenvolvimento em seus territórios pátrios. Diante dessa inegável realidade, é de salutar importância o apoio dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, entendidos como direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Neste diapasão, a Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou, em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos, na ocasião de uma Conferência Intergovernamental realizada em São José, na Costa Rica. Além desse Pacto interamericano, outros instrumentos internacionais e protocolos intergovernamentais formam o sistema americano de proteção dos direitos humanos.

Esperamos mesmo que todos esses instrumentos sejam suficientes para garantir os direitos das pessoas (ius gentium), sem obstáculo por motivos de nacionalidade. Que o Brasil aprenda que o mundo de hoje constitui um espaço comum, pois que formado por seres humanos, igualmente dignos e irmãos da mesma família humana. Não é uma tarefa simples, pois as diferenças culturais, religiosas, políticas e jurídicas são grandes. Mas o cidadão “transmundial” reclama tratamento equânime em todas as nações.

As revoltas e manifestações recentemente em curso nos países de regimes autocráticos são um testemunho do anseio universal por democracia, liberdade e justiça. Cremos que depois, ou paralelo, ao reconhecimento dos tratados internacionais sobre direitos humanos como norma cogente (jus cogen), necessário será a harmonização jurisdicional entre as nações. Que o devido processo legal seja igualmente um direito universal e, por isso, garantido pelos instrumentos internacionais de proteção dos direitos fundamentais[12].

Como notou Calmon de Passos[13], o processo não é simples instrumento do direito material. É, na verdade, a integração do direito, para sua real existência. Antes de certificada a questão de mérito, o que existe é a lide, o conflito de interesses entre pretensão e resistência sobre um direito afirmado no processo. E se o direito é um dizer, somente depois de dito e certificado é que poderá ser satisfeito, leia-se, concretizado. Portanto, sem o processo justo, não haverá direito justo. Sem garantia processual, não haverá garantia material. Ainda que a teoria da ação como direito autônomo e abstrato apresente o direito material e o processual em campos diferentes, inegável reconhecer as interrelações necessárias entre ambos, sem com isso confundir a prestação da atividade jurisdicional com a tutela jurídica.

Neste aspecto, importante tratar o Protocolo de Las Leñas[14] como um passo rumo à harmonização jurisdicional no âmbito do Mercosul. O Protocolo de Cooperação e Assistência em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, assinado em 27 de Junho de 1992, faz parte do Tratado de Assunção, sendo, portanto, um instrumento de cooperação jurisdicional no âmbito do Mercado Comum do Sul. É um instrumento internacional na seara do direito processual, o que revela a crescente importância que vem sendo creditada, a nível transnacional, ao processo como garantia fundamental.

A União Europeia, causa primeira do direito da integração, ou comunitário, já há muito avançou na harmonização e cooperação jurisdicional[15]. Em nosso entender, o brilho do Tratado de Lisboa[16] não se deve unicamente às garantias “materiais”, mas também às garantias processuais. A caráter de exemplo, citemos a mais relevante novidade trazida ao direito comunitário europeu por este novo Tratado, que foi o nº 4 do art. 11º do TUE. Um milhão, pelo menos, de cidadãos da União, nacionais de um número significativo de Estados-Membros, pode tomar a iniciativa de convidar a Comissão Europeia a, no âmbito de suas atribuições, apresentar uma proposta adequada em matérias sobre as quais esses cidadãos considerem necessário um acto jurídico da União para aplicar os Tratados[17]. O art. 24º do TFUE prevê o procedimento para a efetivação desse direito, além de outras garantias “processuais”, como por exemplo, o direito de petição ao Parlamento Europeu, acesso ao Provedor de Justiça e o direito de se dirigir por escrito a qualquer das instituições, órgãos e organismos da União Europeia. Em suma, o vanguardista ordenamento jurídico comunitário europeu não se destaca apenas pelas previsões de “direitos materiais”. Em mesmo grau de importância estão as garantias processuais, meios necessários à efetivação dos direitos no espaço transnacional comunitário.

No âmbito do Mercosul, o Protocolo de Las Leñas representa um avanço, ainda que tímido, na concretização do previsto no art. 1º do Tratado de Assunção, a harmonização das legislações e cooperação jurisdicional para fortalecimento do processo de integração. Veremos em seguida os mecanismos que este diploma trouxe ao processo de integração jurisdicional aos países “mercossulistas”.


