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A admissibilidade das cartas psicografadas como meio de prova no processo penal

A admissibilidade das cartas psicografadas como meio de prova no processo penal

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Levantaremos a discussão sobre a possibilidade das cartas psicografadas serem entendidas como documentos capazes de servirem como prova em um processo penal, além da demonstração de casos que se valeram destes documentos para nortearem suas decisões.

“A tarefa não é contemplar o que ninguém ainda contemplou, mas meditar, como ninguém ainda meditou, sobre o que todo mundo tem diante dos olhos.”

Arthur Schopenhauer

“A verdade não é privilégio de religiões ou sistemas. A convicção cresce no intimo de cada ser, quando os fatos revelados impõem-se à razão pela autenticidade. Por isso mesmo, todo pesquisador consciente procura, com paciência e perseverança, a verdade dos fatos.”

Paulo Rossi Severino

1 INTRODUÇÃO

 

O desenvolvimento do Direito exige modificações constantes no seu conteúdo. Assim sendo, institutos dantes consolidados passam a ser refutados por novas formas de pensamentos jurídicos.

Desvinculando-se de qualquer opinião de cunho religioso, se evidenciará, baseado no nosso ordenamento jurídico, a possibilidade das cartas psicografadas serem ou não utilizadas na seara processualista. Dessa forma, não se enveredando, repise-se, por teorias religiosas, se demonstrará que o direito, por ser uma ciência em constante evolução, deve se afeiçoar com o progresso de outros métodos e áreas do conhecimento humano, como por exemplo, o estudo da psicografia.

Nesse contexto, faz-se necessário um estudo aprofundado sobre o processo penal e as suas características, ressaltando evidentemente as espécies de provas admitidas nesse ramo, bem como os meios de apreciação dessas provas e os princípios inerentes a esse sistema.

Outro ponto importante, que inicialmente será tratado, é o que se refere à incessante busca, no processo penal, pela verdade real. Verdade essa, que segundo alguns doutrinadores, deve ser o objetivo de todo processo, já que a elucidação dos fatos alegados tem a capacidade de gerar uma decisão mais justa ao caso. Outro entendimento, é o que diz que a verdade real é impossível de ser obtida, visto a impossibilidade de se falar do real diante de um fato pretérito.

Posteriormente a isso, será feita um breve estudo sobre a mediunidade e a sua importância para o desenvolvimento da psicografia, assim como, as características e as espécies que envolvem essa manifestação. Demonstrar-se-á, também, pesquisas científicas que tiveram como objeto o estudo da comunicação entre o plano material e o espiritual.

Muitos indivíduos, dentre eles estudiosos do Direito, conjecturam, baseados no senso comum, sobre a possibilidade da haver fraude na carta psicografada. No entanto, um dos pontos que será acentuado neste trabalho, é o que se refere à cientificidade dessas mensagens e as formas de se apontar a veracidade ou falseabilidade dessas. O exame grafotécnico será tratado com minúcia, por se mostrar como um elemento de suma importância para a legitimação científica desses documentos.

As particularidades que envolvem esse tema, como por exemplo, a inexistência de previsão legal, o vazio jurisprudencial, a omissão doutrinaria, abordagens emocionais e pobreza racional despertam a curiosidade dos que o vê. Por causa disso, surgiu a ideia de escrever sobre psicografia como prova legal para que, de certa forma, se elucide esse tema de grandes controvérsias no mundo jurídico.

Quando surgiram os primeiros casos que se valeram da psicografia como meio probatório eles foram tratados como verdadeiros absurdos jurídicos. Atualmente o tema é polêmico, no entanto, tudo indica que, no futuro, os casos concretos aumentarão e serão, inevitavelmente, submetidos à apreciação do Poder Judiciário.

Nesse passo, sem pretensões, é claro, de encontrar elementos absolutos ou dar o tema como encerrado, tratar-se-á diretamente da possibilidade das cartas psicografadas serem aceitas no rol de provas do processo penal enquanto prova documental, exemplificando-se, empiricamente, processos jurídicos que já se utilizaram dessas cartas para nortear suas decisões.

Portanto, se existe como provar a verdade por mais um meio probandi, não há porque se ignorar a relevância dessas cartas para o processo. Assim, o fundamentalismo religioso dos julgadores não pode resultar na desconsideração do valor probatório das cartas psicografadas e, consequentemente, na aplicação do Princípio in dubio por reo sob o argumento de falta de provas. Isto porque, os documentos psicografados deverão ser aproveitados, quando existentes, como fundamento da absolvição ou até mesmo da condenação do acusado.

O método que melhor se adequou às necessidades do tema foi o hipotético-dedutivo, visto a possibilidade mais esclarecedora oferecida por este para testar e/ou falsear o uso das cartas psicografadas frente ao sistema de provas do processo penal.

A presente pesquisa é decorrência de uma análise bibliográfica, baseada na apreciação de diversas obras pertencentes a área do Direito, da psicografia e das mais variadas fontes, tais como revistas, artigos científicos e internet.

 

2 O PROCESSO PENAL E O SEU SISTEMA DE PROVAS

 

2.1 Teoria Geral da Prova

 

O Direito Processual Penal pode ser entendido, conforme José Frederico Marques (2003), como o conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária e a estruturação dos órgãos de função jurisdicional com seus respectivos auxiliares.

Dessa forma, a finalidade do Direito Processual Penal é a própria pacificação social obtida quando da solução de um conflito, ou até mesmo de uma forma mais imediata, a aplicação do direito penal material, que por sua vez enseja na tutela dos bens protegidos por ele (TÁVORA; ANTONNI, 2011).

No entanto, para que o conflito posto em juízo tenha um desfecho plausível é necessário que essa solução seja fundamentada em elementos capazes de sustentá-la. E é nesse contexto que surge a importância das provas processuais, pois para fundamentar sua escolha, o magistrado deverá se valer de provas aptas e suficientemente fortes a instruírem sua decisão.

Nesse contexto, iniciaremos um estudo pormenorizado dos temas específicos relacionados às provas, partindo do conceito e posteriormente, em um estudo individual, das modalidades das provas dispostas no Código de Processo Penal importantes a este trabalho.

O processo, para o direito processual penal, tem o objetivo de fazer a reconstrução histórica dos fatos ocorridos, para que assim, diante daquilo que restar demonstrado, se possa retirar as respectivas consequências. O convencimento do julgador é fruto do esforço das partes que procurarão, por intermédio do manancial probatório carreado nos autos, demonstrar e fundamentar as suas versões. Esse é o momento da instrução processual, onde as partes se utilizam de elementos capazes de demonstrar a veracidade do que declaram, objetivando assim um provimento jurisdicional favorável aos seus interesses (TÁVORA; ANTONNI, 2011).

Na afirmação de Tourinho Filho (2010), “provar é antes de qualquer coisa, estabelecer a existência da verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la”. Logo, as provas servem para demonstrar a veracidade do que se afirma, do que se alega.

Fernando Capez (2007, p. 285), complementa e diz que a palavra prova significa:

 

[...] o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros (por exemplo, peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação.

 

Dessa forma, a prova judiciária tem a finalidade de reconstruir os fatos investigados no processo, almejando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no tempo e no espaço (OLIVEIRA, 2011).

Logo, conforme supracitado, as partes ficam com o ônus de produzir provas que por sua vez, terão a finalidade de formar a convicção do magistrado a respeito dos fatos ocorridos. Assim, a produção de provas revela-se de suma importância para o bom andamento do processo, uma vez que a mesma servirá para descortinar ao juiz, determinado fato tido como delituoso e assim fazer com ele possa senti-lo e decidir pela absorção ou condenação do acusado de forma fundamentada (TOURINHO FILHO, 2006).

Importante ressaltar, que baseado na garantia constitucional da inocência, estabelecida no art. 5.º, LVII, da Constituição Federal, o ônus da produção prova, disposto no art. 156 do CPP, deve ser entendido como sendo uma responsabilidade atribuída à acusação, ou seja, a ela cabe a tarefa de provar a existência do delito. Entretanto, não há que se confundir o ônus da prova com interesse da parte em provar determinada arguição.

Neste raciocínio, Guarnieri citado por Aury Lopes Jr., afirma categoricamente que “incumbe a la acusación la prueba positiva, no solo de los hechos que constituyan el delito, sino también de la existência de los que Le excluyan.”1 (2008, p.533)

Eugênio Pacelli de Oliveira (2011) nos ensina que, ainda que prévia e sabidamente imperfeita, o processo penal deve construir uma verdade judicial, sobre a qual, incidirão todos os efeitos da coisa julgada, uma vez passada em julgado a decisão final baseada nessa verdade.

O objetivo ou finalidade da prova é formar a convicção do juiz, que para resolver o litígio penal, condenar ou absolver o réu, de fundamental importância é que ele conheça o fato na sua plenitude. Daí decorre a necessidade de provar a existência ou inexistência do fato e as circunstancias que o envolvam e que poderiam influenciar na sua elucidação.

As provas, segundo Hidejalma Muccio (2011), podem ser classificadas a partir dos seguintes critérios: quanto ao objeto, ao sujeito, a forma e ao seu efeito.

Quanto ao objeto, a prova poderá ser direta ou indireta. A primeira é aquela que se refere diretamente ao fato que se quer provar, constatar. Essa forma de prova tem como objetivo demonstrar a existência do próprio fato narrado nos autos processuais. Assim, por exemplo, é prova direta do crime de homicídio, o testemunho de visu, que ao ser indagado, dirá em juízo ter visto o réu disparar um tiro contra a vítima. Já a prova indireta é “aquela que por ilação, leva ao fato probandum”, ou seja, a prova não se dirige ao próprio fato, porém, por meio de uma construção lógica se chega a ele. Como exemplo pode-se citar os indícios e as presunções (RANGEL, 2006).

Sujeito da prova é a pessoa ou a coisa de quem ou de onde advém a prova. Assim, em relação ao sujeito, a prova pode ser real ou pessoal. Será pessoal quando houver afirmação consciente dedicada a mostrar a veracidade dos fatos, ou seja, uma pessoa revelará, conscientemente, suas impressões mnemônicas do fato. Para elucidar prova pessoal, citamos o testemunho, as declarações do ofendido, etc.

Já a prova real “é a prova que emerge do próprio fato e consiste na atestação inconsciente feita por uma coisa na qual ficou impresso um sinal” (MUCCIO, 2011, p.834). Ou seja, a prova é encontrada na res, não obrigatoriamente no objeto material do crime, mas em qualquer coisa que tenha vestígio do crime, como por exemplo, em um membro mutilado, nas perícias, dentre outras (RANGEL, 2006).

No que se refere ao critério da forma, a prova pode ser testemunhal, documental e material. Para isso, levar-se-á em consideração a maneira pela qual as partes demonstrarão em juízo a veracidade de suas alegações.

Na prova testemunhal o indivíduo é convidado a depor, demonstrando sua experiência pessoal sobre a existência, característica e natureza dos fatos que presenciou. Ou seja, é a percepção sensorial de uma pessoa quanto a um determinado acontecimento.

A documental será tratada com maior aprofundamento em tópico vindouro, dessa forma, resta necessário somente entender que prova documental “é a afirmação produzida de forma escrita ou gravada”, conforme preceitua Paulo Rangel (2006, p. 378).

Já a prova material, “simboliza qualquer elemento que corporifica a demonstração do fato” (TÁVORA; ANTONNI, 2011, p.310), concretizando-se em qualquer material que sirva de elementos de convicção sobre o fato alegado.

Por fim, quanto ao efeito, a prova pode ser plena e não plena também conhecida como indiciária. A prova plena é aquela que por si só pode ser tida como suficiente para fundamentar um juízo de convicção, ou seja, aquela tida como necessária e suficiente para aquietar a consciência do juiz para a condenação. Já a prova indiciaria ou não plena, “é a que se apresenta como um juízo de mera probabilidade” (MUCCIO, 2011, p. 834), não tendo, com isso, o condão de condenar o acusado.

Poderá ser tido como de fonte de prova tudo aquilo que pode oferecer indicações úteis ao fato que se pretende provar. Na esfera processual, Muccio (2011), diz, que a palavra fato deve se estender às coisas, às pessoas, aos lugares e aos documentos. Logo, será fato tudo o que não for direito.

Meio de prova, por sua vez, é tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à comprovação da verdade que se procura no processo, estejam eles previstos em lei ou não. Dessa forma, os recursos, ações ou coisas, utilizadas para demonstrar ao juiz e formar sua convicção a respeito da percepção da verdade, são exemplos de meio de prova. É o caso das testemunhas, das perícias, o reconhecimento, os depoimentos, dentre outros (TOURINHO FILHO, 2010).

A busca da demonstração da verdade nos faz assumir, segundo Rosmar Antonni e Nestor Távora (2009), posturas libertárias na produção probatória. Isso se deve ao fato de o Código de Processo Penal não trazer, de forma exaustiva, todos os meios de provas admissíveis, possibilitando, assim, o uso de provas nominadas, que são aquelas estabelecidas entre os art. 158 a 250 da Carta Processual em análise, como também as inominadas, ou seja, aquelas ainda não normatizadas pelo código, as atípicas.

Dessa forma, essa não-taxatividade, por assim dizer, pode ser extraída do artigo 155, parágrafo único do CPP, alterada recentemente pela Lei nº 11.690/09, quando afirma que “somente quanto ao estado das pessoas, serão observados as restrições estabelecidas na lei civil”. Ou seja, o Princípio da Verdade Real, que será ainda nesse capítulo estudado, estimula a utilização de meios probatórios não disciplinados em lei, devendo esses, se atentarem, para serem aceitos no processo, na sua compatibilidade com o ordenamento jurídico vigorante e a moralidade.

