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Conflito entre marcas e outros sinais distintivos do empresário

Conflito entre marcas e outros sinais distintivos do empresário

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Estudam-se os conflitos decorrentes da prática de atos de concorrência desleal, causados por confusão entre as marcas e os demais sinais distintivos do empresário.

RESUMO: Um dos fundamentos do capitalismo é a livre iniciativa. Para sua garantia, um dos princípios norteadores da ordem econômica capitalista é o da livre concorrência, na medida em que a liberdade de atuação no mercado é resultante do equilíbrio entre seus agentes. Todo empresário deve, no exercício de sua liberdade de iniciativa, evitar a adoção de condutas que coloquem em risco a livre concorrência, agindo deslealmente em relação aos demais empresários. A Convenção da União de Paris, de 1883, foi a primeira norma de âmbito internacional a cuidar da proteção à livre iniciativa, pelo combate à concorrência desleal. Por esse diploma, são condenados quaisquer atos que criem confusão com o nome, estabelecimento, produto ou atividade do concorrente, bem como falsas alegações que venham a desacreditá-lo ou a seus produtos. O objetivo da presente dissertação será o de estabelecer uma análise dos conflitos existentes, por atos de concorrência desleal, causados por confusão entre os diversos sinais distintivos do empresário: marca de produtos e serviços, nome empresarial, nome e insígnia do estabelecimento. Será também efetuada uma abordagem do nome de domínio, não incluído tradicionalmente na doutrina de Propriedade Industrial, em virtude da relativa novidade do comércio eletrônico.


CAPÍTULO I - PROPRIEDADE INTELECTUAL

 1.  CONCEITO

A Propriedade Intelectual, por ser incorpórea e intangível, sempre apresentou dificuldade de conceituação por parte da doutrina. Diferentemente das coisas corpóreas, ela diz respeito ao esforço criativo do ser humano.

Historicamente, o Direito Romano classificava as coisas em corpóreas e incorpóreas, fossem elas coisas perceptíveis (quae tangi possunt) ou não (quae tangi non possunt) aos nossos sentidos.

José Carlos Moreira Alves (1999:139) estabelece a diferença entre coisas corpóreas e incorpóreas nos seguintes termos:

Essa classificação é encontrada nas Institutas de Gaio, nas de Justiniano e no Digesto. É ela de origem filosófica: Cícero, com base em Aristóteles, já distinguia as coisas em existentes (“quae sunt”) – as que se podem ver e tocar (“quae cerni tangiue possunt”) – e intelectuais (“quae intellegentur”) - as que são apenas concepções do espírito; e Sêneca denominava, às existentes, “corporales”, e, às intelectuais, “incorporales”.

No mesmo sentido Caio Mário da Silva Pereira (2004:407), ensina que:

Do Direito Romano nos vem uma grande divisão, que distribui todos os bens em dois grandes grupos, o das chamadas coisas corpóreas e coisas incorpóreas, tendo em vista, segundo Gaio, a possibilidade de serem ou não tocadas…

Esse critério da tangibilidade, contudo, mostra-se superado, uma vez que exclui bens corpóreos passíveis de percepção por outras formas, como, por exemplo, os gases e algumas formas de energia.

Modernamente, David I. Bainbridge (1996:3) afirma que o Direito de Propriedade Intelectual é a área do Direito que diz respeito a direitos referentes ao esforço intelectual criativo ou à reputação comercial e ao bom-nome[1], estabelecendo, mais à frente (1996:10), que, quanto à sua natureza, os direitos de propriedade intelectual dão origem a um tipo de propriedade que pode ser tratada exatamente como qualquer outra, podendo ser transferida, dada em garantia e licenciada[2].

Na mesma linha de pensamento está Miguel J. A. Pupo Correia (2003:331/332), que assim estabelece o conteúdo da Propriedade Intelectual:

A capacidade de inovação desenvolvida pelo espírito humano através do trabalho intelectual, nos campos das artes, ciências e técnicas, dá origem à criação de numerosas obras intelectuais de diversos géneros, que são objecto de protecção legal e de relações jurídicas, através das quais sobre elas se criam, exercem e transmitem específicos direitos. 

A Propriedade Intelectual, também ser designada como direitos intelectuais (PICARD), ou direitos imateriais, ainda conforme Correia, (2003:332), pode ser dividida em dois grandes grupos, o dos Direitos Autorais (em Portugal, Direitos do Autor), e o de Propriedade Industrial, que se enquadram, respectivamente, no âmbito de atuação do Direito Civil e do Direito Comercial.

No plano internacional e em sede de Direitos do Autor, Brasil e Portugal são signatários da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 1886, tendo a adesão brasileira ocorrido por força do Decreto nº 75.699/1975 e a portuguesa, pelo Decreto nº 73, de 1978.

A Propriedade Intelectual tem proteção constitucional, tanto no Brasil (CF, art. 5º, incisos IX, XXVII e XXIX)[3] como em Portugal (CRP, art. 42º)[4].

No que tange toca à legislação infraconstitucional de Direitos Autorais, estranhamente, o legislador ordinário brasileiro deixou de incluir a matéria no Código Civil de 2002, relegando-a para lei ordinária (Lei nº 9.610/98). Em Portugal, ao contrário, o Código Civil[5] prevê que a Propriedade Intelectual deva ser regulada por lei especial (Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos - Decreto-lei nº 63/85, de 14 de março).


