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A dívida pública e o entrave no desenvolvimento nacional.

A PEC 55 frente à garantia dos direitos fundamentais e sociais

A dívida pública e o entrave no desenvolvimento nacional. A PEC 55 frente à garantia dos direitos fundamentais e sociais

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Analisa-se como a dívida pública brasileira afeta as relações políticas, sociais e econômicas, bem como os impactos da PEC do "teto dos gastos públicos" no desenvolvimento do país e as alternativas mais eficazes para conter as diversas crises.

“Para modificar a realidade jurídica em que vivemos é necessário, antes de tudo, conhecê-la” (Marcelo Novelino)

RESUMO:Analisa-se a dívida pública brasileira e no que ela afeta o ordenamento, bem como sua composição e conceitos chaves para entender os motivos que levaram o Brasil a diversas crises, de legitimidade, econômica, política e social. Observa-se como um orçamento insuficiente ou mal planejado pode definir o rumo da sociedade, sendo outro ponto a destacar, a tentativa do aparelho estatal em garantir direitos legítimos à sociedade, direitos estes fundamentais e sociais, que são vistos ameaçados perante a Proposta de Emenda à Constituição nº 55 em seus objetivos e impactos para o desenvolvimento nacional, buscando-se por isso, alternativas mais eficazes de conter a crise.

Palavras-chaves: Dívida Pública. Direitos sociais. Desenvolvimento.  Crise. Políticas Públicas.


INTRODUÇÃO

O atual cenário político-econômico do país não é digno de aplausos. Em um momento de transição política e meio a uma crise sem precedentes, o governo se volta a mecanismos de ajustes fiscais de modo a regular o conturbado sistema econômico que assola as expectativas nacionais. Essa fase deve-se a fatores como a corrupção, as altas taxas de juros da dívida pública, a má gestão de recursos disponíveis e a ineficácia de políticas públicas. Tudo isso gera um descrédito no cenário nacional e internacional, diminuindo a confiança de investidores na economia brasileira, agravando assim, os juros às dívidas externa e interna.

Com a dívida pública atualmente acima dos 70% do PIB brasileiro, de acordo com o Banco Central, o governo acelera medidas de contenção de gastos para não inflacionar o mercado. A principal delas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, tramitava na Câmara como PEC 241, que visa reequilibrar as contas públicas e viabilizar a recuperação da economia brasileira estabelecendo um Novo Regime Fiscal, limitando as despesas primárias do Estado anualmente por 20 exercícios financeiros. Porém, essa PEC avança com muitas críticas e manifestações de diversos segmentos sociais. A oposição aponta que isso limita os gastos públicos de tal forma que a educação e a saúde sofrem reduções em seu orçamento, degradando ainda mais o setor social e afetando desde agora as futuras gerações. Já os seus defensores afirmam que não haverá redução da verba dessas áreas sociais, mas um limite corrigido pela inflação do ano anterior e que pode ser aumentado se reduzir os gastos de outras áreas, sendo assim, de imediata aprovação para a recuperação da economia e a contenção da crise financeira.

A favor ou contra à Proposta, a realidade econômica do Brasil é espantosa. Mesmo com a contenção da inflação, a dívida pública aumentou e a taxa de crescimento do PIB brasileiro retraiu, cenário que só melhorará potencialmente a partir de 2018, quando a produção industrial inicia sua retomada devido a um possível fim do ciclo de ociosidade. Contudo, essa retomada industrial não terá força suficiente para prosperar novos anos dourados à economia, pois a taxa de desemprego tende a atingir seu auge já no próximo ano. Com o mercado de trabalho enfraquecido, alguns direitos sociais são atacados, dentre eles o salário mínimo e a Previdência, e não há sustentação financeira para tantos gastos, por isso, alguma medida de ajuste fiscal é necessária. O Brasil caminha rumo à PEC 55, seja com o apoio popular ou não.

