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Da possibilidade de aplicação de multa coercitiva contra agente público: decorrência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva

Da possibilidade de aplicação de multa coercitiva contra agente público: decorrência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva

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É possível a cominação de multa coercitiva na pessoa do agente público, sendo a medida que mais se coaduna com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (CF, art. 5º, XXXV) e com a indisponibilidade do interesse público.

Resumo: No presente estudo, serão avaliados os fundamentos jurídicos, legais, doutrinários e jurisprudenciais que autorizam ou repelem a responsabilização direta de administrador de órgão público pela ação ou omissão que contrarie ordem judicial de fazer ou não fazer, comprometendo a efetivação de tutela específica concedida pelo Poder Judiciário. É discutível a cominação de astreintes contra a Fazenda Pública, em prejuízo da coletividade. Quanto à alegação de impossibilidade de cominação diretamente na pessoa do agente público, os argumentos que a sustentam ofendem o direito fundamental à tutela executiva, o qual é inerente aos princípios da inafastabilidade de jurisdição e do devido processo legal. O agente público, apesar de não ser parte na relação originária, pode ser alvo de astreintes, desde que tenha oportunidade de se manifestar sobre os motivos do descumprimento, pois paralelamente à relação jurídica principal, em que se discute relação de direito material, tem-se uma relação jurídica acessória em que se discute apenas a aplicação de astreintes. A justificativa de que multa coercitiva deve se limitar ao réu, é entendimento que deve ser superado. O Direito Processual Civil deve ser interpretado em benefício do cidadão e não do mau administrador público.

Palavras-chave: Multa coercitiva. Astreintes. Agente Público. Fazenda Pública. Poder geral de efetivação. Tutela efetiva. 

Sumário. Introdução. 1. Da multa coercitiva no modelo processual brasileiro. 1.1. A primazia da tutela específica. 1.2. Multa coercitiva: origem histórica e principais características. 1.3 Da mutabilidade e acessoriedade das astreintes: relação jurídica processual que não se confunde com a relação de direito material deduzida no processo. 1.4 Multa do art. 77, §2º do CPC/2015 (art. 14, parágrafo único do CPC/1973) e sua utilização nas execuções específicas, inclusive contra terceiros. 2. Do direito fundamental à tutela efetiva. 3. Da aplicação de multa coercitiva contra a administração pública. 4. Da responsabilidade direta e pessoal do agente público pela multa coercitiva que deu causa. 4.1. Visão da doutrina acerca da possibilidade de a Fazenda Pública ser sujeito passivo de multa coercitiva. 4.2 Posição da Jurisprudência, encabeçada pelo Superior Tribunal de Justiça. 5. Análise crítica do posicionamento do stj contrário à responsabilidade pessoal do administrador público por multa coercitiva. 5.1. Da fragilidade dos argumentos utilizados pelo STJ. 5.2. Multa coercitiva contra a Fazenda Pública: resistência custeada pela coletividade. 6. Da multa coercitiva aplicada diretamente contra agente público resistente: direito fundamental à tutela efetiva. Considerações finais.


INTRODUÇÃO[1]

A crescente “judicialização” dos conflitos sociais, em especial no que se refere ao controle judicial da atuação administrativa do Estado, resultante em grande medida da democratização do acesso à justiça, faz surgir a necessidade de uma ampliação dos poderes do juiz, para municiá-lo de meios executivos suficientes para garantir a efetividade de suas próprias decisões. Nessa discussão, insere-se o presente estudo, que visa abordar a dificuldade do Judiciário em dar executividade a suas decisões mandamentais em face do próprio Estado. Em casos concretos, em que o Estado é condenado a fazer, a decisão judicial fica, em certa medida, desarmada de seu atributo de imperium.

Então, quais os meios executivos a serem adotados quando determinado órgão estatal desafia a autoridade de uma decisão judicial e não cumpre sua obrigação de fazer determinada: multa coercitiva em prejuízo da Fazenda Pública ou aplicada direta contra o agente público responsável pela execução do ato? Essas e outras questões fazem parte do presente estudo, que tem o objetivo de enfrentar, em curto espaço, os problemas que redundam a execução de tutela específica em face do Estado.

Para melhor identificação do problema a ser enfrentado, convém ilustrá-lo com situações reais em que o Estado-administração se torna verdadeiro obstáculo à efetividade de uma decisão judicial. Uma primeira situação: quando o Poder Executivo resiste em fornecer medicamentos de uso contínuo à pessoa necessitada[2]. Outra situação recorrente é a recalcitrância em cumprir determinação judicial para nomear e dar posse a candidato, em virtude de preterição da ordem de classificação[3]. Vale destacar mais uma situação, que é a não implantação de reajuste salarial ordenado judicialmente[4].

Até o momento, não existe dispositivo de lei no ordenamento brasileiro que expressamente atribua a administrador público responsabilidade pessoal pelo pagamento de multa diária (ou astreintes ou multa coercitiva) por descumprimento judicial.

Não havendo o cumprimento espontâneo pelo Estado, surge a pergunta: qual medida deve ser tomada pelo magistrado para compelir o Poder Público a cumprir a decisão mandamental exarada? A resposta a esta indagação é o objetivo principal do presente estudo, porém, não sendo possível esgotar o tema, que seja ao menos suficiente para despertar o senso crítico para os variados aspectos que o cercam.


1.      DA MULTA COERCITIVA NO MODELO PROCESSUAL BRASILEIRO.

1.1   A primazia da tutela específica.

No direito brasileiro, a introdução de mecanismos de tutela específica deu-se gradativamente, primeiro em leis isoladas até se chegar ao Código de Processo Civil com a reforma de 1994. Com efeito, antes do final do século XX, o cumprimento das obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, resolvia-se em perdas e danos caso o devedor não quisesse cumprir sua obrigação.

Conforme lição de Fredie Didier Jr. et al (2013), antes da reforma do CPC em 1994, o ordenamento já previa outros casos de tutela específica, como o DL n. 58/37, o art. 213 do Estatuto da Criança e Adolescente, o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor e o art. 11 da Lei de Ação Civil Pública.

Com a reforma efetuada pela Lei 8.952/94, inseriu-se no Código de Processo Civil o regramento da tutela específica. Sintetizando os comentários sobre essa importante modificação, Fredie Didier Jr. et al (2013) sintetiza:

“Inverteu-se, portanto, o quadro: em vez de o devedor ter o poder de dizer se iria, ou não, cumprir o dever, o credor que passou a poder optar, em caso de descumprimento, entre a exigência específica do cumprimento ou a exigência de ressarcimento pecuniário. A partir de 1994, estabeleceu-se o que se convencionou chamar de primazia da tutela específica.” (DIDIER JR. et al, 2013, p. 435)

Especificamente quanto ao art. 461 do CPC, que é objeto central desta monografia, após a reforma passou vigorar nos seguintes termos:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§1º.  A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§5º. Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

Posteriormente, a Lei 10.444/02 modificou o parágrafo quinto e acrescentou o parágrafo sexta, passando a ter a redação atual:

§5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

§6º. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

Esta nova redação do art. 461 veio facilitar e tornar mais efetivo o uso da execução específica nas obrigações de fazer e não fazer. Com a nova redação, tornou-se prioritária a tutela específica, ficando em segundo plano a conversão em perdas e danos e a adoção de medidas que assegurem o resultado prático equivalente. Maior relevância se dá nas hipóteses de obrigação de fazer infungíveis, vez que “armou-se” o magistrado com diversos mecanismos para dar efetividade à tutela jurisdicional. Dissertando sobre o tema, Luiz Fux (2003) esclarece que:

“ao credor somente interessa o cumprimento pelo devedor, porque contraída intuito personae, isto é, em razão das qualidades pessoais do obrigado e não em função pura e simplesmente do resultado. (...) Nessa hipótese, advindo o inadimplemento, é impossível a utilização de meios de sub-rogação para alcançar o mesmo resultado, porque o “atuardo solvens é insubstituível”. Nesse caso, se o credor não se contentar em receber de imediato o ‘equivalente’ em perdas e danos, terá de aguardar a atuação do devedor. Visando a compeli-lo a cumprir a prestação entram em cena os meios de coerção, in casu, a multa diária ou astreintes, que surgiram exatamente para vencer a recalcitrância do devedor, substituindo as perdas e danos, nas denominadas obrigações com prestação infungível.” (FUX, 2004, p.1376). 

