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Estabelecimentos penais

Estabelecimentos penais

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Comentam-se aspectos críticos sobre a realidade dos estabelecimentos penais, à luz de sua origem histórica: o que falta para que o sistema penitenciário brasileiro cumpra sua real função no Brasil?

RESUMO: O presente trabalho tem por desígnio demonstrar a realidade dos estabelecimentos penais atuais, os sistemas prisionais e o modelo de sistema adotado pelo Brasil, a inobservância de um de seus objetivos precípuos, que é a ressocialização do preso, bem como conceituando e explanando as principais características e peculiaridades de cada um destes estabelecimentos penais constantes na Lei de Execução Penal.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da Prisão, segundo Cesare Beccaria. 3. Da prisão e da Pena, segundo Michel Foucault. 4. Histórico da Pena. 4.1. Modelo Clássico da Pena Castigo. 4.1.1. Modelo Conflituoso-punitivo. 5. Legislação Penal. 6. Crise do Atual Método Punitivo. 7. Sistemas Penitenciários. 7.1. Sistema Pensilvânico ou Celular. 7.2. O Sistema Auburniano. 7.3. O Sistema Progressivo. 7.3.1. Algumas Causas da Crise do Sistema Progressivo. 8. A Prisão. 9. Estabelecimentos Prisionais. 9.1. Penitenciária. 9.1.1. Regime Fechado. 9.2. Colônia Agrícola, Industrial ou similar. 9.2.1. Regime Semi-Aberto. 9.3. Casa do Albergado. 9.3.1. Regime Aberto. 9.4. Centro de Observação. 9.5. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. 9.6. Cadeia Pública. 9.6.1. Presos Provisórios. 9.6.2. Cadeia Pública. 10. Conclusões. 11. Notas. 12. Referências Bibliográficas.


1.    Introdução.

É inegável a inobservância, por parte do Estado, da falência do atual sistema prisional brasileiro que há muito tempo não cumpre de forma satisfatória a missão de ressocialização do indivíduo, tornando-o cada vez mais nocivo ao corpo social quando egressa do cárcere.

Este é um tema muito abrangente, polêmico e diariamente discutido nos meios de informação e no seio social, trazendo sempre à tona questões ainda mais polêmicas como a pena de morte e prisão perpétua, bem como, noutro extremo, a superlotação, as condições desumanas observadas e a incapacidade ressocializante dos estabelecimentos.  

Os estabelecimentos penais mostram-se insatisfatórios em seus resultados e caros para a sociedade, por não oferecerem contraprestação em termos de capacitação do preso ao retorno social, servindo, tão somente, de estabelecimento de cumprimento de pena, não sendo esta sua única razão de ser.

Tal asseveração ressalta a amplitude e importância do tema, por estar inserto em nossa sociedade, motivo pela qual assiste razão a apresentação do presente estudo.


2.     Da Prisão, segundo Cesare Beccaria.

Cesar Bonessana, Marquês de Baccaria (1738-1774), publica em 1764 seu famoso Dei Delitti e delle Pene, inspirado nas idéias defendidas por Montesquieu, Rousseau, Voltaire e Locke.  Alguns autores consideram Beccaria como um antecedente dos delineadores da Defesa Social, especialmente por sua recomendação de que “é melhor prevenir o crime do que castigar”.

Beccaria, de acordo com Cezar Roberto Bitencourt, tinha uma concepção utilitarista da pena. Procurava um exemplo para o futuro, mas não uma vingança pelo passado. Expôs algumas idéias sobre a prisão que colaboraram para o processo de humanização e racionalização da pena privativa de liberdade.  Entende que deve ter um sentido punitivo e sancionador, mas defende a busca de uma finalidade reformadora da pena privativa de liberdade. Prossegue ensinando que:

“Ainda que a prisão seja diferente de outras penalidades, pois que deve, necessariamente, proceder a declaração jurídica do delito, nem por isso deixa de ter, como todos os demais castigos, o caráter essencial de que apenas à lei cabe indicar o caso em que se há de empregá-la”[1]

O autor italiano continua sua análise sobre a subsidiariedade da lei como meio de prova para a pena de prisão:

“À proporção em que as penas forem mais suaves, quando as prisões deixarem de ser a horrível mansão do desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade adentrarem as celas, quando, finalmente, os executores implacáveis dos rigores da justiça abrirem os corações à compaixão, as leis poderão satisfazer-se como provas mais fracas para pedir a prisão.”[2] 


  3.  Da prisão e da Pena, segundo Michel Foucault.

Para Foucault, a pena não deve ser mais nada além da privação da liberdade, e a lei deve seguir o culpado à prisão onde o levou.[3]

A prisão, local de execução da pena, é também, ao mesmo tempo, observatório dos reclusos. Também é ponto de conhecimento de cada detento, de seu comportamento, de suas disposições profundas, de sua progressiva melhora.

A prisão não tem somente que conhecer a decisão dos juízes e aplicá-la em função dos regulamentos estabelecidos: ela tem que coletar permanentemente do recluso um saber que permitirá transformar a medida penal em operação penitenciária, que fará da medida punitiva, tornada necessária pela infração, uma modificação do detento, útil para a sociedade.  


4.    Histórico da Pena.

4.1. Modelo Clássico da Pena Castigo.

4.1.1. Modelo Conflituoso-punitivo.

O modelo conflituoso-punitivo da pena castigo tem por fundamento a teoria da coação psicológica, bem como a do tratamento ressocializador. Para a primeira teoria, o medo da pena castigo inibe a opção pela conduta criminosa. Já a segunda entende que a pena tem por objetivo propiciar condições para a harmônica integração social do condenado.

Na busca de se conciliar as duas teorias, generalizou-se a idéia da prevenção geral e especial. Para Damásio de Jesus, “a pena é uma sanção aflitiva, cujo fim é evitar novos delitos”[4].

Como prevenção geral, o fim intimidador da pena dirige-se a todos, visando impedir que os membros da sociedade pratiquem infrações penais. Como prevenção especial, a pena-castigo visa ao condenado, retirando-o do convívio social, impedindo de delinqüir e corrigindo-o, se possível. A teoria predominante em nosso sistema é a da coação psicológica, em que se previne o crime pela ameaça de um mal e, ocorrendo um delito, é necessário castigar o autor, sob pena de desacreditar o poder intimidante da sanção.


5.    Legislação Penal.

Com base neste presente modelo punitivo, nosso legislador, face ao aumento da criminalidade, responde à sociedade elaborando leis penais cada vez mais severas e ameaçadoras.  Assim, quanto mais crimes, maior a justificativa para novas leis prevendo sanções mais brutais para intimidar os que escolhem o caminho do crime.

Essa tendência da legislação penal encontra azo nos meios de comunicação que se utilizam da notícia do fato criminoso em busca de audiência. Por meio de uma abordagem escandalosa e emotiva, a mídia reduz a violência social aos tipos penais, suprimindo a importância do combate à fome, o desemprego, melhorias na segurança, saúde e educação públicas. 

Assim, a população, alarmada pelas ondas de crimes, cobra do Estado as devidas providências; este, por sua vez, reage editando novas leis penais mais ameaçadoras, mas inócuas, por não evitar as práticas criminosas.


6.    Crise do Atual Método Punitivo.

O método conflituoso-punitivo está em crise. Mas não pelo aumento da criminalidade que o alimenta. Ao contrário, está em crise porque é caro, ineficaz e injusto.

Na parte mais visível dessa crise, até porque amplamente divulgada pela mídia, estão a superlotação e a precariedade dos estabelecimentos prisionais, as rebeliões e o alto custo econômico e social dos presídios, que apresentam alta taxa de reincidência, desmitificando o tratamento ressocializador da pena-castigo.[5]

Ao se aprofundar no estudo dessa crise do método punitivo do sistema prisional, percebe-se que o comportamento criminoso não é simplesmente uma opção do sujeito, mas um problema social de causas variadas que a ameaça do castigo pouco inibe.  

Francisco de Assis Toledo[6] adverte que em grave equívoco incorrem a opinião pública, os responsáveis pela Administração, e o próprio legislador, quando supõem que, com a edição de novas leis penais, mais abrangentes ou severas, será possível resolver o problema da criminalidade crescente.