Clarifica-se, portanto, que a liberdade probatória é a regra e as limitações figuram-se no âmbito da exceção. Acompanhando esse entendimento, o Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 295, esclarece ser admissível, ipsis litteris, “qualquer espécie de prova, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia ou disciplina dos militares”.

Por elementos de prova se entende como as circunstâncias ou os fatos que fundamentam a convicção do juiz referente ao thema probandum (MUCCIO, 2011). No entanto, o que não pode ser esquecido é que todas essas provas devem estar de acordo com os princípios norteadores do sistema de provas estabelecido no Código de Processo Penal, evitando, com isso, a sua ilegalidade.

Para Tourinho Filho (2009), o processo penal é regido por uma série de princípios e regras que não representam senão postulados fundamentais da política processual penal de um Estado.

Os princípios gerais da prova têm como principal objetivo nortear ou formar a convicção do Juiz em um julgamento, portanto, demonstrando os limites que deve se atentar o magistrado ao julgar, esses princípios, representam verdadeiros alicerces para o bom andamento do processo.

Buscando uma elucidação das normas principiológicas do sistema probatório penal, trataremos, agora, os princípios que se mostram importantes para o entendimento do tema em debate. Vejamo-los.

 

2.1.1 Princípios do Processo Penal

2.1.1.1 Princípio da comunhão das provas

Sob a égide desse princípio levanta-se o entendimento de que uma vez produzida a prova ela passará a pertencer ao processo e não a parte que a produziu. Ou seja, as provas produzidas são extensivas às partes, independendo, portanto, de quem a indicou ou causou. Como diz Muccio (2011, p. 831),

produzida a prova, ela aproveitará à acusação, à defesa e ao juiz, destinatário de toda e qualquer prova. Não há, assim, prova que pertença a uma das partes. No processo a prova serve a ambos os litigantes e aos interesses da justiça.

 

2.1.1.2 Princípio da liberdade da prova

Para Rangel (2002), esse princípio é um consectário lógico do princípio da verdade real, logo, o juiz deverá buscar sempre a veracidade dos fatos que lhe são apresentados, com o fim de reconstruir o acontecido e aplicar a ele a norma jurídica cabível. No entanto, esse princípio não é absoluto. A Carta Magna, no seu artigo 5º, inciso LVI, traz o principal obstáculo a essa liberdade, afirmando a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos.

Os modernos sistemas probatórios, incluindo o do Brasil, via de regra dispõem sobre a possibilidade de serem usados outros meios de provas além dos que são tipificados no Código de Processo Penal. Isso se dá em virtude da necessidade de se aproximar o máximo possível da verdade material, e, por conseguinte, do caso concreto (RUBIN, 2011).

Acontece que, apesar de haver essa liberdade, que de certa forma, garante a livre produção de provas, deve existir, também, uma limitação a ela sob pena de violação de alguns princípios e garantias constitucionais.

Nos dizeres de Távora (2009, p. 313), “assegurar a imprestabilidade das provas colhidas em desrespeito à legislação é frear o arbítrio, blindando as garantias constitucionais, e eliminando aqueles que trapaceiam, desrespeitando as regras do jogo”.

A prova será taxada como proibida ou vedada no processo toda vez que sua feitura implicar na violação da lei ou de princípio de direito material ou processual. Têm-se dessa forma, por classificação amplamente aceita as provas inadmissíveis, que é o gênero, do qual são espécies as provas ilícitas, que são aquelas que violam disposições de direito material ou princípios constitucionais penais; e as provas ilegítimas, que são as que violam normas processuais e os princípios constitucionais da mesma espécie.

 

2.1.1.3 Princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas

 

O Princípio da Inadmissibilidade das provas ilícitas mostra-se como decorrente lógico do estudado anteriormente, pois a Constituição da República Federativa do Brasil, como já comentado, em seu artigo 5º, LVI, estabelece como garantia fundamental e também, como um direito, a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas de forma ilícitas. In verbis: LVI – São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Destarte, a legislação pátria garante direitos e deveres a seus cidadãos, estabelecendo limitações e regras para o seu exercício, não podendo, consequentemente, ser permitido, no que se refere à produção de provas, a sua obtenção por meios ilícitos e contrários a ordem jurídica estabelecida.

O artigo 157 do Código de Processo Penal dispõe que: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Importante ressaltar que, a juntada de prova ilícita ao processo não implica na sua nulidade como um todo, mas apenas a nulidade da própria prova.

Sobre o assunto, Andrey Mendonça (2008, p. 170-171) leciona que:

A doutrina e a jurisprudência pátria sempre fizeram distinção entre provas vedadas ou proibidas, provas ilícitas e provas ilegítimas. A prova vedada ou proibida seria aquela que violasse o ordenamento jurídico. Seria o gênero composto pelas duas espécies: provas ilícitas – aquelas que violam um disposição de direito material (exemplo: confissão obtida mediante tortura) e as provas ilegítimas – provas produzidas em violação a uma disposição de caráter processual (exemplo: juntada de prova no procedimento do júri sem a observância do prazo de três dias úteis) [...] pela nova redação conferida ao artigo 157 do CPP, é ilícita tanto a prova que viola disposições materiais quanto processuais. O que importa para caracterizar uma norma como ilícita é a violação de uma disposição constitucional ou legal [...] para esta última valeria o sistema de nulidade, enquanto para as primeiras vigoraria o sistema da inadmissibilidade. Ambas as provas (ilícitas ou ilegítimas), em principio, não valem [...].

No Estado Democrático de Direito, os fins não justificam os meios. Isso por sua vez, implica dizer que, não há como se garantir a dignidade da pessoa humana, bem esse tão protegido pelo nosso ordenamento, quando da aceitação de uma prova obtida com violação às normas jurídicas existentes.

 

2.1.1.4 Princípio da verdade real

 

Esse Princípio significa, pois, que às partes, assim como ao magistrado, é dada a faculdade de buscar provas com o fito de descobrir a verdade real, a verdade material do fato delituoso. Não deve, assim, o juiz se contentar com o que lhe é apresentado pelo polo passivo ou ativo da ação penal. Essa busca do juiz por provas deve ter como principal intento a aplicação da punição àquele que realmente tenha cometido o delito (TOURINHO FILHO, 2010). Nos dizeres de Nucci (2007, p. 96), “material ou real é a verdade que mais se aproxima da realidade, aquela que mais se aproxima ao acontecido no plano real”.

 

2.1.1.5 Princípio do livre convencimento motivado

 

No Processo Penal, de acordo com esse princípio, as provas não são dotadas de valores absolutos, a Lei não dá a esta ou àquela prova um determinado valor. Isso é feito pelo juiz, que com autonomia, apenas vinculado aos fatos e circunstâncias demonstrados nos autos, valorará as provas (MUCCIO, 2011). Esse Princípio, juntamente como o anterior, serão estudados com mais afinco em tópico vindouro.

 

2.1.1.6 Princípio do contraditório

 

Segundo inteligência do artigo 5º, inciso LV, da Lei Maior de 1988, esse princípio pode ser entendido como sendo uma garantia aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os acusados em geral, de terem acesso ao contraditório e a ampla defesa, no decorrer de seus processos e possíveis recursos inerentes a eles.

Dessa forma, esse princípio apresenta como um de seus maiores atributos a possibilidade das partes influenciarem no convencimento do magistrado por meio da dialética, isto é, o jogo de argumentações e defesas de posicionamentos opostos que levará o juiz a analisar a situação de forma mais ampla, visto ambos os lados estarem, da melhor forma possível, apresentando seus interesses. O contraditório dá ao julgador a possibilidade de convicção e imparcialidade quanto a sua decisão.

Isso porque, a história do delito será reconstruída baseada na versão da acusação e da defesa, sobre pena de parcialidade do julgador. O contraditório, ante sua importância, mostra-se imprescindível em todos os atos e momentos do processo, inclusive os ligados a produção e valoração das provas.

 

2.1.2 Sistemas de avaliação das provas 

 

Concluídas as provas, pode por assim dizer, que se encontra encerrada a fase instrutória do processo criminal e é nesse momento que o juiz iniciará, em um trabalho meticuloso, a valoração das mesmas. Esse momento mostra-se, talvez, como o mais importante do processo, pois será baseado nessa avaliação que o julgador concluirá pela procedência ou improcedência da ação, condenando ou absolvendo o acusado.

 Esse julgamento a respeito das provas deve ser abalizado por uma análise crítica, devendo ser construída com o máximo de cautela e critério. A avaliação da prova exige do magistrado todo cuidado, pois certo ou errado, são os únicos elementos que conduzirão a sua decisão. Dessa forma, o magistrado que aprisionado a austeros princípios morais, motivado por uma quase religiosa ideia do que deverá ser feito, pode encontrar-se exposto ao perigo da injustiça e da iniquidade, tanto e talvez mais que um juiz moralmente menos rígido. Ou seja, a inflexibilidade do julgador, não guiada pela objetividade processual, poderá levá-lo a cometer injustiças (MUCCIO, 2011).

Na valoração da prova, deve, pois, o magistrado, afastar da sua mente prejulgamentos e preconceitos, debruçando-se sobre as provas, analisando-as no seu conjunto e por fim, deixando transparecer em sua sentença a sua avaliação imparcial, ainda que para isso, tenha contribuído, de acordo com o artigo 156 do Código de Processo Penal, com a produção do conjunto probatório. Essa avaliação será fruto de um trabalho unicamente intelectual, meticuloso e delicado (TORINHO FILHO, 2010).

Analisemos, a partir de agora, os principais modelos de avaliação de provas, não descartando, claro, a existência de outros.

O Sistema da Íntima Convicção, também chamado de Sistema da Prova Livre, se baseia na liberdade atribuída ao juiz para que julgue conforme critérios próprios de avaliação. A liberdade de prova e de sua valoração pelo juiz é plena, não estando o magistrado obrigado a exteriorizar as razões e fundamentos que o levaram a proferir a decisão. Daí o nome sistema do livre convencimento, julgamento secundum conscientizam.  O juiz tem completa liberdade para decidir conforme seu conhecimento e impressões pessoais a respeito do caso, não estando, portanto, obrigado a amparar e legitimar sua decisão ao existente no processo (LOPES, 2011).

No Brasil, o Tribunal do Júri representa a sobrevivência da íntima convicção do juiz, pois os jurados, componentes do tribunal do júri, julgam com plena liberdade, sem qualquer critério probatório e sem necessidade de fundamentar suas decisões.

Severas críticas são levantadas diante do uso desse sistema no Tribunal do Júri. Autores como Lopes, Torinho Filho e Rangel, afirmam ser a livre convicção contrária a ordem jurídica estabelecida e até mesmo a Constituição da República. Vejamos o posicionamento de Aury Lopes Jr. (2011, p. 543) a respeito do tema:

A “íntima convicção”, despida de qualquer fundamentação, permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento, pois a supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da prova dos autos e ate mesmo decidam contra a prova. Isso significa um retrocesso ao direito penal do autor, ao julgamento pela “cara”, cor, opção sexual, religião, posição socioeconômica, aparência física, postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de (des)valor que o jurado faz em relação ao réu. E, tudo isso, sem qualquer fundamentação. A amplitude do mundo extra-autos que os jurados podem lançar mão, sepultar qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar.

Com o anseio de superar esse arbítrio tão característico do sistema da íntima convicção, criou-se outro sistema, o das provas tarifadas, que por sua vez diminui a discricionariedade do juiz e atribui a esse o dever de observar o que a lei trata a respeito das provas, afastando-se, dessa forma dos seus impulsos pessoais e decisões imotivadas.

Segundo este sistema, Sistema Legal ou Tarifado, a certeza do juiz deve ceder lugar à certeza do legislador, logo, o legislativo é quem diz qual será o valor de cada prova e não mais o juiz.

O magistrado fica, nesse sistema, impedido de usar sua discricionariedade para julgar. Assim, o legislador previa a priori, um sistema hierarquizado de prova, dando a cada uma um valor prefixado em lei, independentemente das especificidades de cada caso.  O valor de cada prova era inalterável e constante, tornando-se o juiz refém da disciplina legal e tendo a sua liberdade apreciativa aniquilada, não podendo mais julgar segundo seu entendimento em dado caso concreto (MUCCIO, 2011).

O juiz, nas provas legais, era um matemático, pois apenas verificava qual o peso deste ou daquele meio de prova ou como a lei mandava provar este ou aquele fato. O legislador, percebendo seu erro em determinar in abstrato o valor para cada prova, procurou um novo sistema que reunisse a intima convicção e o da certeza legal. Surge aí, o sistema do livre convencimento (RANGEL, 2002).

O Sistema do Livre Convencimento ou Convencimento Motivado é tido como sistema intermediário em relação ao radicalismo dos dois anteriores. Esse sistema, adotado pelo legislador brasileiro, é uma importante maneira de garantir a segurança jurídica em virtude da exigida fundamentação que deve haver na decisão penal.

Contemplado no artigo 155 do nosso Código Penal, o método do convencimento motivado diz ao juiz que ao sentenciar, deverá ele se limitar ao conjunto probatório existente nos autos do processo, não podendo se valer de provas existentes no mundo, extraprocessuais. Logo, a liberdade do julgador lhe dará a possibilidade de avaliar as provas em sua magnitude e remover delas a sua essência, transcendendo assim ao formalismo castrador do sistema da certeza legal (TÁVORA; ANTONNI, 2011).