2. PROPRIEDADE INDUSTRIAL

2.1. Noções Gerais

O Direito Industrial nasceu na Inglaterra, em 1623, ano em que foi editado o Statute of Monopolies, que previa a outorga de patentes por um período de catorze anos. Com sua edição, pela primeira vez na história, uma atividade econômica deixou de se basear apenas nos critérios de privilégios e restrições baseados no feudalismo. Fábio Ulhoa Coelho (2002a:134) bem expõe a importância dessa evolução:

O inventor passou a ter condições de acesso a certas modalidades de monopólio concedidas pela Coroa, fator essencial para motivá-lo a novas pesquisas e aprimoramentos de suas descobertas. Não é, aliás, um despropósito imaginar que o pioneirismo do direito inglês, na matéria de proteção aos inventores, pode ter contribuído decisivamente para o extraordinário processo de industrialização que teve lugar na Inglaterra, a partir de meados do século XVIII. 

Somente em 1787 é que surgiu o segundo diploma legal regulador da Propriedade Industrial. A Constituição dos Estados Unidos da América estabeleceu, então, os fundamentos para a proteção dos direitos relacionados aos inventos e às obras artísticas e literárias. A seguir, veio a lei francesa de patentes (1791) outorgava um prazo de 15 anos para exploração de seu invento.

A história do Direito Industrial no Brasil e em Portugal tem início simultâneo, em virtude da transferência da Coroa para o Brasil, motivada pela invasão das tropas napoleônicas. Em 1809, D. João VI, ainda então príncipe regente, baixou alvará, reconhecendo o direito do inventor, com exclusividade, por um período de 14 anos.

A seguir, e devido ao desenvolvimento industrial, diversos países baixaram normas de proteção às invenções, como, por exemplo, Áustria (1810), Rússia (1812), Espanha (1820) e Suíça (1890). Marcelo Bertoldi (2003:124) assim comenta:

Todas estas legislações guardavam em comum a noção de que o autor tinha o direito de exclusividade sobre a sua invenção, podendo utilizar-se dela para auferir lucros durante um certo espaço de tempo. 

A evolução do Direito Industrial teve um momento de extrema importância, que foi a Convenção Uniforme de Paris, de 1883, surgida da necessidade de se estender e unificar a proteção da propriedade industrial entre os países civilizados. O Brasil participa da convenção desde seu início tendo, porém, estabelecido reserva aos artigos 1º a 12, cuja adesão somente se deu em 1992, por força do Decreto nº 635. A adesão de Portugal à CUP somente se deu em 1975, através do Decreto nº 22.

Atualmente, no Brasil, a Propriedade Industrial é protegida, além do disposto na CUP e em diversos tratados e acordos internacionais bilaterais e multilaterais, pelo disposto na Lei nº 9.279/1996. No entender de Rubens Requião (2003:139), esta lei abandonou a indicação de “Código”, tida pela revogada Lei nº 5.772/1971 e por diplomas anteriores, tendo adotada ementa legal de direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Fábio Ulhoa Coelho (2002a:136) comunga com Requião que esta norma deva ser denominada apenas de “Lei”; alguns autores, porém, continuam fiéis à denominação de “Código”, como Bertoldi (2003:126), Fazzio (2003:116) e Ricardo Negrão (2003:142).

Em Portugal, no plano interno, vigora o novo Código de Propriedade Industrial, em vigor por força do Decreto-lei nº 36, de 05/03/2003. No plano internacional, além da CUP e de tratados e acordos internacionais, vigora, ainda, a legislação comunitária, que será tratada especificamente quando da abordagem das marcas.

2.2.  Conceito

O conceito de Propriedade Industrial pode sofrer variações, devido à abrangência do tema e à divergência doutrinária existente sobre os bens que a compõem. Waldo Fazzio Júnior (2003:115) assim entende:

Os direitos de propriedade industrial são, na verdade, um conjunto de princípios e normas voltados à manutenção da inviolabilidade da produção autoral e, sob a perspectiva econômica, dedicados à preservação de sua utilidade e exploração exclusivas. 

Propriedade Industrial, nas palavras de Pupo Correia (2003:333), exprime um quadro de valores e interesses intimamente ligados à realidade empresarial, o que explica a sua tradicional inserção no campo do Direito Comercial. Coutinho de Abreu (2004:339), contudo, entende que, por não ser exclusivo do comércio, o conteúdo da Propriedade Industrial justificaria sua inclusão, não no direito comercial propriamente dito, mas num outro autónomo ramo jurídico que se vem chamando “direito industrial” ou “direito da propriedade industrial”.

No Brasil, Marcelo Bertoldi (2003:125), tendo em conta que o objeto da Propriedade Industrial não significa uma espécie de bem imaterial exclusivamente relacionada com a atividade industrial, conclui que:

…as expressões “propriedade industrial” e “direito industrial” certamente não são as mais adequadas. O certo seria que se fizesse referência à “propriedade empresarial imaterial”. No entanto, como se trata de uma questão que se resume à semântica, não existem motivos para abandonarmos a expressão “propriedade industrial”, secularmente utilizada. 

Diga-se que a expressão “empresarial”, utilizada no título da presente dissertação, bem como a acima utilizada por Bertoldi, dizem respeito à adoção do Brasil à Teoria de Empresa, nos termos do Livro II do Código Civil de 2002[6], em detrimento da Teoria dos Atos de Comércio, anteriormente estabelecida pelo Código Comercial.

2.3. Bens Integrantes

Segundo Pupo Correia (2003:334), podemos dividir a Propriedade Industrial em duas grandes categorias: das criações novas, que é composta das invenções, dos modelos de utilidade e dos modelos e desenhos industriais; e dos sinais distintivos, composta das marcas, recompensas, denominações de origem, logotipos, nome e insígnia do estabelecimento, que serão objeto do presente estudo.

Parte da doutrina inclui, ainda, o nome comercial entre os sinais distintivos do comércio, tomando por base a proteção a ele dispensada pelo artigo 1º, inciso 2, da CUP[7]. Preferimos, porém, tratá-lo de forma autônoma, uma vez que estaria incluído entre os direitos de personalidade, conforme veremos mais adiante.