IV. Principais aspectos do Protocolo

O Brasil tem caminhado no sentido da harmonização legislativa e jurisdicional no âmbito internacional, apesar de se manter preso a algumas posições da clássica soberania absoluta. Como vimos, no Cone Sul, o Mercosul (ainda predominantemente um acordo de cooperação econômica) tem sido o caminho percorrido para a consecução desse propósito. E como parte desse instrumento, o Protocolo de Las Leñas trouxe mecanismos que buscam concretizar os fins da cooperação jurisdicional[18], quais sejam, a igualdade de tratamento processual, a eficácia extraterritorial das sentenças judicias e laudos arbitrais e a cooperação em atividades de simples trâmite e probatórias.

A.Igualdade de tratamento processual

Os artigos 3º e 4º do Protocolo preveem que os cidadãos dos países do Mercosul terão igual direito ao livre acesso à jurisdição, em qualquer Estado-Membro. Todos os cidadãos “mercossulistas” gozam, portanto, de igualdade de tratamento processual. Nas mesmas condições de um nacional, o estrangeiro de um país do Mercosul que resida em outro Estado-Parte exercerá seu direito de ação e gozará das mesmas garantias processuais.

Além disso, fica proibida a exigência de caução pelo fato de o cidadão ser ou morar no território de outro Estado-Membro, conforme previsão genérica do art. 835 do Código de Processo Civil e do art. 97, § 2º da Lei nº 11.101/2005.

… O Protocolo de Las Leñas, em seu art. 4º, estabelece que nenhuma caução ou depósito poderá ser imposto em razão da qualidade de cidadão ou residente permanente de outro Estado-Parte.

Portanto, com o advento do Protocolo, a regra geral do direito processual brasileiro, que impõe a necessidade de caução para os que têm domicílio fora do Brasil, não se aplica aos residentes permanentes dos países do Mercosul.

Dessa forma, os residentes permanentes dos Estados-Partes do Protocolo poderão ingressar com ações judiciais, inclusive requerer a falência de comerciante domiciliado ou com sede no Brasil, sem que seja necessário prestar caução (BARRETOS et al, p. 6).

Esse tratamento não tem a nacionalidade como base de consideração, mas a residência no Brasil e, agora, pela aplicação do Protocolo, em Estado-Membro do Mercosul. Por isso, o não residente no Mercosul, ainda que seja brasileiro, continuará sujeito à prestação da garantia de depósito. Afinal, as normas do Protocolo são aplicáveis apenas aos residentes permanentes dos Estados-Partes.

Como decorrência lógica da igualdade de tratamento processual, qualquer condição, em razão da matéria, exigida ao brasileiro, também será exigida do outro cidadão “mercossulista”, e vice-versa.

B.Cooperação em atividades de simples trâmite e probatórias

Neste propósito o Protocolo não apresentou muitas novidades, pois o CPC e a Convenção Interamericana de Cartas Rogatórias já tratavam da matéria. Consoante o art. 5º, constituem o objeto das cartas rogatórias: a) citações, intimações, citações com prazos, notificações e outras semelhantes; b) recebimento ou obtenção de provas. Atendidas as exigências de constituição regular da carta rogatória, esta somente poderá ser denegada quando a medida solicitada, por sua natureza, atentar contra os princípios de ordem pública do Estado requerido. Deve o Estado rogado comunicar, mediante a figura da Autoridade Central (art. 2º), as razões que impossibilitaram o cumprimento da carta rogatória (art. 14).

O cumprimento da carta será de ofício, e não pode ser cobrado qualquer tipo de reembolso, salvo quando o recolhimento de provas demandar gastos especiais ou quando for necessário o trabalho de peritos. Destarte, o objetivo do Protocolo é garantir a celeridade processual, a economia processual e a assistência mútua, pondo os Estados e cidadãos em nível de igualdade na resolução dos conflitos comuns.

Neste sentido, também, a superação da burocracia consular para o reconhecimento dos documentos oriundos de autoridades jurisdicionais dos Estados-Membros representou um avanço[19]. Diz-nos, in verbis, o art. 26: os documentos emanados de autoridades jurisdicionais ou outras autoridades de um dos Estados Partes, assim como as escrituras públicas e os documentos que certifiquem a validade, a data e a veracidade da assinatura ou a conformidade com o original, e que sejam tramitados por intermédio da Autoridade Central, ficam isentos de toda legalização, certificação ou formalidade análoga quando devam ser apresentados no território do outro Estado Parte. Esse recurso promove a mútua confiança e credibilidade, além de contribuir para a celeridade processual.

