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A responsabilidade subsidiária da administração pública tomadora de serviços, a ADC 16, o STF, o TST e o ônus da prova

Afinal de contas, o ônus de provar a (ir)regularidade da fiscalização e da contratação é do reclamante ou do ente público?

A responsabilidade subsidiária da administração pública tomadora de serviços, a ADC 16, o STF, o TST e o ônus da prova. Afinal de contas, o ônus de provar a (ir)regularidade da fiscalização e da contratação é do reclamante ou do ente público?

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Levando em conta aspectos teóricos, a ADC 16 e a jurisprudência do TST/STF, de quem é o ônus de comprovar o (in)adimplemento dos deveres de cautela na escolha e de fiscalização? Da parte reclamante ou do ente público tomador de serviços?

1. INTRODUÇÃO

O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 3311, buscou pacificar as controvérsias em torno da licitude/ilicitude da terceirização2 e dos critérios de responsabilidade/irresponsabilidade do tomador de serviços pelos créditos dos trabalhadores que prestaram serviço em benefício desta e foram inadimplidos pela empresa prestadora.

A despeito de o verbete, em seus seis itens, ser bastante esclarecedor, fato é que a súmula não abrange algumas outras relevantes questões acerca da temática (possibilidade de responsabilização solidária do tomador de serviços ente público em caso de terceirização ilícita; ônus da prova da prestação do serviço em prol da empresa tomadora etc.).

Importante esclarecer que, no particular, quando utilizamos a expressão “ente público”, estamos nos referindo às Administrações Diretas e Indiretas (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista), uma vez que sobre todas estas incide o elemento normativo de natureza jurídico-administrativa que gera a necessidade da culpa in vigilando ou in eligendo para a responsabilização subsidiária do tomador de serviços ente público e que suscita as dúvidas em torno do ônus probatório atinente, no caso, o art. 71, §1º, da Lei 8.666/19933. Cumpre destacar que tanto a Administração Direta quanto a Indireta se sujeitam ao regime licitatório de contratações (administrações públicas diretas e indiretas prestadoras de serviços públicos – artigos 22, XXVII4, e 37, XXI5, Constituição Federal; empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços – art. 173, §1º, III6, Constituição Federal) e, enquanto não editada a lei de que trata o art. 173, §1º, III, CF, tanto uma como a outra são regidas pela Lei 8.666/1993.

Nessa linha, o foco do corrente artigo é analisar - a partir de um enfoque teórico, mas também jurisprudencial - de qual parte (reclamante ou ente público) é o ônus de provar a (ir)regularidade da:

a) Fiscalização, pelo ente público tomador de serviços, do cumprimento, pela empresa prestadora, das obrigações trabalhistas atinentes aos empregados que prestam serviço em prol da tomadora. Ou seja, seria ônus da parte reclamante comprovar a culpa in vigilando do ente público tomador de serviços ou seria deste o encargo de demonstrar que fiscalizou a contento o adimplemento dos haveres trabalhistas?

b) Contratação, pelo ente público tomador de serviços, da empresa prestadora de serviços. Ou seja, seria ônus da parte reclamante comprovar a culpa in eligendo do ente público tomador de serviços ou seria deste o encargo de demonstrar a regularidade do procedimento licitatório que culminou com a contratação da empresa prestadora?

Tais indagações são de fundamental relevância diante do manifesto dissenso jurisprudencial interno no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal.

A questão é intrincada, pois o art. 71, §1º, da Lei das Licitações, não trata especificamente sobre ônus probatório, mas acaba influenciando substancialmente no deslinde da cizânia. Somente a análise detalhada do problema pode trazer clareza à controvérsia.


2. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 16 (ADC 16): O QUE FOI EFETIVAMENTE DECIDIDO?

A antiga redação da Súmula 331, IV, TST, dada pela Resolução TST nº 96/2000 (BRASIL, 2000), possuía o seguinte teor:

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

Diante de tal entendimento jurisprudencial, emergia a compreensão de que a responsabilidade do tomador de serviços ente público era automática, decorrendo apenas do inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora. E é exatamente essa a exegese que se faz da literalidade do verbete, a despeito de o precedente gerador de tal texto (Incidente de Uniformização de Jurisprudência em Recurso de Revista nº 297.751/967) dar a entender que a culpa in vigilando do tomador de serviços ente público seria apenas presumida na hipótese de inadimplemento dos créditos trabalhistas pela prestadora – e, nesse contexto, seria possível ao ente público produzir prova em contrário no sentido de que empreendeu todas as diligências fiscalizatórias cabíveis.

O esvaziamento do art. 71, §1º, da Lei 8.666/1993, pela jurisprudência trabalhista – uma vez que era óbvia a intenção do legislador de, a partir de tal norma, eximir o ente público de toda e qualquer responsabilidade -, fez com que o Governador do Distrito Federal propusesse uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 16/DF) com o fito de consolidar a constitucionalidade do mencionado dispositivo – aparentemente renegado implícita ou transversamente pelo Tribunal Superior do Trabalho - e, por via de consequência, reafirmar a literalidade do texto legal e livrar os entes públicos das rotineiras responsabilizações subsidiárias pelos créditos trabalhistas das prestadoras.

Apreciando o pedido formulado, o julgamento da ADC 16 foi assim ementado/decidido (BRASIL, 2010):

EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.

DECISÃO: Após o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator), que não conhecia da ação declaratória de constitucionalidade por não ver o requisito da controvérsia judicial, e o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, que a reconhecia e dava seguimento à ação, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falaram, pelo requerente, a Dra. Roberta Fragoso Menezes Kaufmann e, pela Advocacia-Geral da União, o Ministro José Antônio Dias Toffoli. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 10.09.2008. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Ministro Cezar Peluso (Presidente), julgou procedente a ação, contra o voto do Senhor Ministro Ayres Britto. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Plenário, 24.11.2010. (ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00001 RTJ VOL-00219-01 PP-00011)

Diante desse julgado, a questão que se postou foi a seguinte: o que significou a declaração de constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei 8.666/1993 pelo Supremo Tribunal Federal? A resposta depende de uma profunda reflexão sobre a fundamentação do julgado, uma vez que a mera “declaração de constitucionalidade” do texto normativo não ajudou a apaziguar as inúmeras dúvidas e controvérsias envolvendo o tema em questão.

O voto vencedor foi o do Ministro Cezar Peluso. Este, entretanto, a princípio votou pelo não conhecimento da ADC. Durante os debates ocorridos na sessão de julgamento de 24/11/2010, voltou atrás em tal ponto nas páginas 438 e 559 do inteiro teor do acórdão, para, no mérito, julgar a ação procedente (reconhecendo a constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei 8.666/1993, portanto).

O único voto formal, clara e fundamentadamente apresentado no sentido da constitucionalidade da norma foi o da Ministra Cármen Lúcia (p. 21-37 do acórdão), porém esta, durante os debates (p. 44), manifestou-se no sentido de acompanhar o voto do Ministro Relator Cezar Peluso.

O Ministro Celso de Mello, por sua vez, votou pelo conhecimento da ação e, no mérito, também acompanhou o voto do Ministro Relator Cezar Peluso (p. 56-62).

O ministro Ayres Britto (p. 54) votou pela parcial improcedência da ADC, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma no que tange à terceirização de mão de obra.

Os votos e os fundamentos exteriorizados pelos demais ministros foram esparsos e alguns até implícitos, mas todos, superada a admissibilidade da ação, no sentido de procedência da ADC.

Como se percebe, extrair a fundamentação de tal julgado do STF, nesse contexto, não é tarefa nada fácil. A melhor linha, após a leitura da íntegra do acórdão, parece ser a de tentar captar o(s) consenso(s) interpretativo(s) ou a(s) tese(s) majoritária(s) dos Ministros alcançados por meio dos debates ocorridos na sessão de julgamento.

Vejamos as posições de cada ministro ao longo dos debates (valendo salientar que o MINISTRO DIAS TOFFOLI era impedido para atuar no julgamento):

MINISTRO CEZAR PELUSO (relator) - ressaltou, variadas vezes, que a simples declaração de constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei 8.666/1993, não impediria que a Justiça do Trabalho, invocando outros princípios constitucionais e levando em conta outros fatos do processo, reconhecesse a responsabilidade da Administração (p. 43); manifestou-se no sentido de que a “Administração é obrigada a tomar atitude” (referindo-se ao dever de fiscalizar), sob pena de ser configurado inadimplemento de sua parte e restar fundamentada a responsabilidade do ente público (p. 45-46); concordou com a crítica do Ministro Gilmar Mendes às responsabilizações irrestritas realizadas pela Justiça do Trabalho e disse que agora (após o julgamento do STF na mencionada ADC) teriam que ser analisados os fatos (p. 46);

MINISTRO CELSO DE MELLO - a sua única manifestação, quanto ao mérito, foi no sentido de seguir o voto do Ministro Cezar Peluso (como sua votação foi após o debate, presume-se que compactuou com as ponderações orais feitas pelo relator);

MINISTRO MARCO AURÉLIO - defendeu a constitucionalidade da norma, refutando a aplicação da responsabilidade objetiva do estado (art. 37, §6º, CF) e da solidariedade empresarial prevista na legislação trabalhista (art. 2º, §2º, CLT) ao caso; deu a entender que interpreta o art. 71, §1º, da Lei 8.666/1993 como excluindo categoricamente qualquer responsabilidade trabalhista do ente público tomador de serviços (“A entender-se que o Poder Público responde pelos encargos trabalhistas, numa responsabilidade supletiva – seria supletiva, não seria sequer solidária -, ter-se-á que assentar a mesma coisa quanto às obrigações fiscais e comerciais da empresa que terceiriza os serviços” - p. 51);