CAPÍTULO II - MARCAS

1. CONCEITO

A marca tem origem remota. O ser humano, desde a antiguidade, tem o costume de marcar sua propriedade, como forma de distingui-la da alheia. Assim, desde longa data, o homem coloca sua marca, a fogo, no gado, bem como o artista o faz em relação a sua obra.

O conceito jurídico de marca tem origem nesse costume de distinguir os bens ou serviços uns dos outros. A definição dada pelos doutrinadores varia muito pouco. Ricardo Negrão (2003:143) assim entende:

Do ponto de vista do estabelecimento e identificando sua natureza jurídica, a marca pode ser conceituada como um direito de propriedade incorpóreo, integrante do estabelecimento, que tem como funções distinguir produtos e serviços e, em alguns casos, identificar sua origem e atestar o atendimento desses quanto a certas normas e especificações técnicas. 

O conceito legal de marca, também, sofre pouca variação. Pelo disposto no CPI(Pt)[8], é um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, … desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. Esse conceito, diga-se, é muito semelhante ao dado á Marca Comunitária, pelo artigo 2º da DM e pelo artigo 4º do RMC.

No Brasil, o conceito estabelecido pela LPI(Br) é essencialmente o mesmo, de vez que podem registrados, como marca, os sinais distintivos visualmente perceptíveis que sirvam para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.

2. CLASSIFICAÇÃO

A marca, tal qual a conhecemos, vem delineando-se desde a Idade Média, no entender de Luís M. Couto Gonçalves (2003:17), que as classifica, à época, em:

marcas colectivas obrigatórias, iguais para todos os que fizessem parte da mesma arte e apostas sob controlo prévio da corporação respectiva, destinadas a identificar a proveniência dos produtos e a garantir de forma directa e absoluta a qualidade dos mesmos; as marcas individuais obrigatórias, colocadas no interesse da corporação, pelo mesmo mestre ou artesão, destinadas a responsabilizarem o autor pela qualidade do produto; as marcas individuais facultativas, utilizadas pelo artesão ou mercador, fora já dos interesses da corporação, destinadas a identificar a proveniência dos produtos e a garantir a respectiva qualidade relativa. 

Modernamente, podemos classificar a marca nas seguintes espécies:

a) Marca de produto ou serviço – usada para distinguir um produto ou serviço de outro semelhante, de origem diversa. Coutinho de Abreu (2004:355) subclassifica esta modalidade, tendo em conta a natureza da actividade a que se ligam, em marcas de indústria, de comércio, de agricultura e de serviços. Pupo Correia (2003:386) acrescenta a esta lista, ainda, a marca de artífices, que assinalam os produtos de sua arte, ofício ou profissão… e que, pelo seu renome pessoal, granjeiam a preferência dos consumidores. Exemplos típicos são os automóveis Ferrari designed by Pininfarina e coleção John Galliano para a griffe Dior.

b) Marca de certificação – utilizada para atestar que um produto ou serviço encontra-se em conformidade com determinadas normas ou especificações técnicas. Exemplo desta modalidade de marca é a série ISO 9000.

c) Marca coletiva – usada para identificar produtos ou serviços oriundos de uma mesma entidade ou de uma mesma região geográfica. Exemplos: Queijo Serra da Estrela, Vinho Dão e Café do Brasil.

Quanto à forma, a marca pode ser:

a) Marca nominativa – identificada apenas por palavras.

b) Marca figurativa – é representada através de desenho, podendo ser composta de monogramas, algarismos ou letras, desde que escritos de maneira original. Exemplo: C&A.

c) Marca mista – ocorre quando é possível identificar a forma nominativas e a figurativa, juntas.

d) Marca tridimensional – é constituída pela forma plástica do produto como, por exemplo, a garrafa de Coca-Cola. Saliente-se que não é registrável a embalagem necessária, sem capacidade distintiva.

A marca pode ser ainda ser classificada quanto ao conhecimento por parte do público consumidor em:

a) Marca notória – é notoriamente conhecida em seu ramo de atividade e é prevista no artigo 6º bis, da CUP[9]. Sua proteção legal estende-se a todos os países signatários da CUP, a proteção é conferida apenas em relação a produtos idênticos e similares e não depende de registro prévio.

b) Marca célebre – também conhecida como Marca de Alto Renome (Brasil) ou Marca de Prestígio (CE), goza de proteção especial em todas as classes de produtos. Para ser assim considerada, na lição de Couto Gonçalves (2003:155), essa marca deve obedecer a dois apertados requisitos: 1º gozar de excepcional notoriedade; 2º gozar de excepcional atracção e-ou satisfação junto dos consumidores.

3. FUNÇÕES

Pode-se dizer que a marca tem três funções:

3.1. Função distintiva

A Função distintiva é a função primordial da marca, através da qual é possível identificar um produto e distingui-lo dos seus congêneres.

3.2. Função de garantia de qualidade

No entendimento de Couto Gonçalves (2003:31), esta seria uma função derivada da função distintiva, pois não garante, directamente, a qualidade dos produtos ou serviços marcados, mas garante indirectamente essa qualidade por referência dos produtos ou serviços a uma origem não enganosa.

Coutinho de Abreu (2004:368), ao contrário, considera que as marcas individuais cumprem uma função de garantia de qualidade autonomizável da função distintiva, na medida que, em havendo diminuições de qualidade susceptíveis de induzir o público em erro, a marca estará sujeita a caducidade, nos termos do artigo 269º, 2, b), do CPI(Pt)[10].

Pupo Correia (2003:385) chega mesmo a negar a existência desta função, na medida em que o produtor pode perfeitamente alterar as características do produto, mantendo-lhe a marca.