C.Reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais

A exigência constitucional de homologação[20] de sentença estrangeira envolve uma questão de soberania e competência internacional. Com efeito, a decisão prolatada fora do território nacional não tem, por si mesma, eficácia no Brasil (art. 483 do CPC), não significando, contudo, que o ato homologatório lhe atribua eficácia, mas apenas reconhece a eficácia já existente, porém agora estendendo-a (ou permitindo sua incidência) ao território nacional. Se não passar por um processo de recepção, ou “intranacionalização” simplesmente não existe para a ordem jurídica brasileira. O ato homologatório é de natureza declaratória e mandamental, não analisando o mérito da causa processada[21], mas apenas os requisitos formais exigidos pela lei nacional.

Onde quer que se haja reputado necessário o ato formal de reconhecimento (“cumpra-se”, exequatur ou homologação), sempre se absteve o direito brasileiro de subordiná-lo à verificação, pelo órgão nacional, da justiça ou da injustiça da decisão, da existência ou inexistência, nela, de error in iudicando. Restringe-se a prescrever o controle da observância de algumas formalidades, correspondentes ao mínimo de garantias que se entende compatível com a colaboração Brasil, e a isso acrescenta um sistema de limites, destinados a impedir que surtam efeitos em nosso território sentenças estrangeiras contrárias – segundo a fórmula consagrada – “à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes”. Só na aplicação desse sistema de limites, e unicamente para negar reconhecimento à sentença que ultrapasse a linha divisória, é que se autoriza o órgão brasileiro a perscrutar o conteúdo da decisão alienígena. No mais, o controle é meramente formal. Pode-se dizer, assim, que o país, na matéria, abraça em sua pureza o princípio da simples delibação[22].

AGRAVO REGIMENTAL. CARTA ROGATÓRIA. INTIMAÇÃO. EXERCÍCIO DE JUÍZO MERAMENTE DELIBERATÓRIO. ART. 9º DA RESOLUÇÃO Nº 9/2005 DESTE TRIBUBAL. MANIFESTAÇÃO ENDEREÇA À JUSTIÇA ROGANTE.

No cumprimento dos pedidos formulados nas cartas rogatórias, esta Corte limita-se a exercer juízo deliberatório, ou seja, verificar se estão observados os requisitos da Resolução nº 9/2005 deste Tribunal e se a diligência não ofende a soberania nacional nem a ordem pública.

A manifestação da parte versando sobre o mérito da ação, não obstante ser insuscetível de exame nesta carta rogatória, será encaminhada à análise da justiça rogante juntamente com a comissão.

Agravo regimental improvido[23].

Quanto às decisões arbitrais, o direito brasileiro também as reconhece eficácia, depois do processo de homologação brasileira (art. 35 da Lei nº 9.307, de 23.09.1996). Se o país de origem da decisão arbitral impõe, para gerar efeitos, a homologação judicial, a recepção no Brasil só se dará depois de preenchido esse requisito. Se o país não impor essa condição de eficácia, o processo de homologação nacional dispensará a homologação judicial da “sentença” arbitral no país alienígena.

O art. 105, I, alínea “i” da Constituição Federal atribui ao Superior Tribunal de Justiça[24] a competência para a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias. E o art. 109, X, atribui ao juiz federal a competência para executar a carta rogatória após o exequatur[25] e a sentença estrangeira homologada[26].

Depois de homologada, a sentença estrangeira gera, no Brasil, todos os efeitos reconhecidos, convertendo-se em título executivo. O art. 484 do Código de Processo Civil prescreve que a execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação, mediante requerimento do interessado ao Presidente do Tribunal ou ao Relator (arts. 2º, 9º, § 1º, 307, da Resolução nº 9). A carta será autenticada pelo Diretor-Geral da Secretaria e assinada pelo presidente ou relator (art. 308 do Regimento Interno do STJ). O interessado deverá apresentá-la ao juízo federal competente para a execução.

Antes do Protocolo, o direito brasileiro tinha uma forma única de tratar o reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros. Com a entrada em vigor do Protocolo, os países do Mercosul ganharam tratamento diferenciado. É o que se depreende de uma leitura rasteira do texto normativo. Resta saber a interpretação que a jurisprudência nacional deu ao Protocolo. Para entendermos, é força esclarecer, antes e em rápidas palavras, a disciplina das cartas rogatórias[27].

A carta rogatória é a forma admitida pelo direito brasileiro para citar, intimar as partes, colher provas e ouvir testemunhas, ou seja, para a realização de atos processuais de mera tramitação. É o que decorre do direito nacional e do direito internacional, em regra. Ou seja, não se admite caráter executório de carta rogatória. Neste sentido, também, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não admitindo o cumprimento no Brasil de carta rogatória com caráter executório.

O Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, em vigor no Brasil desde 1996, trouxe mudanças no tratamento das cartas rogatórias e da homologação de sentença estrangeira, quando diga respeito às interrelações jurisdicionais entre os Países do Mercosul. Isso porque, em tese, o ordenamento jurídico brasileiro admitiria carta rogatória executória e, quiçá, até sentença estrangeira com eficácia no Brasil sem precisar da homologação na Justiça nacional. Interpretações possíveis, questões difíceis. Vejamos o que o magistério jurisprudencial da Suprema Corte brasileira postulou acerca do assunto.


V. O Protocolo sob o prisma do STF

Como já tivemos de notar, com a EC 45/2004 a competência para homologação de sentenças estrangeiras e concessão do exequatur às cartas rogatórias passou do STF para o STJ. Mas antes dessa modificação de competência, o Supremo já havia firmado entendimento no sentido de que nenhuma medida de caráter executório poderia ser requerida através de carta rogatória[28], e que nenhuma sentença estrangeira repercutiria eficácia em nosso território se antes não fosse homologada. Mas, o Protocolo de Las Leñas, em específico nos arts. 19 e 20, parece divergir do entendimento do STF.

O art. 19 do Protocolo estabelece que o pedido de reconhecimento e execução das sentenças e de laudos arbitrais por parte das autoridades jurisdicionais será tramitado por via de cartas rogatórias e por intermédio da Autoridade Central. E o art. 20 confere eficácia extraterritorial nos Estados-Partes às sentenças e laudos arbitrais.

Duas questões surgiram à época, e que ainda repercutem hoje: O direito brasileiro passou a admitir carta rogatória executória? A sentença de país do Mercosul dispensa prévia homologação do STF (hoje, STJ) para gerar efeitos no Brasil? O magistério jurisprudencial mais recente[29] da Suprema Corte respondeu afirmativamente à primeira questão[30], desde que tratado internacional de cooperação e assistência jurisdicional assim preveja. Já a segunda questão foi respondida negativamente. A inovação do Protocolo disse respeito apenas ao procedimento, admitindo a tramitação de sentenças e laudos arbitrais através de carta rogatória, mas sem dispensar o processo de homologação.

A novidade, então, seria apenas procedimental, competindo ainda ao STJ (à época, ao STF) a concessão de exequatur às cartas rogatórias que tenham por objeto simples tramitação dos atos processuais, ou a homologação quando se tratar de sentença ou laudo arbitral. As condições do art. 20, portanto, não dispensaram a obrigatoriedade de homologação de sentença estrangeira, ainda que o país seja do Mercosul.

EMENTA: Sentença estrangeira: Protocolo de Las Leñas: homologação mediante carta rogatória.

O Protocolo de Las Leñas (“Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista, Administrativa”, entre os países do Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à qual é de equiparar-se a decisão interlocutória concessiva de medida cautelar – para tornar-se exequível no Brasil, há de ser previamente submetida à homologação do Supremo Tribunal Federal, o que obsta à admissão de seu reconhecimento incidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira a execução; inovou, entretanto, a convenção internacional referida, ao prescrever, no art. 19, que a homologação (dito reconhecimento) de sentenças provindas de Estados partes se faça mediante rogatória, o que importa admitir a iniciativa da autoridade judiciária competente do foro de origem, e que o exequatur se defira independentemente da citação do requerido, sem prejuízo da posterior manifestação do requerido, por meio de agravo à decisão concessiva ou de embargos ao seu cumprimento[31].

A jurisprudência do STJ não põe dúvidas à possibilidade de carta rogatória com caráter executório, conforme dicção do art. 7º da Resolução 9º/2005 e de alguns julgados. Outras novidades foram implementadas pela atuação do STJ acerca da matéria, o que reclama pesquisa e estudo. O objeto deste trabalho, porém, limita-se à análise da jurisprudência do STF.

Em suma, o entendimento pretérito do Supremo sobre cartas rogatórias era da impossibilidade de permitir-lhe ato executório. A partir do final da década de 90, o Supremo excepciona a regra desde que acordo ou tratado internacional, em que o Brasil seja signatário, assim preveja. É o caso do Protocolo de Las Leñas. Entretanto, sobre a sentença estrangeira ou laudo arbitral, mantém-se entendimento da exigência de precedente homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.


VI.Conclusões

As recentes relações internacionais reclamam maior aproximação entre as nações, na busca da cooperação e assistência mútua. O Direito da Integração é um estágio posterior, ainda que concomitante, do Direito Internacional, mediante a construção transnacional de um espaço comum de direito. Na América do Sul, o Mercosul e outros tratados tem sido o caminho da integração entre os países sulistas, ainda que timidamente. A harmonização legislativa e jurisdicional revela-se como essencial nesse processo de integração regional.