MINISTRA ELLEN GRACIE - colocou em xeque se a Justiça do Trabalho, à época, estava efetivamente examinando, em concreto, se houve culpa in eligendo ou falta de fiscalização (p. 46); infere-se que, por não ter apresentado contrariedade à pergunta formulada pelo Ministro Cezar Peluso na p. 44 (“Se o Tribunal estiver de acordo, eu proclamo o resultado”), votou pela procedência da ADC, nos termos das manifestações do relator;

MINISTRO GILMAR MENDES - criticou a responsabilização irrestrita (sem critérios) do tomador de serviços ente público (p. 46), mas se manifestou no sentido de que o órgão contratante deve fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da tomadora, sob pena de configuração da culpa in vigilando (p. 45); após diálogo com o Ministro Cezar Peluso em que este disse que agora (após o julgamento do STF na mencionada ADC) teriam que ser analisados os fatos (p. 46), o Ministro Gilmar Mendes nada disse, dando a entender que concordava com a afirmativa do relator;

MINISTRO AYRES BRITTO - votou pela parcial improcedência da ADC, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma no que tange à terceirização de mão de obra (p. 54);

MINISTRO JOAQUIM BARBOSA - não consta no acórdão nenhuma manifestação do ministro, apesar de sua presença ter sido registrada no extrato de ata (p. 65); infere-se que, por não ter apresentado contrariedade à pergunta formulada pelo Ministro Cezar Peluso na p. 44 (“Se o Tribunal estiver de acordo, eu proclamo o resultado”), votou pela procedência da ADC, nos termos das manifestações do relator;

MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - manifestou posição no sentido de que a responsabilidade depende da existência de culpa, o que só pode ser averiguado no caso concreto; citou exemplo de empresas prestadoras que são contratadas pelos entes públicos e, após, desaparecem, deixando um débito trabalhista enorme, contexto no qual se posicionou no sentido de que estaria claramente configurada a culpa in vigilando e in eligendo (p. 44);

MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - defendeu a constitucionalidade da norma em seu voto; alegou que incumbe à entidade pública exigir da empresa contratante o cumprimento das condições de habilitação e fiscalizá-las na execução do contrato (p. 35); sustentou que, pela necessária observância dos princípios da legalidade e da moralidade administrativa, não pode a Administração Pública anuir com o não cumprimento de deveres por entes por ela contratados; argumentou, por outro lado, que o simples descumprimento do dever de fiscalizar não impõe a responsabilidade automática da Administração Pública (p. 36); disse que a necessária observância dos princípios da legalidade e da moralidade administrativa “não importa afirmar que a pessoa da Administração Pública possa ser diretamente chamada em juízo para responder por obrigações trabalhistas devidas por empresas por ela contratadas” e complementou dizendo que entendimento “diverso resultaria em duplo prejuízo ao ente da Administração Pública, que, apesar de ter cumprido regularmente as obrigações previstas no contrato administrativo firmado, veria ameaçada sua execução e ainda teria de arcar com consequência do inadimplemento de obrigações trabalhistas pela empresa contratada” (p. 36-37)10; em resposta ao Ministro Gilmar Mendes, afirmou que a legislação brasileira exige a fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias da empresa prestadora (p. 45); concordou com a afirmação do Ministro Cezar Peluso no sentido de que a “Administração é obrigada a tomar atitude”, sob pena de ser configurado inadimplemento de sua parte (p. 45).

Por meio dos votos e manifestações, podemos extrair as seguintes teses, que não foram expressadas no dispositivo, nem tampouco constaram na ementa do acórdão:

a)Chegou-se a uma tese principal muito clara de que não é possível a responsabilização do ente público tomador de serviços em decorrência do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora;

b) Complementarmente, mesmo que de forma não tão sistematizada, foi fixada a tese (encabeçada pelos Ministros Cezar Peluso, Celso de Mello, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e, aparentemente, Cármen Lúcia) de que subsiste a possibilidade de responsabilização do tomador de serviços ente público, porém esta deve ser empreendida em concreto, levando em conta eventual ação ou omissão culposa (culpa in eligendo, in vigilando etc.) do ente público que tenha contribuído para a configuração do dano (inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora) sofrido pelo trabalhador terceirizado (a maioria das manifestações dos Ministros deu mais ênfase à culpa in vigilando, porém entendo que o cerne da tese fixada foi no sentido de dever ser apurada alguma culpa da Administração no caso concreto, independentemente da modalidade, tendo a culpa in vigilando sido a mais citada por ser a que possui maior relação de causa e efeito com o inadimplemento das verbas trabalhistas pela prestadora).

O Tribunal Superior do Trabalho, interpretando o julgado do STF na ADC 16 aparentemente no mesmo sentido acima explicitado, acresceu o item V à Súmula 331, por meio da Resolução TST 174/2011 (BRASIL, 2011):

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV11, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

Compreendido o teor da decisão do STF e percebendo que o TST condensou no item V da Súmula 331 tanto a tese principal como a tese complementar fixada na ADC 16, agora ficará mais fácil prosseguir no desenvolvimento da discussão necessária para o trato do tema central do corrente artigo (ônus da prova) e para o enfrentamento/crítica de seus desdobramentos em face de tal julgado da Corte Suprema.


3. DEVER DE O ENTE PÚBLICO TOMADOR DE SERVIÇOS ADOTAR AS CAUTELAS LEGAIS PARA CONTRATAR E DEVER DE FISCALIZAR A EXECUÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO FIRMADO: FUNDAMENTOS E CONSEQUÊNCIAS DA INOBSERVÂNCIA

Prosseguindo a trilha do tema, importante frisar que o dever de o ente público adotar medidas que garantam a escolha de empresa idônea e capaz de executar o objeto do contrato administrativo decorre da necessária observância de procedimento licitatório por parte da Administração Pública (artigos 22, XXVII, 37, XXI, e 173, §1º, III, Constituição Federal), mais precisamente das disposições legais que exigem a habilitação jurídica, a qualificação técnica, a qualificação econômico-financeira e a regularidade fiscal e trabalhista da candidata à adjudicação do objeto licitado (artigos 27 a 33 da Lei 8.666/1993).

o dever de o ente público tomador de serviços fiscalizar o cumprimento, pela empresa prestadora, das obrigações trabalhistas atinentes aos empregados desta que prestam(ram) serviço em prol da tomadora decorre:

a)Do Princípio da Legalidade12 (que, por essa vertente, impõe que o Poder Público preze pela observância da legislação trabalhista por parte da empresa contratada - conforme raciocínio apontado no voto escrito da Ministra Cármen Lúcia na ADC 16, proferido antes de sua manifestação no sentido de que seguiria o voto do Ministro Cezar Peluso;

b)Do Princípio da Moralidade Administrativa13 (a exigência de fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas decorrentes da execução do contrato administrativo é necessária para garantir que o Poder Público não esteja, por exemplo, beneficiando-se da mão de obra de trabalhadores terceirizados que estão laborando sem receber salários, que não contam com equipamentos de proteção individual, que estão sem receber o pagamento de horas extras etc.; isso porque tal contexto catastrófico certamente afrontaria qualquer noção de ética e de adequação social do meio escolhido pela Administração para atingir a sua finalidade pública);

c)Dos artigos 55, XIII14, 58, III15, e 67, caput e §1º16, da Lei 8.666/1993.

A observância de tais deveres17 garante a escolha de empresa que, em tese, respeita e respeitará a legislação trabalhista e, ao mesmo tempo, assegura efetivamente – ou, na maior medida possível, tenta assegurar - a observância das normas trabalhistas por parte da empresa prestadora. Em última instância, tais deveres servem para proteger o valor social do trabalho (artigos 1º, IV, 170, caput, e 193, Constituição Federal) e, em concreto, os trabalhadores que prestam seus serviços em benefício do ente público por intermédio da contratada.

Nesse sentido, considerando, conforme já visto, que tais deveres integram a formação/execução do contrato administrativo e que visam proteger o trabalhador terceirizado, e levando em conta que o descumprimento de tais deveres, na linha preconizada pelo STF na ADC 16, configura inadimplemento da Administração Pública, conclui-se que, por uma interpretação sistemática, a responsabilidade subsidiária do ente público decorre do próprio art. 71, §1º, da Lei. 8.666/1993.

Isso porque tal dispositivo, ao exonerar o ente público tomador de qualquer responsabilidade, parte do pressuposto de que o inadimplemento da empresa prestadora não decorreu de ou foi possibilitado por qualquer ação ou omissão da Administração Pública. Ou seja, a norma exoneradora de responsabilidade parte do pressuposto de que o ente público teria cumprido e estaria cumprindo regularmente todas as obrigações e deveres atinentes ao contrato administrativo, de modo que, quando esse cenário hipotético não fosse verdadeiro, seria a Administração Pública passível de responsabilização pelos encargos trabalhistas, desde que sua conduta guardasse nexo com a inadimplência dos haveres trabalhistas por parte da prestadora. Afinal, não faria sentido a imposição de deveres com finalidades tão nobres sem que houvesse a devida e razoável sanção jurídica, sendo essa compreensão a que mais se harmoniza com os fins sociais e as exigências do bem comum, em obediência ao art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Dentro desse contexto, o parágrafo 1º do art. 71 da Lei das Licitações poderia ser reescrito do seguinte modo, a fim de melhor explicitar o entendimento ora propugnado (que atualmente é implícito e decorrente de toda uma harmonização do ordenamento jurídico):

A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis, desde que o ente público esteja cumprindo e tenha cumprido regularmente todas as obrigações e deveres atinentes ao contrato administrativo firmado. (acrescei o trecho grifado)

Mister ressaltar que o não cumprimento regular dos deveres de cautela na escolha e de fiscalização implica em conduta presumidamente dolosa/culposa da Administração Pública, pois tal postura implica em inadimplemento, conforme inclusive salientado pelo Ministro Cezar Peluso no julgado da ADC 16 pelo STF. E, justamente por se tratar de inadimplemento, este somente poderia ser considerado escusável na hipótese de caso fortuito ou força maior (art. 393, Código Civil, aplicável subsidiariamente aos contratos administrativos por força do art. 54 da Lei 8.666/1993). Ou seja, descumpridos os deveres de cautela na escolha e de fiscalização restam configuradas, respectivamente, as chamadas “culpa in eligendo” e “culpa in vigilando”.