3.3. Função publicitária

Esta função é complementar, segundo Couto Gonçalves (2003:31), pois pode cumprir, nalguns casos, a função de contribuir, por si mesma, para a promoção dos produtos ou serviços que assinala. Na mesma linha, Coutinho de Abreu (2004:365), esclarece que embora radicada em determinados produtos, estas marcas ganham asas e libertam-se em grande medida da função distintiva, aparecendo como símbolos de excelência.

4. PRINCÍPIOS OU REQUISITOS

Para que possa ser registrada, a marca deve obedecer certos princípios, que estudaremos a seguir. A violação a estes requisitos torna o pedido de registro suscetível de recusa pelo órgão competente (INPI, tanto no Brasil como em Portugal) ou, caso seja concedido, o registro da marca poderá ser invalidado por pessoa interessada.

4.1.  Originalidade ou capacidade distintiva

Por este requisito deve-se entender que a marca, em si considerada, deve ter a capacidade de distinguir o produto. Requião (2003:244), citando Tamburrino, ensina que a marca deve ser intrinsecamente idônea e capaz de individuar os produtos de uma determinada empresa.

Assim, não são passíveis de registro, por falta de originalidade, na lição de Coutinho de Abreu (2004:370), sinais (exclusivamente) específicos, descritivos e genéricos.

4.2. Novidade

Pelo princípio da novidade, a marca deve ser apta a distinguir determinado produto ou serviço, daquele ofertado por seus concorrentes. Tamburrino, citado por Requião (2003:244), explica que o caráter de novidade significa idoneidade extrínseca a projetar um produto ou uma mercadoria e representa inconfundibilidade com marcas já usadas legitimamente.

Fábio Ulhoa Coelho (2002a:158) refere-se a este princípio como sendo de novidade relativa, uma vez que a proteção da marca registrada é restrita à classe de produtos ou serviços a que pertence o objeto marcado (regra do direito marcário, que se conhece por “princípio da especificidade”).

Coutinho de Abreu (2004:378) explica que ocorre violação ao princípio da novidade, devendo ser recusado o registro da marca, quando, no mínimo, houver possibilidade de os consumidores serem induzidos em erro.

O critério para aferir a registrabilidade ou não de uma marca faz-se por sua comparação com as marcas existentes dentro da mesma classe de produtos ou serviços. Exceção seja feita à marca notória e a célebre, que gozam de proteção em todas as classes. Assim, ocorrerá imitação quando as marcas forem semelhantes, causando possibilidade de confusão e contrafação quando houver a reprodução de outra marca, ou seja, a marca é idêntica a outra já registrada.

4.3. Licitude

A marca deve ser lícita, não afetando, pois, a moral e os bons costumes. Assim, deve ser recusado o registro que atentem contra a honra ou imagem de pessoas ou, ainda, contra a liberdade de crença ou de consciência.

Coutinho de Abreu (2004:376) acrescenta, ainda, que falta licitude às marcas que reproduzam os símbolos de entidades públicas, conforme descrito no artigo 239º do CPI(Pt). Esta proibição, aliás, está igualmente prevista no artigo 6º ter, da CUP[11]. Requião (2003:244), contudo, considera a reprodução de tais símbolos como violação ao princípio da originalidade.

4.4. Veracidade ou verdade

A marca não deve conter sinal com indicações que não sejam verdadeiras, em relação à qualidade ou origem dos produtos ou serviços, capazes de induzir o público em erro.


CAPÍTULO III - NOME E INSÍGNIA DE ESTABELECIMENTO

 1.  CONCEITO

O Nome (ou título) é a designação pela qual é conhecido o estabelecimento (nome de fantasia). Como bem expõe Fábio Ulhoa Coelho (2002a:183), trata-se da designação que o empresário empresta ao local em que desenvolve sua atividade.

A Insígnia, por sua vez, nada mais é que a representação figurativa do estabelecimento. Pupo Correia (2003:406) explica, com precisão a diferença entre o nome e a insígnia do estabelecimento: O primeiro é, naturalmente, um sinal nominativo; a segunda é um sinal figurativo ou misto.

Tratam-se de sinais individualizadores do estabelecimento, de uso facultativo, e visam, na lição de Coutinho de Abreu (2004:340), essencialmente distingui-lo de estabelecimento(s) de tipo idêntico ou similar pertencente(s) a outro(s) titular(es). 

2. PROTEÇÃO LEGAL

No Brasil, o antigo Código de Propriedade Industrial (Lei 5.772/1971) já não sujeitava a registro o título do estabelecimento e sua insígnia; tal orientação foi seguida pela atual LPI(Br). Conseqüentemente, a proteção a esses sinais distintivos somente é possível através da repressão à concorrência desleal, prevista nos artigos 195, V, e 209, da LPI(Br)[12], bem como pelo previsto nos artigos 186 e 927, do CC(Br)[13].

Em Portugal, o nome e insígnia de estabelecimento estão sujeitos a registro no INPI, para obterem proteção. Estão legalmente previstos no CPI, Capítulo VI, artigos 282º a 300º.

3. PRINCÍPIOS OU REQUISITOS

Nas palavras de Luís Menezes Leitão (2001:159), e conforme Coutinho de Abreu, para que o nome e a insígnia do estabelecimento sejam susceptíveis de proteção devem obedecer aos princípios da veracidade, capacidade distintiva, novidade e especialidade e licitude.

3.1. Veracidade ou da Verdade

Os nomes e insígnias podem, em princípio, ser livremente criados, como se depreende dos artigos 283º e 284º do CPI(Pt). Coutinho de Abreu (2004:342) assim explica este princípio:

Os nomes e insígnias podem não dar qualquer indicação (verdadeira ou falsa) sobre a natureza, a actividade, etc. dos estabelecimentos – é o que acontece, por exemplo, quando o nome é constituído por denominação de fantasia. Porém, os elementos componentes dos nomes e insígnias que contenham tais indicações devem ser verdadeiros. 

