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Testamento vital

Testamento vital

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Testamento Vital. Diretivas Antecipadas de Vontade.

  1. Considerações Iniciais

O instituto que comumente é denominado ¨testamento vital¨ no Brasil é espécie do gênero diretivas antecipadas, que são um termo general que se refere a instruções feitas por uma pessoa sobre futuros cuidados médicos que ela receberá quando esteja incapaz de expressar sua vontade. Mas para muitos o testamento vital e as diretivas antecipadas da vontade são sinônimos.

Em nosso ordenamento jurídico entretanto não existe previsão legal expressa para esse instituto, entretanto existe possibilidade de ser elaborado documento contento essas supracitadas instruções no que diz respeito aos cuidados médicos que o individuo deseja ou não receber caso sobrevenha situação que o impossibilite de decidir no então momento.

Para aqueles que não entendem como sinônimos o testamento vital é uma espécie de diretiva antecipada utilizada quando a incapacidade do paciente for resultado de uma doença terminal. Em contrapartida, para aqueles que entendem de maneira diversa existe outro tipo de diretiva antecipada previsto que é utilizado em caso de incapacidade permanente ou temporária, e refere-se à nomeação de um procurador de saúde, que decidirá em nome do paciente caso este fique incapacidade. O que neste último caso no ordenamento jurídico brasileiro é considerado como uma das possibilidades do testamento vital mas que para outros trata-se do mandando duradouro.

  1. Panorama Internacional

Destaca-se nesse quesito que muitos países já incluíram em seus ordenamentos o instituto do testamento vital/diretivas antecipas de vontade, e muitos outros já estão em processo de adesão ao mesmo.

Historicamente se tem o início do instituto nos Estados Unidos da América, criado no ano de 1967 pelo advogado Luis Kntner, sendo esse quem redigiu um documento que registrava expressamente o desejo de cidadão de recusar tratamento caso fosse acometido de uma enfermidade terminal. Atualmente os EUA consideram um documento legal que deve ser respeitado, sendo que na hipótese de o médico desrespeitar as disposições constantes no documento é possível que venha a sofrer sanção disciplinar. A “Patient Self-Determination ActPSDA” é considerada  a primeira lei do mundo a tratar sobre diretivas antecipadas, sendo lei federal e que hoje é acompanhada por outras leis estaduais.

Na Europa existe legislação acerca do assunto na França com a permissão das chamadas “directives anticipes” aos pacientes maiores de idade em estado terminal. Também é presente no ordenamenro jurídico da Espanha que estabeleceu um banco de dados nacional centralizador dos documentos chamados por eles de “instruciones previas”, onde são dispostas as decisões acerca do assunto. Sendo também países exemplificativos a Alemanha, Itália, Potugal.

No que tange à América do Sul ficou descoberto que somente no Uruguai existe legislação sobre o assunto.  E de muito importância destaca-se a “Convenção para a protecao dos Direitos do Homem e da Dignidade do ser Humano face ás Aplicações da Biologia e da Medicina”que prevê a possibilidade de deliberações antecipadas pelo paciente.

  1. Nomenclatura

A utilização do termo testamento vital é vista por muitos como não sendo a melhor denominação, vez que remete ao instituto do testamento, negócio jurídico unilateral de eficácia causa mortis, o que, de todo, não é adequado. Ou seja, por se tratar de um testamento é uma manifestação de última vontade do testador sobre o seu desejo a ser realizado depois de sua morte.

Assim sendo, o testamento vital se assemelha ao testamento, pois também é um negócio jurídico, ou seja, uma declaração de vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente pretende e o direito reconhece. Também é unilateral, personalíssimo, gratuito e revogável, todavia, distancia-se do testamento em duas características essenciais deste instituto, a produção de efeitos post mortem e a solenidade.

Consideração feita fica clara a inadequação da nomenclatura “testamento vital” para designar uma declaração de vontade de uma pessoa com discernimento acerca dos tratamentos aos quais não deseja ser submetida quando estiver em estado de terminalidade da vida e impossibilitada de manifestar sua vontade.