Atualmente, com todos os planos e propostas em andamento, o Estado brasileiro passa a endurecer sua extrafiscalidade como atividade fundamental intervencionista, visando ordenar e reordenar a economia e as relações sociais, garantindo o bem-estar e o equilíbrio no cumprimento do contrato social. Com essa função estatal, o desenvolvimento nacional entra como pauta principal no plano governamental, buscando estudar o comportamento das áreas econômicas e sociais em conluio ao controle do cenário econômico. Frisa-se a essência da garantia de tais direitos à medida que a população reage às limitações impostas, não pensando jamais em regredir nem abdicar de tudo já conquistado. Por isso é necessário entender como sair do cenário conturbado e adequar o crescimento econômico às expectativas da sociedade, garantindo o desenvolvimento perante a crescente dívida pública.


1 A DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA

Todo país tem dívida, isso é absoluto. O problema é quando ela chega a um patamar elevado em uma nação com sua credibilidade à ruína e políticas públicas sem o efeito desejado. O Brasil, comparado a países de “primeiro mundo”, possui uma dívida baixíssima, cerca de 70% do PIB, enquanto a França ultrapassa os 94%, EUA os 104%, a Itália 132% e o Japão 249% do PIB[2]. Contudo, se levar em conta o retorno social de ter uma dívida desse tamanho, vê-se a necessidade de melhorar as políticas públicas e de conter a própria dívida. O Brasil ainda está atrás do Primeiro Mundo e precisa desenvolver sua política econômica passeando às garantias sociais, efetivando a saúde pública e a educação, pois esta é a maior norteadora do desenvolvimento nacional.

Grande responsável pelo déficit orçamentário do país, a dívida pública federal se encontra em mais de R$ 3,04 trilhões, e a SELIC é quem orquestra essas contas. Ela é a taxa de juros básica da economia brasileira e serve de parâmetro para cálculos e recálculos dos demais juros, refletindo o custo do dinheiro para empréstimos bancários, com base na remuneração dos títulos públicos. Sendo assim, a SELIC é uma arma para controlar a inflação, que deve ser bem gerida. Quando se aumenta essa taxa, reduz-se a inflação, o consumo e a produtividade, porém reduz-se o lucro e o poder de compra do brasileiro, forçando o aumento no número de demissões, já que diminuindo o consumo, produz-se menos. O endividamento então atrapalha o progresso das famílias e trabalhadores, reduzindo-se o estado de bem-estar. Quando se diminui a taxa, a inflação aumenta, pois, o poder de compra e a demanda são maiores e o número de empregos ofertados crescem para atender o contingente demandado, fazendo com que em determinado lapso temporal, o consumo exploda e o mercado se instabilize ainda mais com a abertura de créditos bancários aos trabalhadores que viam o cenário financeiro individual prosperar.

Tamanha é a preocupação em corrigir a SELIC, pois esta reflete diretamente no equilíbrio financeiro. E é exatamente aí que mora o problema: para conter a inflação, o Banco Central aumenta a taxa básica de juros, fazendo com que o retorno aos investidores em títulos da dívida pública aumente, e consequentemente a dívida federal, tanto interna quanto externa. Esse mecanismo é para rolagem de dívida, quitando uma mais próxima de vencer, mas contraindo outra com maior prazo. Isso se justifica também pela desvalorização da moeda nacional, que faz investidores estrangeiros comprarem produtos brasileiros a preços diminutos e cobrar juros altos sobre mercadorias e empréstimos concedidos ao Brasil em virtude da menor credibilidade que o país repassa. É realmente um jogo de opostos, onde a garantia dos direitos de cada cidadão passa pela ganância do mercado financeiro e de políticas que visem conter as crises sociais, afinal, é o capitalismo em um Estado democrático.           