 Atualmente, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, a matéria veio tratada nos artigos 536 e 537, os quais mantiveram a omissão legislativa, não regulando a expressamente a possibilidade de aplicação de multa contra agente público, in verbis:

Art. 536.  No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.

§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.

§ 2o O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observando-se o disposto no art. 846, §§ 1o a 4o, se houver necessidade de arrombamento.

§ 3o O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.

§ 4o No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art. 525, no que couber.

§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

Art. 537.  A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

§ 2º O valor da multa será devido ao exequente.

§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.  (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)

§ 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

 1.2  Multa coercitiva: origem histórica e principais características.

A concepção de multa coercitiva remonta ao advento do Código Civil francês, vigente a partir de 21 de março de 1804, que fixou no ordenamento jurídico, o princípio ideológico nemo potest cogi ad factum[5]. Desde então, o emprego de constrições pessoais na execução de qualquer facere estava nitidamente vedado, restando, em consequência, comprometido o alcance da específica prestação devida ao credor.

Essa situação de vulnerabilidade do titular do crédito começou a ser modificada para que este não precisasse trilhar a tantas vezes insatisfatória via das perdas e danos, dando-se início à aplicação de medidas gravosas em face do devedor. Em termos mais precisos, os tribunais da França passaram a fixar multas de valor extraordinário que teriam seu montante aumentado indefinidamente caso o réu mantivesse a recusa em cumprir a obrigação tutelada no provimento jurisdicional[6].

 Enrico Tullio Liebman (1968), discorrendo sobre o tema, conceitua astreintes da seguinte forma:

"Chamam-se ‘astreintes’ a condenação pecuniária proferida em razão de tanto por dia de atraso (ou qualquer unidade de tempo, conforme as circunstâncias), destinada a obter do devedor o cumprimento da obrigação de fazer pela ameaça de uma pena suscetível de aumentar indefinidamente.

(...)

Caracterizam-se as ‘astreintes’ pelo exagero da quantia em que se faz a condenação, que não corresponde ao prejuízo real causado ao credor pelo inadimplemento, nem depende da existência de tal prejuízo. Constitui na realidade uma pena imposta com a finalidade cominatória, tendo como objetivo primeiro o cumprimento da obrigação no prazo fixado pelo juiz.” (LIEBMAN, 1968, p. 169).

Por meio do mecanismo da multa diária por atraso no cumprimento da obrigação, compele-se o devedor a prestá-la, antes de convertê-la em perdas e danos. Isso porque a multa coercitiva é

“meio executivo primordial à disposição do órgão judiciário consistente na pressão psicológica sobre o vencido, colocando-o perante dois termos de alternativa: ou atende o comando judiciário ou sofrerá a imposição de multa de valor exorbitante (astreinte).” (ASSIS, 2004, p.221).  

A propósito, Alexandre Freitas Câmara (2004) não concorda com o termo multa diária. Para ele, o correto seria se falar em multa periódica, visto que elas podem ser fixadas com periodicidade diversa da diária:

“Denomina-se astreintes a multa periódica pelo atraso no cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, incidente em processo executivo (ou na fase executiva de um processo misto), fundada em título executivo judicial ou extrajudicial, e que cumpre a função de pressionar psicologicamente o executado, para que cumpra sua prestação.” (CAMARA, 2004, p. 261).

A multa coercitiva visa exercer pressão psicológica no obrigado, para que este cumpra o comando judicial, justamente para evitar a excussão de seus bens particulares, de modo que "a violência que as astreintes exercem naturalmente sobre o réu, como medida coercitiva, é de caráter psicológico e, portanto, não contra seus bens, mas contra a pessoa do devedor" (AMARAL, 2004, p. 69).

A multa prevista no art. 461 do CPC/1973, segundo lição de Fredie Didier Jr. et al (2013), é medida coercitiva indireta, de natureza processual, cujo valor é fixado pelo magistrado em decisão mandamental (sem limite máximo legal), podendo ser fixo ou periódico. Além disso, tem a parte adversa como beneficiária dos numerários.

Quanto ao dies a quo da multa coercitiva, havia divergência nos tribunais, prevalecendo que o marco era a data do descumprimento da decisão. Quanto à exigibilidade, também existiam divergências, sendo majoritária a posição de que o termo a quo era o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor[7]. Com o Novo CPC,

1.3   Da mutabilidade e acessoriedade das astreintes: relação jurídica processual que não se confunde com a relação de direito material deduzida no processo.

A multa coercitiva tem caráter acessório, pois consiste em uma técnica destinada ao alcance de determinado fim, que só é cabível enquanto este fim ainda é almejado e possível. Desta forma, pode-se concluir que a natureza da multa é processual e não um atributo da obrigação, mas sim um ato da autoridade da justiça (AMARAL, 2004).

Ora, se a multa coercitiva não decorre da relação de direito material, ela não segue a regra rígida da imutabilidade da coisa julgada. Apesar de seu valor ser destinado ao autor da ação, o quantum não transita em julgado. O mesmo vale da periodicidade, que nada mais é do que o quantum por unidade de tempo.

Dado o caráter acessório da multa coercitiva, pois existe para dar efetividade ao processo principal, se este for julgado improcedente ou extinto sem resolução do mérito, a multa deixa de ser devida. Não cabe afetar o patrimônio de quem tinha razão na demanda[8]. Então, se a multa não transita em julgado, por si só, pois depende da definitividade do processo principal, seu valor pode ser modificado pelo juiz quando se mostrar excessivo ou insuficiente. A fixação definitiva da multa ocorre quando, após a coisa julgada do processo principal, é cumprida a obrigação pelo devedor ou quando esta se torna inútil para o credor.

1.4   Multa do art. 77, §2º do CPC/2015 (art. 14, parágrafo único do CPC/1973) e sua utilização nas execuções específicas, inclusive contra terceiros. 

Com o advento da Lei 10.358/2001, o art. 14 do CPC/73, teve modificado seu caput para ampliar os possíveis destinatários de multa por ato contrário ao exercício da jurisdição. Ainda foi acrescentado o inciso V e a multa do parágrafo único, demonstrando a intenção do legislador em fornecer mecanismos no sistema processual para a efetividade das decisões judiciais mandamentais.

Conforme dispõe Fredie Didier Jr. et al (2013), a multa prevista no parágrafo único tem natureza administrativa, finalidade punitiva, cujo quantum não excederá a 20% do valor da causa e será revertido à Fazenda Pública. Em suma, trata-se de punição ao contempt of court, aplicado pelo magistrado em seu atípico exercício do poder de polícia.

O contempt of court é o principal mecanismo de coerção nos países que adotam o common law. Ele consiste em métodos de coagir à cooperação, ainda que indireta, aplicando sanções às pessoas envolvidas no processo. Sendo um dos mais antigos procedimentos judiciais, o contempt of court envolve o poder do juiz de proteger a dignidade de sua corte ou de punir a desobediência a suas ordens[9].