  1. Diretivas Antecipadas De Vontade

As diretivas antecipadas de vontade, que são um gênero de documentos de manifestação de vontade para cuidados e tratamentos médicos criado na década de 1970 nos Estados Unidos da América, como dito anteriormente possui duas espécies: testamento vital e mandato duradouro que, quando previstos em um único documento, são chamados de Diretivas Antecipadas de Vontade.

testamento vital é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de se manifestar a respeito dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade. O mandato duradouro é a nomeação de uma pessoa de confiança do outorgante que deverá ser consultado pelos médicos, quando for necessário tomar alguma decisão sobre os cuidados médicos ou esclarecer alguma dúvida sobre o testamento vital e o outorgante não puder mais manifestar sua vontade. O procurador de saúde decidirá tendo como base a vontade do paciente. Ressalte-se que é possível fazer um testamento vital sem nomear um procurador de saúde, contudo, é desejável a nomeação.

  1. Testamento Vital

O testamento vital consiste em um documento devidamente assinado, em que o interessado juridicamente capaz declara a que tipo de tratamento médico deseja ser submetido ao se encontrar em situação que impossibilite a sua manifestação de vontade, podendo se opor a futura aplicação de tratamentos e procedimentos médicos que prolonguem sua vida em detrimento da qualidade da mesma. Ele é feito pelo próprio indivíduo enquanto se encontra são e pode ser usado para guiar o tratamento de um paciente desde que respeite a ética médica.

É de extrema importância que este documento seja redigido com a ajuda de um médico de confiança do paciente, contudo, o médico terá o papel apenas de orientar a pessoa quanto aos termos técnicos, não deve o profissional de saúde impor sua vontade ou seus interesses pessoais, pois a vontade que está sendo manifestada é exclusivamente do paciente. É ainda importante o auxílio de um advogado afim de evitar que haja disposições contra o ordenamento jurídico brasileiro.

A ideia do testamento vital é permitir a uma pessoa uma "morte digna", evitando tratamentos desnecessários para o prolongamento artificial da vida ou que tem benefícios ínfimos. Em geral, as instruções deste instituto nos demais ordenamentos jurídicos aplicam-se sobre uma condição terminal, sob um estado permanente de inconsciência ou um dano cerebral irreversível que, além da consciência, não possibilite que a pessoa recupere a capacidade para tomar decisões e expressar seus desejos. Em alguns casos, dependendo do país, na ausência de testamento vital, a família é autorizada a tomar as decisões que teriam sido deixadas pelo paciente se o tivesse feito em sanidade mental.

Não deve ser confundido com a eutanásia. Na eutanásia o médico pratica uma conduta omissiva ou comissiva, que possui a morte do paciente como consequência direta. Tal conduta ocorre com consentimento do paciente, a pedido de algum familiar ou sob impulso de exacerbado sentimento de piedade humana. Ressalta-se que na eutanásia tudo acontece no momento de sofrimento do paciente, que muitas vezes não mais responde pelos seus atos, a pedido da família ou por piedade do médico, deste modo a vontade do paciente não prevalece. Além disso, aquele que pratica a eutanásia pode responder criminalmente, aos moldes do artigo 121, §1º do Código Penal.

  1. Importância do Testamento Vital

A elaboração do testamento vital garantirá à família do doente a tomada de decisões de maneira mais tranquila em um momento de sofrimento, pois será de conhecimento de todos qual é exatamente o desejo daquele que não tem mais como se expressar. Também possibilita que a tomada de decisões relativas à saúde seja delegada à um terceiro, como o médico de confiança da família, poupando os familiares de terem que tratar desses assuntos delicados. Além disso, é um documento fácil de ser elaborado e pode ser modificado a qualquer momento.

