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Termo circunstanciado e concurso de infrações penais de menor potencial ofensivo

Termo circunstanciado e concurso de infrações penais de menor potencial ofensivo

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Trata do procedimento policial cabível em casos de concurso de infrações penais de menor potencial ofensivo.

As infrações de menor potencial ofensivo são as contravenções penais e os crimes a que lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa (art. 61 da Lei 9.099/95).

Praticada uma infração penal de menor potencial ofensivo, caso o infrator seja preso em flagrante, deverá ser conduzido à Delegacia de Polícia do local do fato, a fim de que o Delegado lavre o Termo Circunstanciado. Se o infrator assinar o Termo de Compromisso de Comparecimento ao Juizado Especial (TCC), não se imporá a prisão em flagrante. No entanto, caso se recuse a assinar, o delegado de polícia está autorizado a lavrar o Auto de Prisão em Flagrante, conforme interpretação a contrario sensu do art. 69, parágrafo único da Lei 9.099/95.

O termo de compromisso de comparecimento (TCC) nada mais é do que o compromisso formal do autuado de comparecer ao Juizado Especial quando for intimado pelo Poder Judiciário. A ausência deste compromisso formal enseja automaticamente na formalização da prisão e, uma vez lavrado o auto de prisão em flagrante, o autuado somente terá restituída a sua liberdade por meio do pagamento de fiança arbitrada pela autoridade policial (se cabível) ou por decisão do juiz na audiência de custódia (art. 310 do CPP).

Portanto, é aconselhável que o indiciado assine o Termo de Compromisso de Comparecimento, ainda que não concorde com a infração que lhe for imputada, devendo qualquer irresignação ser demonstrada em Juízo, por ocasião da audiência preliminar, já que a recusa ensejará a sua prisão.

Vale frisa que a instauração do procedimento policial e indiciamento não importa em condenação, cuida-se de um juízo provisório feito pela autoridade policial, o qual não tem o condão de afirmar a culpa definitiva do conduzido.

 A dúvida que sobressai na prática policial é o concurso de infrações penais de menor potencial ofensivo (concurso material, formal ou crime continuado). Imaginemos, por exemplo, uma situação em que um indivíduo, em um mesmo contexto fático, cometa as infrações penais de injúria, ameaça, resistência e desobediência. Todas essas infrações são de menor potencial ofensivo, porém, caso sejam somadas as suas penas máximas, obteremos um total de 5 (cinco) anos de pena, quantum que supera o limite de 2 anos dos Juizados Especiais Criminais, ex vi do art. 60 da Lei 9.099/95.

Com base na situação acima narrada, pergunta-se: nos casos de prisão em flagrante por concurso de crimes de menor potencial ofensivo o delegado de polícia deve somar as penas e lavrar o APF ou não deve somar as penas e lavrar o TCO? O entendimento majoritário na prática policial é o de não somar as penas, devendo o delegado lavrar o Termo Circunstanciado (e não o APF), pondo em liberdade o infrator preso em flagrante que assinar o termo de compromisso de comparecimento.

Como forma de evitar o encarceramento por crimes de menor potencial ofensivo, dada ausência de periculosidade da conduta e a sua desproporção com o cárcere, os delegados evitam somar as penas e lavrar o APF.

Nas ações penais por crimes de menor potencial ofensivo, nem mesmo ao final do processo penal, caso o réu seja condenado, será atribuída uma pena restritiva de liberdade, da mesma forma, por ocasião da prisão em flagrante, não se deve impor o recolhimento à prisão, já que se trata de uma fase preliminar da persecução penal, sem as garantias do contraditório e da ampla defesa. Essa prática por parte do Estado violaria o princípio da homogeneidade, segundo o qual a custódia provisória deve guardar proporcionalidade com a pena definitiva, não podendo a medida cautelar ser mais gravosa que a pena imposta na sentença.

Ademais, afronta os princípios penais da subsidiariedade, ofensividade e fragmentariedade o encarceramento do indivíduo preso em flagrante pela prática dos delitos de injúria, difamação, calúnia, desacato etc, os quais, inclusive, poderiam ser absorvidos por outros ramos do Direito, em virtude de sua reduzida lesividade. A lavratura do TCO cumpre bem o seu papel social nesses casos, já que o autuado permanece preso da Delegacia tão somente até o final do procedimento, sendo posto em liberdade logo em seguida.

Não se está aqui a defender a impunidade aos crimes de menor potencial ofensivo. O réu deve receber a devida punição estatal, porém não com a imposição de penas restritivas de liberdade. As penas alternativas são suficientes para conferir o caráter retributivo a esses delitos, em especial a pena de multa.

Cumpre ressaltar que segundo o STJ, para fins de competência dos Juizados Especiais Criminais, devem ser somadas as penas máximas abstratamente cominadas aos delitos praticados em concurso (concurso material, formal ou crime continuado) e, caso superem o patamar de 2 anos, devem-se remeter os autos ao Juízo Comum, declinando-se da competência. Este entendimento jurisprudencial, contudo, firma regra de competência jurisdicional, a qual não se aplica aos atos investigatórios da fase pré-processual, cuja sistemática procedimental é diferente.

O declínio da competência dos Juizados Especiais, em razão do somatório das penas, não impõe a dispensa do TCO pelo delegado. Antes da ação penal não se aplicam as regras de competência, justamente porque não há processo.

Somente as autoridades judiciais possuem competência, os delegados e membros do Ministério Público possuem atribuição, que desfruta de regras próprias, não se submetendo às normas rígidas de competência, justamente pelo caráter dinâmico que permeia as atividades investigativas. Nesse sentido, o próprio Código de Processo Penal, no artigo 22, prevê a possibilidade de o delegado de polícia exercer as suas atribuições em circunscrição policial diversa, sem que isso implique qualquer nulidade.

O art. 60 da Lei 9.099/95, ao prever a competência dos Juizados Especiais Criminais, firma, portanto, regra de competência jurisdicional, não aplicável aos delegados e membros do Ministério Público no âmbito de procedimentos criminais instaurados. 

Desse modo, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, ainda que praticadas em concurso de crimes, o delegado de polícia está autorizado juridicamente a lavrar o TCO, colocando o autuado em liberdade, sem o recolhimento de fiança, logo após o término do procedimento. A lavratura do APF nesses casos revela-se medida extrema, devendo ser evitada pelas autoridades policiais.


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