Frise-se que o raciocínio desenvolvido parece se adequar com precisão aos fundamentos, externalizados ao longo dos debates, adotados pelo Ministro Cezar Peluso (voto vencedor) no julgamento ADC 16.

Elucidada a “fonte” da responsabilidade estatal, avancemos, finalmente, para o ônus probatório, principal aspecto processual do problema.


4. O ÔNUS DA PROVA DA CULPA IN ELIGENDO E IN VIGILANDO (ANÁLISE TEÓRICA)

O ônus da prova, no Processo do Trabalho, é regulado no artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho: “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. Tal regra, por sua excessiva simplicidade, costuma ser criticada pela doutrina. Nesse sentido, Schiavi (2015, p. 667-668):

O referido art. 818 da CLT, no nosso entendimento, não é completo, e por si só é de difícil interpretação e também aplicabilidade prática, pois, como cada parte tem de comprovar o que alegou, ambas as partes têm o encargo probatório de todos os fatos que declinaram, tanto na inicial, como na contestação.

Além disso, o art. 818 consolidado não resolve situações de inexistência de prova no processo, ou de conflito entre as provas produzidas pelas partes. O juiz da atualidade, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), não pode furtar-se a julgar, alegando falta de prova nos autos, ou impossibilidade de saber qual foi a melhor prova. Por isso, a aplicação da regra de ônus da prova como fundamento de decisão é uma necessidade do processo contemporâneo. [...]

Já o Código de Processo Civil de 2015, além de consagrar expressamente a possibilidade de inversão judicial do ônus da prova (§§1º, 2º e 3º do art. 37318), esmiúça melhor as regras gerais (“estáticas”) sobre ônus probatório:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

[...]

Didier Júnior (2015, p. 111-113) nos ajuda a compreender o dispositivo:

O fato constitutivo é o fato gerador do direito afirmado pelo autor em juízo. Compõe o suporte fático que, enquadrado em dada hipótese normativa, constitui uma determinada situação jurídica, de que o autor afirma ser titular. Como é o autor que pretende o reconhecimento deste seu direito, cabe a ele provar o fato que determinou seu nascimento.

[…]

O fato extintivo é aquele que retira a eficácia do fato constitutivo, fulminando o direito do autor e a pretensão de vê-lo satisfeito – tal como o pagamento, a compensação e a decadência legal.

[…]

O fato impeditivo é aquele cuja existência obsta que o fato constitutivo produza efeitos e o direito, dali, nasça – tal como a incapacidade, o erro, o desequilíbrio contratual.

[…]

O fato modificativo, a seu turno, é aquele que, tendo por certa a existência do direito, busca, tão somente, alterá-lo – tal como a moratória concedida ao devedor.

Apesar de a jurisprudência e a doutrina serem praticamente unânimes na aplicabilidade de tal artigo processual civil ao Processo do Trabalho, devemos, mesmo que sucintamente, analisar a possibilidade de integração de tal artigo ao Processo Laboral.

Seguindo o método defendido por Bruxel (2016)19, estamos diante de uma omissão parcial20 - a norma do Código de Processo Civil regula de forma mais completa o tema, sem contrariar a norma celetista – e, portanto, devemos analisar sua compatibilidade21 com o Processo do Trabalho. Nessa trilha, observa-se que a norma processual comum detalha o teor do artigo 818 da CLT, garantindo, ao distribuir diferenciadamente e de forma mais clara o ônus probatório entre as partes, que se possa julgar o feito com base nas regras sobre encargo probatório (a problemática norma celetista dá a entender que, se uma parte disser que o fato X ocorreu e a outra parte disser que o fato X não ocorreu, ambas terão o encargo de demonstrar suas alegações; caso ninguém prove nada, o artigo 818 da CLT não apresenta uma regra cristalina sobre qual parte arcaria com as consequências advindas da ausência probatória em torno do fato X). Desse modo, percebe-se que o artigo 373 do CPC assegura maior Efetividade da Jurisdição e ainda, por sua pormenorização, garante maior Segurança Jurídica (previsibilidade) às partes, sem causar prejuízos a outros fundamentos do Processo Laboral ou princípios processuais constitucionais, circunstância que demonstra sua compatibilidade com o Processo Trabalhista e atrai sua aplicabilidade a esta seara como reforço ao artigo 818 da CLT.

Definido isso, percebemos que, ao empregado que postula a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços ente público – supondo que tenha direitos trabalhistas a receber de sua empregadora (a empresa prestadora) - basta: a)comprovar, caso exista controvérsia a respeito, a prestação de serviços em prol da Administração Pública (fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, I, CPC); b)alegar o descumprimento, pelo ente público, dos deveres de cautela na escolha e de fiscalização.

Basta a alegação de descumprimento, pois o adimplemento (“pagamento”) de um dever/obrigação é um fato extintivo do direito da parte reclamante (art. 373, II, CPC) e, portanto, incumbe ao ente público (réu) comprovar que efetivamente adotou as cautelas na escolha da empresa prestadora e que regularmente fiscalizou o cumprimento dos haveres trabalhistas.

Entender de modo contrário seria atribuir ao autor um ônus que este não possui (se o adimplemento é fato extintivo, certamente não poderíamos entender que o inadimplemento seria um fato constitutivo, sob pena de cairmos no mesmo impasse criticado e possivelmente ocorrente quando aplicado exclusivamente o artigo 818 da CLT) e, o pior, significaria impor um encargo praticamente impossível (provar que a Administração não cumpriu seus deveres) e absurdo (o inadimplemento da empresa prestadora, por mais que não seja suficiente por si só para a responsabilidade subsidiária da tomadora, é no mínimo um provável e gigante indício de que esta não cumpriu com seus deveres contratuais).

Frisar que se trata de um ônus probatório “normal” (estático) do ente público tomador de serviços – e não um encargo decorrente da inversão do ônus da prova – é, ainda, um aspecto relevantíssimo, haja vista que evita maiores controvérsias e alegações em torno da temática ao longo do processo.

Analisemos agora como a questão tem sido tratada pela jurisprudência.


5. O ÔNUS DA PROVA DA CULPA IN ELIGENDO E IN VIGILANDO: OS JULGADOS TRABALHISTAS E A INTERPRETAÇÃO DO TEOR DA ADC 16 PELO PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Em recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho – as quais, em sua maioria, levaram em conta expressamente o julgado da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16 -, percebe-se que 6 (seis) das 8 (oito) Turmas do TST encampam - ao menos no que pertine ao dever de fiscalização, mas em raciocínio perfeitamente aplicável ao dever de cautela na escolha – ser do ente público o ônus probatório:

[...] AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CULPA IN VIGILANDO. DECISÃO DO STF NA ADC 16. ÔNUS DA PROVA. 1. O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou procedente ação declaratória de constitucionalidade, firmando o seguinte entendimento: "[...] Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei Federal nº 8.666/93. [...]" (excerto do v. acórdão proferido na ADC 16, Relator: Ministro Cezar Peluso, DJe nº 173, divulgado em 08/09/2011). 2. Aferida tal decisão, na hipótese de terceirização lícita, não há responsabilidade contratual da Administração Pública pelas verbas trabalhistas dos empregados terceirizados, conforme a literalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993. 3. Contudo, o acórdão prolatado nos autos da ADC 16 pelo Pretório Excelso não sacramenta a intangibilidade absoluta da Administração Pública pelo descumprimento de direitos trabalhistas dos empregados lesados quando terceiriza serviços. 4. A própria Lei de Licitações impõe à Administração Pública o dever de fiscalizar a execução dos contratos administrativos, conforme se depreende dos artigos 58, III, e 67, § 1º, da Lei 8.666/93. 5. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar a Reclamação n.º 13.272, Relatora Ministra Rosa Weber, Dje 03/09/2012, em sede liminar, sufragou entendimento no sentido de que incumbe à Administração Pública o ônus da prova de sua conduta comissiva. 6. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional, após o exame do conteúdo fático-probatório, concluiu pela existência de culpa in vigilando da Administração Pública devido à ausência de fiscalização das obrigações assumidas pela contratada. 7. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (Ag-AIRR - 218100-51.2008.5.04.0018, Relator Desembargador Convocado: Marcelo Lamego Pertence, Data de Julgamento: 22/06/2016, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/06/2016) (grifo nosso)

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014 1 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA SOBRE A FISCALIZAÇÃO DO CONTRATO (DECISÃO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO FIXADO PELO STF NA ADC 16/DF E PELA SÚMULA 331, V, DO TST). Na hipótese, o Tribunal Regional reconheceu a responsabilidade subsidiária da parte ré em razão da ausência de prova de que tivesse procedido à efetiva fiscalização e acompanhamento da execução do contrato. Com efeito, por ser o natural detentor dos meios de prova sobre a fiscalização das obrigações contratuais, bem como da manutenção pelo contratado das condições originais de habilitação e qualificação exigidas na licitação (art. 55, XIII, da Lei 8.666/93), inclusive sua idoneidade financeira (art. 27, III), pertence ao ente público o ônus de comprovar que desempenhou a contento esse encargo. Dessa forma, a responsabilização subsidiária da Administração Pública não decorre de presunção de culpa, mas de sua verificação em concreto a partir do conjunto da prova, e das regras de distribuição do onus probandi. Recurso de revista não conhecido. [...] (RR - 155100-62.2013.5.17.0011 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 29/06/2016, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016) (grifo nosso)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECURSO INTERPOSTO NA ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS DA PROVA. Foram preenchidos os requisitos da Lei nº 13.015/2014. A jurisprudência desta Corte entende que compete ao ente público comprovar a fiscalização da prestadora de serviços terceirizados no tocante ao adimplemento das obrigações trabalhistas. Do quadro fático delineado pelo TRT extrai-se que a condenação decorre da culpa in vigilando do tomador dos serviços, por não fazer prova da fiscalização efetiva do contrato de prestação de serviços, quanto ao adimplemento das verbas trabalhistas. Com efeito, o Regional consignou que o Estado "não trouxe aos autos prova de que efetivamente tomou medidas que visassem o fiel cumprimento das obrigações trabalhistas pela 1ª reclamada". Nesse contexto, inviável a admissibilidade do recurso de revista, pois a decisão recorrida encontra-se em consonância com o item V da Súmula 331/TST. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação nº 13901, registrou que: "Como o controle da regularidade da execução dos contratos firmados com a administração deve ser feito por dever de ofício, é densa a fundamentação do acórdão-reclamado ao atribuir ao Estado o dever de provar não ter agido com tolerância ou desídia incompatíveis com o respeito ao erário". [...] (AIRR - 491-15.2015.5.23.0002 , Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 29/06/2016, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016) (grifo nosso)