Esclarecedor o trecho do artigo de Paula Sarno Braga sobre o art. 14 do CPC, a autora faz referência à obra do casal Wambier[10], os quais defendem que a norma deve ter o maior rendimento possível no sentido de garantir a probidade e efetividade processual, sendo que citações a este ou aquele participante da relação jurídica processual são meramente exemplificativas, pois a lei generaliza de modo absoluto[11].

Dessa forma, entende-se plenamente possível a aplicação da multa punitiva do art. 14, p. único, do CPC, a administrador público renitente. Assim já decidiu o TRF da 2ª Região:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECALCITRÂNCIA NO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. MULTA SANCIONATÓRIA. ART. 14, V, E § ÚN., DO CPC. POSSIBILIDADE DE ATINGIMENTO DA FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE ATINGIMENTO DE AGENTE PÚBLICO PRESENTANTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE RECORRER. I. Se resta configurada recalcitrância no cumprimento de decisão judicial, é possível a aplicação de multa sancionatória, na forma do art. 14, V, e § ún., do CPC, mesmo que em desfavor da Fazenda Pública. II. A extensa amplitude subjetiva de tal multa sancionatória, justificada por seu caráter peculiar, pode abarcar o próprio agente público presentante da entidade pública pertinente, na qualidade de indivíduo que, de alguma forma, participa do processo. III. Como, nessa hipótese, a obrigação no sentido de pagar multa cominatória é imposta àquele agente público, transparece a ausência de interesse em recorrer por parte daquela entidade pública, pois a sanção ora atacada atinge seu alvo subjetivo de modo personalíssimo.

(TRF-2 - AG: 201202010015150 RJ 2012.02.01.001515-0, Relator: Desembargadora Federal VERA LUCIA LIMA, Data de Julgamento: 06/06/2012, OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: E-DJF2R - Data::01/08/2012 - Página::167/168)

Com o advento do novo CPC/2015, a multa punitiva veio tratada no art. 77, da seguinte forma: 

Art. 77.  Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

(...)

IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

(...)

§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.

§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

Nos termos do §4º do art. 77, a multa punitiva ao contempt of court independe da incidência da multa coercitiva do art. 536, §1º. Logo, podem ser cumuladas, vez que possuem natureza distintas, in verbis: 

§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º.

Daniel Amorim Assumpção Neves, embora seja contrário à aplicação de astreintes contra o próprio agente público, entende ser plenamente aplicável a multa do art. 77, §2º de forma direta contra agente público recalcitrante, confira-se: 

Essa preocupação que tenho, entretanto, não é suficiente para legitimar a aplicação das astreintes ao próprio agente público. Parcela da doutrina entende que nesse caso a pressão psicológica aumentaria significativamente, porque o agente público passaria a temer pela perda de seu patrimônio particular. Não se duvida de que a pressão aumentaria, mas as astreintes só podem ser dirigidas ao obrigado, reconhecido como tal na decisão que se executa. O agente público não é parte no processo, e dirigir as astreintes a ele caracteriza afronta aos princípios da ampla defesa e do contraditório, o que o Superior Tribunal de Justiça não admite, podendo o agente público, entretanto, ser sancionado com a multa prevista no art. 77, § 2º, do Novo CPC por ato atentatório à dignidade da justiça. (NEVES, 2016)


2.      DO DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA EFETIVA.

Conforme ensinamentos de Marinoni (2006), o legislador processual, no art. 461, §5º do CPC/1973 (atual art. 536, §1º), estabeleceu uma cláusula geral executiva, na qual estabelece um rol exemplificativo das medidas executivas que podem ser adotadas pelo juiz, outorgando-lhe poder para, à luz do caso concreto, utilizar-se da providência que entender necessária à efetivação da sua decisão judicial.

Observa-se, então, que o art. 461, §5º, lista diversas providências típicas, abrindo, todavia, possibilidade para quaisquer outras, pois não se trata de norma taxativa, mas sim de caráter exemplificativo, vez que presente a locução conjuntiva “tais como”. Pode-se dizer, ainda, que entre elas não existe hierarquia ou ordem predeterminada, cabendo ao juiz da execução adotá-las de acordo com o caso, e ainda de forma sucessiva ou simultânea, acrescida ou não de pena pecuniária:

“Especificamente, o art. 461, §5º, aponta as seguintes medidas de pressão contra o executado: (a) Busca e apreensão – por exemplo, a retirada da posse do réu da fórmula do produto que se obrigou a entregar ao autor (b) Remoção de coisas ou de pessoas – por exemplo, a subtração do equipamento de som que o réu utiliza para produzir emanações sonoras além do horário e dos limites permitidos pela legislação local (c) Desfazimento de obras – por exemplo, a demolição da varanda edificada a menos de metro e meio do terreno do vizinho (d) Impedimento de atividade nociva – por exemplo, a proibição de a empresa lançar mercúrio no lençol freático” (ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.229) 

Para Fredie Didier Jr. et al (2013), o §5º do art. 461 tem por fim municiar o magistrado para que atue no sentido de garantir à parte o acesso à tutela jurisdicional (resultado) efetiva. Em outro ponto, ao tratar dos meios de controle da atuação do magistrado em razão da atipicidade dos meios executivos, o autor baiano preceitua que:

“Se essa atividade, à época da vigência do princípio da tipicidade dos meios executivos, era controlada pelo princípio da legalidade, agora esse poder geral de efetivação é controlado pelo princípio da proporcionalidade” (Didier Jr., et al, 2013, p. 453).

Na decisão exarada nos EREsp 770969/RS explica-se, por meio de exegese gramatical, porque o rol do §5° deve ser exemplificativo:

“As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas da expressão ‘tais como’, o que denota o caráter não-exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso concreto.”

No mesmo sentido temos a decisão proferida no REsp 869843/RS que estabelece que se o legislador não fez um rol taxativo no §5° do art. 461 do CPC, mas exemplificativo, seria possível o sequestro ou bloqueio de verba pública necessária à aquisição de medicamento objeto da tutela deferida, ainda mais em se tratando de direitos fundamentais à saúde e à vida, o que por si só bastaria para relativizar um rol fechado de normas infraconstitucionais. Continua a decisão:

“A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.

(...)

Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.”


3.      DA APLICAÇÃO DE MULTA COERTIVA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 

Com esteio no §4º do art. 461 do CPC/73 (atual art. 537), o qual estabelece expressamente que o juiz poderá impor multa diária ao réu, a jurisprudência majoritária aceita a imposição de multa coercitiva contra a Fazenda Pública, sem maiores distinções técnicas da aplicação contra um particular.

O STJ possui entendimento consolidado de que a Fazenda Pública pode ser alvo de multa coercitiva:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. APLICAÇÃO DE MULTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (ASTREINTES). POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. 1. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento sedimentado de que, em se tratando de obrigação de fazer, é permitida ao Juízo a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública. Precedentes: AgRg no REsp 1129903/GO, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 24/11/2010; AgRg no Ag 1247323/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 01/07/2010; AgRg no REsp 1064704/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 17/11/2008). 2. Agravo regimental não provido.(STJ - AgRg no REsp: 1358472 RS 2012/0264537-7, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 15/08/2013, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2013)

Porém, no campo doutrinário, prevalece forte oposição à cominação de multa diária contra o Poder Público, ante o caráter psicológico da medida, a qual foi criada para atuar no animus do devedor.

Dissertando sobre o tema, Greco Filho (2009) mostra-se contrário à cominação de astreintes contra a Fazenda Pública:

“Entendemos, também, serem inviáveis a cominação e imposição de multa contra pessoa jurídica de direito público. Os meios executivos contra a Fazenda Pública são outros. Contra esta a multa não tem nenhum efeito cominatório, porque não é o administrador renitente que irá pagá-la, mas os cofres públicos, ou seja, o povo. Não tendo efeito cominatório, não tem sentido sua utilização como meio executivo.” (GRECO FILHO, 2009).

