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O controle jurisdicional, 'in concreto', da legitimidade para ações de controle concentrado de constitucionalidade

O controle jurisdicional, 'in concreto', da legitimidade para ações de controle concentrado de constitucionalidade

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O artigo pretende discorrer a respeito da possibilidade do controle jurisdicional no que diz respeito à legitimação para a propositura das ações de controle concentrado de constitucionalidade.

O “ponto de partida” da análise do controle de constitucionalidade é o necessário reconhecimento de que o Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, adota um sistema jurídico em que há a supremacia da Constituição Federal sobre todas as demais normas que a ela devem se submeter e vincular para que possam produzir seus efeitos. Dessa forma, se deve haver essa necessária submissão das leis e dos atos normativos aos preceitos constitucionais vigentes, é não menos necessário que se estabeleçam critérios de controle dessa constitucionalidade das leis e atos normativos.

Como bem aponta Dirley da Cunha Jr.[1] o controle de constitucionalidade está presente em diferentes países, geralmente influenciados por dois sistemas principais: a) o sistema norte-americano, que apresenta a proposta de um controle difuso a partir da ideia de que todo juiz ou tribunal tem o “dever-ser” de praticar esse controle; e b) o sistema austríaco, caracterizado por atribuir o controle de constitucionalidade a um tribunal específico que se limita a exercer uma fiscalização abstrata, no âmbito de ações especiais criadas para tanto, e isso, a partir de uma hipótese de conflito de norma sem qualquer relação com um litígio específico.

No que concerne ao controle de constitucionalidade no Brasil, ao adotar concepções aparentemente excludentes (a norte-americana e a austríaca), finda por criar um sistema misto de controle judicial de constitucionalidade que congrega esses dois sistemas de controle, o de perfil difuso (norte-americano) e o de perfil concentrado (austríaco).

O ministro Gilmar Mendes, em artigo intitulado “O Controle da Constitucionalidade no Brasil”[2] destaca o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro:

“O controle de constitucionalidade no Brasil pode ser caracterizado pela originalidade e diversidade de instrumentos processuais destinados à fiscalização da constitucionalidade dos atos do poder público e à proteção dos direitos fundamentais. Essa diversidade de ações constitucionais próprias do modelo difuso é ainda complementada por uma variedade de instrumentos voltados ao exercício do controle abstrato de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federa (...)”

Candido Rangel Dinamarco, ao conceituar a legitimidade ad causam, afirma que

“(...) é a qualidade para estar em juízo, como demandante ou demandado, em relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou restringi-la.”[3]

Pedro Lenza[4] bem observa quando faz saber que a legitimidade ativa na ADI foi ampliada pela Constituição Federal de 1988, já que nas Constituições anteriores (1946 e 1967), essa legitimação era de competência exclusiva do Procurador-Geral da República.

Pois bem. Em que pese o rol dos legitimados para a propositura das ações diretas de controle de constitucionalidade esteja demonstrado na CF/88 em seu art. 103, cuja redação foi repetida pelo art. 2º da lei 9.868/1999, que regula o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, é possível afirmar positivamente quanto à possibilidade de controle jurisdicional, in concreto, da legitimidade para ações de controle concentrado de constitucionalidade. Assim se afirma, em razão de entendimento consagrado no Supremo Tribunal Federal de que no que tange aos legitimados descritos nos dispositivos supramencionados, se lhes dividiu em dois grupos aos quais chamou de “legitimados universais” (art. 103, I a III e VI e VII) e “legitimados não universais” (art. 103, IV, V, VIII e IX).

A diferença entre esses dois grupos está no fato de que enquanto aos legitimados universais é conferida legitimidade ampla, aos legitimados não universais é imposta exigência – jurisprudencial e não textual – de que comprovem a pertinência temática da matéria que se pretende discutida em ação direta, o que acaba configurando hipótese de legitimação ativa especial ou temática que deve ser observada pelo STF em cada situação de propositura de ação pelos constantes nos incisos em questão.

Essa legitimação especial ou temática para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade supõe a adequação material da quaestio, manifestada na relação de pertinência entre o conteúdo do ato impugnado e as finalidades institucionais dos legitimados, o que, nos dizeres do Ministro Carlos Ayres de Brito,

“termina por carrear para este processo objetivo de controle de constitucionalidade um ingrediente de específica habilitação processual ativa. E se digo ‘especifica habilitação processual ativa”, é porque, genericamente, já se sabe competir a todo Estado-membro ‘zelar pela guarda da Constituição (...) e conservar o patrimônio público’ (inciso I do art. 23 da Lex Maxima)”[5].

O STF também se manifestou nesse mesmo sentido no que diz respeito à legitimação ativa ad causam das entidades de classe de âmbito nacional[6], bem como em relação às Assembleias Legislativas dos Estados ou da Câmara Distrital do DF e os partidos políticos com representação no Congresso Nacional.

Dessa forma, há que se afirmar a necessária presença de controle jurisdicional da legitimidade para ação direta de constitucionalidade, in concreto, de modo a se verificar a relação de pertinência que há de ser “quase imediata, direta, quanto ao conteúdo da norma”, uma vez que se apresenta como condição da ação em relação aos legitimados não-universais, de modo que, se carecedora, a autora, da condição da ação relativa à legitimidade ad causam, impõe-se a extinção do feito sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

CUNHA JR., Dirley. Controle de Constitucionalidade - Teoria e Prática. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2014.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 12. ed. Saraiva: São Paulo, 2008

MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE - COMENTÁRIOS À LEI N. 9.868, DE 10-11-1999. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.


[1] CUNHA JR., Dirley. Controle de Constitucionalidade - Teoria e Prática. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2014.

[2]{C}http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/portalStfAgenda_pt_br/anexo/Controle_de_Constitucionalidade_v__Port1.pdf - acessado em 30 de outubro de 2014, às 16h24.

{C}[3]{C} DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 306.

{C}[4]{C} LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008

[5] ADI 3.273/DF, Relator Aires Brito,

[6] ADI 1157-MC/DF


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