[...] AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO TERCEIRO RECLAMADO - INSS. APELO INTERPOSTO SOB A VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DA CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS DA PROVA. PRINCÍPIO DA APTIDÃO PARA A PROVA. Nos moldes do item V da Súmula n.º 331 desta Corte: "Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21/6/1993; especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada". Sendo a efetiva fiscalização da execução do contrato encargo do ente integrante da Administração Pública, compete a ele provar que cumpriu com o seu dever legal, sobretudo porque eventuais documentos que demonstram a fiscalização estão em seu poder. Outrossim, pelo princípio da aptidão para a prova, deve ser atribuída ao ente integrante da Administração Pública a comprovação da efetiva fiscalização do contrato, sendo caso, portanto, de inversão do ônus da prova. Precedentes. Agravo de Instrumento conhecido e não provido. (ARR - 1021-14.2011.5.04.0026 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 29/06/2016, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016) (grifo nosso)

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONFIGURAÇÃO DE CULPA IN VIGILANDO. PARÂMETROS FIXADOS PELO STF NO JULGAMENTO DA ADC 16/DF. Ao julgar a ADC 16/DF e proclamar a constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93, a Suprema Corte não afastou a possibilidade de imputação da responsabilidade subsidiária aos entes da Administração Pública, por dívidas trabalhistas mantidas por empresas de terceirização por eles contratadas, desde que configurada conduta culposa, por omissão ou negligência, no acompanhamento da execução dos contratos de terceirização celebrados, nos moldes da Súmula 331, V, do TST. Para a fixação da responsabilização em causa, portanto, que não deriva do simples inadimplemento dos créditos trabalhistas por parte da empresa contratada, faz-se necessária a comprovação de que a entidade pública praticou ato omissivo ou comissivo, revelador de negligência no dever - e não apenas prerrogativa! - jurídico-constitucional de fiscalizar e acompanhar a execução dos contratos de prestação de serviços celebrados (art. 58 da Lei 8.666/93). Nesse contexto, e não sendo possível o reexame do acervo fático-probatório aos órgãos da jurisdição extraordinária (Súmula 279 do STF e Súmula 126 do TST), aos juízos naturais de primeiro e segundo graus de jurisdição cabe aferir, concretamente, caso a caso, de acordo com os elementos de convicção produzidos ou segundo as regras de distribuição do ônus probatório correspondente, se houve culpa da entidade pública tomadora, a ensejar a sua responsabilização subsidiária. Fixada a responsabilidade nesses termos, não se poderá cogitar de transgressão à decisão proferida nos autos da ADC 16/DF, tal como proclamado em decisões proferidas em diversas reclamações e acórdãos daquela Corte (Rcl 18021 AGR/RS, Relator Ministro Edson Fachin, julgamento em 15/3/2016; Rcl 10.829 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 10/2/2015; Rcl 16.094 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 2/2/2015; Rcl 17.618 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 23/3/2015). De destacar, porém, em respeito ao máximo contraditório que deve pautar as decisões judiciais, notadamente no âmbito das Cortes Superiores, que há decisões monocráticas e colegiadas oriundas da Excelsa Corte, consagrando orientações distintas, ora afirmando a absoluta impossibilidade de transferência da responsabilidade em questão aos entes da Administração Pública (Rcl 21.898/PE, Relator Ministro Marco Aurélio, DJe 25/4/2016), tese que foi expressamente superada no julgamento da ADC 16/DF, ora assentando a tese de que a motivação exposta nas instâncias ordinárias, sem a indicação de qualquer elemento ou conduta capaz de justificar a culpa da entidade pública, não autorizaria igualmente a imputação da aludida responsabilidade, por configurada mera presunção da culpa (Ag-Rcl 20.905/RS, Redator Ministro Teori Zavascki, julgamento 30/6/2015). Buscando evidenciar o que seria condenação por simples presunção, decisões monocráticas proferidas em Reclamações a anunciam como efeito do mero inadimplemento dos créditos trabalhistas pela empresa contratada (Rcl 16.846-AgR, Relator o Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 19/5/2015), ainda quando haja registro produzido pelas instâncias ordinárias, a partir do exame do acervo fático-probatório, relativo à configuração da culpa in elegendo e in vigilando da Administração Pública (Rcl 14.522-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 3/2/2015). Diante desse expressivo dissenso no âmbito da Suprema Corte, a quem cabe ditar em última ratio o sentido e alcance dos preceitos constitucionais, promovendo igualmente a defesa da autoridade e eficácia de seus julgados, o critério a ser adotado para o julgamento de casos similares deve ser aquele consagrado por seu órgão plenário. Nesse cenário, além de o voto condutor (que foi agregado por novos motivos durante os debates então travados) consagrar a possibilidade da responsabilização subsidiária da entidade pública, quando, com base nos elementos de prova, for demonstrada a culpa decorrente da omissão ou negligência no exercício adequado do dever de vigiar, a matéria foi objeto de exame plenário, após o julgamento da ADC 16/DF, por ocasião do julgamento do Ag-Rcl 16.094-ES (Relator o Ministro Celso de Mello, em 19/11/2014). Nesse julgamento, com a presença de nove ministros, restou vencido apenas o Ministro Dias Tóffoli, não participando do julgamento a Ministra Cármen Lúcia (impedida). Portanto, entre os presentes, sete Ministros seguiram o voto condutor, o que configura maioria absoluta, autorizando os demais órgãos do Poder Judiciário a aplicar a diretriz consagrada no julgamento da ADC 16/DF, cujo conteúdo foi explicitado, ainda uma vez mais, pelo Plenário da Excelsa Corte, nos autos do Ag-Rcl 16.094-ES. No presente caso, o Tribunal Regional, ao registrar que "Na hipótese dos autos, verifico que o tomador de serviços não demonstrou que, de fato, fiscalizou o cumprimento , pela prestadora, do pagamento de verbas trabalhistas e rescisórias da obreira", ressaltou que o ente público não logrou comprovar a fiscalização das obrigações contratuais e legais da empresa prestadora, o que configura a culpa in vigilando, a legitimar a imputação da responsabilidade subsidiária combatida. Incidência da Súmula 331, V, do TST. Agravo não provido. (Ag-AIRR - 10109-57.2014.5.15.0061 , Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 29/06/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016) (grifo nosso)

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 [...] RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - SÚMULA Nº 331, V, DO TST - ÔNUS DA PROVA 1. O acórdão regional está em harmonia com a Súmula nº 331, item V, do TST, pois a responsabilização subsidiária do ente público decorreu do reconhecimento de conduta culposa na fiscalização do cumprimento do contrato. 2. Compete à Administração Pública o ônus da prova quanto à fiscalização, considerando que: i) a existência de fiscalização do contrato é fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante; ii) a obrigação de fiscalizar a execução do contrato decorre da lei (arts. 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93); e iii) não se pode exigir do trabalhador a prova de fato negativo ou que apresente documentos aos quais não tem acesso, em atenção ao princípio da aptidão para a prova. Julgados. [...] Recurso de Revista conhecido parcialmente e provido. (RR - 760-13.2013.5.04.0662, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 10/08/2016, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/08/2016) (grifo nosso)