Muccio (2011), comparando o sistema do livre convencimento aos outros dois, anteriormente estudados, afirma que ao contrário do que ocorre no sistema das provas legais, o juiz não se deparará com um valor previamente estabelecido e nem deverá observar qualquer hierarquia entre as provas, pois todas têm valor relativo dependendo do caso em que serão aplicadas.

No que se refere ao sistema da íntima convicção, o julgador não poderá decidir segundo a sua consciência, pura e simplesmente, deverá ele, quando de sua decisão, se limitar as provas disponibilizadas no processo. Dessa forma, o juiz está obrigado a motivar, fundamentar a sua decisão nas provas constantes nos autos processuais, sob pena de nulidade. É o disposto no art. 93, IX, da CRFB.

 

2.2 O Problema da “Verdade Real” no Processo Penal

 

A gravidade das questões que são abordadas pelo direito penal, legitima por sua vez a busca ampla e intensa de uma verdade que sirva para a elucidação dos fatos alegados pelas partes. Dessa feita, a busca da verdade real permite a instalação de práticas probatórias das mais variadas, ainda que não haja previsão legal, pois essas teriam como finalidade, pela nobreza de sua causa, demonstrar a veracidade dos fatos (OLIVEIRA, 2011).

Existe uma famosa frase de Joseph Goebbels, Ministro de propaganda nazista de Hitler, que afirma que uma boa mentira, repetida centenas de vezes, acaba se tornando uma boa verdade. Ou seja, a verdade nem sempre condiz com o que realmente aconteceu visto aquela só poder ser constatada no presente e não no passado como acontece nos casos de persecuções criminais.

Há autores que afirmam ser a verdade real impossível de ser obtida devido a impossibilidade de falar do real quando se está diante de uma fato passado, histórico. Dentre eles está Aury Lopes Jr. (2011, p. 553), que diz que “o real só existe no presente. O crime é um fato passado, reconstruído no presente, logo no campo da memória, do imaginário”.

Importante é a diferença entre a verdade construída no processo ou a fixada pelo juiz na sentença e a verdade científica ou histórica. A primeira tem o juiz como único investigador, ao passo que as demais, não. Logo a verdade processual é considerada uma verdade aproximativa, já que os fatos do passado não são passiveis de experiência direta, senão por meio de suas consequências e efeitos. Aury Lopes (2011), diz que o presente é experimentável, enquanto o passado tem de ser provado.

Passemos a partir de agora a analisar uma teoria defendida por Aury Lopes Jr., que se fundamenta na tentativa de demonstrar o “Mito da Verdade no Processo Penal”. Segundo esse entendimento, o processo penal tem por principal objetivo, através das provas, fazer a reconstrução de um fato histórico, criminoso e pretérito, no entanto, essa reconstrução é na sua grande maioria imperfeita e minimalista.

Partindo dessa premissa, diz o autor, que o fato passado não pode ser construído no presente, mas apenas reconstruído e isso geraria uma impossibilidade de igualar o real ao imaginário, pois o passado só existe na memória, logo, jamais será real. O crime é história, passado, e por ser isso, depende da memória de quem o descreve. Assim sendo, para preencher os espaços em branco deixados na lembrança a respeito de determinado fato, o narrador se utiliza de experiências decorrentes de outras experiências para preencher essas lacunas. Ou seja, de qualquer ângulo em que a questão seja analisada, o que sempre se verá é uma confusão de subjetividade e contaminações que não permitirão a atribuição da função de revelar a verdade através de uma sentença em um processo judicial.

Esse obstáculo temporal, diga-se de passagem, insuperável, existente entre o fato passado e a sentença, prejudicando por sua vez, a concretude dessa tão falada “verdade”, pois a verdade nada mais é do que um mito, enquanto revelação sagrada, demonstrada na sentença.

O ritual seguido pelo processo penal, por vezes até sacralizado, reforça o “mito da verdade real”, porque é através dele que o juiz, enquanto sujeito capaz de ser portador da revelação passa a fazer parte do mito.

O mito fundante do processo (notoriamente o inquisitório) é a verdade, logo isso estrutura um ritual e um procedimento que dê conta dessa função. Não sem razão, vem todo o simbólico do sagrado no ritual judiciário (arquitetura dos tribunais, a toga, o latim, a confissão, os juramentos, etc.) para reforçar a crença de que a verdade é uma revelação sagrada. Nesse contexto, é necessário dotar o juiz de poderes instrutórios para que ele possa “ir atrás” de tudo aquilo que possa conduzir a revelação da sagrada verdade [...] (LOPES, 2011, p. 558).

Diante de tudo isso, o autor defensor da teoria, diz ter uma postura cética em relação a verdade no processo penal e além do mais nega que a função do processo seja a obtenção dessa verdade ou até mesmo que essa seja um adjetivo da sentença. Continuando, diz ele, não que seja impossível a sentença desvelar a verdade, no entanto, essa busca não deve ser a missão ou a função do processo judicial.

Aury Lopes, se questionando a respeito do que seria a sentença já que ela não é uma simples e pura revelação da verdade, conclui que a “sentença é um ato de convencimento, de crença”, ou seja, o juiz edifica na sentença a história de um delito, valorizando os entendimentos que lhe parecem válidos. Dessa forma, “o resultado final nem sempre é a “verdade”, mas sim o resultado do convencimento do juiz” (2011, p. 560).

E por causa disso é que na instrução da prova, o poder de persuasão das partes depende de variáveis aos aspectos subjetivos e emocionais do ato de julgar, ou seja, a decisão do juiz está mais ligada à crença/fé do que a revelação de uma verdade real.

O juiz deve ao proferir sua decisão, sentir e crer no que as partes estão alegando. A própria etimologia da palavra sentença, que vem de sententia, que por sua vez, vem de sententiando, gerúndio do verbo sentire, transmite a ideia de que é por meio dela que o juiz conhece da emoção, da intuição emocional das partes. E além, de sentir, diz o autor, ele ainda declara o que sente.

Por fim, diz Lopes, que não se tenta, com essa teoria, negar a verdade no processo penal, até porque, isso seria um grande erro, pois com essa afirmação estaria ele corroborando com a construção de uma verdade que é falsa na sua essência, logo ele não nega a verdade nem afirma que a sentença é uma mentira.

E para concluir a discussão sobre o mito da verdade, o autor, dando um tom literário a seu trabalho, apresenta um poema de Carlos Drummond de Andrade, que compensa ser reproduzido, demonstrando a relativização da verdade. Acompanhando a boa literatura leiamo-lo:

“Verdade"

“A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
 
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
 
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
 
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.”

Entendido isso, passemos agora a análise das provas em espécie e sua importância ao processo penal.

 

2.3 As espécies de provas previstas no Direito Processual Penal

As espécies de prova são os meios pelos quais se torna possível chegar ao conhecimento da “verdade” em um dado processo. Dessa forma, o Código de Processo Penal criou modalidades através das quais se torna possível comprovar a existência de algo. Abordaremos nesse tópico, por se mostrarem importantes ao entendimento desse trabalho, apenas três das modalidades que são tratadas pelo código processual penalista, quais sejam: as perícias em geral, o exame de corpo delito e os documentos.

Debateremos a partir de agora, com maior profundidade, cada uma das espécies de provas acima elencadas.

 

2.3.1 Das perícias em geral

 

Essa modalidade de prova para ser produzida necessita de uma pessoa que tenha conhecimento técnico, científico e específico em determinada área do conhecimento. Isso se deve, por óbvio, ao fato do juiz não ter especialidade em todas as áreas do saber, logo os peritos com a sua destreza auxiliarão o magistrado a desvendar os fatos úteis a prolação de uma sentença fundamentada (TÁVORA; ANTONNI, 2011).

Nesse mesmo entendimento leciona Pacelli de Oliveira (2011, p. 410):

A prova pericial, antes de qualquer outra consideração, é uma prova técnica, na medida em que pretende certificar a existência de fatos cuja certeza, segundo a lei, somente seria possível a partir de conhecimentos específicos. Por isso, deverá ser produzida por pessoas devidamente habilitadas, sendo o reconhecimento desta habilitação feito normalmente na própria lei, que cuida das profissões e atividades regulamentadas, fiscalizadas por órgãos regionais e nacionais.

 

A perícia mostra-se tão importante para o bom desfecho de um processo, que há, no diploma processual penal, hipóteses de indispensabilidade desse exame. A leitura do artigo 158 do CPP, nos faz perceber a exigência desta prova específica para determinados delitos, assim, quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo ser suprido com a confissão do acusado.

Se contrapondo a essa exigência, parte da doutrina milita pela revogação do referido artigo sob a afirmação de que essa exigência é contrária aos princípios da liberdade probatória e do livre convencimento do juiz. Essa exigência, por sua vez, dificultaria a construção de uma verdade processual, já que o referido artigo poda a liberdade das partes de produzir provas (MIRABETE, 2001, p. 416).

Eugênio Pacelli de Oliveira (2011), corroborando com o entendimento do legislador, diz que a exigência de uma prova técnica somente haverá de ser feita quando houver determinado elemento do fato criminoso que só possa ser provado por meio de conhecimento especifico/técnico. Ou seja, se houver um fato qualquer cuja existência possa ser aferida pelo conhecimento dito vulgar, senso comum ou possa ser comprovado por outro meio de prova, seja ele qual for, não haverá que se falar em prova específica.

Portanto, conclui o autor, que o caso não é de revogação do art. 158, mas apenas de uma interpretação conforme a Constituição e as exigências de cada caso.

A pessoa responsável para realização desse exame é o perito, que poderá ser oficial ou não. O primeiro é aquele que integra os quadros do próprio Estado e é portador de curso superior. Esse requisito de nível universitário é aplicado somente aos que almejam ingressar nos quadros da polícia técnica, pois os que já são peritos oficiais continuarão atuando em suas respectivas áreas, ressalvada a hipótese da perícia médica, em que a necessidade de diploma é insuperável (art. 2º, Lei nº 11.690/08) (TÁVORA; ANTONNI, 2011).

Não havendo perito oficial, a autoridade poderá se utilizar de peritos não-oficiais. Esses serão, no caso concreto, nomeados para desempenharem fielmente o seu papel, tendo como principal requisito, por óbvio, a habilitação técnica para realização desse exame.

Esse entendimento veio com a recente reforma do Código de Processo Penal ocorrida com o advento da Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, que modificou a redação do artigo 159, que por sua vez passou a dispor que o exame de corpo de delito e outras perícias passariam a ser realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior, e conforme o parágrafo primeiro, na falta de perito oficial, o exame poderá ser operacionalizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área de conhecimento exigida pelo caso concreto. Os peritos não oficiais, terão como requisitos, prestar compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo que lhe fora proposto, isso está regulamentado no parágrafo segundo do artigo em destaque.

Aos peritos é exigida a imparcialidade, sendo-lhes aplicadas as mesmas hipóteses de suspeição aplicadas aos magistrados. Importante ressaltar, que os peritos são auxiliares do juízo e não das partes, e por conta disso, essas não poderão interferir na nomeação dos expert.

A realização da perícia vai cumular na feitura de um laudo que será analisado pelo magistrado. Para que esse laudo seja analisado, o julgador se valerá do sistema adotado pelo legislador, o que lhe oferecerá plena liberdade para concordar, discordar, no todo ou em parte, do que no laudo existir, devendo o juiz, somente, fundamentar a sua escolha (TÁVORA; ANTONNI, 2011).

No entanto, a título de curiosidade, há a figura do assistente técnico que é aquele perito nomeado pelas partes, que terá a função de ratificar ou infirmar o laudo do perito oficial. A atuação do assistente ocorrerá após a elaboração do laudo pelos peritos oficiais.

 

2.3.2 Do exame de corpo de delito


Há infrações que deixam vestígios, chamadas de delicta facti permanentis, como por exemplo, o estupro e o homicídio, por outro lado os crimes que não deixam vestígios são chamados de delicta facti transeuntes, e são eles, a calúnia, a difamação, a injuria, a ameaça, dentre outros. Assim, quando o ato criminoso deixa vestígios, o exame de corpo de delito faz-se necessário para que haja verificação dos vestígios materiais por ele deixados (TOURINHO FILHO, 2010).

A mais importante das perícias é o exame de corpo de delito, pois, por ser o exame técnico de coisa ou pessoa que comprova a própria materialidade do crime, essa modalidade de prova se mostra útil e indispensável para os crimes materiais, ou seja, os crimes que deixam vestígios.

Como já foi visto no subitem anterior, o exame de corpo de delito esta disposto no artigo 158, do diploma processual que diz que “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.

O exame de corpo de delito direto será aquele em que a inspeção é feita pelo perito nos próprios vestígios materiais deixados pelo crime, já o indireto acontecerá com o uso de meios secundários, acessórios, pelo fato de não mais existir vestígios. Importante ressaltar que o exame de corpo de delito indireto é uma exceção, excepcionalíssima, sendo a regra a apreciação direta. O exame de corpo de delito será suprido por prova testemunhal, quando não for possível a sua realização (LOPES, 2011).