Celso Agrícola Barbi (2009), em obra sobre mandado de segurança, observa que:

“Tudo isso nos leva a concluir que o direito brasileiro evoluiu no sentido de não permitir que a Administração escolha entre praticar o ato e indenizar o dano causado: a Administração tem de cumprir a ordem ou decisão judicial em forma ‘específica’, e não pela forma ‘reparatória’. Isto é princípio geral relativo às ações processadas por qualquer rito e não apenas às processadas na forma de mandado de segurança.” (BARBI, 2009, p. 254)

Sérgio Cruz Arenhart (2008), em artigo sobre a doutrina brasileira da multa coercitiva, critica a cominação de astreintes contra o Poder Público:

É sabido que um dos casos em que a multa se revela imprestável como meio coercitivo é aquele em que ela é imposta contra o Poder Público. Porque o titular do cargo público não sofre, pessoalmente, a ameaça do meio coercitivo, dificilmente se sente estimulado a cumprir a ordem judicial – em especial quando o descumprimento lhe gerar algum benefício (muitas vezes político). Em tais casos, tem-se cogitado da aplicação da multa coercitiva não exatamente ao Poder Público, mas sim ao agente que tem a incumbência de agir conforme a determinação judicial. Mas será isso viável e legítimo?

(...)

De outra parte, evidentemente, a multa aplicada contra o Estado não tem nenhuma eficácia, como se viu anteriormente. Se a intenção da multa é vencer a vontade do renitente, ela só pode ter por sujeito passivo, evidentemente, aquele que tem vontade. O Estado não tem, autonomamente, vontade, de modo que jamais poderia ser o sujeito passivo dessa multa. (ARENHART, 2008, p. 2-3)

Posta a discussão sobre a responsabilidade da Fazenda Pública por multa coercitiva, será analisado a seguir a possibilidade de o administrador público – este sim dotado de vontade – ser o sujeito passivo da multa coercitiva.


4.      DA RESPONSABILIDADE DIRETA E PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO PELA MULTA COERCITIVA A QUE DEU CAUSA

Para abertura do presente tópico, faz-se necessário o seguinte questionamento: quem deve responder pela multa: a pessoa jurídica de direito público ou o agente público incumbido da prática do ato?

4.1 Visão da doutrina acerca da possibilidade de a Fazenda Pública ser sujeito passivo de multa coercitiva.

Inicialmente, cumpre destacar a posição de Leonardo Carneiro da Cunha, o qual critica a força coercitiva de multa contra pessoa jurídica de direito público, haja vista a obrigatoriedade do rito de precatórios. Para superar essa prerrogativa, defende que a imposição de astreintes contra o agente público seria a melhor solução:

Mas será que a fixação dessa multa contra a Fazenda Pública revela-se eficaz? Conterá efetividade o provimento, com mera fixação da multa? E se a Fazenda Pública não cumprir a determinação judicial? O pagamento da multa deve submeter-se ao regime do precatório?

Na verdade, qualquer condenação imposta à Fazenda Pública, independente da natureza do crédito, deve sujeitar-se à sistemática do precatório. De fato, o precatório é procedimento que alcança toda e qualquer execução pecuniária intentada contra a Fazenda Pública, independentemente da natureza do crédito ou de quem figure como exequente. Logo, a referida multa somente poderá ser exigida após o trânsito em julgado da decisão que a fixar, mediante a adoção do processo de execução, seguido da expedição de precatório. Bem por isso, sustenta Marcelo Lima Guerra ser admissível a adoção de meios alternativos, não para substituir o sistema de precatórios, mas para assegurar a eficácia prática de meios executivos. Daí sugerir que a referida multa seja imposta contra o agente público responsável pelo cumprimento da medida.

Para conferir efetividade ao comando judicial, cabe, portanto, a fixação de multa, a ser cobrada do agente público responsável, além de se a exigir da própria pessoa jurídica de direito público.

É preciso, entretanto, que, antes de impor a multa ao agente público, seja observado o contraditório, intimando-o para cumprir a decisão e advertindo-o da possibilidade de se expor à penalidade pecuniária. (Cunha, 2016, pag. 138-139).

Luiz Guilherme Marinoni (2010), ao discorrer sobre o tema, sustenta que somente pode ser aceita a tese de que a multa coercitiva não é aplicável à autoridade pública se partisse da premissa de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público. Ao criticar severamente a incidência de multa diária sobre a pessoa jurídica de direito público, o autor alerta que:

“Entretanto, não há cabimento na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade responsável pelo não cumprimento da decisão é exteriorizado por determinado agente público. Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão judicial” (MARINONI, 2010, p. 475-476).

Quanto ao argumento de que o gestor público não pode responder por astreintes por não ser parte no processo, Luiz Guilherme Marinoni (2010) pontua:

“Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente constituirá sanção pecuniária, e assim poderá ser cobrada, quando a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a cobrança da multa não tem relação com o fato de o inadimplente ser o responsável pelo cumprimento da decisão. Não se está exigindo nada da autoridade em virtude do que foi discutido no processo, mas sim em razão da sua posição de agente capaz de dar cumprimento à decisão jurisdicional” (MARINONI, 2010, p. 476).

A seu turno, Marcelo Lima Guerra (2003) sugere, para contornar a ausência de pressão psicológica exercida pela multa sobre pessoa jurídica de direito público – e, mais especificamente, sobre o servidor responsável pelo cumprimento da decisão judicial -, "a aplicação da multa diária contra o próprio agente administrativo responsável pelo cumprimento da obrigação a ser satisfeita in executivis". Sobre o princípio da efetividade, o autor completa:

“Como já se procurou demonstrar, em outra oportunidade, as medidas coercitivas, entre elas a multa diária, devidamente compreendidas como instrumentos de concretização do direito fundamental ao processo efetivo, não podem deixar de ser utilizadas, em determinada situação em que se revelem necessárias, apenas por não ter sido prevista sua aplicação em tal hipótese, por norma infraconstitucional. Nisso se manifesta, entre outras coisas, a chamada aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, os quais se concretizam independentemente de lei, e até contra legem, devendo-se observar, todavia, que a concretização de um direito fundamental deve respeitar os limites impostos por outros direitos fundamentais. Daí que, revelando-se necessária a aplicação de multa diária, o juiz pode utilizá-la mesmo em situações não previstas em lei, mas não pode ignorar outros direitos fundamentais em jogo” (GUERRA, 2003, p. 77- 78).

No mesmo sentido, Cássio Scarpinella Bueno posiciona-se pela possibilidade de incidência de multa coercitiva sobre os representantes de pessoas jurídicas, sejam elas privadas ou públicas:

“Por fim, mas não menos importante, é da especial peculiaridade decorrente da natureza jurídica da multa do art. 461 que deriva o entendimento de que não há qualquer óbice para que as pessoas físicas, que tenham, por força de lei, de estatutos ou contratos sociais, representação (material e processual) de pessoas jurídicas (de direito privado ou de direito público), venham a ser responsabilizadas pessoalmente pelo pagamento da multa, sem prejuízo, evidentemente, de eventual apenação das próprias pessoas jurídicas. A razão para este entendimento, não obstante sua polêmica em sede doutrinária e jurisprudencial, é a seguinte: as pessoas jurídicas só têm vontade na exata medida em que as pessoas físicas que as representam a manifestem. Se a multa é mecanismo que visa a influenciar decisivamente esta vontade (que, por definição, só pode ser humana), não há como afastar sua incidência direta e pessoal sobre os representantes das pessoas jurídicas, sejam elas privadas ou públicas” (BUENO, 2008, p. 419)

Fredie Didier Jr. et al (2013), defendendo o poder geral de efetivação do juiz, entende que nada impede que o magistrado comine astreintes diretamente ao agente público. São estas suas palavras:

“De qualquer sorte, para evitar a renitência dos maus gestores, nada impede que o magistrado, no exercício do seu poder geral de efetivação, imponha as astreintes diretamente ao agente público (pessoa física) responsável por tomar a providencia necessária ao cumprimento da prestação. Tendo em vista o objetivo da cominação (viabilizar a efetivação da decisão judicial), decerto que aí a ameaça vai mostrar-se bem mais séria e, por isso mesmo, a satisfação do credor poderá ser mais facilmente alcançada” (Didier Jr., et al, 2013, p. 466).