Divergem de tal posicionamento - levando em conta decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em Reclamações Constitucionais (art. 102, I, “l”, e §2º, Constituição Federal22; art. 988, III, CPC23) que versaram sobre suposto descumprimento do julgado na ADC 16 - a 5ª e a 6ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA. CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS SUBJETIVO DA PROVA. DESCABIMENTO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA APTIDÃO DA PROVA. CONTRARIEDADE À SÚMULA 331, ITEM V, DO TST, E VIOLAÇÃO AO ARTIGO 71, § 1º, DA LEI 8.666/93. I - Para equacionar a controvérsia em torno da existência ou inexistência de responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelas obrigações trabalhistas não honradas pela empresa prestadora de serviço é imprescindível trazer a lume a decisão proferida pelo STF na ADC 16/2007. II - Nela, malgrado tenha sido reconhecida a constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8.666/93, os eminentes Ministros daquela Corte permitiram-se alertar os tribunais do trabalho para não generalizarem as hipóteses de responsabilização subsidiária da Administração Pública. III - Na ocasião, traçaram inclusive regra de conduta a ser observada pelos tribunais do trabalho, de se proceder, com mais rigor, à investigação se a inadimplência da empresa contratada por meio de licitação pública teve como causa principal a falha ou a falta de fiscalização pelo órgão público contratante. IV - A partir dessa quase admoestação da Suprema Corte, o Tribunal Superior do Trabalho houve por bem transferir a redação do item IV da Súmula 331 para o item V desse precedente, dando-lhe redação que refletisse o posicionamento dos Ministros do STF. V - Efetivamente, o item V da Súmula 331 passou a preconizar que "Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada". VI - Compulsando esse precedente, percebe-se, sem desusada perspicácia, que a responsabilização subsidiária tem por pressuposto a existência de conduta culposa da Administração Pública, ao se demitir do dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa prestadora de serviços. VII - Em outras palavras, impõe-se extrair da decisão do Regional elementos de prova de que a Administração Pública deixou de observar o dever de fiscalização dos direitos trabalhistas devidos aos empregados da empresa prestadora de serviços, uma vez que o seu chamamento à responsabilização subsidiária repousa na sua responsabilidade subjetiva e não objetiva. VIII - A Ministra Cármen Lúcia, na Reclamação nº 19.147-SP, ao julgá-la procedente, por meio de decisão monocrática lavrada em 25/2/2015, assentou "que as declarações e as informações oficiais de agentes públicos, no exercício de seu ofício, têm presunção relativa (juris tantum) de legitimidade e devem prevalecer até prova idônea e irrefutável em sentido contrário". IX - Ainda nesta decisão, a ilustre Ministra alertou que "para se afirmar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por aqueles encargos, imprescindível a prova taxativa do nexo de causalidade entre conduta da Administração e o dano sofrido pelo trabalhador, a dizer, que se tenha comprovado no processo essa circunstância. Sem a produção dessa prova, subsiste o ato administrativo e a Administração Pública exime-se da responsabilidade por obrigações trabalhistas com relação àqueles que não compõem os seus quadros". X - Delineado no acórdão recorrido que a responsabilização subsidiária do recorrente devera-se apenas à ausência de prova de que procedera à fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas devidas pela empresa contratada, ônus que se advertiu lhe cabia, inoponível à presunção relativa de legitimidade dos atos administrativos, sobressai incontrastável a alegada violação do artigo 71, § 1º, da Lei 8.666/93, e contrariedade à Súmula 331, item V, do TST. XII - Isso considerando ser do reclamante e não do reclamado o ônus de que se demitira do dever de fiscalização das obrigações trabalhistas da empresa prestadora de serviços, não havendo lugar sequer para a adoção da tese da aptidão da prova, na esteira da presunção relativa de legitimidade dos atos administrativos. XIII - Sendo assim, sobrevém a evidência de o acórdão recorrido ter contrariado a Súmula 331, item V, do TST, de modo que se impõe, o conhecimento e o provimento do apelo extraordinário para excluir a recorrente da condenação a título de responsabilidade subsidiária. XIV - Recurso de revista de que se conhece e se dá provimento para excluir a responsabilidade subsidiária atribuída ao recorrente, restando prejudicado o tema juros de mora. (RR - 2986-17.2013.5.02.0057, Relator Ministro: Antonio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 03/08/2016, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/08/2016) (grifo nosso)

AGRAVO DE INSTRUMENTO em recurso de revista. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA ENTE PÚBLICO. SÚMULA 331 DO TST. CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS DA PROVA. MÁ APLICAÇÃO. Agravo de instrumento provido para verificar possível violação, por má aplicação, do § 1º do artigo 71 da Lei 8.666/1993. RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA ENTE PÚBLICO. SÚMULA 331 DO TST. CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS DA PROVA. MÁ APLICAÇÃO. A 6ª Turma do TST decidiu seguir o teor de decisões monocráticas do STF as quais têm afirmado ser do reclamante o ônus da prova acerca da efetiva fiscalização na execução do contrato de terceirização de mão de obra por integrante da Administração Pública. No caso em exame, a ausência de fiscalização decorreu unicamente do entendimento de não satisfação do encargo probatório pela tomadora dos serviços, e isso contrariaria o entendimento exarado pela Suprema Corte - ressalvado entendimento diverso do relator -, ficou ausente registro factual específico da culpa in vigilando, na qual teria incorrido a tomadora de serviços. Nesse contexto, não há como manter a responsabilidade subsidiária do órgão público contratante. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 548-67.2010.5.01.0019, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 03/08/2016, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/08/2016) (grifo nosso)

A despeito da gritante divergência jurisprudencial entre as Turmas do TST, não se constatou, até agosto de 2016, algum julgado pacificador da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, em sede de recurso de embargos (art. 894, CLT), ou alguma decisão do Tribunal Pleno em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Também se verificou nenhum recurso de revista repetitivo sobre a matéria.

Diante da ausência de resolução da cizânia e tendo em vista que a controvérsia, no TST, se instaurou principalmente por consequência de decisões do Supremo Tribunal Federal, em sede de Reclamações Constitucionais, que versaram sobre o conteúdo da ADC 16, percebe-se que a clarificação e a ponderação definitiva sobre o problema do ônus probatório perpassa pela análise em torno dos entendimentos exarados em tais Reclamações.

Atualmente, convém esclarecer que a competência para processar e julgar as Reclamações Constitucionais é das Turmas do Supremo Tribunal Federal (artigo 9º, I, “c”, Regimento Interno do STF, com a redação dada pela Emenda Regimental nº 49, de 3 de junho de 2014; antes de tal emenda, o Tribunal Pleno detinha competência para apreciar as reclamações que tratassem sobre a preservação da competência ou da autoridade das decisões plenárias).

Nesta toada, constata-se que a Primeira Turma do STF vem entendendo que a distribuição do ônus probatório não foi questão discutida e decidida na ADC 16:

EMENTA

DIREITO DO TRABALHO E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECLAMAÇÃO CONHECIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. CARÁTER INFRINGENTE. PODER PÚBLICO. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. 1. Decisão reclamada que afirma responsabilidade subsidiária da Administração por débitos trabalhistas de suas contratadas, quando reconhecida a omissão da contratante na fiscalização da execução do contrato (culpa in eligendo ou in vigilando). 2. Inexistência da violação à autoridade da decisão proferida na ADC 16. 3. Em reclamação, é inviável reexaminar o material fático-probatório dos autos, a fim de rever a caracterização da omissão do Poder Público. 4. Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental, a que se nega provimento.

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

4. No caso dos autos, a decisão reclamada explicitamente assentou a responsabilidade subsidiária do ente público por culpa in vigilando. A conclusão foi alcançada a partir da omissão da reclamante em produzir prova da efetiva fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas por parte de sua contratada. A única forma de superar a conclusão do julgado seria pela reabertura do debate fático-probatório relativo à configuração efetiva da culpa ou omissão da Administração, ou, ainda, à correta aplicação das regras de distribuição do ônus da prova, o que é inviável em reclamação (Rcl 3.963 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Rcl 4.057, Rel. Min. Ayres Britto).

[…]

DISPOSITIVO

Por maioria de votos, a Turma converteu os embargos de declaração em agravo regimental e o desproveu, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Presidência do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso. 1ª Turma, 7.6.2016.

(Rcl 19564 ED, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG 15-08-2016 PUBLIC 16-08-2016) (grifo nosso)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO. DEVERES DE FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE AFRONTA À DECISÃO PROFERIDA NA ADC 16 OU CONTRARIEDADE À SÚMULA VINCULANTE 10/STF. PRECEDENTES. 1. O registro da omissão da Administração Pública quanto ao poder-dever de fiscalizar o adimplemento, pela contratada, das obrigações legais que lhe incumbiam - a caracterizar a culpa in vigilando-, ou da falta de prova acerca do cumprimento dos deveres de fiscalização - de observância obrigatória-, não caracteriza afronta à ADC 16. 2. Inviável o uso da reclamação para reexame de conjunto probatório. Precedentes. 3. A afronta à Súmula Vinculante 10 se dá quando o sentido conferido a determinada norma por órgão fracionário de tribunal acaba por deixá-la à margem do ordenamento jurídico, sem qualquer aplicabilidade, de forma direta - com o reconhecimento da inconstitucionalidade - ou indireta - com o completo esvaziamento do conteúdo da norma, a eliminar suas hipóteses de incidência. A violação da reserva de plenário não se configura na mera interpretação de determinada norma à luz da Carta Política. Agravo regimental conhecido e não provido.”

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

4. Limitado a obstaculizar a responsabilização subsidiária automática da Administração Pública - como mera decorrência do inadimplemento da prestadora de serviços-, no julgamento da ADC 16, não resultou enfrentada a questão da distribuição do ônus probatório, tampouco estabelecidas balizas para a apreciação da prova ao julgador – hipóteses, portanto, que não viabilizam o uso do instituto da reclamação com espeque em alegada afronta à ADC 16, conforme já decidido em várias reclamações: Rcl 14832/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 19.11.2012 , Rcl 15194/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 18.3.2013, Rcl 15385/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 15.3.2013.

[…]

DISPOSITIVO

A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Unânime. Não participaram, justificadamente, deste julgamento, os Senhores Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber. 1ª Turma, 15.12.2015.

(Rcl 13253 AgR-segundo, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 16-02-2016 PUBLIC 17-02-2016 REPUBLICAÇÃO: DJe-038 DIVULG 29-02-2016 PUBLIC 01-03-2016) (grifo nosso)

Já a Segunda Turma do STF tem enveredado por linha diversa, pontuando, direta ou indiretamente, que o ônus de comprovar o descumprimento dos deveres de fiscalização e de cautela na escolha seria do empregado demandante e que tal aspecto teria restado decidido na ADC 16:

EMENTA

RECLAMAÇÃO – ARGUIÇÃO DE OFENSA AO POSTULADO DA RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ART. 97) – SÚMULA VINCULANTE Nº 10/STF – INAPLICABILIDADE – INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE JUÍZO OSTENSIVO, DISFARÇADO OU DISSIMULADO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE QUALQUER ATO ESTATAL – PRECEDENTES – ALEGADO DESRESPEITO À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA, COM EFEITO VINCULANTE, NO EXAME DA ADC 16/DF – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO PODER PÚBLICO POR DÉBITOS TRABALHISTAS (LEI Nº 8.666/93, ART. 71, § 1º) – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PRECISA DOS ELEMENTOS FÁTICOS E PROBATÓRIOS APTOS A SUBSIDIAREM A IMPUTAÇÃO DE COMPORTAMENTO CULPOSO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – IMPRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO, EM CADA CASO, DA CONDUTA ATRIBUÍDA À ENTIDADE PÚBLICA CONTRATANTE QUE EVIDENCIE A SUA CULPA “IN OMITTENDO”, “IN ELIGENDO” OU “IN VIGILANDO” – PRECEDENTES – RESSALVA DA POSIÇÃO DO RELATOR DESTA CAUSA – OBSERVÂNCIA, CONTUDO, DO POSTULADO DA COLEGIALIDADE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

Ocorre, no entanto, que a decisão judicial reclamada deixou de indicar, precisamente, a conduta que, evidenciada por elementos fáticos e probatórios produzidos nos autos do processo trabalhista, subsidiaria a imputação de responsabilidade subjetiva à Administração Pública.