A respeito de qual ordem de predileção deverá ser seguida, Antonni e Távora (2011, p.337) lecionam:

Nessa ótica, seguimos uma ordem de predileção na tentativa de demonstração da materialidade. Primeiro, é ideal, é a realização do exame direto, que deve ser o mais próximo do acontecimento, sem delongas, para que os vestígios não desapareçam. Tanto é verdade que o mesmo pode ser realizado a qualquer hora do dia ou da noite (art. 161, CPP). Não sendo possível, será realizado o exame indireto, com a atuação dos peritos, que elaborarão o respectivo laudo através das percepções extraídas dos elementos acessórios investigado. Na impossibilidade de ambos, a prova testemunhal supre a omissão.

Aury Lopes (2011) faz uma diferenciação entre o exame de corpo de delito e as pericias em geral. O exame de corpo de delito é a perícia realizada sobre os elementos/vestígios que constituem a própria materialidade do crime. Dai decorre a importância da sua existência, pois caso não haja, a própria existência do crime restará prejudicada, incorrendo, portanto, em nulidade absoluta do processo (art. 564, III, “b”). Em contrapartida, as perícias são feitas/baseadas em outros elementos probatórios e sua ausência não tem o condão de anular o processo, mas apenas prejudicar o convencimento do juiz sobre o crime.

O CPP, além do exame de corpo de delito, traça regras para realização de outras perícias, como por exemplo, o exame necroscópico, exumação, exame de lesões corporais, pericia laboratorial, exame grafotécnico, dentre outras. No entanto, não se mostra necessário, para esse trabalho, trabalhar pormenorizadamente cada uma delas, com exceção do exame grafotécnico que será abordado com maior profundidade no capítulo seguinte.

 

2.3.3 Dos documentos

 

O Código de Processo Penal, em seu artigo 232, entende como documentos, “quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”. No entanto, segundo Aury Lopes Jr. (2011), a pobreza conceitual e a necessidade de permitir a livre produção da prova fazem com que seja, por certo, conceder uma abertura, ampliação dessa categoria. Logo, deve-se entender documento como “qualquer manifestação materializada, por meio de grafia, de símbolos, de desenhos, ou uma forma ou expressão de linguagem ou de comunicação, em que seja possível a compreensão do conteúdo” (OLIVEIRA, 2011, p. 420).

Dessa maneira, considera-se documento qualquer escrito, assim como os áudios, os vídeos, as fotografias, dentre outras coisas que possam ser incorporadas aos autos processuais e que tenham o poder de desempenhar, é claro, a função persuasiva probatória.

Para o bom entendimento desse tópico, faz-se necessário definirmos alguns conceitos trazidos pelo artigo 232, CPP, vejamos: Muccio (2011), apresenta o que vem a ser documento, instrumento e papel. Documento já foi acima definido. Já os instrumento e papéis possuem para o Código de Processo Penal o mesmo significado de documentos em sentido estrito, logo, instrumentos são os escritos pré-constituídos para a prova, ao passo que os papeis não tem a finalidade de servir de prova, embora possam vir a servir. Os papeis são, portanto, documentos escritos em sentido estrito.

O documento poderá ser público ou particular, original ou cópia, nominativo ou anônimo. O primeiro, público, será aquele elaborado por funcionário público no exercício de sua função, ou então, por equiparação, os emitidos por entidade paraestatal, o título ao portador, o transmissível por endosso, etc. (art. 297, §2º, CP). O segundo, documento particular, é aquele produzido por um civil, ou por um funcionário público que não esteja no exercício funcional. Importante destacar, que uma vez contestada a autenticidade, a letra e a firma, esses poderão ser submetidos a exame pericial (art. 235, CPP).

O documento original é aquele escrito na fonte originariamente produtora, enquanto a cópia é a reprodução do documento original, tendo o mesmo valor da original, quando da autenticação. Os nominativos contêm um autor e os anônimos, contrariamente, não apresentam a indicação de quem o fez.

Quanto ao sujeito os documentos poderão ser classificados como públicos ou privados, já analisados no parágrafo anterior, autógrafos e heterógrafos. Os autógrafos são aqueles que o autor do documento é o próprio autor do fato documentado, e os segundos, heterógrafos, é quando o autor não é mesmo do fato ali narrado. Quanto aos sujeitos pode, também, ser os documentos ológrafos e alógrafos, o primeiro acontecera quando a declaração for oriunda do punho do próprio autor e os segundos do punho de outrem (TOURINHO FILHO, 2010).

Quanto ao fim, os documentos podem ser de finalidade ou pré-constituídos e de eventualidade ou causais. Os primeiros são os que são produzidos com o proposito de servir como prova ao ato ou fato a que se reportam. Já os segundos, não são criados para esse fim, no entanto, podem ser usado para provar algum ato (MUCCIO, 2011).

No que se refere a exposição desses documentos, eles poderão ser apresentados em qualquer fase do processo (art. 231, CPP). A produção poderá ser espontânea, que acontecerá quando as partes apresentarem os documentos comprobatórios do que estão alegando, ou poderá ser provocada, que é aquela requerida pelo juiz (art. 234, CPP). (TÁVORA E ANTONNI, 2009).

Nos dizeres de Muccio, (2011, p. 1025):

Nos termos do art. 156, II, CPP, o juiz poderá no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, determinar, de oficio, diligências para dirimir duvida sobre ponto relevante, e nos termos do artigo 155 do mesmo Código, formará sua convicção pela livre apreciação da prova. Assim, adotados os princípios da verdade real e o da livre convicção, dando ao juiz uma posição dinâmica e participativa, o Código de Processo Penal permite ao juiz ordenar, de oficio, aquelas provas que julgar de interesse para a boa solução da causa penal. Entre essas provas se inclui a documental.

Quanto à proibição do uso dos documentos, a lei penal é silente, tratando apenas em seu artigo 233, da vedação da apresentação de cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, visto essas não poderem ser admitidas em juízo pelo fato de serem ilícitas. Esse dispositivo legal se harmoniza com a garantia constitucional da inviolabilidade do sigilo de correspondência. No entanto, essa proibição não é absoluta, há excepcionalmente, a possibilidade dessas cartas serem apresentadas quando da necessidade do seu uso para a defesa de um direito. Trata-se, essa exceção, de uma ressalva existente no parágrafo único do artigo 233, CPP.

A prova documental é mais uma das provas admitidas pela lei e assim como as outras, possui valor relativo, uma vez que o juiz é livre para firmar a sua convicção (art. 155, CPP).

Assim, para a apreciação da prova documental, será necessário levar em consideração a sua natureza, origem, se trata de um documento público ou privado, se é assinado ou não, para que dessa forma seja possível retirar o seu devido valor probatório.

 

3. A PSICOGRAFIA E AS SUA PECULIARIDADES

 

3.1 Uma breve análise acerca da mediunidade

 

A proposta desse Capítulo é analisar jurídica e cientificamente a psicografia e as suas características. Para tanto, teceremos alguns comentários sobre o tema com o objetivo de aclará-lo e demonstrarmos sua relevância para o meio jurídico.

Baseado em estudos desenvolvidos com rigor científico, a psicografia é uma das variadas formas de expressão mediúnica existente. Hippolyte Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo de Allan Kardec, classificou a psicografia como um tipo de manifestação inteligente, pois essa se baseava na comunicação discursiva redigida por uma suposta entidade espiritual, por meio de um homem, um médium (KARDEC, 2006).

Ao que consta, as manifestações espirituais inteligentes, inicialmente, aconteceram por meio de mesas levantando e batendo. Ou seja, as respostas às perguntas realizadas eram convencionadas com certos números de pancadas. Posteriormente, cada letra do alfabeto correspondia a uma quantidade “x” de pancadas, o que por sua vez resultaria em palavras e frases dadas em respostas aos questionamentos.

No entanto, esse processo mostrava-se por demais demorado e complexo. Visando dar maior celeridade a essa manifestação, passou-se a adaptar uma lapiseira a uma cesta que servia como um mecanismo para auxiliar nessa complexa manifestação. Depois houve a substituição das mesas e cestas pelas pranchetas, e por fim, deu-se o uso do punho do próprio médium para realizar essa comunicação, que se tornou mais rápida, simples e completa. Atribui-se a isso o início da Psicografia (GARCIA, 2010, p. 51).

Em 1850, na França, surgiu um tipo de brincadeira chamada "mesa falante", "mesa girante" ou “dança das mesas”, que tomou conta dos salões festivos da época. A mesa girante era uma mesinha redonda, de três pés, em torno da qual se ajuntavam as pessoas para provocar manifestações de forças sobrenaturais. Foi em 1854 que o Prof. Rivail ouviu pela primeira vez falar nas mesas girantes, a princípio do Sr. Fortier, com quem mantinha relações em razão dos seus estudos sobre magnetismo, que disse que mesas podiam não apenas girar, mas também respondia perguntas. As comunicações por batidas eram lentas e incompletas; verificou-se que, adaptando um lápis a um objeto móvel (cesto, prancheta ou um outro, sobre os quais se colocavam os dedos), esse objeto começava a movimentar-se e traçava sinais. O desenvolvimento da Codificação Espírita basicamente teve início na residência da família Baudin, no ano de 1855. Na casa havia duas moças que eram médiuns. Tratava-se de Julie e Caroline Baudin, de 14 e 16 anos, respectivamente. Através da "cesta-pião" ou “cesta de bico”, um mecanismo parecido com as mesas girantes, Kardec fazia perguntas aos Espíritos desencarnados, que as respondiam por meio da escrita mediúnica. À medida que as perguntas do professor iam sendo respondidas, ele percebia que ali se desenhava o corpo de uma doutrina e se preparou para publicar o que mais tarde se transformou na primeira obra da Codificação Espírita. No ano seguinte, em 1856, seguia ao mesmo tempo as reuniões espíritas que se tinham na rua Tiquetone, na casa do Sr. Roustan e Srta. Japhet, sonâmbula. Essas reuniões eram sérias e mantidas com ordem. As comunicações ocorriam por intermédio da Srta. Japhet, médium, com a ajuda de uma cesta de bico. Com o tempo, a cesta foi substituída pelas mãos dos médiuns, dando origem à conhecida psicografia (2003).

Para que a psicografia seja entendida é necessário haver uma análise e uma classificação do fenômeno mediúnico, cuja psicografia emana como espécie.

O termo mediunidade foi criado por Allan Kardec, em meados do século XIX, para nomear a faculdade que certos indivíduos possuíam, e ainda possuem, de perceber a presença dos espíritos, seres invisíveis, desvestidos do corpo físico, com a intenção de estabelecer comunicações das mais variadas formas para com esses (AHMAD, 2008).

A palavra médium vem do latim e quer dizer meio, intermediário. Kardec (2006, p. 47), em seu amplo estudo sobre esse fenômeno assegura que:

Para os espíritos, o médium é um intermediário; é um agente ou um instrumento mais ou menos cômodo, segundo a natureza ou o grau da faculdade mediúnica. Esta faculdade depende de uma disposição orgânica especial, suscetível de desenvolvimento. Distinguem-se diversas variedades de médiuns, segundo sua aptidão particular para tal ou tal modo de transmissão, ou tal ou tal gênero de comunicação.

Nesse contorno, o médium seria o ponto de ligação entre o mundo físico e o espiritual. A mediunidade, na concepção de Pires (2005, p. 9-13), pode ser entendida como:

A faculdade humana, natural, pela qual se estabelecem as relações entre homens e espíritos, não é um poder oculto que se possa desenvolver através de práticas rituais ou pelo poder misterioso de iniciado ou de um guru. [...] A mediunidade é a manifestação de Espírito através do corpo.

Homero Barros (2004), diz que a mediunidade é a capacidade que permite ao encarnado perceber determinadas manifestações da espiritualidade e estabelecer o intercâmbio com os desencarnados.

Do conceito de mediunidade, desprende-se o entendimento de que ela está inserida no campo da comunicação, com a única diferença nos planos em que se dá, pois, enquanto nossa comunicação é realizada entre encarnados, ou seja, seres que possuem corpo físico, tangível, a mediunidade permite, das mais variadas formas, a comunicação entre seres de planos distintos (AHMAD, 2008).

Assim, se considerarmos que o homem é, ao mesmo tempo, matéria e espírito, a mediunidade pode ser considerada como a comunicação mais abrangente possível porque se origina da conjugação dos dois elementos da natureza existentes no homem. (AHMAD, 2008).

No mesmo entendimento, Kardec (2006) define a comunicação espírita como sendo uma manifestação inteligente dos Espíritos baseada na troca continua de pensamentos entre eles e os homens.

KARDEC (2008, p.12), no Livro dos Médiuns, diz:

Quando os adversários do Espiritismo nos tiverem demonstrado que isso não é possível, por razões tão patentes como aquelas pelas quais Galileu demonstrou que não é o Sol que gira ao redor da Terra, então poderemos dizer que suas dúvidas são fundadas; infelizmente, até este dia, toda a sua argumentação se resume nestas palavras: eu não creio, portanto, isso é impossível. Eles nos dirão, sem dúvida, que cabe a nós provar a realidade das manifestações; nós as provamos pelos fatos e pelo raciocínio; se eles não admitem nem um nem outro, se negam o que vêem, cabe a eles provarem que o nosso raciocínio é falso e que os fatos são impossíveis.

Em conformidade com a pretensão de ser este um trabalho jurídico e científico, não há que se falar na mediunidade em seu aspecto religioso, pois ela pode, e deve, ser estudada cientificamente, independente de religião, cultura ou credo.

Hodiernamente, já é possível se falar em uma compatibilidade entre ciência e mediunidade. Isso porque no meio científico já existem aqueles que conseguem unir racionalidade com dons espirituais, sob a afirmação de que a mediunidade não seria um fenômeno sobrenatural e sim um fenômeno natural.

O psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira, professor de Medicina e Espiritualidade da Faculdade de Medicina da USP e membro da Associação Médica-Espírita de São Paulo, comprovou cientificamente a mediunidade e para tanto realizou exames de tomografia que por sua vez analisaram, de cerca de mil pessoas, a glândula pineal, uma parte do cérebro localizada no rostro-dorsal à colículo superior e atrás da stria medullaris, entre os corpos talâmicos posicionados lateralmente (JUNQUEIRA, 2004).

O Dr. Sérgio Felipe, em entrevista à Revista Espiritismo & Ciência, disse que a Glândula Pineal é a única estrutura do corpo humano capaz de ultrapassar as três dimensões a qual estamos habituados, quais sejam: comprimento, largura e altura. Vejamos o que diz o estudioso:

A pineal está localizada no meio do cérebro, na altura dos olhos. Ela é um órgão cronobiológico, um relógio interno. Como ela faz isso? Captando as radiações do Sol e da Lua. A pineal obedece aos chamados Zeitbergers, os elementos externos que regem as noções de tempo. Por exemplo, o Sol é um Zeitberger que influencia a pineal, regendo o ciclo de sono e de vigília, quando esta glândula secreta o hormônio melatonina. Isso dá ao organismo a referência de horário. Existe também o Zeitberger interno, que são os genes, trazendo o perfil de ritmo regular de cada pessoa. Agora, o tempo é uma região do espaço. A dimensão espaço-tempo é a quarta dimensão. Então, a glândula que te dá a noção de tempo está em contato com a quarta dimensão. Faz sentido perguntarmos: "Será que a partir da quarta dimensão já existe vida espiritual?" Nós vivemos em três dimensões e nos relacionamos com a quarta, através do tempo. A pineal é a única estrutura do corpo que transpõe essa dimensão, que é capaz de captar informações que estão além dessa dimensão nossa.

 

Segundo o psiquiatra, os testes mostraram que aqueles com facilidade para manifestar a psicografia apresentam uma maior quantidade do mineral cristal de apatita na glândula pineal. Esses cristais acompanhado de outros elementos, como por exemplo, fosfato de cálcio, carbonato de cálcio e calcita formam a estrutura dessa glândula (OLIVEIRA, 2008).

André Luiz, por meio da psicografia de Chico Xavier (2001), coloca a glândula pineal como a glândula de vida mental. Ele se refere a esta como responsável pela deflagração da puberdade, o que é correto cientificamente, coloca-a como responsável pelas sensações e impressões na esfera emocional, comentando as emoções de "baixa classe", e sua importância durante os atos mediúnicos.

Importante esclarecer, que o interesse pela glândula pineal não é algo recente. O filósofo René Descartes (1996, apud DONATELLI, 2003), no ano de 1640, disse que a glândula pineal seria a morada da alma, logo, atuaria na intermediação entre as informações do corpo e da alma. No Oriente, acredita-se que ela é uma espécie de terceiro olho atrofiado. Os praticantes da yoga indiana afirmam que ela é a janela de Brahma, conhecida como o Olho de Diamante, que uma vez adequadamente treinado poderia perceber uma realidade transcendental (SANTANA, 2009).

O médico Sérgio Felipe Oliveira em entrevista concedida a Revista Espiritismo e Ciência diz:

A afirmação de Descartes, do ponto em que a alma se liga ao corpo, tem uma lógica até na questão física, que é esta glândula que lida com a outra dimensão, e isso é um fato.

E acrescenta que a mediunidade seria um atributo biológico e não um conceito religioso como alguns acreditam. Vejamos o que expõe o estudioso:

A mediunidade é um atributo biológico, acredito, que acontece pelo funcionamento da pineal, que capta o campo eletromagnético, através do qual a espiritualidade interfere. Não só no espiritismo, mas em qualquer expressão de religiosidade, ativa se a mediunidade, que é uma ligação com o mundo espiritual.
Um hindu, um católico, um judeu ou um protestante que estiver fazendo uma prece, está ativando sua capacidade de sintonizar com um plano espiritual. Isso é o que se chama mediunidade, que é intermediar. Então, isso não é uma bandeira religiosa, mas uma função natural, existente em todas as religiões. E isso deve acontecer através do campo magnético, sem dúvida. Se a espiritualidade interfere, é pelo campo eletromagnético, que depois é convertido, pela pineal, em estímulos eletroneuroquímicos. Não existe controvérsia entre ciência e espiritualidade, porque a ciência não nega a vida após a morte. Não nega a mediunidade. Não nega a existência do espírito. Também não há uma prova final de que tudo isto existe. Não existe oposição entre o espiritual e o científico. Você pode abordar o espiritual com metodologia científica, e o espiritismo sempre vai optar pela ciência. Essa é uma condição precípua do pensamento espírita. Os cientistas materialistas que disserem "esta é minha opinião pessoal", estarão sendo coerentes. Mas se disserem que a opção materialista é a opinião da ciência, estarão subvertendo aquilo que é a ciência. A American Medicai Association, do Ministério da Saúde dos EUA, possui vários trabalhos publicados sobre mediunidade e a glândula pineal. O Hospital das Clínicas sempre teve tradição de pesquisas na área da espiritualidade e espiritismo. Isso não é muito divulgado pela imprensa, mas existe um grupo de psiquiatras lá defendendo teses sobre isso.

Podemos citar outra pesquisa feita pelo neurocientista Mario Beauregard, da Universidade de Montreal, no Canadá e pelo radiologista Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, que demonstrou que a mediunidade nada mais é do que a manifestação de circuitos cerebrais, sendo que alguns já são explicáveis, como, por exemplo, os estados de transe.

Este estudo comprovou que durante a oração de freiras e monges católicos, a área do cérebro relacionada à orientação corporal é quase toda desativada, o que justificaria a sensação de desligamento do corpo. Esse resultado foi obtido por meio de imagens de ressonância magnética e tomografias feitas no momento do transe (FRUTUOSO, 2008).

Realmente, muitos foram os cientistas e/ou intelectuais que pesquisaram a fundo, de maneira circunspecta, o espiritismo e acabaram se convencendo da possibilidade de relação dos vivos com os desencarnados. Miguel Reale Jr. em um importante artigo, sob o título “Razão e religião”, publicado no Jornal O Estado de São Paulo, em 3 de janeiro de 2009, destaca a trajetória de Cesare Lombroso, criminalista italiano e professor de psiquiatria e antropologia animal, que após muito estudo, escreveu, em 1909, o livro Fenomeni Ipnotici e Spiritici.

Essa obra foi fruto de incessantes pesquisas no âmbito do espiritismo experimental, onde o autor relata pesquisas com fenômenos ocorridos sob hipnose, assim como alguns fenômenos mediúnicos. O livro, também oferece subsídios aos estudiosos do assunto, abordando, entre tantos outros, os seguintes temas: mediunidade entre os selvagens e povos antigos, estigmas e levitações dos santos, magos e bruxos, histeria e magia na mulher, fotografias transcendentais, casas assombradas, etc. (LOMBROSO, 1999).

No livro, Cesare Lombroso relata que foi um dos cientistas convidados para examinar os fenômenos físicos produzidos pela notável mediunidade da italiana Eusápia Paladino2, como por exemplo, a materialização, levitações de mesa e dela própria, movimentações de objetos, dentre outros acontecimentos descritos no livro supracitado (LOMBROSO, 1999).

Lombroso, ante tantas provas tão evidentes, não titubeou em permitir que fosse publicado na “Tribuna Giudiziaria”, de 15 de julho de 1891, uma carta escrita por ele endereçada ao Prof. Ciolfi, datada na cidade de Turim, aos 25 de junho do mesmo ano, onde confessava, em certo trecho, pública e textualmente o seguinte:

“Estou muito envergonhado e desgostoso por haver combatido com tanta persistência a possibilidade dos fatos chamados espiríticos; digo fatos, porque continuo ainda contrário à teoria. Mas os fatos existem e eu deles me orgulho de ser escravo.” (in POLIZIO, 2009).

Logo, diante desse novo entendimento, Lombroso dedicou, dentre seus vários livros, este que relata suas experiências não só com Eusapia Paladino, como também com outros médiuns de efeitos físicos, como a senhora Elizabeth D’Espérance e Politi (LOMBROSO, 1996). O livro supracitado foi traduzido para o português e intitulado como “Hipnotismo e Mediunidade”, publicado pela Federação Espirita Brasileira – FEB.

Podemos citar, também, William Crookes, cientista do século XX, descobridor do elemento químico tálio e do estado radiante da matéria, que em 1874, publicou o livro “Fatos Espíritas”, onde descreveu com minúcias as materializações do Espírito Katie King e afirmou ter enfrentado o estudo dos fenômenos mediúnicos, por saber que em um curto espaço de tempo esse assunto teria que ser estudado pela comunidade cientista.

Concluiu Crookes (1996, p.7):

Os diversos fenômenos que venho atestar são tão extraordinários e tão inteiramente opostos aos mais enraizados pontos do credo científico – entre outros a universal e invariável ação da força de gravitação –, que mesmo agora, recordando-me dos detalhes de que fui testemunha, há antagonismo em meu espírito entre minha razão, que diz ser isso cientificamente impossível, e o testemunho de meus sentidos da vista e do tato, testemunho corroborado pelos sentidos de todas as pessoas presentes – que me dizem não serem testemunhos mentirosos, visto que eles depõem contra as minhas idéias (sic) preconcebidas.

O meu fim principal será, pois, fazer conhecer a série das manifestações que se produziram em minha casa, em presença de testemunhas dignas de fé e sob as condições dos mais severos exames que pude imaginar. Ademais, cada fato que observei é corroborado por pessoas independentes, que o observaram em outros tempos e em outros lugares.

Ver-se-á que todos esses fatos têm o caráter mais surpreendente e que parecem inteiramente inconciliáveis com todas as teorias conhecidas da ciência moderna.

Feita essa breve análise sobre a mediunidade, faz-se necessário conceituarmos o termo Espírito, já que na comunicação ora estudada ele é um dos elementos que a compõem.

O Livro dos Espíritos, codificado por Allan Kardec no ano de 1857, traz princípios básicos e essenciais para o entendimento do tema ora em análise. O livro, o primeiro de uma série de livros editados sobre o mesmo tema, mostra-se na forma de perguntas e respostas, perfazendo o total de 1.019 tópicos. Na sua pergunta 76, Kardec busca definir um conceito de Espírito, e obtém como resposta a seguinte conclusão: “pode dizer-se que os espíritos são os seres inteligentes da criação. Povoam o universo, fora do mundo material”. Segue dizendo que a palavra Espírito é empregada aqui para designar as individualidades dos seres extracorpóreos (2005).

Os espíritos são, portanto, seres despojados de envoltório material que povoam a Terra e outras esferas. Ainda se referindo aos Espíritos, Kardec diz no Livro dos Médiuns (2008, p. 11):

Que o Espírito é o ser principal, já que é o ser pensante e sobrevivente; o corpo, pois, não é senão acessório do Espírito, um envoltório, uma veste que ele deixa quando está estragada. Além desse envoltório material, o Espírito tem um segundo, semi-material, que o une ao primeiro; na morte, o Espírito se despoja deste, mas não do segundo ao qual damos o nome de períspirito. Esse envoltório semi-material, que afeta a forma humana, constitui para ele um corpo fluídico, vaporoso, mas que, por nos ser invisível em seu estado normal, não deixa de possuir algumas das propriedades da matéria. O Espírito não é, pois, um ponto, uma abstração, mas um ser limitado e circunscrito, ao qual não falta senão ser visível e palpável para se assemelhar aos seres humanos.

Destarte, o fato dos espíritos habitarem uma dimensão existencial, em regra, imperceptível aos olhos humanos, não impede que seja estabelecida uma comunicação entre eles e os seres que ainda estão na matéria, os encarnados.

Para que haja diálogo com os encarnados, os espíritos se utilizam de seus corpos semimateriais, o perispírito, que não sendo absolutamente matéria como o nosso, apresentam algumas propriedades na matéria (AHMAD, 2008).

Segundo Carlos Bernardo Loureiro (1998, p. 13):

O perispírito é o laço que une o Espírito à matéria do corpo; é tirado do meio ambiente, do fluido universal; tem simultaneamente, segundo Kardec, algo de eletricidade, do fluido magnético e, até certo ponto, da matéria inerte. Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria; é o principio de vida orgânica, mas não o é da vida intelectual.

Esse elemento mostra-se de importante função nas manifestações do mundo espiritual. Allan Kardec (2006, p. 57) atribui ao perispírito o seguinte conceito:

PERISPÍRITO – (de peri, em volta de, e spiritus, espírito). Envoltório semimaterial do Espírito depois de sua separação do corpo. O espírito o tira do mundo em que se acha e o troca ao passar para um outro; ele é mais ou menos sutil ou grosseiro, segundo a natureza de cada globo. O perispírito pode tomar todas as formas à vontade do Espírito; ordinariamente assume a imagem que este tinha em sua ultima existência corporal.

O perispírito embora seja invisível em seu estado normal, não deixa de ser matéria e, em certos casos, sofre uma modificação molecular que o torna mais denso. Essa alteração resulta no fenômeno amplamente conhecido da aparição dos espíritos. Nemer da Silva Ahmad diz que “não tem nada de maravilhoso nisso, pois idêntica transformação se dá com o vapor que, invisível enquanto muito rarefeito, torna-se visível quando mais condensado” (2008, p. 36).