7.   Sistemas Penitenciários.

De acordo com Cezar Roberto Bitencourt[7], os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, embora não se possa afirmar, “que a prisão constitui um invento norte-americano”. Esses sistemas penitenciários tiveram, além dos antecedentes inspirados em concepções mais ou menos religiosas, já referidas, um antecedente importantíssimo nos estabelecimentos de Amsterdam, nos Bridwells ingleses, e em outras experiências similares realizadas na Alemanha e na Suíça.

Estes estabelecimentos não são apenas um antecedente importante dos primeiros sistemas penitenciários, como também marcam o nascimento da pena privativa de liberdade, superando a utilização da prisão como simples meio de custódia.

Dentre os sistemas penitenciários existentes, quais sejam, pensilvânico, auburniano e progressivo, o Brasil adota este último, o qual será objeto de nosso estudo. Ademais, procederemos a breves comentários sobre os primeiros:

7.1. Sistema Pensilvânico ou Celular.

 Em 1790 as autoridades norte-americanas iniciaram a organização de uma instituição na qual o isolamento do preso em uma cela, a oração e a abstinência total de bebidas alcoólicas deveriam criar os meios para salvar tantas criaturas infelizes. Ordenou-se, por meio de uma lei, a construção de um edifício celular nos jardins da prisão de Walnut Street, com o fim de aplicar o solitary confinement aos condenados.[8]

7.2. O Sistema Auburniano.

 Ainda segundo Bitencourt, uma das razões que levaram ao surgimento do sistema auburniano foi a necessidade e o desejo de superar as limitações e os defeitos do regime celular.

 O sistema de Auburn adota, além do trabalho em comum, a regra do silêncio absoluto. Os detentos não podiam falar entre si, somente com os guardas, com prévia licença e em voz baixa.[9] Para Foucault, esse silêncio, ininterrupto, mais que propiciar a meditação e a correção, é um instrumento essencial de poder, permitindo que uns poucos controlem uma multidão.  O pensador francês cita que:

 “a prisão deve ser um microcosmo de uma sociedade perfeita onde os indivíduos estão isolados em sua existência moral, mas onde sua reunião se efetua num enquadramento hierárquico estrito, sem relacionamento lateral, só se podendo fazer comunicação no sentido vertical.” [10]

7.3. O Sistema Progressivo

No decurso do século XIX impõe-se, definitivamente, a pena privativa de liberdade, que continua sendo a espinha dorsal do sistema penal atual. O predomínio da pena privativa de liberdade coincide com o progressivo abandono da pena de morte[11].

Para Bitencourt, o apogeu da pena privativa de liberdade coincide igualmente com o abandono dos regimes celular e auburniano e a adoção do regime progressivo.  A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. Outro aspecto importante é o fato de possibilitar ao detento reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação[12].

Constituiu avanço considerável no sistema penitenciário a adoção do regime progressivo, que, ao contrário dos demais regimes, deu atenção à própria vontade do detento, além de minorar o rigor na aplicação da pena privativa de liberdade.

7.3.1. Algumas Causas da Crise do Sistema Progressivo.

O sistema progressivo encontra-se, atualmente, em crise. Pode-se, dentre outras, assinalar as seguintes limitações ao sistema progressivo:

a)    Efetividade do regime é uma ilusão, face às esperanças nos resultados advindos de um regime iniciado de forma rigorosa sobre toda a atividade do recluso, especialmente no regime fechado;

b)    O sistema alimenta a ilusão de favorecer mudanças que sejam progressivamente automáticas;

c)    Não é provável - e muito menos em uma prisão - que o recluso esteja disposto a acatar voluntariamente a disciplina imposta pela instituição penitenciária;

d)    O sistema progressivo parte de um conceito retributivo. Através da aniquilação inicial da pessoa e da personalidade humana pretende que o recluso alcance sua readaptação progressiva, por meio do gradual afrouxamento do regime, condicionado à prévia manifestação de “boa conduta”, que muitas vezes só é aparente.[13]

A atual crise do sistema progressivo levou a uma profunda transformação dos regimes carcerários. Por um lado, a individualização carcerária, ou científica e, de outro, a busca de que o regime penitenciário permita a vida em comum mais racional e humana, como a estimulação do regime aberto de cumprimento de pena.