Vale destacar, por relevante, neste ponto, que a colenda Segunda Turma deste Supremo Tribunal Federal passou a reconhecer, em reiterados julgamentos (nos quais fiquei vencido), a imprescindibilidade da prova, em cada caso, da conduta da entidade pública que evidenciaria a sua culpa “in omittendo”, “in eligendo” ou “in vigilando” (Rcl 1 9.458-AgR/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – Rcl 19.937-AgR/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – Rcl 19.982-AgR/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – Rcl 20.285-AgR/RJ, Red. p/ o acórdão Min. TEORI ZAVASCKI, v.g.):

[…]

DISPOSITIVO

A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Senhor Ministro Teori Zavascki. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 24.11.2015.

(Rcl 22273 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 16-02-2016 PUBLIC 17-02-2016) (grifo nosso)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO POR PRESUNÇÃO. AFRONTA À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA NA ADC 16. CONFIGURAÇÃO. 1. Afronta a autoridade da decisão proferida no julgamento da ADC 16 (Min. Cezar Peluso, Pleno, DJe 9/9/2011) a transferência à Administração Pública da responsabilidade pelo pagamento de encargos trabalhistas sem a indicação de específica conduta que fundamente o reconhecimento de sua culpa. 2. Agravo regimental não provido.

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

Isso porque o acórdão reclamado, ao concluir pela responsabilização do Município, valeu-se de fundamentação de aresto do Tribunal Regional do Trabalho, abaixo transcrito, que faz referência à culpa in vigilando como decorrência do inadimplemento contratual:

[...]

Com efeito, o acórdão tem como fundamento da responsabilidade exclusivamente a culpa in eligendo, o que, em regime jurídico de submissão a licitação, não é fundamento adequado. Não há menção alguma a elementos fáticos e probatórios para subsidiar a condenação da Administração Pública, o que evidencia, sem adentrar na discussão acerca do ônus da prova, a presunção de responsabilidade da ora reclamante – conclusão não admitida por esta Corte quando do julgamento da ADC 16.

[…]

DISPOSITIVO

A Turma, por maioria, deu provimento ao agravo regimental e julgou procedente o pedido, de forma seja cassado o acórdão reclamado (Processo 0001622-80.2012.5.04.0512), nos termos do voto divergente do Ministro Teori Zavascki, redator para o acórdão, vencido o Ministro Celso de Mello (Relator). Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 30.06.2015.

(Rcl 20905 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 30/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-156 DIVULG 07-08-2015 PUBLIC 10-08-2015) (grifo nosso)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 16. ART. 71, § 6º, DA LEI N. 8.666/1993. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO PROBATÓRIO CAPAZ DE DEMONSTRAR OMISSÃO DE AGENTES PÚBLICOS. PRESUNÇÃO DA CULPA DA ADMINISTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas somente tem lugar quando há prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta de agentes públicos e o dano sofrido pelo trabalhador. 2. O inadimplemento de verbas trabalhistas devidas aos empregados da empresa contratada por licitação não transfere para o ente público a responsabilidade por seu pagamento. Não se pode atribuir responsabilidade por mera presunção de culpa da Administração. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

2. Como salientei no julgamento da reclamação, a atribuição de responsabilidade subsidiária ao Município Reclamante decorreu da inadimplência da Cooperativa contratada quanto ao pagamento de verbas trabalhistas devidas aos cooperados/empregados.

3. Não há, na decisão reclamada, nem nas presentes razões recursais, indicação de elementos capazes de comprovar a omissão de agentes públicos municipais, mas apenas a afirmação de o Município Reclamante ter deixado de produzir prova em sentido contrário. Isso apenas reforça que a Agravante não provou a culpa da Administração e corrobora o fundamento central no qual se ampara a decisão agravada: a impossibilidade de se responsabilizar o ente público por presunção de culpa pelo inadimplemento de verba trabalhista.

[…]

5. Para afirmar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas da contratada com os seus empregados, imprescindível a prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido pelo trabalhador, que se tenha comprovado essa circunstância no processo. Sem a produção dessa prova, subsiste o ato administrativo, e a Administração Pública exime-se da responsabilidade por obrigações trabalhistas com relação àqueles que não compõem os seus quadros.

[…]

DISPOSITIVO

A Turma, por votação unânime, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 23.06.2015.

(Rcl 16671 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 23/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015) (grifo nosso)

Em face desse impasse, convém analisar a Reclamação 10.829 (BRASIL, 2014), uma das últimas Reclamações apreciadas pelo Plenário do STF, na qual foram desenvolvidos debates que podem ajudar (ou não) na compreensão do entendimento da Corte Máxima.

Nesse julgado, percebe-se, com destaque, que a Ministra Cármen Lúcia, conforme delineado na Reclamação 16.671 (acima transcrita), é a que puxa a corrente “pró Poder Público”, defendendo interpretação de que na ADC 16 restou firmado que, em decorrência da declaração de constitucionalidade do art. 71, §1º, a responsabilidade subsidiária da Administração Pública tomadora de serviços somente poderia advir de prova da culpa in eligendo e in vigilando, e não de mera “presunção de culpa”. Dá a entender que não se poderia atribuir ao ente público o ônus probatório sobre o cumprimento de seus deveres de cautela na escolha e de fiscalização, pois os atos da Administração Pública se presumiriam válidos “até prova cabal e taxativa em contrário”24.

Já a Ministra Rosa Weber, na mesma Reclamação, esclareceu que a principal dúvida do tema, no TST, girava em torno do “ônus da prova” sobre a culpa do Poder Público. Após debates e divergências sobre a questão, o Ministro Ricardo Lewandowski (então Presidente) assim assentou: “[...] Agora, existem falhas, ou ainda lacunas, como essa apontada pela Ministra Rosa Weber, que é a dificuldade de se assentar a quem cabe provar que deixou de fiscalizar ou não. Mas, enfim, não está em questão esta matéria”.

Pois é.

Lamentável que a Corte Suprema do Brasil não consiga manter minimamente a uniformidade no trato de um problema que, no caso, é: o que foi decidido na ADC 16? Aparentemente, cada Ministro entende ao seu modo o acórdão da ADC 16. No Pleno, a questão foi tratada de forma divergente e nenhuma posição clara foi firmada sobre o tópico.

Complementando esse verdadeiro caos jurisprudencial, cada Turma do STF firmou posicionamento em um sentido. A Primeira Turma sustenta que o tema “ônus da prova” não foi objeto de deliberação na ADC 16. A Segunda Turma oscila no fundamento, mas aparentemente compreende que precisa ser apontada alguma prova no feito que indique a responsabilidade do Poder Público, direta ou indiretamente refutando que o ônus probatório de demonstrar o adimplemento dos deveres da tomadora de serviços ente público seja deste.

A confusão do STF respinga seus efeitos danosos nos julgados Tribunais Laborais: Reclamações Constitucionais são decididas monocraticamente pelos Ministros do STF e, por consequência, vários acórdãos trabalhistas que julgaram com base no ônus da prova vêm sendo cassados. Não bastasse, visando prestigiar a Suprema Corte, a 5ª e a 6ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho chegaram a inclusive mudar sua jurisprudência para, supostamente, se adequar ao entendimento do STF (antigamente as 8 Turmas do TST eram uníssonas de que era ônus probatório do Poder Público comprovar que cumpriu seu deveres de cautela na escolha e de fiscalização).

A confusão existente é tão absurda quanto atribuir o ônus probatório à parte reclamante. Na ADC 16, o Supremo Tribunal Federal não fixou ônus probatório. Refutou-se a responsabilidade subsidiária decorrente do mero inadimplemento dos débitos trabalhistas pela empresa prestadora. A condenação por mero inadimplemento é que é a tal “responsabilização por presunção de culpa”, rechaçada pelo STF.

A possibilidade, respaldada pelo STF na ADC 16, de fixar a responsabilidade subsidiária da tomadora, no caso concreto, por consequência de eventual ação ou omissão culposa (culpa in eligendo, in vigilando etc.) do ente público nada define acerca do tema “ônus da prova”. No caso concreto, as instâncias ordinárias devem solucionar a matéria levando em conta as alegações, as provas e a distribuição do encargo probatório. Por qualquer caminho podemos chegar validamente à conclusão de que a Administração Pública cumpriu ou não com seus deveres de cautela na escolha e de fiscalização. Em um processo, um “fato” considerado verdadeiro não é necessariamente fruto de prova. Pode também decorrer do encargo probatório, da incontrovérsia, da ausência de impugnação específica etc. A ADC 16 não definiu que o Poder Público somente poderia ser responsabilizado por “fato provado”.

Sobre a temática, portanto, razão assiste ao entendimento majoritário do E. TST e da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.


6. CONCLUSÕES

Sobre a ADC 16:

a)Após análise detalhada do acórdão da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, percebeu-se que Supremo Tribunal Federal fixou uma tese principal muito clara de que não é possível a responsabilização do ente público tomador de serviços em decorrência do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora.

b)Complementarmente, mesmo que de forma não tão sistematizada, foi adotada a tese de que subsiste a possibilidade de responsabilização do tomador de serviços ente público, porém esta deve ser empreendida em concreto, levando em conta eventual ação ou omissão culposa (culpa in eligendo, in vigilando etc.) do ente público que tenha contribuído para a configuração do dano (inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora) sofrido pelo trabalhador terceirizado.