É por meio desse perispírito que o espírito se manifesta na escrita, na fala, nas aparições, etc. No que se refere a escrita, já que estamos falando de psicografia, o espírito, por não ter corpo tangível, apresenta a necessidade de se utilizar do corpo do médium como que se apoderando de seus órgãos, fazendo agir como se o fosse, para alcançar tal objetivo.

Dessa forma, como já ponderado, a comunicação espírita não diverge da comunicação realizada entre encarnados, sendo a única diferença o plano dos sujeitos que se comunicam. Em uma há intercambio de ideias entre seres residentes em dimensões diferentes e na outra o intercambio é entre sujeitos de uma mesma dimensão, razão pela qual naquela, para sua perfectibilidade, fazer-se necessário a utilização de um intermediário denominado médium (AHMAD, 2008).

Feita essa sucinta introdução no tema ora abordado, passaremos agora a analisar o conceito da psicografia e as suas espécies.

 

3.2 Significado e espécies de psicografia

 

O termo psicografia vem do grego (psyché – espírito, alma e graphô – escrevo) e traduz um fenômeno através do qual os espíritos transmitem o seu pensamento por meio da escrita mediúnica, usando-se para isso de algumas pessoas que possuem essa faculdade específica, denominadas médiuns psicógrafos.

Segundo o autor Mota Jr. (1999), o espírito envia a mensagem neuronal a partir da glândula pineal ou epífise, localizada no cérebro do médium, para que a mão do mesmo converta em escrita o seu pensamento, resultando em um bilhete, uma carta, um relato histórico, um livro, uma coletânea ou no escrito capaz de codificar a ideia que pretende transmitir.

Dessa forma, na psicografia ocorre uma transmissão do pensamento do espírito por meio da escrita pela mão do médium3. No médium psicógrafo, a mão é o instrumento, porém o espírito nele encarnado, a alma, é o intermediário ou interprete do espírito estranho que se comunica (KARDEC, 1966).

Conforme entendimento de Fernando Rubin (2011, p.114):

A carta psicografada é um dos mecanismos, segundo o espiritismo kardecista, que comprova a comunicação dos vivos com os mortos. Por certo, não é a única, mas uma das mais convincentes na demonstração de que existe vida após a morte e de que os espíritos, em geral, possuem suficiente noção da sua situação no plano espiritual, a ponto de trazerem relatos da sua atual moradia espiritual e, principalmente, recordações de sua passagem pela Terra como também das relações pessoais travadas em nosso planeta.

Cabe, para melhor entrosamento com tema, a explicação da forma que sucede a psicografia. Para tanto, nos valeremos do que ensina Guimarães (2008, p. 33-35):

O mentor espiritual responsável pela preparação do fenômeno da psicografia aproxima-se do médium e lhe aplica forças magnéticas sobre seu chacra coronário. Isso sensibiliza e ativa a gandula pineal, fazendo-a produzir um hormônio chamado melatonina, que interage com os neurônios, tendo um efeito sedativo. Em seguida, esse hormônio é direcionado para a parte do córtex cerebral responsável pela coordenação motora, que vai ficar sob seu efeito, ou seja, sedada. Assim, o médium perde o comando sobre seus órgãos motores, permitindo que o espírito se ligue a este sistema sensitivo e o utilize.

Depois, os espíritos auxiliares aproximam o espírito que irá se manifestar pela psicografia e fazem a ligação perispiritual com os órgãos sensoriais do movimento dos braços do médium, através do chacra umeral. O espírito comunicante se apossa temporariamente dos gânglios nervosos à altura do omoplata do médium, aproximando-se de seu mundo sensitivo e conseguindo se expressar pela escrita.

Importante é, mencionar a obra do Jornalista Marcel Souto Maior (2004), que comprova a existência de efetivas comunicações entre vivos e mortos, sendo um dos casos mais emblemáticos narrados no livro por trás do véu de Isis, a psicografia do médium Waldo Vieira de um romance com 322 paginas, assinadas por Honoré de Balzac. Tal Romance foi levado à análise do mais importante estudioso da obra de Balzac no Brasil, o professor Osmar Ramos Filho, que após sete anos de pesquisa, encontrou cerca de duas mil semelhanças da obra psicografada com as obras em vida do mestre, o que o fez concluir, sem hesitação, ser um autêntico romance de Balzac.

Essa, dentre tantas outras que poderíamos citar, demonstra que o uso da psicografia é algo recorrente na humanidade e que se têm registros nos mais variados setores do conhecimento humano, como por exemplo, na literatura, na ciência, na religião, na música, etc.

Para o presente trabalho, interessa apenas o estudo da psicografia indireta, que é aquela desenvolvida pelo médium por meio de sua mão juntamente com um instrumento escrevente. A psicografia direta, também chamada de pneumatografia, já demonstrada no início desse capítulo, é aquela que se dá pelo uso das pranchetas e cestas de bico, usada no início das comunicações dos espíritos com o mundo físico (GRACIA, 2010).

De forma simplificada, baseado na distinção feita por Kardec, no Capítulo XV, do livro dos médiuns, podemos definir as espécies de psicografia da seguinte forma:

  1. a) Mecânica;

 

Aqui o médium serve de instrumento para o espírito, exprimindo esse, diretamente o seu pensamento, seja pelo movimento de um objeto do qual a mão do médium é apenas um ponto de apoio, seja por sua ação sobre a mão do médium. Segundo Kardec,

O que caracteriza o fenômeno, nesta circunstancia, é que o médium não tem a menor consciência do que escreve; a inconsciência absoluta, neste caso, constitui o que se chama de médiuns passivos ou mecânicos. Esta faculdade é preciosa pelo fato de não poder deixar nenhuma dúvida sobre a independência do pensamento daquele que escreve (2008, p.148)

Daí o nome psicografia mecânica, pois o movimento da mão é involuntário.

 

b) Intuitiva;

 

Nessa modalidade de psicografia, a transmissão do pensamento se dá por meio do Espírito do médium, ou melhor, de sua alma, uma vez, que é designado sob esse nome o espírito encarnado. O espírito estranho, não atua sobre a mão do médium para fazê-la escrever; não a toma, não a guia, ele age sobre o espírito do médium, imprimindo a ele a sua vontade. Nessa situação o médium tem consciência do que escreve, já que a função de sua alma não é absolutamente passivo, pois é ela quem recebe o pensamento do espírito e que o transmite.

Kardec (2008, p. 148), diferencia a mediunidade mecânica da intuitiva dizendo que naquela o médium atua como uma máquina e nessa o médium atua como um interprete.

Este, com efeito, para transmitir o pensamento, deve compreendê-lo, dele apropriar-se, de alguma sorte, para traduzi-lo fielmente e, portanto, esse pensamento não é seu: não faz mais que atravessar seu cérebro. Tal é exatamente o papel do médium intuitivo.

 

Na psicografia intuitiva o grafismo é do médium, já que esse funciona apenas como interprete, traduzindo os pensamentos que lhe são transmitidos pelo espírito. Nesse caso, ocorre apenas uma sintonia psíquica entre a mente comunicante e a mente do médium.

Muitas pessoas desacreditam da mensagem psicografada em razão do grafismo apresentando não demonstrar semelhança com o grafismo do espírito quando encarnado. Só que, especificamente nesse tipo de psicografia, a sintonia entre médium e espírito acontece por meio de uma inspiração que esse dirige àquele. A influência do espírito acontece no inconsciente e não no plano físico como na psicografia mecânica (GARCIA, 2010).

 

c) Semimecânica.

 

Nessa forma de mediunidade, há uma junção entre a psicografia mecânica e a intuitiva. Ou seja, de maneira alternada, o médium lança mecanicamente no papel o que o espírito escreve; outras vezes o médium lança no papel a tradução dos pensamentos que lhe são transmitidos pelo espírito (GARCIA, 2010).

Nos dizeres de Kardec (2008, p.149):

No médium puramente mecânico, o movimento da mão é independente da vontade; no médium intuitivo, o movimento é voluntario e facultativo. O médium semi-mecânico participa dos dois gêneros; sente uma impulsão dada à sua mao, malgrado seu, mas ao mesmo tempo, tem consciência do que escreve, a medida que as palavras se formam. No primeiro, o pensamento segue o ato de escrever; no segundo, o precede; no terceiro, o acompanha. Estes últimos médiuns são os mais numerosos.

 

Outro ponto que merece destaque é o que se refere à caligrafia existente nos textos psicografados. Kardec (2008) aduz que é um fenômeno muito comum nos médiuns escreventes haver a alteração da caligrafia. No entanto, não muito difícil, a mesma caligrafia se reproduz constantemente com o mesmo espírito e algumas vezes se mostra idêntica com a que tinha em vida.

Dessa forma, a mudança de letra não ocorre senão com os médiuns mecânicos e semi-mecânicos, porque neles o movimento da mão é involuntário e dirigido pelo espírito. Isso, em contrapartida, não ocorre com os médiuns intuitivos, visto nesse caso, o espírito atuar unicamente sobre o pensamento e não sobre a mão do médium, que por sua vez é dirigida pela vontade desse, como nas circunstancias comuns.

Ressalta Kardec (2008), que a uniformidade da caligrafia, mesmo dos médiuns mecânicos, não prova absolutamente nada contra a faculdade, não sendo a mudança uma condição absoluta na manifestação dos espíritos; ela se prende a uma aptidão especial da qual os médiuns, não estão sempre dotados. Diz ele que os médiuns que tem essa aptidão são chamados de médiuns polígrafos.

Há quem afirme que a escrita mediúnica é uma ilusão ou uma fraude, no entanto, ninguém até o momento conseguiu comprovar que as obras psicografadas por médiuns sejam fraudes.

Ao contrário, o expert grafotécnico Carlos Augusto Perandréa (perito credenciado pelo Poder Judiciário em documentoscopia no Paraná), desenvolveu estudo bastante importante, que em pormenorizada análise de mensagens psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier, chegou à conclusão de que na “na prática, em mais de 25 anos de perícias, centenas de resultados positivos foram alcançados em menor quantidade de material do que o coletado para esta pesquisa” (PERANDRÉA, 1991).

Nessa feita, passemos agora para o estudo da perícia grafodocumentoscópica.

 

3.3 Perícia Grafodocumentoscópica

 

De início, é importante esclarecermos que grafotécnica é uma subdivisão da documentoscopia, que por sua vez é uma área de estudo do que hoje compõe a criminalística.

Criminalística é o procedimento investigatório que utiliza métodos científicos para analisar e interpretar evidências materiais. De forma abstrata, a criminalista pode ser dividida em: locais de crime, medicina legal, toxicologia forense, impressões e vestígios de diversos, documentoscopia, dentre outros ramos (GARCIA; PÓVOA, 2000).

Por sua vez, o estudo dos documentos é dividido em alguns ramos, quais sejam: garafotécnica, que corresponde ao exame dos grafismos, também chamada de grafotécnia e grafoscopia ; alterações; exame de tintas e papéis, etc.

Grafoscopia é, segundo Gomide (2005), a disciplina que tem por finalidade determinar a origem do documento gráfico.

Documento sob a ótica jurídica é a representação de um fato ou ideia, que pode ser utilizado em juízo como meio de prova (GOMIDE, 2005).

Baseado nesse conceito, documento poderá ser exemplificado como desenho artístico, pinturas, esculturas, discos, CDs e tantas outras coisas que nem sempre são objeto de estudo da Grafoscopia.

Considerando que a Grafoscopia almeja unicamente o documento gráfico, entende Gomide que, a conceituação técnica de documento deve enfocar exclusivamente os seus elementos materiais, sem entrar no mérito do seu conteúdo. Dessa forma, documento pode ser entendido, no âmbito grafoscópico, como “o suporte que contem um registro gráfico” (2005, p.25).

Allan Kardec, no item 16 do Cap. I, no livro A Gênese, diz que o espiritismo e a ciência devem manter um dialogo, pois essa sem aquela se acharia na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; e o Espiritismo, sem a Ciência, não teria apoio e comprovação (2011).

Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da Natureza, a reagir incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, segue-se que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação. O estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a matéria é que primeiro fere os sentidos. Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria abortado, como tudo quanto surge antes do tempo.

Corroborando com esse necessário diálogo entre o espiritismo e a ciência, o perito especializado em análises datiloscópicas e grafotécnicas, Carlos Augusto Perandréa (1991) avaliou uma carta atribuída a Ilda Mascaro Saullo, que morreu de câncer em 1977, na Itália. O bilhete em italiano, língua que o médium Chico Xavier desconhecia, foi comparado com um cartão-postal escrito por Ilda anos antes de sua morte. A pesquisa transformou-se no livro “A Psicografia à Luz da Grafoscopia”, que minudencia, por exemplo, que as letras “t” do cartão escrito por Ilda e da carta de Chico Xavier tinham o mesmo tipo de ligação com as demais, a mesma abertura das hastes e a mesma barra de corte da letra. Segundo o perito, a mensagem era um híbrido entre a forma de escrever do médium e da italiana.

Esse resultado foi obtido por meio de exame grafotécnico realizado sobre a carta psicografada pelo médium Chico Xavier, atribuída a Ilda Saullo. O perito Perandréa, diante dessa análise, chegou a conclusão de que a mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, não poder ser atribuída a outra pessoa senão a Ilda Mascaro Saulo, ante a existência, em número e em qualidade, consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica da autora (PERANDRÉA, 1991).