1.1 Medidas de contenção da dívida e crise financeira

A dívida pública é o dorso do desenvolvimento nacional. Em termos de políticas fiscais, ela é quem define as possibilidades orçamentárias e o desenvolvimento saudável de serviços à população, uma vez que ela é paga pelo seu financiamento por títulos públicos, mesmo com juros incidentes. O pagamento dessas dívidas é feito com base na sobra dos gastos e da arrecadação, pois quando o país consegue pagar suas despesas e sobra dinheiro, ele está com superávit primário, podendo assim, quitar os juros da dívida, agora chamado de superávit nominal. Chama-se de déficit primário -estágio no qual o acumulado deste ano está calamitosamente aos R$ 85,5 bilhões- o Estado possuir despesas maiores do que sua arrecadação permite, não podendo, portanto, pagar os juros da dívida pública, contraindo déficit nominal e agravando ainda mais a dívida aos juros e sua credibilidade no cenário internacional.

Como conter esses déficits orçamentários é a questão que mais intriga a sociedade no momento. O governo propõe diversos reajustes fiscais - que são necessários- mas alguns não são bem vistos por diversos setores, pois agregam o desgaste nas áreas sociais. Toma-se ciência de que sem investimentos e empregos, a economia nacional não se desenvolve, já que sem dinheiro não há direitos e nem produção. Então, como alternativa para contornar a crise, o governo buscar aprovar sua Proposta de Emenda Constitucional nº55, que limita as despesas discricionárias do governo federal em prol do reequilíbrio das contas públicas.

1.2 A Proposta de Emenda à Constituição nº 55 (PEC 241 ou PEC do teto)

A Proposta de Emenda Constitucional 55 propõe um limite anual dos gastos discricionários (aqueles em que o governo tem liberdade para decidir onde e como investir), por 20 exercícios financeiros, sendo reajustado ano a ano com base somente na inflação do exercício anterior. A sua projeção é de que, caso aprovada, o superávit primário seja alcançado em 2019, devolvendo ao Brasil o selo de bom pagador. O Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defende tal proposta e afirma que “este é o caminho para a volta do crescimento de nossa economia e para a criação de empregos que o nosso povo precisa”. De fato, com a freada dos gastos públicos, a economia voltará aos eixos e o endividamento se reduzirá, mas se esquece que o Brasil não é uma empresa e nem funciona como uma. Os fatores econômico-financeiros não podem definir o futuro de mais de 200 milhões de pessoas, ferindo as perspectivas e ideais almejados após tantas lutas e conquistas.

A educação e a saúde são as pautas mais desafiadoras nessa quebra de braço político-social. Os eixos economia e políticas públicas se complementam e um não pode se sobressair perante o outro sob o risco de gerar impactos incontroláveis e incrementar uma crise sem tamanho no Estado democrático. Um limite aos gastos discricionários acarretaria um descompasso entre a Economia e o desenvolvimento das atuais e futuras gerações, pois a educação é a base de toda sociedade. É nela que se constrói o cidadão, o político, o sujeito que vai mudar o mundo, e sem ela, talvez não haja um digno. A saúde também é a responsável por manter o ciclo saudável, já que garante o bem-estar e uma vida prolongada.

Com a Previdência Social e o funcionalismo público sendo os que mais compõem os gastos públicos (mais de 55%[3]), a aprovação da PEC 55 só facilita ao governo aprovar a Reforma Previdenciária já no próximo ano. Não é à toa que esse assunto é tão delicado, algo que mexe com a estrutura orgânica do Estado. É a Constituição em xeque, mediando debates até então controversos e críticos à proteção dos direitos fundamentais, como bem explicita Sarlet:

A medida estatal que eventualmente restringe ou suprime um bem e/ou serviço protegido com base em direito social (fundamental) deve buscar atender finalidade constitucionalmente legítima, portanto, ter por objetivo a proteção ou promoção de outro direito fundamental ou a salvaguarda de interesse constitucionalmente relevante. (Sarlet; Marinoni; Mitidiero; 2016, pág. 617)

Dessa forma, atrela-se ainda mais o fato de que a PEC não acompanhará o crescimento populacional e o envelhecimento da população, sendo os cortes em gastos discricionários um atraso ao desenvolvimento, carecendo o país de serviços públicos. Encontra-se então, os pilares das despesas públicas: o custo e a demanda. Como pode-se garantir uma sociedade saudável e próspera se não há verba suficiente para suprir a demanda? Não há como. Um Estado só é próspero e estável quando o custo para sustentar a população atende aos pleitos desta, é por isso que estabelecer teto de gastos públicos (mesmo que federais) é um retrocesso.           