3.2. Capacidade Distintiva ou Originalidade

Da mesma forma como ocorre com a marca, estes sinais devem ser aptos a distinguir o estabelecimento. Menezes Leitão (2001:160) esclarece que o nome e a insígnia de estabelecimento não pode ser apenas constituído por expressão genérica, insusceptível de individualizar o estabelecimento em face de outros.

Este princípio decorre do disposto nos artigos 284º e 285º do CPI(Pt).

3.3. Novidade e Especialidade

O Princípio da Novidade é consagrado pelo artigo 285, do CPI(Pt), que assim estabelece:

Fundamentos de recusa

1 — Não podem fazer parte do nome ou insígnia de estabelecimento: […]

g) Os elementos constitutivos da marca, ou desenho ou modelo, protegidos por outrem para produtos idênticos ou afins aos que se fabricam ou vendem no estabelecimento a que se pretende dar o nome ou a insígnia, ou para serviços idênticos ou afins aos que nele são prestados; 

Uma interpretação literal do dispositivo legal nos levaria a crer que haveria exclusividade, em todo o território português, e em todas as atividades, para quem registrasse o nome ou insígnia de seu estabelecimento. Contudo, é de se interpretar restritivamente o CPI(Pt), no que tange a este artigo.

No que diz respeito à atividade, Coutinho de Abreu (2004:342) entende que o Princípio da Especialidade deve prevalecer, na interpretação do Código, citando o seguinte exemplo:

O estabelecimento y, não tendo objecto idêntico ou afim ao do estabelecimento x, pode ter nome e/ou insígnia iguais ou semelhantes aos adoptados (anteriormente) para este, pois isso não lhe acarretará consideráveis riscos de confusão (cada um dos estabelecimentos continuará a ser visto como bem distinto, diferente). 

Oliveira Ascensão, (apud Leitão 2001:162), deixa o registro de sua perplexidade sobre o tema:

A mercearia Confiança de Server do Vouga impede que exista uma mercearia Confiança em Marim; o café Central de Ourique, se o nome for registado, permite eliminar todos os cafés Central do país. É perfeitamente lunar, uma vez que a diferenciação só tem interesse quando haja concorrência entre as empresas.

Pela mesma razão, não se compreende que a tutela seja concedida mesmo que os estabelecimentos respeitem a ramos diversos, e não possa assim haver concorrência. Se um agricultor regista a designação “Progresso” para o seu estabelecimento, esta não pode mais ser usada em qualquer estabelecimento comercial ou industrial? 

Em relação à proteção territorial, também é de se considerar que a mesma seja restrita aos casos passíveis de concorrência. Carlos Olavo (1997:162), considera que, se a lei não faz referência ao ramo de atividade, em relação à localização tal referência é implícita, uma vez que exige-se a demonstração que o requerente possui o estabelecimento de modo efectivo e não fictício, concluindo que não está em causa um estabelecimento em abstracto, mas antes um estabelecimento efectivo com uma concreta localização e um ramo de actividade definido.

3.4. Licitude

Está prevista no CPI(Pt), artigo 285º, 1, f) c/c artigo 239. O Código diz expressamente que o estabelecido para marcas, em sede de licitude, é válido para o nome e insígnia de estabelecimento. Assim, estes sinais não podem igualmente afetar a moral e os bons costumes, bem como atentar contra a honra ou imagem de pessoas, e a liberdade de crença ou de consciência.

3.5. Unidade

Esta regra é consagrada pelo disposto no artigo 289º, 1, do CPI(Pt): O mesmo estabelecimento só pode ter um nome ou uma insígnia registados.

A interpretação deste dispositivo causa alguma divergência na doutrina no que diz respeito ao conceito de estabelecimento. Coutinho de Abreu (2004:346) entende que deve ser utilizada a interpretação no sentido amplo: empresa em sentido objectivo. Em sentido contrário, temos Carlos Olavo (1997:88), que considera estabelecimento como sendo uma unidade técnica de venda ou de produção de bens ou de fornecimento de serviços. Menezes Leitão (2001:157/158) concorda com esta interpretação, utilizando-se do conceito de Oliveira Ascensão: loja ou local aberto ao público. Na mesma linha está Pupo Correia (2003:407), que, citando Ferrer Correia considera que, para este efeito, deve entender-se como estabelecimento cada unidade técnica de produção de bens ou serviços e não a empresa no sentido amplo.


CAPÍTULO IV - NOME EMPRESARIAL

 1. CONCEITO

Da mesma forma que o nome civil identifica a pessoa natural, o nome empresarial identifica o empresário, seja ele pessoa física ou jurídica, no exercício de sua atividade econômica.

1.1. Terminologia

Anteriormente à entrada em vigor do CC(Br), a lei se mostrava vacilante em relação à terminologia adotada, havendo referência a nome comercial e, mesmo, a nome de empresa na mesma LPI(Br).

A partir da edição do CC(Br), a doutrina pacificou-se em relação à terminologia, em virtude da adoção, pelo novo código, da teoria de empresa. Com efeito, assim dispõe o artigo 1.155: Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa.

Em Portugal, onde ainda prevalece a separação jurídica entre atividades comerciais e não-comerciais, adota-se a terminologia de firma e denominação para o nome empresarial, havendo parte da doutrina que englobe as duas expressões, utilizando apenas a firma, em seu sentido lato, como Pupo Correia (2003:406) e José de Oliveira Ascensão (1996:444).