Vejamos, Ipsis litteris, a conclusão do perito ante aos resultados dos exames realizados (PERANDRÉA, 1991, p. 56):

- A mensagem psicografada por Francisco Candido Xavier, em 22 de julho de 1978, atribuída a Ilda Mascaro Saullo, contém, conforme demonstração fotográfica, (figura 13 a 18), em “número” e em “qualidade”, consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica suficiente para a revelação e identificação de Ilda Mascaro Saullo como autora da mensagem questionada.

- Em menor número, constam, também, elementos de gênese gráfica, que coincidem com os existentes na escrita-padrão de Francisco Cândido Xavier.

Outro ponto importante, que também merece destaque, é o da necessidade para realização do exame grafotécnico de cartas psicografadas, de conhecimento, por parte do perito, dos mecanismos da mediunidade e especialmente das formas de psicografia. Assim, para a realização da perícia, além dos conhecimentos afetos à atividade pericial, deve o profissional conhecer o processamento da psicografia, o tipo de médium escrevente, dentre outras especificidades, sob pena da verificação da autenticidade gráfica restar prejudicada (AHMAD, 2008).

Para o êxito da perícia em textos psicografados não é possível a utilização do método convencional por se mostrar ineficaz, conforme elucida Perandréa (1991, p. 19-20):

Os resultados iniciais pareciam não fazer sentido dentro dos princípios básicos da grafoscopia. Procura-se saber as causas. Não obstante as dificuldades, ficava caracterizada a necessidade de melhor se compreender alguns pontos fundamentais da própria psicografia. E, para tanto, foram buscadas nas obras de Allan Kardec as respostas para o entendimento e desenvolvimento desse trabalho.

Em decorrência desse novo estudo, constatou-se a ineficácia da aplicabilidade do método convencional de exames para a determinação da autoria gráfica. Sabe-se que nos exames de escritas cursivas normais, segundo técnica largamente aconselhada, o examinador inicialmente levanta os dados da cultura gráfica e do grau de firmeza, ao tempo em que a dinâmica e a própria gênese gráfica vão se relevando aos olhos experimentados do especialista. Comprovou-se que a técnica de conferência mais adequada é a aplicada para os exames das escritas em alfabetos ideográficos e em escritas numéricas, ou seja, parte-se dos exames da gênese gráfica reforçados pelos demais exames.

Confirmou-se a necessidade da valoração de alguns pontos de grafoscopia, como cultura gráfica, as causas modificadores do grafismo, a mão amparada, a mão guiada e principalmente o pivô da escrita, todos analisados a partir da gênese gráfica.

Portanto, o perito, em virtude do documento psicografado, deve possuir conhecimento sobre as comunicações mediúnicas para que seu mister seja bem exercido, sob pena de comprometer a análise científica do texto.

Nermer Ahmad (2008) alega que sem dúvida, a perícia é o meio mais adequado para atestar a autenticidade da prova psicografada por tratar-se de uma comprovação científica, largamente utilizada para as demais provas documentais.

No entanto, não pode ser dispensada a possibilidade de fraudes desses textos. Garcia e Póvoa (2000) dizem que, se um documento for submetido a um processo de falsificação, é porque os falsificadores se valeram do uso de um dos cinco processos de falsificação, abaixo relacionados, vejamo-los:

Primeiramente eles falam sobre o processo de falsificação sem imitação, que é aquele em que a pessoa não se preocupa em reproduzir fielmente a assinatura legitima, fazendo apenas uma reprodução simples do nome.

A outra forma é a falsidade de memória, ou seja, aquela onde o falsário executa a assinatura, sem exercício algum, tentando reproduzi-la igual àquela vista anteriormente e guardada na memória.

Há, também, a imitação servil, outro método utilizado para falsificação, que consiste no uso de um modelo para orientação de tal prática.

A imitação livre ou exercitada é aquela exercida por meio de um falsário que procura dar maior semelhança ao seu trabalho, por meio de treinos ou exercícios da assinatura a ser forjada.

E por fim, citam os autores, o processo de falsificação que se utiliza do decalque, que nada mais é do que a reprodução de uma assinatura por meio de sua figura ou imagem, vista por transparecia ou por debuxo (risco, esboço).

O estudo do grafismo das mensagens psicografadas deve ser pautado em algumas especificidades. Isso porque, a psicografia apresenta como característica marcante o aumento do calibre (tamanho da letra) em comparação ao grafismo padrão que apresenta um calibre normal. Quem examina os dois grafismos, o psicografado e o escrito pelo autor ainda em vida, verifica facilmente a desproporção do tamanho das letras.

Essa alteração, segundo estudiosos da área, é normal, visto o ser humano mudar naturalmente sua escrita com o passar do tempo. Desse modo, o perito não deve se atentar ao conteúdo da mensagem psicografada, pois a ele só deve interessar a comparação entre os dois grafismos (GARCIA, 2010).

Ainda que o grafismo da psicografia seja diferente, não significa dizer que a mensagem não é de autoria do espírito comunicante, até porque na psicografia intuitiva o grafismo será sempre do médium pelas razões já demonstradas anteriormente. Nesse caso, se o exame pericial não permitir atestar a autenticidade da carta, os que conviveram com a pessoa (espírito enquanto encarnado) poderão constatar detalhes e especificidades do assunto que identificam a procedência da mensagem.

Como resultado disso, temos, portanto, duas formas de se analisar uma mensagem psicografada, quais sejam: análise técnica e/ou análise do conteúdo.

A análise técnica é aquela que decorre da perícia feita pelo expert grafotécnico, que se utiliza de seu conhecimento na área para verificar os pontos característicos oriundos na mensagem psicografada e o grafismo produzido em vida pela pessoa, determinando assim, a autenticidade da carta.

A análise do conteúdo é aquela realizada por parentes e amigos que, por conhecerem a intimidade do espírito mensageiro quando encarnado, esmiuçarão a mensagem psicografada nos seus mínimos detalhes, para que dessa forma consigam concluir, subjetivamente, se a autoria da mensagem pertence, realmente, ao seu amigo ou parente.

Nessa perspectiva, passemos agora para o estudo da viabilidade das cartas psicografadas serem utilizadas enquanto prova judicial em um processo.

 

4 A PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL

 

Os comentários sobre a psicografia, na maioria das vezes, possuem cunho religioso. Acontece que, para se admitir a psicografia como prova no processo penal não é necessário que haja juízos de valores com fundamentos religiosos, bastando para tanto, apenas a análise técnica ou de conteúdo como já falado anteriormente.

Em razão disso, entende-se que a admissibilidade da prova psicografada deve pautar-se, antes de qualquer outro elemento, na cientificidade que envolve esse fenômeno4. Daí o porquê dos esclarecimentos deduzidos no capítulo anterior, relacionados aos inúmeros relatos no Brasil e em outros países, de observações e comprovações da atividade mediúnica, da comunicação com o plano espiritual, etc.

Miguel Timponi (2010), relata várias dessas pesquisas na obra A psicografia ante os Tribunais, onde ressalta robustos estudos, sobre o tema ora em debate, realizados na Inglaterra, pelo físico William Crookes, na Itália pelo criminologista Cesare Lombroso, dentre outros reconhecidos cientistas da Alemanha, França, Estados Unidos, que após isso, não mais tiveram dúvidas a respeito da imortalidade da alma, do fenômeno reencarnacionista, dentre outros assuntos interligados a esse.

Nesse diapasão, os modernos sistemas probatórios, entre eles o do Brasil, dispõem que outros meios de provas além dos tipificados na lei podem ser utilizados no processo, desde que lícitos, possibilitando, como já falado, maior proximidade com a verdade material. Isso se deve, mormente, porque o direito processual está permeado por normas constitucionais, o que possibilita, sobremaneira, ao julgador maior condição de atingir a verdade e consequentemente o alcance a segurança jurídica.

Convém ressaltar, que a admissão de cartas psicografadas como meio de prova judiciais tem como fundamentos primordiais os princípios constitucionais já destacados. Nesse sentido, passa-se a análise da possibilidade do Judiciário valorar esse meio probante. É o que trataremos no próximo tópico.

 

4.1 A psicografia enquanto prova documental no processo penal e a sua valoração articulada com os demais meios de prova

 

Para que se analise o valor probatório de uma carta psicografada, necessário antes, trazer a lume alguns posicionamentos contrários à sua utilização.

Uma tese, avessa ao uso da psicografia como meio de prova em processo judicial, fundamenta-se na necessária distinção entre Religião e Direito. Para os adeptos dessa tese, aceitá-la no ordenamento jurídico seria um anacronismo histórico a Idade Média, onde religião e direito se atarracavam.

No Brasil, em virtude do processo de colonização ter se dado por um país estritamente católico, Portugal, sua população acabou por adotar o catolicismo como religião predominante. Entretanto, apesar dessa grande aderência ao catolicismo, o Brasil é, legalmente, um Estado laico.

O termo laico remete-nos, obrigatoriamente, à ideia de neutralidade, indiferença. É também o que se compreende nos ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos (1996, P. 178), que diz:

A liberdade de organização religiosa tem uma dimensão muito importante no seu relacionamento com o Estado. Três modelos são possíveis: fusão, união e separação. O Brasil enquadra-se inequivocamente neste último desde o advento da República, com a edição do Decreto119-A, de 17 de janeiro de 1890, que instaurou a separação entre a Igreja e o Estado [...] O Estado brasileiro tornou-se desde então laico. [...] Isto significa que ele se mantém indiferente às diversas igrejas que podem livremente constituir-se.

Atualmente, dispõe sobre essa separação o artigo 19, inciso I, da Carta Constitucional:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Por isso, sob a ótica de laicização do Estado, muitos juristas entendem que não podem admitir a psicografia como prova jurídica, vez que com isso o Estado poderia estar reconhecendo o espiritismo em detrimento de outras religiões e crenças, desrespeitando assim, a igualdade religiosa estabelecida na Carta Magna e a sua laicidade.

Renato Marcão (2006, p. 26-27), membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, diz que “no sistema jurídico brasileiro não há como normatizar o uso de documentos psicografado como meio de prova; seja para permitir ou proibir. O Estado é laico”. Dessa forma, o autor demonstra verdadeira aversão ao uso desses documentos pelo Poder Judiciário.

Importante destacar que, mesmo contrário ao uso das cartas psicografadas, Renato Marcão defende a licitude do documento dizendo que conforme o artigo 232 do Código de Processo Penal, os escritos psicografados devem ser considerados como documentos no sentido amplo em virtude do termo “quaisquer escritos” usado pelo legislador processualista.

E reitera dizendo que não há no ordenamento jurídico vigente qualquer regra que proíba a apresentação de documento produzido por psicografia, para que seja valorado como prova no processo penal e conclui:

No sistema jurídico brasileiro não há como normatizar o uso do documento psicografado como meio de prova; seja para permitir ou proibir. O Estado é laico.

De prova ilícita não se trata.

Se não está submetido ao contraditório quando de sua produção, entenda-se, quando da psicografia, a ele estará exposto a partir da apresentação em Juízo.

Como prova documental, a credibilidade de seu conteúdo, em razão da fonte, não pode ser infirmada com absoluta certeza, tanto quanto não poderá ser fielmente confirmada, não obstante a existência de relatos a respeito de confirmações de autoria atestadas por grafologistas.

Dessa forma, resta clarividente seu posicionamento desfavorável ao uso das cartas psicografadas. No entanto, seus argumentos, contrariamente a sua opinião, mostram-se aptos a fundamentar o posicionamento dos que defendem o uso da psicografia como meio de prova no processo penal.

Uma análise criteriosa do Princípio do contraditório permite deduzir que os argumentos baseados na inadmissibilidade do uso das cartas psicografadas no processo penal em virtude desse Princípio, não estão com a razão visto a possibilidade da parte contrária ter acesso as mensagens psicografadas, que aos autos forem juntadas, podendo dessa forma, contraditar o que entender necessário.

Quando se sustenta que o Estado deve se desvincular da religiosidade, na verdade está se querendo dizer que ele deve revestir-se de características pagãs e ateístas, postulados esses que não são e nunca foram protegidos por nossa Constituição.

O fato do Estado ser laico, não significa dizer que é um Estado ateu ou pagão, isto porque, a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso VI e VIII assegura a liberdade de culto religioso, a proteção a esses locais e a sua liturgia, assim como a garantia de igualdade a todos.

Corroborando a esse entendimento, Ives Gandra da Silva Martins (2007, p.01), afirma que o estado laico, longe de ser um Estado ateu, deve proteger a liberdade de consciência e de crença de seus cidadãos, permitindo, dessa forma, a coexistência de vários credos. Vejamos:

Desde a Constituição de 1824, os Textos Magnos pátrios consagram o princípio da liberdade religiosa, o que se dá amplamente a partir da Carta Republicana de 1891. O Estado laico, longe de ser um Estado ateu - que nega a existência de Deus -, protege a liberdade de consciência e de crença de seus cidadãos, permitindo a coexistência de vários credos.