Em opinião oposta a dos autores acima, em posição minoritária, Juvêncio Vasconcelos Viana pontua que:

"No contexto atual, não cabe fixar multa - como preconizam alguns – diretamente contra o servidor, que não é parte no processo. Multas (astreintes) podem ser aplicadas, mas não contra o agente da Administração. Entendemos que precisaria de reforma legislativa para tanto. À falta de disposição expressa, não pode o funcionário ser penalizado. Multas que vierem por eventual descumprimento de decisão judicial que a admita serão aplicadas contra a pessoa administrativa, recordada aqui a idéia de regressivamente buscá-la em face do agente causador da lesão ao erário" (VIANA, 2003, p. 268).

4.2 Posição da Jurisprudência, encabeçada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é incabível o direcionamento de multa coercitiva ao administrador público, seja por não ser parte no feito, seja pela falta de lei expressa autorizadora:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. EXTENSÃO DA MULTA DIÁRIA AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, a previsão de multa cominatória ao devedor na execução imediata destina-se, de igual modo, à Fazenda Pública. Precedentes. 2.  A extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. 3. As autoridades coatoras que atuaram no mandado de segurança como substitutos processuais não são parte na execução, a qual dirige-se à pessoa jurídica de direito publico interno. 4. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental.  5. Recurso especial provido. (REsp 747.371/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 6/4/2010, DJe 26/4/2010).

PROCESSUAL CIVIL. ASTREINTES. ART. 461, § 4º, DO CPC. REDIRECIONAMENTO A QUEM NÃO FOI PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Na origem, foi ajuizada Ação Civil Pública para compelir o Estado de Sergipe ao fornecimento de alimentação a presos provisórios recolhidos em Delegacias, tendo sido deferida antecipação de tutela com fixação de multa diária ao Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, tutela essa confirmada na sentença e na Apelação Cível, que foi provida apenas para redirecionar as astreintes ao Secretário de Segurança Pública. 2. Na esteira do entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, admite-se a aplicação da sanção prevista no art. 461, § 4º do CPC à Fazenda Pública para assegurar o cumprimento da obrigação, não sendo possível, todavia, estendê-la ao agente político que não participara do processo e, portanto, não exercitara seu constitucional direito de ampla defesa. Precedentes. 3. In casu, a Ação Civil Pública fora movida contra o Estado de Sergipe - e não contra o Secretário de Estado -, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória. 4. Recurso Especial provido. (REsp: 1.315.719/SE. Relator: Ministro Hermam Benjamim, Data de Julgamento: 27/08/2013, 2ª Turma.)

Em razão do posicionamento adotado pela Corte Superior, tem prevalecido nos tribunais a impossibilidade de sujeição passiva direta de agente público à cominação de multa coercitiva.

Convém destacar, contudo, que há posições jurisprudenciais dissonantes do STJ. Para ilustrar, colacionam-se julgados do TRF da 1ª e 2ª Regiões, em que, uma vez identificado o administrador recalcitrante, é plenamente possível a cominação pessoal de multa coercitiva:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DO JULGADO. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE LISTA NOMINAL DOS BENEFICIÁRIOS. IMPOSIÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E DOS AGENTES PÚBLICOS DESTINATÁRIOS DA ORDEM JUDICIAL. POSSIBILIDADE.  I - O cumprimento do julgado proferido no bojo de ação coletiva, em que se determinou à União Federal e ao Estado da Bahia o fornecimento de medicamento a todos os portadores da síndrome de Hurler (Mucopolissacaridose do tipo I), como no caso, prescinde da prévia apresentação de qualquer lista nominal, na medida em que o título judicial tem por beneficiários todo o universos de pacientes assim enquadrados, afigurando-se suficiente, para fazer usufruir do comando mandamental em referência, a simples comprovação dessa condição, mediante prescrição médica.  II - Em casos que tais, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, adotar todas as medidas coercitivas necessárias à eficácia plena do julgado, inclusive, mediante a imposição de multa pecuniária ao eventual recalcitrante (no caso concreto, os agentes públicos diretamente responsáveis pelo fornecimento do medicamento), nos termos do art. 461, §§ 4º e 5º do CPC, impondo-se, assim, a sua identificação, para essa finalidade.  III - Agravo de instrumento provido. Decisão reformada.(TRF1, AG 0020608-97.2013.4.01.0000, e-DJF1 p.111 de 13/11/2013)

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO JUDICIAL. MORA NO CUMPRIMENTO. ASTREINTES. IDENTIFICAÇÃO DO SERVIDOR FALTOSO. RESPONSABILIZAÇÃO. PRAZO E VALOR. PROPORCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. (...)

3. O acórdão embargado consignou expressamente que deve ser excluída a responsabilidade da UNIÃO, vinculando diretamente, o Diretor da Secretaria de Gestão de Pessoas do TRT da 1ª Região, ou quem suas vezes fizer, a ser intimado por mandado do juízo de 1º grau, com prazo de 30 (trinta) dias a decisão judicial, sob pena de responder pessoalmente pelo pagamento da multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), sem prejuízo da aplicação de outras sanções penais e administrativas cabíveis, inclusive com apoio no art. 14, V e parágrafo único do CPC, ressalvada a demonstração, no prazo, da impossibilidade pessoal no atendimento da providência. (...). (TRF2. Agravo interno em AI nº 2012.02.01.014187-8. Decisão em 12/11/2012. Publicação em 04/12/2012).

Em posição também favorável à imposição de multa contra agente público, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ressaltando que essa medida não comprometeria o erário e revestiria a decisão com maior eficácia:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDICAMENTO. POSSIBILIDADE DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. NEGAR PROVIMENTO. Inexiste óbice legal restringindo a aplicação de multa diária contra a Fazenda Pública, sendo possível e razoável o arbitramento em caso de descumprimento de ordem judicial. AGRAVO DE INSTRUMENTO - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ENTE PÚBLICO - MULTA - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - ÔNUS EXCESSIVO - RESPONSABILIZAÇÃO DOA AGENTES PÚBLICOS - POSSIBILIDADE. A fixação de astreintes se consubstancia em meio coercitivo e não punitivo, pois visa tão somente conferir efetividade à ordem judicial como meio e forma de assegurar o resultado prático visado. Impor ao ente público multa diária contraria não só a natureza jurídica do instituto, como gera inquestionável enriquecimento ilícito e digladia com a própria lógica do razoável, infringindo, ademais, o princípio da proporcionalidade, gerando ônus excessivo ao ente público. Eventual multa por descumprimento da decisão poderá ser substituída pela responsabilização dos agentes públicos diretamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação, medida mais coerente, razoável e mesmo eficaz, não somente para se salvaguardar o interesse público/coletivo, como também, e principalmente, para trazer maior eficácia e exiquibilidade à decisão judicial.