O Protocolo de Las Leñas, parte integrante do Tratado de Assunção, pregou como objetivo a cooperação e assistência interjurisdicional entre os Países partes do Mercosul. A jurisprudência do STF firmou entendimento de que o referido Protocolo trouxe mudanças, apenas, no campo procedimental do processo das cartas rogatórias e da homologação das sentenças e laudos arbitrais estrangeiros. Em suma, a Suprema Corte admitiu carta rogatória executória, quando tenha por base tratado ou acordo internacional, e processo de homologação de sentença mediante carta rogatória, consoante o Protocolo supra.


REFERÊNCIAS

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CASELLA, Paulo Borba. Mercosul: exigências e perspectivas - integração e consolidação do espaço econômico (1995 – 2001 – 2006). São Paulo: LTr, 1996.

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COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007;

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MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil: Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Vol V: arts. 476 a 565. Rio de Janeiro: Forense, 2009;

MOURA RAMOS, Rui Manuel Gens de. Tratado da União Europeia e Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia: de acordo com o Tratado de Lisboa. 4ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2009;

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WEB: www.cidh.org


Notas

[1] CASELLA, P. B; LIQUIDATO, V. L. V. Direito da Integração, p. 31.

[2] “No período de formação e desenvolvimento dos Estados nacionais, a exacerbação do conceito de soberania fez surgir resistências que, em alguns casos, vem demorando a dissipar-se. Vasto movimento doutrinário e legislativo, contudo, sob a inspiração de princípios vários que entre si disputam a primazia, vai conduzindo, na grande maioria dos sistemas jurídicos atuais, à progressiva atenuação das dificuldades que se opunham à produção extraterritorial dos efeitos das sentenças” (MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 50). Apesar da formação do Estado brasileiro não ter sido paralela ao surgimento dos Estados nacionais, adotamos o mesmo conceito rígido de soberania absoluta. E hoje, o Brasil ainda preserva muito dessa soberania, quando até mesmo alguns países que originaram o conceito já superaram as amarras do passado, máxime os países que integram a União Europeia. Entretanto, como notou o Professor Moreira, o movimento atual de reconstrução das relações internacionais e das políticas nacionais tem favorecido a comunicação entre os países e, assim, favorecido a eficácia da prestação jurisdicional extraterritorial.

[3] Na Comunidade temos uma soberania partilhada, uma cidadania partilhada e, também, uma constituição partilhada. Partilhada no sentido de que ela [Constituição] coexiste com as constituições nacionais, nem sufocando-as nem substituindo-as. Não se gera uma relação de subtração mas sim de adição. No caso da União Europeia, a constituição é o conjunto de normas dos tratados constitutivos (direito originário) e dos atos normativos das instituições europeias (direito derivado).

[4] “O Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”, art. 5º, § 4º - CF.

[5] “As normas de direitos humanos valerão em solo nacional independentemente de norma nacional de recepção…” Art. 8 da Constituição de Portugal.

[6] Assinado em 26 de Março de 1991, o Tratado de Assunção criou o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL.

[7] CASELLA, P. B; LIQUIDATO, V. L. V. Direito da Integração, p. 77.

[8] Na verdade, esse “Tribunal” não é propriamente um órgão do Mercosul, pois não tem existência permanente, nem composição fixa. A cada caso concreto, analisa-se a viabilidade e necessidade de sua formação.

[9] Neste sentido, vide, CASELLA, Mercosul: exigências e perspectivas… p. 168.

[10] Direito Comunitário e Direito da Integração são termos de mesmo significado. Trata-se, grosso modo, de um espaço supranacional de direito, formado por países que renunciaram parte da soberania nacional em prol de uma comunidade transnacional de direito comum.