A doutrina portuguesa evita a adoção terminológica de nome comercial por duas razões. Uma, porque a firma não é exclusiva de comerciantes. Coutinho de Abreu (2004:144/145) explica que além de identificar comerciantes, a firma individualiza alguns não-comerciantes e, mais à frente, esclarece que, de acordo com o RRNPC, a “denominação” designa preferencialmente o sinal identificador de não comerciantes…

A segunda razão está na interpretação dada à expressão nome comercial, do artigo 8º da CUP. Como ensina Oliveira Ascensão, (1996:440/445), a doutrina e jurisprudência portugueses mostram-se divididos quanto ao tema, alguns considerando que o nome comercial se refere apenas à firma (no sentido amplo); outros entendem que a referência diz respeito apenas ao nome de estabelecimento; uma terceira corrente, majoritária, conclui que engloba tanto a firma como o sinal distintivo.

Explica Ascensão que em Portugal, “nome comercial” não é um conceito técnico-legal. Designou anteriormente o actual nome do estabelecimento, mas a partir de 1940 desapareceu da lei, cedendo o lugar a esta última categoria.

2. FUNÇÕES

O nome empresarial tem dupla função: a primeira, subjetiva, porque, obrigatoriamente, designa o empresário a segunda, objetiva, pois facultativamente identifica a atividade por ele exercida. Philomeno José da Costa (apud Fazzio, 2003:83) assinala a importância do nome no âmbito da concorrência econômica, afirmando que sua atividade pode criar uma aura de crédito, que é algo mais do que a própria materialidade do enunciado do nome. É o renome. O nome comercial sob este prisma apresenta a boa-fama do sujeito mercantil de direito.

Fábio Ulhoa Coelho (2002a:175/177), na mesma esteira, demonstra a evolução desse instituto:

No passado, quando as atividades comerciais eram, em regra, exploradas individualmente – isto é, predominavam comerciantes pessoas físicas, e não jurídicas –, era comum a adoção de um nome específico, um tanto diferente do nome civil, para a identificação do sujeito, enquanto comerciante. Essa prática, na verdade, correspondia a uma estratégia negocial. […]

Vai longe o tempo em que o empresário se valia deste expediente para se distinguir da concorrência. Hoje em dia, o nome empresarial não cumpre mais a função mercadológica do passado. Foi substituído, na função, pela marca. Se antes, os consumidores formulavam o conceito acerca da qualidade dos produtos, pelo prestígio do nome do comerciante que os vendia, na economia de massa opera-se uma inversão: conhece-se a marca, e é através dela que, indiretamente, se identifica o empresário.

3.   ESPÉCIES

Existem duas espécies de nome empresarial: a firma e a denominação.

3.1. Firma

A firma é composta pelo nome civil do empresário individual ou dos sócios da sociedade empresária. O empresário individual poderá utilizar seu nome por extenso ou abreviado, acrescido ou não da atividade empresarial desenvolvida.

As sociedades empresárias, em geral, devem adotar a firma de seus sócios, por extenso ou abreviada, na composição de seus nomes. Não sendo composto por todos os sócios, a firma ou razão social deverá ser acrescida da expressão “e companhia”, por extenso ou abreviado ou, ainda, por expressões similares, com, por exemplo, “e filhos”, “e irmãos”, etc. Poderá ainda ser feita menção à atividade empresarial exercida. 

3.2.  Denominação

A denominação pode ter por base qualquer expressão lingüística (expressão de fantasia), inclusive o nome civil dos sócios. No Brasil, as Sociedades Anônimas somente podem girar sob esta forma enquanto, em Portugal, podem, também, adotar a firma social.

As Sociedades em Comandita por Ações, no Brasil, podem se utilizar de qualquer das formas de nome empresarial; em Portugal, somente se admite a firma dos sócios comanditados.

Os dois países têm legislação coincidente em relação à Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada: podem adotar tanto firma como denominação na composição de seu nome.

4.  PRINCÍPIOS OU REQUISITOS

Para ser passível de registro o nome empresarial deve obedecer aos seguintes princípios:

4.1. Verdade ou Veracidade

Por este princípio, é proibida a indicação de informação falsa sobre o empresário ou seu ramo de atividade.

Assim, se ocorrer, por exemplo, a saída de um dos sócios, cujo nome integre a firma social, o nome empresarial deverá ser alterado, de forma a se restabelecer a verdade.

O nome não pode, tampouco, conter expressões alusivas a atividades que o empresário não exerce.

Em Portugal, as regras deste princípio estão dispostas no RNPC, artigo 32º.

4.2. Novidade

O nome empresarial deve ser novo, insuscetível de confusão com o nome de outro empresário, dentro da mesma circunscrição territorial, de forma a evitar confusão ou erro. Assim, não é passível de registro o nome empresarial se o mesmo for idêntico (homógrafo) ou semelhante (homófono) ao de outro empresário.

A análise do nome empresarial está regulada, no Brasil, pelo artigo 10, da Instrução Normativa (DNRC) nº 53/1996, que estabelece os seguintes critérios: entre firmas ou razões sociais, consideram-se os nomes por inteiro; entre denominações sociais, consideram-se os nomes por inteiro, quando compostos por expressões comuns, de fantasia, de uso generalizado ou vulgar; ou quando contiverem expressões de fantasia incomuns, serão elas analisadas isoladamente.

O princípio da novidade está previsto no artigo 33º, do RNPC português.

4.3. Exclusividade

O empresário tem direito exclusivo ao uso de seu nome, dentro de uma circunscrição territorial.

Em Portugal, o RNPC estabelece, em seu artigo 38º, que o comerciante individual que utilize apenas seu nome na criação da firma, somente terá proteção no âmbito territorial onde exerce sua atividade (nº 4). Poderá, contudo, obter proteção extensiva a todo o território nacional se acrescer a atividade exercida, na composição do nome (nº 5).

Quanto às sociedades comerciais e civis sob a forma comercial, a lei portuguesa, no art. 37º, nº 2, estabelece que a proteção é exclusiva em todo o território nacional.

No Brasil, a proteção ao nome empresarial circunscreve-se à unidade federativa em que foi registrado, nos termos do artigo 1.166 do CC(Br), que, em seu parágrafo único, abre a possibilidade de extensão da proteção a outras unidades da federação, mediante requerimento da empresa interessada.