(TJ-MG - AI: 10024101154581002 MG, Relator: Geraldo Augusto, Data de Julgamento: 29/02/0016, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/03/2016)


5.      ANÁLISE CRÍTICA DO POSICIONAMENTO DO STJ CONTRÁRIO À RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO POR MULTA COERCITIVA. 

5.1 Da fragilidade dos argumentos utilizados pelo STJ.

Cumpre destacar os principais argumentos utilizados pela Corte Superior para justificar a impossibilidade de impor multa coercitiva diretamente ao próprio administrador público:

a) as autoridades coatoras que atuaram no mandado de segurança como substitutos processuais não são parte na execução, a qual dirige-se à pessoa jurídica de direito publico interno[12];

b) a norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental[13];

c) admite-se a aplicação da sanção prevista no art. 461, § 4º do CPC à Fazenda Pública para assegurar o cumprimento da obrigação, não sendo possível, todavia, estendê-la ao agente político que não participara do processo e, portanto, não exercitara seu constitucional direito de ampla defesa.[14];

d) para reprimir os atos do mau administrador, o sistema oferece alguns mecanismos que podem ser provocados na via própria, seja no âmbito criminal ou civil, além da possibilidade de intervenção federal, nos moldes do art. 34, inciso VI, da Carta da República[15];

e) o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que as pessoas do representante e da entidade pública não se confundem e, portanto, não é possível aplicar multa cominatória a quem não participou efetivamente do processo[16].

Em síntese, o STJ utiliza como principal argumento o fato de que o administrador público não pode ser alvo de astreintes em processo do qual não é parte, bem como o art. 461 tem sua aplicação limitada ao réu.

Primeiramente, seria ilógico exigir que apenas quem fosse parte no processo deveria se submeter à ordem judicial. O Judiciário não tem poderes para simplesmente declarar direitos, mas efetivar suas tutelas jurisdicionais quando deferidas.

O administrador público, de fato, não é parte processual em uma Ação Civil Pública ou em um Mandado de Segurança, por exemplo, pois a relação jurídica processual discutida não envolve o patrimônio do agente público. Isso está correto, todavia a partir do momento em que o administrador se opõe ao cumprimento natural da obrigação pelo Estado-Administração de uma ordem exarada pelo Estado-Juiz, ele tem participação suficiente no processo para justificar a adoção das “medidas necessárias” pelo magistrado.

O respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa independem da natureza de ser parte no processo, bem como independem de expressa previsão legal, vez que consistem em direito fundamental de todos os litigantes (art. 5º, LIV e LV, da CF), com aplicação imediata. Desta feita, a aplicação da multa prevista no art. 14, p. único, do CPC, expressamente aplicável a terceiros, deve ser precedida de oportunidade de contraditório para o infrator, embora não haja lei expressa.

   Quanto ao “vácuo jurídico”[17], chega a ser uma aberração interpretativa proposta pelo STJ. Mesmo que houvesse previsão legal expressa proibindo a aplicação do art. 461 do CPC ao agente público, esta regra seria inconstitucional por afronta ao art. 5º, XXXV, da CF, vez que ela consubstancia um direito fundamental individual a uma tutela jurisdicional efetiva, inclusive em face do Poder Público, não devendo haver obstáculos a essa “efetivação de tutela”, ressalvados os próprios direitos fundamentais previstos na Carta constitucional.

5.2. Multa coercitiva contra a Fazenda Pública: resistência custeada pela coletividade.

Conforme já exposto nos itens anteriores, a jurisprudência por enquanto majoritária aceita a aplicação de astreintes contra a Fazenda Pública, por ser parte ré na relação processual. Essa posição encontra-se pacificada no STJ[18].

Esse posicionamento dos tribunais desvirtua a finalidade originária das astreintes.  Com efeito, segundo ensinamentos de Guilherme Rizzo Amaral (2004) a multa coercitiva visa exercer pressão psicológica no obrigado, para que este cumpra o comando judicial, justamente para evitar a excussão de seus bens particulares, de modo que "a violência que as astreintes exercem naturalmente sobre o réu, como medida coercitiva, é de caráter psicológico e, portanto, não contra seus bens, mas contra a pessoa do devedor"

Ora, mas se o devedor é compelido a agir para proteger seus bens, como aplicar multa coercitiva contra a Fazenda Pública, que não tem vontade própria já que é um ente abstrato. Além disso, não existem propriamente bens da Fazenda Pública, pois em análise mais apurada, seus bens são de toda coletividade. Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. IMPLANTAÇÃO DE REAJUSTES SALARIAIS. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO. JUNTADA DE DOCUMENTOS NECESSÁRIOS AO CÁLCULO. DESCABIMENTO DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. Astreintes - Não se mostrou razoável a aplicação de multa diária contra o ente público. Existem outras medidas mais eficazes, no caso de haver descumprimento da ordem judicial, para garantir o resultado do processo. A aplicação da penalidade de forma indiscriminada acarreta prejuízo aos cofres públicos e a sociedade como um todo. (...) (TJ-RS - AI: 70046546768 RS , Relator: Helena Marta Suarez Maciel, Data de Julgamento: 19/12/2011, Terceira Câmara Especial Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/01/2012)

E ainda há decisões que fundamentam a aplicação de astreintes contra a Fazenda Pública no princípio da isonomia, pois se o particular responde pela multa, não há motivos para o Estado ser processualmente privilegiado. Descabida esta argumentação. A Fazenda Pública diferencia-se em vários aspectos do particular, sendo um desses casos a possibilidade de pagar multa coercitiva.

Contra a Fazenda Pública, a multa coercitiva perde seus atributos, pois o administrador que desafia ordem judicial está tranquilo quanto a seus bens. Além disso, não há perigo iminente de pagamento dos valores da multa, pois o pagamento de quantia certa decorrente de decisão judicial segue o longo e custoso rito de precatórios. Assim, a multa perde sua natureza coercitiva e ganha natureza reparatória, pois os valores destinam-se ao autor da demanda.


6.      DA multa coercitiva DIRETAMENTE contra AGENTE público RESISTENTE: DIREITO FUNDAMENTAL à TUTELA EFETIVA.

A aplicabilidade da multa coercitiva contra agente público, mesmo sem ser parte, encontra fundamento direto no art. 5º, XXXV, da CF, vez que traz em seu conteúdo verdadeiro direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva, inclusive em face do Poder Público, não devendo haver obstáculos a essa “efetivação de tutela”, ressalvados os próprios direitos fundamentais previstos na Carta constitucional.

Nessa esteira, oportuno destacar a visão de Daniel Roberto Hertel (2006) em obra sobre técnica processual e tutela jurisdicional:

“O Estado, ao avocar para si a atividade jurisdicional, vedando a autotutela, avocou também o dever de solucionar os conflitos intersubjetivos, o qual deve ser realizado de modo eficaz, sob pena de se consagrar um verdadeiro descrédito em relação ao Estado de Direito. É nesse contexto que se insere a atividade de prestar a tutela jurisdicional, ou seja, não apenas como um poder, mas, sobretudo, como um dever estatal.” (HERTEL, 2006, p. 60)

Quando se trata de efetividade de tutela específica, o Judiciário deve desestimular e reprimir com veemência os desafios que qualquer pratique contra a autoridade conferida constitucionalmente a suas decisões.

Essa situação nada mais é que a interpretação técnico-jurídica em benefício do mau gestor, em verdadeiro retrocesso hermenêutico. Chega a ser inimaginável uma interpretação totalmente contrária ao interesse público, que agregue argumentos em benefício de agente público que, além de demonstrar desinteresse com a coisa pública, atenta contra a dignidade da Jurisdição [entendimento pacífico] e comete lesão ao erário, tudo isso aos olhos do poder Judiciário, que parece ignorar essa situação totalmente contrária aos ditames de um Estado de Direito.