[11] O Direito constitucional internacional tem criado formas de democratização popular e efetivação dos direitos humanos mediante os sistemas regionais de direito. Faz tempo que o Estado deixou de ser o único e ideal protetor jurídico-político dos cidadãos “transmundiais”. O constitucionalismo global, a mundialização do Direito e as sociedades multiculturais, são fenômenos pós-modernos que não cabem mais dentro dos Estados. Destes sistemas regionais, a União Europeia tem sido vanguardista em muitas conquistas, servindo de modelo, mutatis mutandis, para outros sistemas, como o africano, o asiático e o americano. Como decorrência dos instrumentos internacionais sobre direitos humanos (universais, irrevogáveis e indisponíveis) consagra-se a nível internacional algumas cláusulas pétreas de garantias jurisdicionais e, como tais, imprescindíveis que os instrumentos normativos as consagrem. São elas a cláusula da jurisdição obrigatória e o direito de petição individual. No caso do sistema americano, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, instrumento jurídico de maior importância, não consagra em sua inteireza essas garantias. O Brasil aderiu à Convenção por ato em Setembro de 1992. Primeiro, uma denúncia contra um Estado-Membro só poderá ser conhecida perante a Corte se aquele tiver reconhecido, formal e expressamente, a jurisdição desta. Ou seja, vigora atualmente a cláusula facultativa de jurisdição. Como pode um Estado que assina e ratifica um tratado internacional não se submeter à Corte de jurisdição? De que adianta prever direitos se o Estado não está obrigado a cumpri-los? Segundo informações oficiais colhidas no site da Comissão (www.cidh.org), de 2003 a 2010 o Brasil foi citado 48 vezes por violação aos direitos humanos. Como a Comissão não tem competência jurisdicional, profere apenas recomendações que os Estados podem, discricionariamente, cumprí-las ou não. Já na Corte, o Brasil foi condenado 4 vezes entre 2004 e 2009. O Brasil está obrigado a cumprir as decisões da Corte porque reconheceu sua jurisdição em dezembro de 1998 (Decreto legislativo nº 89). Segundo, o direito de petição individual apenas está garantido quando uma pessoa, ou grupo de pessoas, apresentam petições à Comissão. As decisões desta, porém, não geram obrigatoriedade jurídica e, portanto, são desprovidas de exigibilidade. Quanto à Corte, órgão jurisdicional do sistema, os cidadãos não estão legitimados a peticionar contra os Estados-Membros violadores dos direitos consagrados no Pacto (ou Convenção). A jurisprudência, nacional e internacional, tem sido unânime na postura de exigibilidade de ambas as cláusulas (jurisdição obrigatória e petição individual) como direitos imprescindíveis, irrevogáveis e imodificáveis.

[12] Muitas são as formas de tratar os conceitos direitos humanos e direitos fundamentais. São, decerto, polêmicos e polissêmicos. Como essa discussão não faz parte do objeto de estudo desse trabalho, convencionamos aqui as duas expressões como sinonímicas.

[13] PASSOS, J. J. C. Comentários ao Código de Processo Civil, pp. 2-24.

[14] O Protocolo de Las Leñas, assinado no Vale de Las Leñas, Departamento de Malargüe, Província de Mendoza, Argentina, em 27 de Junho de 1992, encontra-se formalmente incorporado ao sistema de direito positivo do Brasil. Foi aprovado pelo Conselho do Mercado Comum através da Decisão CMC no 05/92. Aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo no 55/95, de 19/04/95), veio a ser promulgado pelo Presidente da República mediante edição do Decreto no 2.067, de 12/11/96.

[15] Art. 81º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia:

1. A União desenvolve uma cooperação judiciária nas matérias civis com incidência transfronteiriça, assente no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e extrajudiciais. Essa cooperação pode incluir a adopção de medidas de aproximação de disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros.

2. Para efeitos do nº 1, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adoptam, nomeadamente quando tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno, medidas destinadas a assegurar:

a) O reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros das decisões judiciais e extrajudiciais e a respectiva execução;

b) A citação e notificação transfronteiriças dos actos judiciais e extrajudiciais;

c) A compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados-Membros em matéria de conflitos de leis e de jurisdição;

d) A cooperação em matéria de obtenção de meios de prova;

e) O acesso efectivo à justiça;

f) A eliminação dos obstáculos à boa tramitação das acções cíveis, promovendo, se necessário, a compatibilidade das normas de processo civil aplicáveis nos Estados-Membros;

g) O desenvolvimento de métodos alternativos de resolução de litígios;

h) O apoio à formação dos magistrados e dos funcionários e agentes de justiça.

3. Em derrogação do nº 2., as medidas relativas ao direito da família que tenham incidência transfronteiriça são estabelecidas pelos Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo especial. O Conselho delibera por unanimidade, após consulta ao Parlamento Europeu.

O Conselho, sob proposta da Comissão, pode adoptar uma decisão que determine os aspectos do direito da família com incidência transfronteiriça, passíveis de serem objecto de actos adoptados de acordo com o processo legislativo ordinário. O Conselho delibera por unanimidade, após consulta ao Parlamento Europeu.

A proposta a que se refere o segundo parágrafo é comunicada aos Parlamentos nacionais. Em caso se oposição de um Parlamento nacional notificada no prazo de seis meses após a comunicação, a decisão não é adoptada. Se não houver oposição, o Conselho pode adoptar a decisão.