Sobre os fundamentos teóricos da responsabilização subsidiária do ente público tomador de serviços:

c)Contatou-se que o dever de o ente público adotar medidas que garantam a escolha de empresa idônea e capaz de executar o objeto do contrato administrativo decorre da necessária observância de procedimento licitatório por parte da Administração Pública (artigos 22, XXVII, 37, XXI, e 173, §1º, III, Constituição Federal), mais precisamente das disposições legais que exigem a habilitação jurídica, a qualificação técnica, a qualificação econômico-financeira e a regularidade fiscal e trabalhista da candidata à adjudicação do objeto licitado (artigos 27 a 33 da Lei 8.666/1993) e que o dever de o ente público tomador de serviços fiscalizar o cumprimento, pela empresa prestadora, das obrigações trabalhistas atinentes aos empregados desta que prestam(ram) serviço em prol da tomadora decorre do Princípio da Legalidade, do Princípio da Moralidade Administrativa e dos artigos 55, XIII, 58, III, e 67, caput e §1º, da Lei 8.666/1993.

d)Nesse sentido, considerando que tais deveres integram a formação/execução do contrato administrativo e que visam proteger o trabalhador terceirizado, e levando em conta que o descumprimento de tais deveres, na linha preconizada pelo STF na ADC 16, configura inadimplemento da Administração Pública, concluiu-se que, por uma interpretação sistemática, a responsabilidade subsidiária do ente público decorre do próprio art. 71, §1º, da Lei. 8.666/1993. Isso porque tal dispositivo, ao exonerar o ente público tomador de qualquer responsabilidade, parte do pressuposto de que o inadimplemento da empresa prestadora não decorreu de ou foi possibilitado por qualquer ação ou omissão da Administração Pública.

e)Pontuou-se, nessa trilha, que o não cumprimento regular dos deveres de cautela na escolha e de fiscalização implica em conduta presumidamente dolosa/culposa da Administração Pública, pois tal postura implica em inadimplemento, conforme inclusive salientado pelo Ministro Cezar Peluso no julgado da ADC 16 pelo STF. E, justamente por se tratar de inadimplemento, este somente poderia ser considerado escusável na hipótese de caso fortuito ou força maior (art. 393, Código Civil, aplicável subsidiariamente aos contratos administrativos por força do art. 54 da Lei 8.666/1993). Ou seja, descumpridos os deveres de cautela na escolha e de fiscalização restam configuradas, respectivamente, as chamadas “culpa in eligendo” e “culpa in vigilando”.

Sobre a análise teórica do ônus probatório da culpa in vigilando e in eligendo da Administração Pública tomadora de serviços:

f)Definida a aplicabilidade do art. 373 do Código de Processo Civil ao Processo Laboral, constatou-se que, ao empregado que postula a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços ente público – supondo que tenha direitos trabalhistas a receber de sua empregadora (a empresa prestadora) - basta: a)comprovar, caso exista controvérsia a respeito, a prestação de serviços em prol da Administração Pública (fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, I, CPC); b)alegar o descumprimento, pelo ente público, dos deveres de cautela na escolha e de fiscalização. Basta a alegação de descumprimento, pois o adimplemento (“pagamento”) de um dever/obrigação é um fato extintivo do direito da parte reclamante (art. 373, II, CPC) e, portanto, incumbe ao ente público (réu) comprovar que efetivamente adotou as cautelas na escolha da empresa prestadora e que regularmente fiscalizou o cumprimento dos haveres trabalhistas.

g)Frisou-se que, entender de modo contrário, seria atribuir ao autor um ônus que este não possui (se o adimplemento é fato extintivo, certamente não poderíamos entender que o inadimplemento seria um fato constitutivo, sob pena de cairmos no mesmo impasse criticado e possivelmente ocorrente quando aplicado exclusivamente o artigo 818 da CLT) e, o pior, significaria impor um encargo praticamente impossível (provar que a Administração não cumpriu seus deveres) e absurdo (o inadimplemento da empresa prestadora, por mais que não seja suficiente por si só para a responsabilidade subsidiária da tomadora, é no mínimo um provável e gigante indício de que esta não cumpriu com seus deveres contratuais).

Por fim, sobre o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal acerca do tema “ônus da prova”:

h)Verificou-se verdadeiro caos jurisprudencial, com total ausência de uniformização de entendimento no âmbito interno do TST e do STF.

i)Percebeu-se que seis Turmas do Tribunal Superior do Trabalho atribuem o ônus probatório ao ente público e duas Turmas do mesmo Tribunal vem decidindo ser do obreiro o encargo de provar o descumprimento dos deveres por parte do Poder Público.

j)No âmbito do Supremo Tribunal Federal, pontuou-se ser lamentável que este Egrégio não consiga manter minimamente a uniformidade no trato de um problema que, no caso, é: o que foi decidido na ADC 16? Aparentemente, cada Ministro entende ao seu modo o acórdão da ADC 16. No Pleno, a questão foi tratada de forma divergente e nenhuma posição clara foi firmada sobre o tópico. Além disso, cada Turma do STF firmou posicionamento em um sentido. A Primeira Turma sustenta que o tema “ônus da prova” não foi objeto de deliberação na ADC 16. A Segunda Turma oscila no fundamento, mas aparentemente compreende que precisa ser apontada alguma prova no feito que indique a responsabilidade do Poder Público, direta ou indiretamente refutando que o ônus probatório de demonstrar o adimplemento dos deveres da tomadora de serviços ente público seja deste.

k)Opinou-se no sentido de que a confusão existente é tão absurda quanto atribuir o ônus probatório à parte reclamante. Na ADC 16, o Supremo Tribunal Federal não fixou ônus probatório. Refutou-se a responsabilidade subsidiária decorrente do mero inadimplemento dos débitos trabalhistas pela empresa prestadora. A condenação por mero inadimplemento é que é a tal “responsabilização por presunção de culpa”, rechaçada pelo STF.

l)Não bastasse, percebeu-se que a possibilidade, respaldada pelo STF na ADC 16, de fixar a responsabilidade subsidiária da tomadora, no caso concreto, por consequência de eventual ação ou omissão culposa (culpa in eligendo, in vigilando etc.) do ente público nada define acerca do tema “ônus da prova”. No caso concreto, as instâncias ordinárias devem solucionar a matéria levando em conta as alegações, as provas e a distribuição do encargo probatório. Por qualquer caminho podemos chegar validamente à conclusão de que a Administração Pública cumpriu ou não com seus deveres de cautela na escolha e de fiscalização. Em um processo, um “fato” considerado verdadeiro não é necessariamente fruto de prova. Pode também decorrer do encargo probatório, da incontrovérsia, da ausência de impugnação específica etc. A ADC 16 não definiu que o Poder Público somente poderia ser responsabilizado por “fato provado”.

m)Por fim, compreendeu-se que razão assiste ao entendimento majoritário do E. TST e da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, haja vista que, nos termos expostos ao longo do artigo, seria do ente público tomador de serviços o ônus de comprovar que adimpliu com seus deveres de cautela na escolha e de fiscalização (fato extintivo do direito da parte reclamante).


REFERÊNCIAS25

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 96, de 11 de setembro de 2000. Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 180-E, Seção 1, p. 290, 18 set. 2000. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/4294/2000_res0096.pdf?sequence=1>. Acesso em: 8 ago. 2016.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, do Tribunal Pleno, Relator Ministro: Cezar Peluso, Brasília, DF, 24 de novembro de 2010. Diário da Justiça Eletrônico do Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, n. 173, 8 set. 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627165>. Acesso em: 8 de ago. 2016.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 174, de 24 de maio de 2011. Edita as Súmulas nºs 426, 427, 428 e 429; Revisa as Súmulas nºs 74, 85, 219, 291, 326, 327, 331, 364, 369 e 387; Mantém o teor da Súmula nº 102 e; Cancela a súmula nº 349. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 738, Caderno do Tribunal Superior do Trabalho, p. 4-24, 27 mai. 2011a. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/13179/2011_res0174.pdf?sequence=3>. Acesso em: 8 ago. 2016.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Reclamação nº 10.829, do Tribunal Pleno, Relator Ministro: Celso de Mello, Brasília, DF, 19 de novembro de 2014. Diário da Justiça Eletrônico do Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, n. 27, 10 fev. 2015. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7708397>. Acesso em: 18 de ago. 2016.

BRUXEL, Charles da Costa. O artigo 15 do novo código de processo civil e os critérios de aplicação do direito processual comum ao processo do trabalho. 2016. 67 f. Monografia (Graduação) – Curso de Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2016.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.

GODINHO DELGADO, Maurício. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: Ltr, 2016.

GRAU, Eros Roberto. Nota sobre a distinção entre obrigação, dever e ônus. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, n. 77, p. 177-183, 1982. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66950/69560>. Acesso em: 13 de ago. 2016.

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 8 ed. São Paulo: Ltr, 2015.


Notas

1.“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”

2.Em definição livre, verifica-se a “terceirização” quando uma empresa (“tomadora de serviços”) contrata outra empresa (“prestadora de serviços” ou “empresa interposta”) para prestar serviços, em prol da tomadora, por meio de mão-de-obra contratada pela empresa “prestadora”. Godinho Delgado (2016, p. 487), com maior detalhamento, assim define: “Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.”