Bruno Carrilho Tabaio (2014) ressalta, com razão, que a interferência na esfera jurídica do terceiro, titular do órgão público, deverá ser precedida de contraditório:

“Ora, o titular do órgão incumbido de execução não intervém no processo jurisdicional de nenhuma das formas jurídicas possíveis (nem como parte, nem como contra-interessado, nem através do instituto da intervenção).

(...)Deverá assim ser sempre garantida a possibilidade de exercício do direito ao contraditório aquando do incidente da instância.”

Quanto à possível ofensa ao art. 472, do CPC/73 (atual art. 506), que diz que a coisa julgada não pode prejudicar nem beneficiar terceiros, a multa coercitiva, como já foi tratado, é medida processual que não está integrada aos efeitos materiais da coisa julgada. A multa coercitiva em nada tem a ver com a relação material discutida no processo, tanto que poderá ser cominada a qualquer tempo, mesmo após a sentença e de ofício pelo magistrado.

No Código de Processo Civil existe caso em que terceiro pode ser condenado a pagar, mesmo não tendo nenhuma relação de direito material com o autor da demanda, não tendo sequer participado da fase cognitiva. Trata-se de execução de prestação de fato por terceiro a custa do executado. Na hipótese de o terceiro contratante não prestar o fato no prazo ou prestá-lo de modo defeituoso ou incompleto, o juiz, a requerimento do exequente, pode permitir que o próprio exequente conclua ou repare o fato por conta do terceiro contratante (art. 636 do CPC/73; atual art. 819).  

Forma-se então um processo incidente, sob contraditório, entre o exequente e o terceiro que participou suficientemente da execução. A respeito do art. 636, parágrafo único do CPC/73, Theodoro Júnior (2011) leciona que:

Estabelece-se, assim, um incidente processual com contraditório entre exequente e o contratante, para cuja solução, geralmente, o juiz terá de recorrer a uma vistoria. Comprovada a inexecução, total ou parcial, procede-se-á a uma perícia para avaliar o custo das despesas a serem efetuadas para a conclusão ou reparo da obra, condenando o contratante a pagá-la. (THEODORO JR., 2011, p. 255)

Dessa forma, visualiza-se que nada impede que uma decisão judicial possa alcançar terceiro, mesmo não sendo parte da relação jurídica deduzida no processo. Basta que o terceiro tenha papel relevante na prestação da tutela específica para poder ser alcançado por decisão judicial em uma relação jurídica processual paralela.

Com efeito, o ordenamento jurídico brasileiro não veda que administrador de pessoa jurídica seja pessoalmente responsabilizado, até mesmo para proteger os bens da pessoa jurídica. Não há motivos para que o agente público disponha de todos os privilégios e sobreponha-se até mesmo contra a autoridade de uma decisão mandamental.

Dando sinais de mudança de entendimento, a 1ª turma do STJ decidiu no ano de 2015 pela possibilidade de incidência de multa coercitiva sobre autoridade coatora em sede de Mandado de Segurança, tendo em vista a aplicação do CPC como fonte subsidiária. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA À PRÓPRIA AUTORIDADE COATORA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 461, §§ 4º e 5º DO CPC. RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DESPROVIDO.

1. É pacífica, no STJ, a possibilidade de aplicação, em mandado de segurança, da multa diária ou por tempo de atraso prevista no art. 461, §§ 4º e 5º do CPC. Precedentes.

2. Inexiste óbice, por outro lado, a que as astreintes possam também recair sobre a autoridade coatora recalcitrante que, sem justo motivo, cause embaraço ou deixe de dar cumprimento a decisão judicial proferida no curso da ação mandamental.

3. Parte sui generis na ação de segurança, a autoridade impetrada, que se revele refratária ao cumprimento dos comandos judiciais nela exarados, sujeita-se, não apenas às reprimendas da Lei nº 12.016/09 (art. 26), mas também aos mecanismos punitivos e coercitivos elencados no Código de Processo Civil (hipóteses dos arts. 14 e 461, §§ 4º e 5º).

4. Como refere a doutrina, "a desobediência injustificada de uma ordem judicial é um ato pessoal e desrespeitoso do administrador público; não está ele, em assim se comportando, agindo em nome do órgão estatal, mas sim, em nome próprio" (VARGAS, Jorge de Oliveira.

As consequências da desobediência da ordem do juiz cível. Curitiba: Juruá, 2001, p. 125), por isso que, se "a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional" (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 662).

5. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1399842/ES, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 03/02/2015)

Ante todo o exposto ao longo do presente artigo, propõe-se que ao ser proferida decisão condenatória mandamental em face do Estado, primeiro deve ser dado prazo para que o Estado, pessoa jurídica, cumpra voluntariamente a determinação. Em não sendo cumprida, o credor deve individualizar os agentes públicos responsáveis pelo descumprimento. Dessa vez os agentes serão intimados pessoalmente para cumprimento da obrigação em prazo fixado pelo juiz, com a expressa cominação de multa coercitiva após o encerramento do prazo. Nesse prazo, o agente público poderá justificar que não é o responsável pelo cumprimento, hipótese que deverá indicar o responsável, ou outra razão que torne impraticável o cumprimento da obrigação. O agente apenas se eximirá da multa cominada se o juiz julgar que ele não é o responsável pela pratica do ato.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imposição de “astreintes” contra a Administração Pública, ente jurídico, inanimado, ficção legal, não tem força coercitiva, pois não trará repercussão patrimonial direta na esfera jurídica do agente público que recusa o cumprimento da ordem judicial. Trará apenas prejuízos ao erário e, por consequência, a toda a coletividade, pois consomem-se recursos públicos para pagamento de multa imputável ao comportamento desidioso do agente público responsável.

A solução para o atual panorama de execução de tutela específica contra o Estado, é a superação do entendimento retrógrado efetuado pelo STJ, que impõe obstáculos desnecessários à efetivação da tutela jurisdicional.

O próprio STJ, em 2009, na ocasião do julgamento do Resp. nº 1.111.562/RN[19], de Relatoria do Ministro Castro Meira, decidiu, por meio da 2ª Turma, por unanimidade, pela manutenção da multa diária imposta concorrentemente ao Secretário de Justiça e Cidadania, Segurança Pública e Defesa Social, o Coordenador da Administração Penitenciária e o Delegado-Geral de Polícia, todos servidores do Estado do Rio Grande do Norte[20]. Merece a transcrição dos seguintes trechos do acórdão[21]:

“A exemplo do art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil - CPC -, com as alterações introduzidas pela Lei nº 8.952/94, o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o magistrado a cominar multa no intuito de promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública, sendo desnecessário o requerimento da parte adversa para tanto.

(...)

De tal sorte, a aplicação de multa diretamente ao agente administrativo constitui medida que não apenas encontra respaldo no ordenamento pátrio - amoldando-se à perfeição à vontade do legislador inscrita no art. 11 da Lei nº 7.347/85 -, como também repercute de forma extremamente satisfatória na consecução da providência estipulada pelo magistrado em sua decisão. Isso atende ao interesse público manifestado na presente ação civil pública sem recair na insidiosa dupla penalização da coletividade que adviria da cominação de multa tão-somente em desfavor do Estado.

(...)

Em suma: o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público.” (REsp 1.111.562/RN, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, j. em 25.08.09, DJe de 18.09.09.)

Deve ser utilizada a cominação de multa coercitiva na pessoa do agente público que, apesar de não ser parte na relação originária, pode ser alvo de astreintes, desde que tenha oportunidade de se manifestar sobre os motivos do descumprimento, pois paralelamente à relação jurídica principal, em que se discute relação de direito material, tem-se uma relação jurídica acessória na qual se discute apenas a aplicação de astreintes, em razão da resistência indevida de terceiro, autorizando a adoção das medidas necessárias, dentro de moldura razoável, à efetividade da decisão.