4.4. Licitude

Da mesma forma que a marca e demais sinais distintivos, o nome empresarial não deve ser ofensivo à moral e aos bons costumes, bem como atentar contra a honra ou imagem de pessoas, e a liberdade de crença ou de consciência.


CAPÍTULO V - NOME DE DOMÍNIO

 1. CONCEITO

Com o avanço da informática e, especialmente, da internet, o comércio eletrônico vem ganhando mais importância no cotidiano das pessoas. Um correntista pode acessar seu banco virtual (home banking) e pagar contas, efetuar aplicações financeiras ou transferência de valores sem ter que sair do conforto de seu lar. Da mesma forma, é possível a aquisição de produtos e serviços em estabelecimentos virtuais.

Estabelecimento empresarial, no preciso conceito de Fábio Ulhoa Coelho (2002b:134), é o conjunto de bens reunidos pelo empresário para a exploração da atividade econômica. Antes do surgimento da internet, o consumidor somente poderia adquirir bens dirigindo-se ao estabelecimento físico do comerciante. Com o advento do comércio eletrônico, surge o estabelecimento virtual, fisicamente inacessível ao consumidor e onde as transações se dão por transmissão eletrônica de dados.

Da mesma forma que o estabelecimento físico situa-se num endereço igualmente físico, o seu sucedâneo virtual localiza-se em um “endereço virtual”. Este endereço chama-se nome de domínio e deve obedecer um protocolo de formação conhecido pela sigla DNS (Domain Name System).

Assim, por exemplo, ao digitarmos www.fiat.pt, estaremos entrando no estabelecimento virtual do fabricante de automóveis FIAT, em Portugal, e significa que fiat é seu nome de domínio. Por este exemplo, fica fácil perceber que o nome de domínio é o nome do estabelecimento virtual do comerciante, estando, da mesma forma que o nome do estabelecimento físico, sujeito a concorrência desleal.

2. PROTEÇÃO

Tanto no Brasil, como em Portugal, não existe legislação a cuidar especificamente da matéria. O que existem são regulamentos, estabelecidos pelos órgãos de registro dos nomes de domínio. No Brasil, o órgão competente é o CG – Comitê Gestor Internet do Brasil e, em Portugal, a FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional.

O regulamento português (FCCN 2003) é bastante específico, contendo regras semelhantes às disciplinadas no CPI(Pt), no tocante aos princípios das marcas, enquanto o modelo brasileiro é o da anterioridade, não havendo regras específicas para concessão, ficando a responsabilidade por violação de direitos alheios por conta do requerente.


CAPÍTULO VI - CONCORRÊNCIA DESLEAL

 1. CONCEITO

Como já explanado, um dos fundamentos do capitalismo é a livre iniciativa, garantido pela livre concorrência. O empresário deve abster-se de condutas que coloquem em risco a liberdade do mercado, agindo dolosamente em relação aos demais empresários.

Assim, deve-se entender concorrência desleal como sendo a conduta ou conjunto de condutas do empresário, no intuito de angariar clientela alheia, de forma fraudulenta ou desonesta.

2. MODALIDADES

De acordo com Nelson Hungria (apud Fazzio 2003:137/138), existem seis modalidades delitivas genéricas: denigração do concorrente; desvio de clientela; confusão de estabelecimento ou produto; propaganda com falsa atribuição de mérito especialmente reconhecido; corrupção para obtenção de vantagem ilícita; e violação de segredo, com abuso de confiança.

Os sinais distintivos do empresário podem ser meio para concorrência desleal em três dessas modalidades. Poderá ocorrer o desvio de clientela ou, mesmo, confusão de estabelecimento ou produto, quando um empresário adotar qualquer dos sinais distintivos alheios. Ocorrerá, também, concorrência desleal, na modalidade propaganda com falsa atribuição de mérito especialmente reconhecido, se o empresário se utilizar de marca coletiva ou de certificação, sem autorização para tal.

3. CONFUSÃO ENTRE SINAIS DISTINTIVOS

Ocorrendo confusão entre dois sinais distintivos da mesma espécie – duas marcas, por exemplo –, dentro da mesma da mesma circunscrição territorial de proteção, a legislação mostra-se suficiente a reprimir preventivamente a concorrência desleal, uma vez que existe apenas um órgão de registro a proceder o controle.

Mas o que dizer quando sinais distintivos de espécies diferentes – como uma marca e um nome de estabelecimento –, de empresários diversos, com órgãos de registro distintos e protegidos em âmbitos territoriais diversos? A anterioridade do registro é suficiente para a solução de todos os problemas?

Vejamos alguns casos reais.

Discoteca Kadoc, situada no Algarve ingressa com pedido de registro de marca, na classe 41ª – serviços de discoteca –, tendo a sociedade Kodak Portuguesa, Ltd., representante da multinacional Kodak Ventures Group, titular da marca internacional Kodak, que se insurge contra a concessão da marca baseada na semelhança fonética entre as mesmas, bem como requer reconhecimento de notoriedade ou, ainda, do grande prestígio de sua marca. Como solucionar tal conflito?

Por outro lado, imaginemos um comerciante brasileiro, tendo sua sede no Estado no Estado de São Paulo, com nome empresarial registrado como Raçaforte – Distribuidora de Produtos Agropecuários Ltda., que venha a requerer junto ao INPI o registro de marca Raçaforte. No Estado de Mato Grosso, coincidentemente, existe um outro comerciante denominado Raça Forte - Agrícola e Pecuária Ltda., com o mesmo objeto social. Lembremos que a proteção dada ao nome empresarial no Brasil está circunscrita à unidade da federação de seu registro e que a marca tem proteção em todo o território nacional. Como solucionar o conflito entre nomes empresais e marca?