3.“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)”

4.“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”

5.“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) [...] XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

6.“§1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) [...] III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”

7.“INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - ENUNCIADO Nº 331, IV, DO TST - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ARTIGO 71 DA LEI Nº 8.666/93. Embora o artigo 71 da Lei nº 8.666/93 contemple a ausência de responsabilidade da Administração Pública pelo pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, é de se consignar que a aplicação do referido dispositivo somente se verifica na hipótese em que o contratado agiu dentro de regras e procedimentos normais de desenvolvimento de suas atividades, assim como de que o próprio órgão da administração que o contratou pautou-se nos estritos limites e padrões da normatividade pertinente. Com efeito, evidenciado, posteriormente, o descumprimento de obrigações, por parte do contratado, entre elas as relativas aos encargos trabalhistas, deve ser imposta à contratante a responsabilidade subsidiária. Realmente, nessa hipótese, não se pode deixar de lhe imputar, em decorrência desse seu comportamento omisso ou irregular, ao não fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo contratado, em típica culpa in vigilando, a responsabilidade subsidiária e, conseqüentemente, seu dever de responder, igualmente, pelas conseqüências do inadimplemento do contrato. Admitir-se o contrário, seria menosprezar todo um arcabouço jurídico de proteção ao empregado e, mais do que isso, olvidar que a Administração Pública deve pautar seus atos não apenas atenta aos princípios da legalidade, da impessoalidade, mas sobretudo, pelo da moralidade pública, que não aceita e não pode aceitar, num contexto de evidente ação omissiva ou comissiva, geradora de prejuízos a terceiro, que possa estar ao largo de qualquer co-responsabilidade do ato administrativo que pratica. Registre-se, por outro lado, que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva da Administração, sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo, portanto, sua obrigação de indenizar sempre que cause danos a terceiro. Pouco importa que esse dano se origine diretamente da Administração, ou, indiretamente, de terceiro que com ela contratou e executou a obra ou serviço, por força ou decorrência de ato administrativo.” (IUJ-RR - 297751-31.1996.5.04.5555, Relator Ministro: Milton de Moura França, Data de Julgamento: 11/09/2000, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 20/10/2000)

8.“Estou de acordo. Eu supero a preliminar e, no mérito, julgo a ação procedente, porque não tenho dúvida nenhuma sobre a constitucionalidade.”

9.“Eu supero a questão do não conhecimento. Ressalvo o meu ponto de vista quanto ao não conhecimento; e, no mérito, como não tenho dúvida nenhuma sobre a constitucionalidade, eu julgo a ação procedente.”

10.Até esse ponto, a Ministra dá a entender, apesar de não ser possível afirmar isso com certeza, que, a despeito de reconhecer o dever fiscalizatório do ente público tomador de serviços, mesmo o descumprimento de tal dever não implicaria na responsabilidade subsidiária da Administração Pública

11.“IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.”

12.Vide art. 37, caput, Constituição Federal.

13.Vide art. 37, caput, Constituição Federal.

14.“Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: [...] XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.”

15.“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: [...] III - fiscalizar-lhes a execução;”

16.“Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. § 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.”

17.Grau (1982, p. 178) assim define a noção de “dever”: “O dever jurídico consubstancia precisamente uma vinculação ou limitação imposta à vontade de quem por ele alcançado. Definido como tal pelo ordenamento jurídico, o dever há de ser compulsoriamente cumprido, sob pena de sanção jurídica – o seu não atendimento configura comportamento ilícito”. Em seguida, o mesmo autor conceitua “obrigação” (GRAU, 1982, p. 179): “Podemos, pois, ter que — tal como no dever — na obrigação, o cumprimento da prestação, pelo devedor, importa atendimento de interesse, o alheio, isto é, do credor. O descumprimento da prestação, por outro lado, é juridicamente sancionado.” Por fim, Grau (1982, p. 178) tenta diferenciar as espécies: “Obrigação — tomado o vocábulo em sentido estrito — supõe uma situação de dever, em que se coloca o devedor. Não obstante, é certo que o conceito de dever transcende o âmbito do direito das obrigações: há deveres jurídicos que não compreendem obrigação de nenhuma espécie. Assim, v.g., com, relação ao dever, de todos, de abstenção da prática de condutas definidas como crimes.”. Na prática, a acepção de “obrigação” é tão ampla, abrangendo as relações contratuais e extracontratuais (responsabilidade civil), que a distinção entre dever e obrigação, no âmbito do Direito Civil, termina por ser aparentemente inútil. O descumprimento (inadimplemento) de um(a) dever/obrigação, decorrente de lei ou contrato, sujeitará o inadimplente às consequências previstas na lei ou no contrato. Nesse artigo preferiu-se adotar o termo “dever”, na mesma linha costumeiramente adotada em relação aos chamados “deveres anexos” decorrentes da boa-fé objetiva. Cumpre destacar, por outro lado, que o próprio TST (Súmula 331, V) se refere a tais deveres como sendo obrigações (“...caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora...”), o que somente reforça a ausência de distinção prática entre os termos.

18.“Art. 373. O ônus da prova incumbe:

[…]

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”

19.“Agregando ao estudo desenvolvido a possibilidade de aplicação analógica da própria legislação processual trabalhista para integrar as omissões do Direito Processual do Trabalho, podemos chegar às seguintes conclusões em torno da melhor solução a ser dada ao aparente conflito entre os artigos 769 e 889 da CLT e 15 do CPC/2015:

a) A normatização processual trabalhista, em caso de omissão parcial ou total, deverá ser integrada pela norma de direito processual comum ou pela norma da própria legislação processual trabalhista aplicável por analogia que, em concreto, se apresentar mais compatível com o Processo Laboral;

b) Na fase de conhecimento, deverá o operador do Direito levar em conta em sua busca integrativa a possibilidade de encontrar a melhor solução dentro da própria legislação processual do trabalho (aplicação analógica, nos termos do art. 4º da LINDB) ou do Código de Processo Civil de 2015, prevalecendo, em qualquer caso, a importação da norma de direito processual comum mais compatível com o Processo do Trabalho;

c) Na fase de liquidação/execução, deverá o operador do Direito levar em conta em sua busca integrativa a possibilidade de encontrar a melhor solução dentro da própria legislação processual do trabalho (aplicação analógica, nos termos do art. 4º da LINDB), da Lei das Execuções Fiscais ou do Código de Processo Civil de 2015, prevalecendo, em qualquer caso, a importação da norma de direito processual comum mais compatível com o Processo do Trabalho.” (BRUXEL, 2016, p. 47-48)

20.“Com base nos conceitos apresentados quando da análise da integração normativa, temos que a omissão ou lacuna pode ser parcial ou total. Reforça tal pensamento o sentido da expressão subsidiariedade que, segundo Houaiss (2009), seria o “que subsidia, ajuda, socorre”, “que reforça, aumenta, contribui” ou “que reforça ou dá apoio a (algo anteriormente apresentado)”. Ou seja, tanto a omissão total (ausência completa de normas sobre determinada matéria) como a omissão parcial (existência de normas, porém em magnitude insuficiente para tutelar de forma adequada o tema) seriam em tese aptas a atrair a aplicação subsidiária do direito processual comum.

[…]

No caso da omissão total, determinada matéria só pode ser tida como não regulada pelas normas processuais trabalhistas, caso seja devidamente tratada pelas normas processuais comuns. A configuração da omissão depende, ainda, do entendimento de que não houve “silêncio eloquente” do legislador, ou seja, de que não houve omissão proposital justamente com o intuito de afastar a incidência da matéria não tratada pelo Processo do Trabalho.

Maior relevo merece a noção de omissão parcial. Algo só pode ser considerado incompleto se comparado com outra coisa, considerada mais completa. Algo só pode ser considerado incompleto, se entendermos que não houve “silêncio eloquente” do legislador no trato supostamente incompleto da matéria (temos que averiguar se o legislador não pretendeu exaurir o tema daquele modo, afastando implicitamente quaisquer normatizações complementares).” (BRUXEL, 2016, p. 28-29)

21.“Nesse aspecto, podemos perceber que a norma de direito processual comum (mais) compatível com o processo laboral é aquela que:

a) Na maior medida possível, traga ao processo trabalhista Informalidade, Simplicidade e Oralidade, facilite/privilegie a conciliação, assegure tratamento diferenciado à parte hipossuficiente, imprima Celeridade ao andamento do feito, garanta Efetividade ao processo e assegure o exercício do contraditório e da ampla defesa adequados (por razões lógicas, nem sempre todos os critérios serão aplicáveis simultaneamente para aferir a compatibilidade, haja vista a natural variabilidade da natureza das normas objeto de possível importação); e/ou

b) Garanta a melhor observância, pelo Processo do Trabalho, dos princípios constitucionais processuais.” (BRUXEL, 2016, p. 34)

22.“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

[…]

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

[…]

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

23.“Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

[…]

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)”

24.A presunção de veracidade e legitimidade é dos atos administrativos. E, no caso, o principal problema é justamente saber se alguma atitude foi tomada, se os deveres da Administração foram cumpridos. A presunção de veracidade/legitimidade não faz nascer a presunção – totalmente absurda, diga-se de passagem - de que houve cautela na escolha e de que houve fiscalização do Poder Público, mormente quando inadimplidos os créditos trabalhistas do trabalhador terceirizado. Entender assim seria o mesmo que presumir que a Administração Pública é perfeita e só fala a verdade, pouco importando as consequências danosas desse raciocínio – no caso, tal compreensão faria atribuir à parte reclamante o ônus praticamente impossível de provar que o ente público não adimpliu com seus deveres.

25.Evitou-se a excessiva inflação da quantidade de referências que seria causada pelo registro de toda a vasta legislação e jurisprudência citadas no corrente artigo. Nesse sentido, apenas os principais atos normativos e julgados foram formalmente citados e inseridos nas referências.


Autor

  • Charles da Costa Bruxel

    Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Direito na área de concentração de Constituição, Sociedade e Pensamento Jurídico pela Universidade Federal do Ceará (2021). Especialista em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional (2018). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2016). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (2011). Analista Judiciário - Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), exercendo atualmente a função de Assistente em Gabinete de Desembargador. Explora pesquisas principalmente o Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Direito Constitucional.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUXEL, Charles da Costa. A responsabilidade subsidiária da administração pública tomadora de serviços, a ADC 16, o STF, o TST e o ônus da prova. Afinal de contas, o ônus de provar a (ir)regularidade da fiscalização e da contratação é do reclamante ou do ente público?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4933, 2 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51484. Acesso em: 25 abr. 2024.