  1. Dignidade da pessoa humana X Autonomia da Vontade

A Dignidade da Pessoa Humana é sem dúvida o fundamento basilar da Constituição Federal, o artigo 1º do referido diploma legal, em seu texto, assegura o direito a ter uma vida digna. No que tange ao Princípio da Autonomia Privada, disposto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, segundo a qual a pessoa é capaz de decidir sobre sua vida, desde que tal ato não seja contrário à lei. 

Aplicando tais princípios ao tema abordado, verifica-se uma questão muito relevante a ser debatida. Pois bem, analisando o conceito de dignidade da pessoa humana chega-se a um impasse. Esse fundamento aplicado no testamento vital vai de encontro ao princípio da autonomia da vontade e também a garantia à vida. Todavia, analisando minuciosamente os princípios pode-se notar que a pessoa tem o direito a uma vida digna de não querer prolongar seu sofrimento quando se sabe que não existem procedimentos que possam curá-la.

Proteger a vontade privada, assegurando o direito de escolha, considerando a autonomia e capacidade para decidir. Esse é o principal objetivo do Testamento Vital. É, exatamente, em respeito a autonomia da vontade do paciente em estado irreversível que o ordenamento jurídico brasileiro, mesmo ainda carecendo de positivação, tem contemplado a existência de requisitos de validade no tema discorrido. Em suma, o instituto aqui analisado, se apresenta como uma alternativa entre uma morte mais confortável e o prolongamento do sofrimento por meio de tratamentos que não vão reverter o quadro do paciente. Os princípios constitucionais iluminam o direito do paciente em decidir sobre a sua vida e também sobre sua morte.

O Testamento Vital possibilita a defesa da autonomia privada como forma do indivíduo se autodeterminar para que seja garantida sua dignidade, a qual é assegurada quando se respeita a decisão de uma pessoa que exara sua não vontade de submeter a tratamentos médicos diante um diagnóstico de doença incurável.  Pode-se pensar que haverá choque entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida, assegurado no ordenamento pátrio, todavia deve-se lembrar que o conceito de vida deve ser interpretado como viver bem, e não viver a qualquer custo.

Assim, não há que se falar que o Testamento Vital constitui uma afronta ao direito à vida previsto na Constituição Federal. O princípio da dignidade da pessoa humana se sobrepõe ao direito à vida, que deve ser entendido como um direito amplo e condicionado à dignidade da pessoa humana. Além disso, o testamento vital permite ao doente incurável alcançar a sua própria dignidade através da imposição de sua vontade. Deste modo, a autonomia da vontade é fundamental para que se tenha dignidade.

  1. Conclusão

Ainda não existe legislação específica sobre o tema no Brasil, contudo, tanto o Conselho Federal de Medicina, quanto o poder judiciário, já admitem a validade do testamento vital. Ou seja, apesar do Brasil não existir qualquer legislação que trata da matéria tanto permissiva quanto proibitiva, acaba se tendo o entendimento que é perfeitamente possível sua confecção, uma vez espelhada nas experiências internacionais como também com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia, Código Civil vigente além do Código de Ética Médica.

A necessidade da inclusão do Testamento Vital em nosso ordenamento jurídico é o respeito à autonomia do paciente perante a possibilidade de suspensão dos tratamentos médicos. Ressaltando que a decisão não é do médico, ele tem a obrigação de informar ao paciente seu prognóstico, que lhe faculta procurar outras opiniões ou meios de tratamento. Ao médico cabe o dever de informar ao paciente, dever este garantido na CF/88, em seu artigo 5º. XIV “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo de fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

Bibliografia

  •  Testamento Vital – Direito á Dignidade – Ernesto Lippmann – Ed. Matrix, 2013.
  • Novos desafios do biodireito - Organização e Coordenação Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf, Alfredo Domingues Barbosa Migliore, Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti e Jorge Shiguemitsu Fujita – Ed. LTr, 2012.
  • Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes. Disponível em http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/89/A4.pdf . Acesso em: 08 de outubro de 2015.



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