A interpretação proposta acima materializa o direito fundamental à tutela executiva, o qual é inerente aos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal (art. 5º, XXXV, LIV e LV, da CF).


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Notas

[1] De acordo com o Código de Processo Civil de 2015.

[2] PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FAZENDA PÚBLICA. INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. 1. Ação Ordinária c/c pedido de tutela antecipada ajuizada em face do Estado objetivando o fornecimento de medicamento de uso contínuo e urgente a paciente portadora de cirrose biliar primária. 2. A função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. 3. In casu, consoante se infere dos autos, trata-se obrigação de fazer, consubstanciada no fornecimento de medicamento a pessoa portadora de cirrose biliar primária, cuja imposição das astreintes objetiva assegurar o cumprimento da decisão judicial e consequentemente resguardar o direito à saúde. 4. "Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública." (AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 02.04.2001). 5. Precedentes jurisprudenciais (...). (STJ - REsp: 715974 RS 2005/0004886-3, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 08/11/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28/11/2005 p. 217 LEXSTJ vol. 196 p. 138).

[3] EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO DE IBIMIRIM. MANDADO DE SEGURANÇA JULGADO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. NOMEAÇÃO E POSSE DE CANDIDATO. DESCRUMPRIMENTO DA ORDEM PELO CHEFE DO PODER EXECUTIVO LOCAL. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM DESFAVOR DO PATRIMÔNIO PESSOAL DO ATUAL PREFEITO. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO UNÂNIME.1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que estipulou multa diária por descumprimento da obrigação contida em sentença proferida nos autos de Mandado de Segurança a incidir sobre o patrimônio pessoal do atual Prefeito do Município de Ibimirim. 2. No mandado de segurança, em que pese figurar no polo passivo a autoridade responsável pelo ato coator, tem-se que a ação é impetrada em desfavor do ente público - pessoa jurídica de direito público - no qual está inserido o impetrado. 3. É incabível a imposição de multa diária por descumprimento de decisão em mandado de segurança ao representante da pessoa jurídica de direito público que figurou no mandamus como autoridade coatora. Posicionamento doutrinário no sentido de que é a pessoa jurídica de direito público envolvida quem suporta os efeitos patrimoniais da lide. Precedentes do STJ e deste Tribunal. 4. Agravo de instrumento provido à unanimidade, em consonância com o parecer ministerial. (TJPE, Agravo de Instrumento nº. 0306870-2, Relator: Erik de Sousa Simões Dantas. 1ª Câmara de Direito Público. Julgamento em: 17/09/2013, Publicação em: 27/09/2013).

[4] PROCESSUAL CIVIL - PREVIDENCIÁRIO - PROCESSO DE EXECUÇÃO - IMPLANTAÇÃO DE REAJUSTE - PEDIDO DO EXCUTIDO DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO - INDEFERIMENTO - TRANSCUROS DE MAIS DE DOIS ANOS ENTRE A PRIMEIRA INTIMAÇÃO PARA PAGAMENTO E A DECISÃO ORA AGRAVADA - MAJORAÇÃO DA MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE NOVO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM - AFASTAMENTO - INCOMPATIBILIDADE COM A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS - DECISÃO REFORMADA EM PARTE - AGRAVO PROVIDO. 1. Mostrando-se abusiva a conduta do excutido que não atende, transcorridos mais de 02 (dois) anos, à determinação judicial de cumprimento de sentença transitada em julgado, deve ser mantida a decisão de indeferimento do pleito de prorrogação do prazo para implantação de reajuste salarial de servidor público. 2. É incabível a cominação de multa, em execução contra a Fazenda Pública, haja vista a incompatibilidade de tal imposição com a atuação dos órgãos públicos (Precedentes da Primeira Turma). Sendo a decisão agravada, entretanto, a que apenas majora o valor da penalidade, deve ser afastado, apenas, este acréscimo. 3. Agravo de instrumento parcialmente provido apenas para excluir da decisão agravada a ordem de majoração da multa imposta para o caso de novo descumprimento da ordem.(TRF-1 - AG: 3326 DF 2000.01.00.003326-3, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, Data de Julgamento: 30/04/2003, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 19/05/2003 DJ p.44).

[5] Consubstanciado legalmente no art. 1142 do Código Civil Francês: “Toda obrigação de fazer ou de não fazer se resolve em perdas e danos, no caso de inexecução por parte do devedor”.

[6] Pricoli, Marcela. Astreintes: considerações sobre a origem e o desenvolvimento do instituto. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/22522/astreintes-consideracoes-sobre-a-origem-e-o-desenvolvimento-do-instituto#ixzz2xO zABCSE. Acesso em 2014.

[7] A mesma solução é preconizada por MARINONI (2001), para quem, "a prevalecer a tese de que o réu deve pagar a multa ainda quando tem razão, chegar-se-ia à solução de que o processo pode prejudicar o réu que tem razão para beneficiar o autor que não tem". (Luiz Guilherme Marinoni. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2001, p. 109-110.)

[8] . Na esteira dessa discussão, a Quarta Turma do STJ recentemente  admitiu (Recurso Especial nº 1.347.726-RS) que a multa diária fixada em sede de tutela antecipada ou medida liminar somente poderá ser exigível nos casos em que a ação a que se vincula tenha sido julgada procedente e esteja sendo atacada por recurso recebido tão somente no efeito devolutivo, momento no qual o título judicial, ao menos dotado de maior segurança jurídica, torna-se líquido, certo e satisfatoriamente exigível. A multa, porém, será devida desde a data do descumprimento.

[9] Neme, Fabiano Godolphim. Métodos Coercitivos e Prestação Jurisdicional. Disponível em http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigosautor.asp?id=104. Acesso em 2014.

[10] Wambier, Tereza Arruda Alvim; Wambier, Luiz Rodrigues. Breves comentários a 2ª fase da Reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

[11] Braga, Paula Sarno. A aplicação a terceiros da multa administrativa do parágrafo único do art. 14 do CPC: aspectos polêmicos. Disponível em: http://www.didiersodrerosa.com.br/artigos. Acesso em 2014. p. 4.

[12] STJ - REsp: 747371 DF 2005/0073682-7, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 06/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2010.

[13] STJ - REsp: 747371 DF 2005/0073682-7, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 06/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2010.

[14] STJ - REsp: 1315719 SE 2012/0058150-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 27/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/09/2013.

[15] STJ - REsp: 855738  , Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Publicação: DJ 30/09/2010.

[16] STJ - REsp: 847907 DF 2006/0109376-7, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 05/05/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/11/2011)

[17] Termo utilizado pelo Des. José Ribamar Oliveira, Relator no acórdão do AI nº. 2010.0001.004241-3 proferido pela Egrégia 2ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí,

[18] ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO GESTOR PÚBLICO POR NÃO SER PARTE NO FEITO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. 2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 196946 SE 2012/0135266-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 02/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2013).

[19]   Julgado em 25.08.2009.

[20] Entre os pedidos formulados na inicial, encontrava-se o arbitramento liminar de "multa diária de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para o caso de descumprimento (parcial ou total) do provimento jurisdicional, bem assim multa de R$5.000,00 (cinco mil reais) por cada novo preso que seja indevidamente custodiado em delegacias de polícia desta capital".

[21] A decisão foi reformada posteriormente pelo AREsp 196946/SE 2012/0135266-6, que excluiu a multa aos agentes públicos.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Antônio Ítalo Ribeiro. Da possibilidade de aplicação de multa coercitiva contra agente público: decorrência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4779, 1 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50882. Acesso em: 24 abr. 2024.