MOURA RAMOS, R. M. G. Tratado da União Europeia e Tratado sobre o funcionamento da União Europeia: de acordo com o Tratado de Lisboa, pp. 98 e 99.

[16] Tratado que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado da Comunidade Europeia, aprovado em Outubro de 2007 e assinado em 13 de Dezembro de 2007, na cidade de Lisboa, Portugal. Somente em 1º de Dezembro de 2009 o novo Tratado entrou em vigor.  

[17] MOURA RAMOS, Opte cit, p. 32.

[18] A cooperação jurisdicional internacional não se fundamenta apenas nos acordos específicos entre o Brasil e o país rogante. O princípio da reciprocidade é deve incidir no caso concreto. Neste sentido: AgRg nos EDcl na CR 2260/MX. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA CARTA ROGATÓRIA 2007/0000685-3. Relator: Ministro Barros Monteiro. Publicada no DJe 29/11/2007.

[19] Neste sentido: AgRg na CR 1589 / US. AGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓRIA 2006/0043281-7. Relator: Ministro Barros Monteiro. Publicada no DJ 06.08.2007.

[20] Em termos simples, homologação é a aprovação pelo órgão judiciário competente de um Estado de sentença prolatada em outro, a fim de que a decisão deste adquira executoriedade em todo o território do país que recepcionou a decisão estrangeira. É um processo de “intranacionalização” da sentença estrangeira, exigida pela soberania estatal. A homologação é, portanto, pressuposto de eficácia de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros. “Homologar é tornar o ato, que se examina, semelhante, adequado, ao ato que devia ser”, PONTES DE MIRANDA, Apud MOREIRA, Comentários…, p. 63.

[21] Mérito da causa e mérito da causa processada. Diferença relevante. O ato de homologação não examinará o mérito da causa que já foi decidida, no país estrangeiro, pois constituiria intervenção desproporcional na competência jurisdicional de outra nação que, conforme suas normas internas, já certificou o direito, o mérito da causa processada. No Brasil, então, o ato homologatório analisará o mérito da específica ação que requereu a homologação da sentença estrangeira. A cognição será específica sobre os requisitos de homologabilidade (art. 15, letras “a” e “b”, e art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil; art. 5º da Resolução nº 9 da Presidência do Superior Tribunal de Justiça). O mérito desta causa dirá apenas se determinada sentença estrangeira gera ou não efeitos no nosso território nacional, não se confundindo com o conteúdo da decisão estrangeira.

[22] MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, pp. 60-61.

[23] AgRg na CR 4635. AGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓRIA 2010/0024316-3. – STJ: CORTE ESPECIAL. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. Publicada no DJe 12.08.2010. No mesmo sentido: AgRg na CR 3960/CH. AGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓRIA 2009/0054074-0. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. Publicada no DJe 17/12/2009; AgRg na CR 2807. AGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓIA 2007/ 0219140-2. Relator: Barros Monteiro. Publicada no DJe 03/04/2008; AgRg na CR 5 / US AGRAVO REGIMENTAL NA CARTA ROGATÓRIA 2005/0002765-7. Relator: Ministro Barros Monteiro. Publicada no DJ 11.09.2006.

[24] A Emenda Constitucional nº 45 de 8.12.2004 transferiu a competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, h, CRFB) para o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i, CRFB), quanto à homologação das sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.

[25] “Palavra latina, de exsequi, que se traduz execute-se, cumpra-se, é empregada na terminologia forense para indicar a autorização que é dada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal para que possam, validamente, ser executados, na jurisdição do juiz competente, as diligências ou atos processuais requisitados por autoridade jurídica estrangeira. O exequatur é dado na carta rogatória. E se distingue da homologação, que se apõe às sentenças estrangeiras, para que possam ser cumpridas no território nacional” (SILVA, Vocabulário Jurídico, p. 582).

[26] É o que também regula o art. 12 da Resolução nº 9 da Presidência do Superior Tribunal de Justiça.

[27] “Por carta rogatória entende-se a precatória que é expedida para a requisição de atos que devam ser praticados em território estrangeiro. Tal como a carta precatória, é o instrumento onde se inscreve regularmente a requisição para a prática do ato em território estrangeiro, cuja requisição recebe propriamente a denominação de rogatória. A carta rogatória deve conter os mesmos requisitos para a carta precatória, sendo que é, em regra, enviada a seu destino, por via diplomática, e , antes que se cumpra, deve receber o exequatur do poder judiciário competente. As cartas rogatórias não devem conter disposições executórias, pois que, em tal caso, antes que sejam cumpridas, necessitam da homologação do tribunal próprio, a fim de que possam ter força no país em que são apresentadas” (SILVA, Vocabulário Jurídico, p. 263).