2 ALTERNATIVAS MAIS SAUDÁVEIS E SATISFATÓRIAS ÀS EXIGÊNCIAS DO ESTADO E DA SOCIEDADE

Diversos segmentos sociais buscam frear um possível efeito dominó de afronta a direitos fundamentais, e com isso surgem manifestações por todo o Brasil. A mais recente delas obteve um impacto imenso e voltou os olhares da nação ao movimento estudantil que ocupou diversas escolas em todo o país contra a Reforma do Ensino Médio e a “PEC do teto”, com diálogo de representante estudantil na Câmara-PR e no Senado, intervenção em locais de aplicação das provas do ENEM e proteção policial. Realmente provocaram a classe política. São esses exercícios democráticos que denotam o poder social, mostrando a força das classes que almejam um país promissor e isonômico. O governo teme a crise econômica, mas é bobo perante uma crise social-democrática que pode surgir. Há outras medidas a serem tomadas para conter isso, e algumas mais eficazes.

Um dos princípios mais importantes que sofreria com um teto de gastos é o da continuidade do serviço público, acarretando insegurança jurídica e política, pois não se cobriria a aplicação adequada dos recursos públicos já que um imprevisto orçamentário dificultaria o prosseguimento do serviço. A PEC, portanto, deve se tornar um exemplo a não ser seguido e abrir os olhos dos representantes e gestores do povo para incentivarem o investimento, a produção e a criação. É pela produtividade econômica, intelectual, política e social que a retomada do crescimento surgirá, então, investir em ideias úteis é sair da crise, mas isso não acontece sem educação. Daí que uma medida para o avanço é rever as políticas de proteção a empresas ineficientes.

No Brasil, há uma imensa vontade do Poder Público em proteger desde as microempresas às grandes, oferecendo renúncias fiscais a esse setor privilegiado que não dá retorno nenhum à sociedade. Mas desde O Capital, Karl Marx observou que proteger empresas ineficientes torna o país mais pobre, ensinamento que deve ser aplicado desde já. Por que quando uma empresa que é atrasada tecnologicamente não dá a seus funcionários possibilidades de aumentar a eficácia de seu trabalho, estes passam a produzir menos que podiam, gastando mais tempo e um maior capital da empresa, agravando o preço final do produto ou serviço. Portanto, não há motivos para o Estado sustentar uma empresa que atrasa o desenvolvimento e não dá o devido retorno nem à sociedade nem ao país. Deveria cobrar os impostos renunciados a elas, de modo a equilibrar a intervenção estatal para políticas realmente eficazes.

Outra alternativa é a reorganização da cobrança de impostos em todas as classes sociais. A Constituição de 1988 inclui a taxação de grandes fortunas, mas ainda não foi regulamentada. Essa medida recebe diversas críticas com argumentos contrários que afirmam que cobrar mais impostos dos mais ricos fará migrarem a outros mercados, diminuindo a oferta de empregos e aumentando o preço final dos produtos e serviços. Ora, um comércio imenso como o brasileiro e cheio de oportunidades é o alvo perfeito dos grandes empresários, que mesmo com políticas fiscais rigorosas não perderiam a oportunidade de lucrar. Taxar fortunas e bens é essencial, ainda mais percebendo que aviões e helicópteros não sofrem incidência de impostos, tais quais recebem os carros, nem grandes capitais parados são tributados, pelo contrário, têm incidência de juros. Uma minúscula tributação sobre as grandes fortunas em nada incomodaria o sono dos mais ricos e poderia ser um enorme reforço para a saúde pública e o combate à miséria, e engana-se quem acredita que todos os ricos são contra essa taxação. Empresários poderosos, como Bill Gates, Donald Trump, George Soros e Warren Buffet, manifestam-se favoravelmente a essa medida, que no longo-prazo beneficia seus próprios negócios, já que a população pode consumir mais. Mudanças tributárias devem ser estudadas imediatamente, de modo a equilibrar os cofres públicos e contornar a dívida pública.