Thales Cerqueira (2006, p. 04) diz, que na Idade Média era de fundamental importância que a sociedade não desenvolvesse consciência própria, logo, tudo o que a igreja, detentora do conhecimento, pregasse, seria tido como verdade e lei. E continua dizendo:

O questionamento era um privilégio conquistado por poucos e desfrutado secretamente. Pois, afinal de contas, o clero sabia que a universalização do conhecimento, criticamente elaborado, dificultaria a propagação da religiosidade entre os povos. O certo é que se não há comunhão entre a fé religiosa e o conhecimento científico, não se pode, por isto, impedir que cartas psicografadas sejam juntadas nos autos com o sofisma de quis isto “seria retrocesso histórico”, comparando o amor do espiritismo com a inquisição. Ninguém no espiritismo prega guerra e sim amor. Assim sendo, podemos afirmar, até que se prove o contrario, pois o ônus da prova compete a quem acusa, sei disto, pois sou Promotor de Justiça, que as cartas psicografadas são provas licitas, que podem ser perfeitamente questionáveis por exame grafotécnico do falecido que psicografa e outros elementos de provas (testemunhas que conviveram com o mesmo, estilo de redação, família que ateste, etc.).

Portanto, não há que se falar, em virtude da aceitação da carta psicografada como meio de prova judicial, em uma ligação, ou melhor, um retrocesso à Idade Média, pois, atualmente, diferentemente do que acontecia outrora, a produção de conhecimento é livre, logo, cada individuo tem a capacidade de contestar o que é dito por outrem ou de demonstrar, por análises empíricas, a veracidade das afirmações alheias.

Ao que tange a essa corrente, a prova psicografada, em virtude de sua natureza essencialmente religiosa, seria uma prova irracional, logo ilícita. Todavia, há uma confusão conceitual aos que defendem esse posicionamento, pois isso gera erro aos que inadmitem a prova psicografada.

Esclarecendo o dúbio entendimento acima demonstrado, Darci Ribeiro (1998, p.66) leciona que:

Não podemos confundir a prova ilícita, que afronta uma norma de direito material, isto é, quando a ofensa é pertinente à obtenção da prova, com uma prova ilegítima, que ofende uma norma de direito processual, por exemplo, utilizar a prova testemunhal no mandado de segurança.

Diante disso, não se pode dizer que as cartas psicografadas são provas ilícitas, uma vez que não afrontam a regras de direito material.

A vedação do uso de provas obtidas por meio ilícito está expressamente tratada na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVI. Segundo Gilmar Mendes (2011, p. 537), esse artigo positiva uma das ideias básicas que integram o amplo conceito de devido processo legal. Vejamos o que diz o autor sobre o assunto:

A disciplina constitucional da matéria segue a tendência no direito comparado a respeito da proteção dos direitos individuais no processo. O artigo 32 da Constituição portuguesa, por exemplo, estabelece que “são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

Destarte, não se pode falar em vedação à utilização da prova psicografada pelo ordenamento jurídico, vez que esta não se amolda ao conceito de ilicitude. Isso ocorre, principalmente, porque a prova psicografada não tem cunho religioso e sua obtenção não fere nenhuma norma jurídica, sendo, dessa forma, incontestável a licitude desse documento.

Mister, nesse momento, examinar o seguinte ponto: atualmente, tornou-se comum a candidatura de religiosos que visam cargos políticos nas assembleias legislativas e no próprio Congresso Nacional. Isso, por sua vez, pode resultar na elaboração de leis completamente tendenciosas, vinculadas a determinada doutrina religiosa. Dessa forma, estariam às leis brasileiras sujeitas a uma ditadura religiosa legislativa ou até mesmo vítimas de um retrocesso histórico (GARCIA, 2010).

Sendo assim, ainda que se adotasse o posicionamento de que as cartas psicografadas fossem fruto de uma vertente religiosa, poder-se-ia questionar o motivo de haver tanta alvoroço contra a união entre Religião e Direito e não haver nenhum movimento contra a união da Religião e o Poder Político.

Essa questão, sim, merece atenção, pois os resultados dela podem causar grandes danos à sociedade.

Menciona-se que o objetivo deste trabalho monográfico não é a defesa da interferência da Religião no Estado, mas sim que a separação entre ambos deve ocorrer em todas as esferas de poder. Pois, quando se fala em aceitação da psicografia pelo Poder Judiciário, quer-se dizer, na verdade, na relação entre Direito e Ciência, não entre Religião e Direito.

O entendimento dos que negam a utilização da carta psicografada ao argumento de que isso seria um retorno à Idade Média, carece de maior sustentabilidade em virtude do cunho científico da prova psicografada. Logo, a falta de fundamentos racionais à corrente que pugna pela inadmissibilidade da prova psicografada enseja na sua falibilidade. Esse argumento, segundo Nemer Ahmad (2008), seria o bastante para afastá-la.

Pedro Paulo Filho (1988, p. 75), entendendo a dimensão do assunto questiona:

Com surpresa lemos na imprensa paulista que na reforma do Código de Processo Penal, que tramita em Brasília, na Câmara Federal, agora em 2008, uma das alterações consiste em proibir expressamente o uso de cartas psicografadas como prova criminal. A questão divide os juristas. Alguns acham que a psicografia pode ser levada em juízo quando ela está em harmonia com as demais provas; outros entendem o contrário, considerando que as mensagens psicografadas confundem a segurança e as razões jurídicas com a crença religiosa. Modestamente, achamos que estão confundindo alhos com bugalhos, porque o Espiritismo não é uma religião, mas sim uma doutrina de cunho filosófico-religioso de aperfeiçoamento moral do homem por meio de ensinamentos transmitidos por espíritos mais aprimorados [...].

Como católico apostólico romano, achamos que a proibição constitui um preconceito à Doutrina Espírita e aos adeptos do Espiritismo. Se assim for, por que então manter nas salas de julgamento dos fóruns e tribunais a imagem de Jesus Cristo crucificado, se o Poder Judiciário não tem nada a ver com a Religião?

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sessão ocorrida no dia 29 de maio de 2007, estabeleceu que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. O entendimento se consolidou no julgamento de quatro pedidos de providência (1344, 1345, 1346 e 1362) que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário5.  

O relator dos processos, conselheiro Paulo Lobo, ainda não seguro de seu voto, sugeriu, com o objetivo de aprofundar o debate sobre o assunto, que fosse realizada consulta pública, via internet, pelo período de dois meses, o que não foi aceito pelos outros conselheiros que passaram a julgar o mérito.

O conselheiro Oscar Argollo apreciando o mérito da questão se manifestou no sentido de não determinar a proibição do uso de símbolos religiosos. Argollo foi seguido por todos os conselheiros presentes, à exceção do relator, que se julgou impossibilitado analisar o mérito da questão. "Isto seria uma violação à minha consciência, porque ainda tenho muitas dúvidas", argumentou Lobo. O julgamento não foi concluído porque, na ocasião, o relator não proferiu o seu voto.

Posteriormente, em sessão ocorrida no dia 06 de junho do mesmo ano, o relator, em voto isolado, apresentou sua opinião a favor da retirada dos símbolos das dependências do Judiciário. Segundo ele, o Estado laico deve separar o privado do público. O relator defendeu que no âmbito privado cabem as demonstrações pessoais como, por exemplo, o uso de símbolos religiosos. O que não deve ocorrer no âmbito público. A maioria do plenário manteve a decisão contrária à retirada dos símbolos religiosos, concluindo assim, o julgamento dos procedimentos.

Demonstrado isso, resta, portanto, um único entendimento em relação aos que vedam o uso dos documentos psicografados em processos judiciais em virtude da laicização do estado, qual seja: o de permissão do uso das cartas psicografadas como meio de prova.

Pois, caso não se corroborasse com essa permissão, estar-se-ia aplicando o postulado, “dois pesos e duas medidas” em situações idênticas, violando assim, frontalmente, o Princípio da igualdade estabelecido na Carta Mater. Dessa forma, ainda que se defenda a psicografia como fruto de uma doutrina religiosa e não científica, estar-se-ia, baseado no julgado do CNJ, dizendo que as cartas psicografadas podem ser utilizadas como meio probatório em um processo judicial.

Outro argumento que pode ser utilizado em desfavor ao uso da mensagem psicografada em um processo penal, é o fato dela não ser considerada um documento. Ocorre que, conforme alhures, o artigo 232 do Código de Processo Penal, considera como documento quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. Logo, não restam dúvidas que as cartas psicografadas são textos escritos, logo provas documentais.

Outro possível argumento pela inadmissibilidade da psicografia enquanto prova judicial é o que diz que “espírito” não é testemunha. Em virtude da límpida clareza dessa afirmação não se tem como contestá-la, visto o artigo 202 do Código de Processo Penal ao dizer que toda pessoa poderá ser testemunha, está se referindo a pessoa natural e como é sabido por todos, a existência da pessoa natural extingue-se com a morte.

Garcia (2010, p. 315), a respeito do assunto diz:

Com certeza espíritos não podem ser testemunhas. Para o autor é por demais infantil a alegação de que espírito não é testemunha, razão pela qual não pode prestar informação no processo. Todavia, se o espírito não pode ser testemunha, o médium psicógrafo poderá ser, esclarecendo as condições em que foi recebida a mensagem. O julgador, conhecendo os detalhes da prova psicografada, dará a ela o valor que entender.

Outro dos argumentos usados para tentar retirar a credibilidade da psicografia, afastando dessa forma sua seriedade, é o que questiona sobre a veracidade do conteúdo existente nesses documentos. Segundo os que advogam esse entendimento, o teor existente nas cartas psicografadas nem sempre coincidem com a verdade, logo, elas não poderiam ter influência na decisão do magistrado.

Tartuce (2006, p. 28-29) explica que a “mediunidade não pode ser utilizada como qualquer forma de promoção social, mas apenas para o bem comum. Muitas vezes essas manifestações tidas como “espíritas” ocorrem por intermédio de charlatões ou pessoas com más intenções”.

Desconsiderando a possibilidade desses “falsos médiuns”, que inclusive, poderão ser responsabilizados criminalmente, há a possibilidade de fraude inerente aos atos praticados pelos humanos, visto a imperfeição da conduta do homem. Logo, caberia ao magistrado, ante a sua liberdade para decidir, a meticulosa tarefa de sopesar, de acordo com as outras provas existentes nos autos, o valor a ser atribuído à carta psicografada, além de analisar a conduta moral e social do psicografo.

Nos dizeres de Lana Basílio Ferreira (1993, p.437):

A psicografia como possível prova só poderá ser deduzida de um conjunto de circunstancias bem definidas e consistentes, capazes de proporcionar um solido convencimento ao magistrado, na apreciação de cada caso concreto.

Acresce-se, porém, que a aceitação da psicografia como prova hábil pelo magistrado não implica necessariamente a sua adesão ao credo espírita ou crença “post-mortem”.

 

Até mesmo porque diante da mensagem psicografada uma das únicas providências que podem ser feita é o exame grafotécnico, que como já visto, só será positivo caso a psicografia seja mecânica ou semimecânica. Somado a esse exame deve ser levado em consideração a conduta moral do médium, sua origem, as condições em que foi recebida a mensagem e outras informações que se mostrarem úteis e necessárias para que se descubra se a prova deve ou não merecer credibilidade.

Portanto, o simples fato da comunicação psicografada ser submetida ao exame grafotécnico e constatar-se, posteriormente, a sua autenticidade, não atribui a ela um valor absoluto, devendo, por óbvio, ser analisada ante todo o conjunto probatório.

Diz Perandréa (1991, p. 15):

Vale a pena lembrar que no sistema processual em vigor no Brasil, nenhum tipo de prova (confissão, testemunha, documento, perícia) tem valor absoluto. Em outras palavras, o órgão julgador tem liberdade para, em maior ou menor grau, valorar a prova, ou seja, para, em cada processo, atribuir a cada prova e ao seu conjunto o valor que pareça ao órgão julgador mais jurídico, mais certo, mais razoável, mais justo.

A grafotécnica é ciência e a mensagem psicografada pode ser submetida a ela. O que não pode, expõe Garcia (2010, p. 326), é o perito chegar a conclusão de que a mensagem questionada, a carta psicografada, e a escrita padrão, amostras de escritas produzidas em vida, foram produzidas pelo mesmo punho escrevente. Isto porque o grafismo padrão foi produzido pelo punho da pessoa ainda em vida, enquanto o grafismo questionado foi confeccionado pelo punho do médium, transmitido pelo espírito da pessoa que, em vida, produziu o grafismo padrão. Destarte, a conclusão que deverá ser professada é a de que tanto o grafismo questionado quanto o grafismo padrão procedem de uma mesma consciência.

Situação peculiar acontece quando da psicografia intuitiva, pois nesse caso, por motivos já demonstrados anteriormente, o exame pericial será sempre negativo. No entanto, isso não significa dizer que a mensagem psicografada é falsa ou dispensável, já que a sua veracidade poderá ser analisada de acordo com o conteúdo nela existente.

Nesse sentido, Lana Ferreira (1993, p. 164-165) diz:

Os fenômenos descritos pelos médiuns psicógrafos, embora pareçam fantásticos ou ilusórios, tem sido muitas vezes confirmados objetivamente através de análise e pesquisas sistemáticas da forma e do conteúdo escrito.

No caso específico de Chico Xavier, as cartas-mensagens transmitidas pelo médium aos familiares dos mortos, muitas vezes contem informações precisas e detalhadas conhecidas somente pela família. Algumas vezes os dados transmitidos são desconhecidos pela própria família e por isso obrigaram os familiares a efetuarem pesquisas ate confirmarem, com espanto, a veracidade dos dados fornecidos pelas ditas mensagens. Outras vezes, são mensagens que contem expressões pessoais e até gírias, empregadas pelo falecido quando vivo e que só a família conhecia.

O que existe de notável nessas comunicações é a impressionante exatidão no concernente à fidelidade das informações identificadores, acerca dos parentes e amigos ainda vivos e outros já falecidos, que fizeram parte do relacionamento do suposto comunicante.