[28] “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de considerar insuscetíveis de cumprimento, no Brasil, as cartas rogatórias passivas revestidas de caráter executório, ressalvadas aquelas expedidas com fundamento em atos ou convenções internacionais de cooperação interjurisdicional. Exequatur denegado. (...) constitui postulado fundamental do sistema normativo brasileiro a pré-exclusão de qualquer atividade de índole executória em tema de cartas rogatórias passivas (vale dizer, aquelas expedidas por Tribunais estrangeiros e dirigidas ao Supremo Tribunal Federal), pois, em tal hipótese, impor-se-á a necessária e prévia homologação da respectiva decisão estrangeira, a efetivar-se em procedimento específico a ser instaurado, no âmbito desta Corte, nos termos do CPC (arts. 483 e 484) e do RISTF (arts. 215 a 224). Em regra, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça brasileira somente devem ter por objeto a prática de simples ato de informação ou de comunicação processual, ausente, desse procedimento, qualquer conotação de índole executória, cabendo relembrar, por necessário, a plena admissibilidade, em tema de rogatórias passivas, da realização, no Brasil, de medidas cientificatórias em geral (intimação, notificação ou citação), consoante expressamente autorizado pelo magistério jurisprudencial prevalecente no âmbito desta Suprema Corte (CR-8425, Rel. Celso de Mello. Publicada no DJ de 14/09/98.).

[29] Deve-se destacar que esse posicionamento do STF, admitindo caráter executório em rogatória quando tenha por base tratado internacional, já representou uma evolução na sua jurisprudência sobre a matéria. Pois, em épocas mais remotas, nem mesmo era excepcionada a regra da impossibilidade de atos executórios em carta rogatória. Vide: (...) constitui princípio fundamental do direito brasileiro sobre rogatórias o de que nestas não se pode pleitear medida executória de sentença estrangeira que não haja sido homologada pela Justiça no Brasil (STF. Decisão na CR 3.237, Relator Ministro Antônio Neder. Publicada no DJ de 12.08.1980).

(...) A jurisprudência do STF é no sentido de que a rogatória não pode ter caráter executório. A rogatória restringe-se a atos citatórios, de intimação, inquirição de testemunhas e atos de instrução (...) No caso, a diligência solicitada tem caráter executório, conforme foi dito, o que impede a concessão do exequatur (STF. Decisão na CR 8.971, Relator Ministro Carlos Velloso. Publicada no DJ de 20.04.19799).

O entendimento do STF começou a mudar a partir da década de 90, máxime quando o Brasil ratificou alguns tratados internacionais de cooperação interjurisdicional, como é o caso do Protocolo de Las Leñas, no âmbito do Mercosul. Vide: (…) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de considerar insuscetíveis de cumprimento, no Brasil, as cartas rogatórias passivas revestidas de caráter executório, ressalvadas aquelas expedidas com fundamento em atos e convenções internacionais de cooperação interjurisdicional, como o Protocolo de Las Leñas (STF. Decisão na CR 7.913, Relator Ministro Celso de Mello. Publicada no DJ de 11.09.1999).

[30] A Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005, da Presidência do Superior Tribunal de Justiça, no art. 7º, reza que “as cartas rogatórias podem ter por objeto atos executórios ou não executótios”. Então, é admissível carta rogatória executória. O que a Resolução não explica é em que casos ela é admitida. O STF havia firmado entendimento de que tratados e convenções internacionais sobre cooperação jurisprudencial poderiam embasar carta rogatória com caráter executório. Logo, ao que nos parece, podemos usar a jurisprudência do STF para solucionar as dúvidas que incidir na aplicação do art. 7º da Resolução do STJ.

[31] AGRAVO REGIMENTAL EM CARTA ROGATÓRIA Nº 7613-4, REPÚBLICA ARGENTINA. Relator e Presidente: Ministro Sepúlvida Pertence. Publicado DJ de 09.05.1997.


Autor

  • Lucas Cavalcante de Lima

    Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bacharel em Teologia pela Faculdade Kurios/Universidade Tiradentes (FAK/UNIT). Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Pós-Graduado em Ciências da Religião pela Faculdade Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz (Facibra). Pós-Graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Advogado Licenciado. Assistente de Gabinete do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, lotado nos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública da Comarca de Caicó. Professor Substituto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), lotado no Departamento de Direito do CERES-Caicó.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Lucas Cavalcante de Lima. Protocolo de Las Leñas: as cartas rogatórias no Mercosul à luz da jurisprudência do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5133, 21 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35972. Acesso em: 25 abr. 2024.