A crescente conscientização acerca destes fatos tem levado a um questionamento mais rigoroso do sentido teórico e prático da pena privativa de liberdade, contribuindo ainda mais para o debate sobre a crise dessa espécie de pena.


8.    A Prisão.

Para Heleusa Figueira Câmara[14], a prisão é o depósito do indesejável, do que se deseja descartar, atirar ao longe. É um excesso.

Para Foucault, a prisão moderna se fundamenta num duplo: formado pelo campo jurídico-econômico e pelo técnico-disciplinar, a forma imediata e civilizada de todas as penas, tendo como finalidade modificar indivíduos, dando-lhes respaldo e solidez.

Para o autor, a prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber. Compreende-se que a justiça tenha adotado tão facilmente uma prisão que não fora, entretanto, filha de seus pensamentos. Ela lhe era agradecida por isso.[15]


9.   Estabelecimentos Prisionais.

Local de cumprimento das penas privativas de liberdade, os estabelecimentos prisionais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso (Lei nº 7.210/1984 - Lei de Execução Penal, artigo 82, caput).

Para Mirabete, a construção dos estabelecimentos penais deve obedecer aos conhecimentos modernos das ciências penitenciárias e da arquitetura para que seja facilitada a realização dos programas de tratamento ou do processo de reinserção social. A estrutura material do presídio não pode chocar-se com a base ético-pedagógica do sistema penitenciário, e a arquitetura deve ser funcional para que se evite o desperdício de espaço, impedir-se os problemas carcerários mais graves e possibilitar-se o adequado desenvolvimento da execução penal.[16]

Os estabelecimentos penais são, segundo a lei de execução penal vigente e nos termos formais: a Penitenciária, a Colônia Agrícola, Industrial ou similar, a Casa do Albergado, o Centro de Observação, o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, e a Cadeia Pública.

9.1. Penitenciária. (LEP, art. 87).

Nos termos da exposição dos motivos da Lei de Execução Penal, a Penitenciária é destinada ao condenado à reclusão, a ser cumprida em regime fechado (art. 1º), no mesmo sentido é a redação do artigo 87 da LEP.

De acordo as Regras Mínimas da ONU, os presos pertencentes às categorias diversas deverão ser alojados em diferentes estabelecimentos e em diferentes seções dos estabelecimentos, inclusive diante do tratamento a ser executado.

O que caracteriza os estabelecimentos penais e os tipifica, segundo entendimentos modernos, não é a natureza de trabalho que os presos têm oportunidade de exercer, mas suas condições gerais que configuram e consubstanciam os diversos regimes de execução das sanções.

Para Mirabete, o trabalho, o estilo arquitetônico do estabelecimento, a disciplina interna, as possibilidades de contato com o exterior são as condições que conduzem à classificação dos regimes penitenciários.[17]

9.1.1. Regime Fechado.

O regime fechado de cumprimento de pena, atinente à penitenciária, caracteriza-se por uma limitação das atividades em comum dos presos e por um maior controle e vigilância sobre eles. Devem cumprir pena neste regime os presos de periculosidade extrema, assim considerados na valoração de fatores objetivos: quantidade de crimes, penas elevadas no período inicial de cumprimento, presos reincidentes, etc.

Nos termos legais, considera-se regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média, estabelecimento este denominado de “penitenciária”.[18]

9.2. Colônia Agrícola, Industrial ou similar. (LEP, art. 91)

De acordo com o artigo 91 da LEP, colônia agrícola, industrial ou similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto.

Para Deocleciano Torrieri Guimarães, neste tipo de estabelecimento os condenados aí alojados dedicam-se aos trabalhos do campo, com disciplina, sujeitos a fiscalização e vigilância. Devem ser alojados em compartimento coletivo, com observância da salubridade do ambiente: aeração, insolação e condicionamento térmico adequada à existência humana.[19]

É obrigatória, neste tipo de estabelecimento, a seleção adequada dos presos, devendo obedecer ao limite de capacidade máxima que corresponda aos objetivos de individualização da pena.