3 A GARANTIA DE DIREITOS SOCIAIS-FUNDAMENTAIS

O direito brasileiro revela uma posição avançada no que concerne aos direitos sociais, consagrando-os como fundamentais e assegurando-lhes uma supremacia normativa, reconhecendo a eles o mesmo regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais. Apresentando uma dupla dimensão subjetiva e objetiva, os direitos sociais – tais quais os fundamentais- têm a possibilidade de serem exigíveis em face de seus destinatários, encontrando dificuldades e objeções nessa esfera subjetiva, como a pobreza das normas definidoras de direitos sociais, os limites ao controle judicial das políticas públicas, a dependência da disponibilidade de recursos públicos, ou seja, dos impactos da chamada reserva do possível. Então, a tendência jurisprudencial brasileira é reconhecer um direito subjetivo definitivo ao menos no plano do mínimo existencial concebendo-o como garantia à existência de condições mínimas para uma vida digna, evidenciando-se em maior parte nos direitos à saúde e educação.

Na perspectiva objetiva, a força normativa da Constituição impõe ao Estado a necessidade de uma perpétua realização de direitos sociais, tornando-as parâmetro para a criação de outras normas e políticas públicas a serem desenvolvidas por instituições e diretrizes responsáveis pela eficácia e concretização de tais direitos. Essa visão permite a tutela das garantias institucionais contra a ação erosiva do legislador, propiciando ao Estado atuar de forma preventiva com o dever de proteção da proibição de insuficiência de proteção, não sendo aceito desgastes decorrentes na tutela desses direitos.

3.1 Teoria da Reserva do possível e o mínimo existencial

A reserva do possível, como bem salienta Ingo Sarlet, é um ponto polêmico em termo de exigibilidade dos direitos sociais, já que abrange uma dimensão economicamente relevante desses direitos nas prestações estatais. Como já analisado, direitos acarretam em custos para sua efetivação e proteção, mas em termo de exigibilidade judicial não se pode apontar esse fator custo como elemento impeditivo de efetivar qualquer direito social de obrigação estatal.  E é exatamente nesse ponto que anda o cenário político do país, onde tem-se o custo assumindo grande importância nessa análise de concretização de prestações de direitos sociais, no qual se estabelecendo um teto de gastos públicos para as despesas primárias, a alocação de recursos públicos não é necessária ou suficiente para assegurar o fornecimento de prestações, leia-se reinvindicações, materiais, evidenciando a efetividade dos direitos sociais dependente da conjuntura econômica nacional.

Dessa forma, a alegação de insuficiência de recursos pode abarrotar a continuidade do serviço público, como a ineficácia no serviço do Sistema Único de Saúde ou investimento em pesquisa e extensão universitárias, interrompendo, limitando ou até negando a efetivação de políticas públicas essenciais e que garantam um futuro digno. A partir daí o Estado vê-se na obrigação constitucional de prestar à sociedade o que considera como o mínimo existencial para garantir uma vida digna, como reivindicado no contrato social. É exatamente por esses aspectos que se deve exigir dos órgãos estatais e agentes políticos a maximização dos recursos (materiais e humanos) e minimização do impacto da reserva do possível, não devendo esta servir de obstáculo para eximir-se de cumprir no que persiste à efetividade dos direitos sociais.