3.1.  Conflito entre marcas

No caso Kadoc X Kodak, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, nos autos do Processo nº 03A713, decidiu que, mesmo reconhecendo a notoriedade e o grande prestígio de sua marca Kodak, o recurso interposto pela segunda parte não poderia proceder, assim fundamentando:

Ora, concluímos há pouco que entre as expressões "Z" e "X" não existe, no seu conjunto, semelhança gráfica e fonética susceptível de induzir em erro o consumidor, mesmo o mais distraído; e que, para além das diferenças gráficas, o posicionamento distinto das vogais abertas e mais acentuadas (o a em "Z" e o o em "X") nessas expressões confere a cada uma das palavras um som diferente, constituindo dissemelhança fonética capaz de afastar, em definitivo, quaisquer laivos de semelhança gráfica. 

3.2.  Conflito entre marca e nome empresarial

Os dois bens são igualmente protegidos pelo Direito Industrial. Enquanto a marca refere-se a produtos e serviços, enquanto o nome identifica o sujeito do direito – empresário.

No Brasil, a jurisprudência, erroneamente, no nosso entender, vem tutelando a marca, por ter proteção nacional, mesmo quando o registro do nome é anterior. Nos parece que a melhor solução está na verificação, prévia, da possibilidade de confusão entre os sinais, ante o princípio da especialidade. Sendo os mercados colidentes e sendo o registro da marca anterior, é de se ver alterado o nome empresarial; sendo o nome anteriormente registrado, o empresário dele titular não poderá fazer uso da expressão de fantasia, isoladamente, sob pena de cometer delito de concorrência desleal.

3.3. Conflitos entre marca e nome de estabelecimento

Basicamente, devem ser aplicadas as mesmas regras do conflito com nome empresarial. O agravante, no modelo brasileiro, está em fazer prova da anterioridade do nome ou insígnia do estabelecimento, uma vez que os mesmos não são passíveis de registro.

3.4.  Conflitos envolvendo nome de domínio

A regra da anterioridade do registro dever prevalecer, desde que seu titular o seja, também, de algum dos outros sinais, não havendo prevalência de marca, nome empresarial ou outro sinal distintivo. Contudo, se algum empresário fizer uso do nome de outrem, não tendo direito a ele, cometerá o delito de concorrência desleal.


BIBLIOGRAFIA

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CG – Comitê Gestor Internet do Brasil. 1998  Resolução nº 001/98. Disponível em http://www.cg.org.br/regulamentacao/resolucao001.htm 

COELHO, Fábio Ulhoa. 2002a Curso de Direito Comercial – vol. 1. São Paulo, Saraiva, 2002, 6 ed.

_______ 2002b Curso de Direito Comercial – vol. 3. São Paulo, Saraiva, 2002, 3 ed. 

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FAZZIO JÚNIOR, Waldo. 2003  Manual de Direito Comercial. São Paulo, Atlas, 2003, 3 ed. 

FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional. 2003  Regras do Registo de Domínios .pt. Disponível em http://www.fccn.pt/files/documents/regras_2003.pdf 

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REQUIÃO, Rubens. 2003  Curso de Direito Comercial – 1º vol. São Paulo, Saraiva, 2003, 25 ed.


Notas

[1] Intellectual property law is that area of law which concerns legal rights associated with intellectual creative effort or commercial reputation and goodwill.

[2] “Intellectual property rights give rise a form of property which can be dealt with just as with any other property and which can be assigned, mortgaged and licensed.”

[3] Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

[4] Artigo 42.º

(Liberdade de criação cultural)

1. É livre a criação intelectual, artística e científica.

2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.

[5] Artigo 1303º

(Propriedade intelectual)

1. Os direitos de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial.

2. São, todavia, subsidiariamente aplicáveis aos direitos de autor e à propriedade industrial as disposições deste código, quando se harmonizem com a natureza daqueles direitos e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido.

[6] CC(Br):

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

[7] Art. 1º

2) A proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.

[8] Artigo 222º

Constituição da marca

1 — A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

[9] Art. 6º bis

1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do interessado e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa amparada pela presente Convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constitui reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação suscetível de estabelecer confusão com esta.

[10] Art. 269º

Caducidade […]

2 — Deve ainda ser declarada a caducidade do registo se, após a data em que o mesmo foi efectuado: […]

b) A marca se tornar susceptível de induzir o público em erro, nomeadamente acerca da natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos ou serviços, no seguimento do uso feito pelo titular da marca, ou por terceiro com o seu consentimento, para os produtos ou serviços para que foi registada.

[11] Art. 6º ter

1) a) Os países da União acordam em recusar ou invalidar o registro e em impedir, através de medidas adequadas, o uso, sem autorização das autoridades competentes, quer como marcas de fábrica ou de comércio, quer como elementos dessas marcas, de armas, bandeiras e outros emblemas de Estado dos países da União, sinais e timbres oficiais de fiscalização e de garantia por eles adotados, bem como qualquer imitação do ponto de vista heráldico.

b) As disposições do subparágrafo a) acima aplicam-se igualmente às armas, bandeiras e outros emblemas, siglas ou denominações de organismos internacionais intergovernamentais de que um ou vários países da União sejam membros, com exceção de armas, bandeiras e outros emblemas, siglas ou denominações que já tenham sido objeto de acordos internacionais vigentes, destinados a assegurar a sua proteção.

[12] Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: […]

V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; […]

Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

[13] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.



Informações sobre o texto

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-empresariais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na disciplina de Direito Comercial, sob a orientação do Professor Doutor Jorge Manuel Coutinho de Abreu.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO JÚNIOR, Armindo De. Conflito entre marcas e outros sinais distintivos do empresário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4879, 9 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53450. Acesso em: 23 abr. 2024.