9.2.1 Regime Semi-Aberto.

No presente recinto, os presos, embora convencidos de que devem observar a disciplina e não empreender a fuga, com certo senso de responsabilidade, não tem o suficiente auto-domínio para se submeter ao regime aberto. Por isso, entre a prisão fechada e a aberta, existe um meio-termo, constituído pela prisão semi- aberta. Tal prisão originou-se como estabelecimento destinado a receber o preso em sua transição do regime fechado tradicional para o regime aberto ou de liberdade condicional. 

Em tal prisão os condenados devem movimentar-se com relativa liberdade, a guarda do presídio não deve estar armada, a vigilância deve ser discreta e o sentido de responsabilidade do preso enfatizado.[20]

9.3. Casa do Albergado. (LEP, art. 93)

A casa do albergado está prevista no artigo 93 da Lei de Execução Penal como estabelecimento penal destinado à execução da pena privativa de liberdade em regime aberto e da pena de limitação de fim de semana.

De acordo com Jason Albergaria, trata-se de modalidade de estabelecimento que se projeta além do modelo clássico da execução penal, ao suprimir os modelos materiais entre a prisão e a sociedade.[21]

Substitui a segurança física e material pela segurança de caráter psíquico e moral, a da consciência, como autodisciplina e responsabilidade pessoal do condenado.

A casa do albergado atende à reorientação da política penitenciária, que se propõe a desinstitucionalizar ou desenclausurar a execução penal, mediante a adoção das medidas alternativas à prisão.[22]

9.3.1. Regime Aberto.

Para Mirabete, neste tipo de ambiente, os condenados, com a aceitação da sentença condenatória e da pena aplicada, submetem-se à disciplina do estabelecimento, sem conflito e sem intentar fuga, sendo guiados por seu senso de responsabilidade, estando aptos a descontar a pena em regime aberto.

O contato com o exterior é um dos elementos do tratamento reeducativo e amplia as medidas de semiliberdade, transferindo o contexto de reeducação da prisão para o meio social do delinqüente, que é a sociedade.

Destinam-se ao regime aberto, segundo Mirabete, os condenados aptos para viver em semi liberdade, ou seja, aqueles que, por não apresentarem periculosidade, não desejarem fugir, possuírem autodisciplina e senso de responsabilidade, estão em condição de dele desfrutar sem pôr em risco a ordem pública por estarem ajustados ao processo de reintegração social.

9.4. Centro de Observação. (LEP, art. 96).

Determina o artigo 96 da LEP que no Centro de Observação serão realizados os exames gerais e o criminológico, cujos resultados serão encaminhados à Comissão Técnica de Classificação.

A classificação dos condenados para a individualização da execução da pena é de grande relevância, sobretudo quando executada de acordo com os exames gerais de personalidade, incluído neste o exame criminológico. De acordo com a classificação fundada nestes valores, deve-se formular o programa individualizador e o acompanhamento da execução da penas privativas de liberdade e restritivas de direito.[23]

9.5. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. (LEP, art. 99).

Expõe o artigo 99 da lei 7.210/84 que o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no artigo 26 e seu parágrafo único do Código Penal.

O presente estabelecimento penal é um hospital-presídio, um estabelecimento penal que visa assegurar a custódia do internado. Embora se destine ao tratamento, que é o fim da medida de segurança, pois os alienados que praticam crimes assemelham-se em todos os pontos a outros alienados, diferindo essencialmente dos outros criminosos, não se pode afastar a coerção à liberdade de locomoção do internado, presumidamente perigoso em decorrência da lei.[24]

O ambiente que tem a incumbência, por lei, de custodiar e tratar do doente mental que praticou delito deve ser salutar, dando a este condições de melhora e restabelecimento. O ambiente tem de ser interpretado como de acolhimento, não de abandono.[25] 

9.6. Cadeia Pública. (LEP, art. 102).

A Cadeia Pública, conforme o artigo 102 da LEP destina-se ao recolhimento de presos provisórios. 

9.6.1. Presos Provisórios.

São presos provisórios, nos termos do Código de Processo Penal: a) o autuado em flagrante delito (arts. 301 a 310); b) o preso preventivamente (arts. 311 a 316); c) o pronunciado para julgamento perante o Tribunal do Júri (art. 408, § 1º); e d) o condenado por sentença recorrível, bem como, acrescentando-se o preso submetido à prisão temporária, mas que deve permanecer separado dos demais detentos.[26]

9.6.2. Cadeia Pública.

Determina a lei que cada comarca terá pelo menos uma Cadeia Pública, justificando tal exigência pela necessidade de resguardar o interesse da Administração da Justiça criminal e a permanência do preso em local próximo a seu meio familiar.