Sustenta-se uma dimensão tripla em torno da reserva do possível, caracterizada pela: a) real disponibilidade fática dos recursos para efetivar os direitos sociais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos; e c) o problema da proporcionalidade da prestação, quanto a sua exigibilidade e razoabilidade ao titular do direito. Destarte, esses aspectos vinculam entre si e exigem uma solução sistemática e constitucionalmente adequada de todos os direitos fundamentais para que não sirvam de barreira, mas sim como garantia de proteção dos direitos fundamentais e sociais. Essa solução sistemática outrora vista em torno de contenção da dívida pública, pode ser feita em conjunto com as alternativas à crise econômico-política já idealizadas de forma a recuperar a credibilidade nessa seara.

Ora, se para a manutenção cíclica do amparo aos direitos fundamentais e sociais é preciso uma maior disponibilidade orçamentária, os agentes políticos devem levar em consideração a afronta que uma Proposta de Emenda à Constituição possa fazer a essa efetividade, inviabilizando a médio prazo a demanda contingencial de políticas e serviços públicos, uma vez que a previsão de crescimento populacional e longevidade da sociedade cresce exponencialmente, não acompanhando o fluxo orçamentário entre as despesas e a receita do país. A grosso modo, medidas fiscais diversas da PEC 55 trazem mais benefícios do que a implementação de um teto para os gastos públicos federais primários, por isso a defesa pela renúncia fiscais a empresas ineficientes e a taxação de grandes riquezas e bens.


CONCLUSÃO

Com todo o estudo apropriado, percebe-se a carência de políticas públicas ideais e que realmente refletem as necessidades da população. Nesse oposto, Barroso (2015, pág. 518) instrui acerca da doutrina da efetividade de normas constitucionais que “nos dias que correm, tornou-se necessária a sua convivência com novas formulações doutrinárias, de base pós-positivista, como a teoria dos princípios, as colisões de direitos fundamentais, a ponderação e o mínimo existencial”. Trata-se da exigência de um direito subjetivo ao Poder Público e do particular responsável, pois se está na Constituição é para ser cumprido.

Então, um governo de representações e linha sucessória instáveis não pode burlar as expectativas constitucionais no que concerne aos direitos fundamentais e sociais. É notória a grave crise econômica que passa o país, com índices de desemprego altíssimos, taxas de juros elevadas, constantes descasos na saúde pública, na educação, superfaturamentos em obras públicas, tudo isso passa pelo crivo dos governantes e a decisão que resolvem tomar é sobrecarregar a classe proletária com mais isenções e medidas restritivas de direitos existentes para permitir a concretização da dignidade humana.

Como meio impeditivo de prestação negativa dos direitos sociais, deve-se aplicar o princípio da proibição de retrocesso como medida de coibir ou corrigir medidas restritivas ou supressivas de direitos sociais. Baseado nisso, a jurisprudência reconhece (como garantia constitucional implícita) a vigência do princípio da vedação desse retrocesso social, coibindo medidas que mediante a revogação ou alteração da legislação infraconstitucional desconstituam ou afetem gravemente o grau de concretização já atribuído a determinado direito fundamental, equivalendo-se à violação constitucional e dos direitos nela consagrados. Mas falta um melhor controle de constitucionalidade a medidas que tendem alterar diretamente a Constituição (como a PEC dos gastos públicos) pois em seu núcleo é reconhecido o caos institucional que a mesma pode causar com a ingerência dos recursos estatais às políticas garantidoras dos direitos fundamentais e sociais. É um retrocesso às conquistas sociais que passa pela ingerência política dos representantes e gestores do ordenamento.

Dessa forma, é urgente o debate com os setores e classes envolvidos nas políticas públicas, só assim pode-se concluir a melhor decisão para continuar o desenvolvimento nacional, que não necessariamente deve privilegiar o limite de investimento nos gastos primários como o maior garantidor da retomada do crescimento econômico e da estabilidade nacional, esquecendo-se das áreas sociais responsáveis pela perspectiva de um futuro melhor.


Referências:

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Notas

[2] FMI - World Economic Outlook Database, abril de 2016.

[3] Ministério do Planejamento/Orçamento 2017


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