A Cadeia Pública deve estar localizada em centro urbano, para evitar o afastamento do preso provisório de seu ambiente familiar e social, e para facilitar o desenvolvimento do inquérito e do processo crime.


10. Conclusões.

Do exposto, conclui-se, conforme vimos, que o atual método progressivo de cumprimento de pena, adotado pelo Brasil, está em crise, e as penitenciárias, bem como os demais estabelecimentos são considerados verdadeiros depósitos de indivíduos inservíveis para a sociedade, face à desídia do Estado na manutenção do local de cumprimento de pena e preparação dos reclusos ao retorno para a vida social. 

Os estabelecimentos prisionais estão superlotados e as cadeias públicas existentes, além de manter celas coletivas, quando prevê a lei celas individuais (art. 88, caput), abrigam não só os presos provisórios como os condenados que não puderam ser removidos para penitenciárias por ausência de vagas nestes estabelecimentos.

Assim, de nada adiantará prender indivíduos no afã de simplesmente puni-los se, em contrapartida, não incentivá-los a expor e lapidar suas qualidades para o bem social, em detrimento do aprendizado nocivo da “escola do crime”, característica-mor dos presídios brasileiros.

A realidade brasileira, infelizmente, é cruel.  O preso, ao ser encarcerado, não recebe o apoio necessário do Estado para poder se regenerar e regressar à sociedade em condições de vida digna e avessa à criminalidade. Pelo contrário, lá dentro, em contato com presos degenerados e perniciosos, o inexperiente criminoso aprenderá o que a prisão terá para lhe ensinar, com o que há de melhor em termos de doutrina criminosa.

Do exposto, conclui-se que, conforme Hans Kelsen, a sanção penal não se resume a simples conseqüência do delito, visa ela a correção da personalidade humana, buscando o restabelecimento da capacidade social dos reclusos, o que não se observa dos locais de cumprimento de tais sanções penais.  

Além de inútil como solução para os problemas da criminalidade e com falência declarada, nos sistemas prisionais brasileiros há um desrespeito aos direitos e garantias fundamentais amparados pela Carta Magna, bem como ineficiência de suas atribuições precípuas de ressocialização e punição responsável.


Notas.

[1] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas; tradução de Deocleciano Torrieri Guimarães. São Paulo: Rideel, 2003 (Biblioteca clássica), p. 27.

[2] BECCARIA, Cesare. Op. cit. p. 28.

[3] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 24. Ed. Petrópolis:

Vozes, 2001, p. 208.

[4] JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 23. ed. ver. e .ampl. São Paulo: Saraiva, 1999, vol 1.

[5] OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Metodologia Científica Aplicada ao Direito. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

[6] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. Ed. São Paulo: Saraiva. 2001.

[7] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: parte geral, vol 1. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 92.

[9] ________ Op. cit. p. 95.

[10] FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 200.

[11] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 98.

[12] _______Op. cit., p. 98.

[13] _______Op. cit., p. 103.

[14] CÂMARA, Heleusa Figueira. Além dos muros e das grades (discursos prisionais) São Paulo: EDUC, 2001 p. 142.

[15] FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 214.

[16] MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-1984. 11. ed. – Revista e

atualizada – São Paulo: Atlas, 2004. p. 250.  

[17] MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 267.

[18] ________ op. cit. p. 268.

[19] GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Rideel, 2004. p. 171.

[20] MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 274.

[21] ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. 3. ed. ver. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 137.

[22] ALBERGARI, Jason. op. cit., p. 138.

[23] MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 281.

[24] _______ op. cit., p. 282.

[25] _______op.  cit., p. 283.

[26] _______op. cit., p. 285.


Referências Bibliográficas. 

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. 12. ed. ampl. e atual. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004.

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: parte geral, vol 1. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. Ed. São Paulo: Saraiva. 2001.


Autor

  • Daniel Charles Ferreira de Almeida

    Bacharel em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR). Vitória da Conquista, Bahia. Pós-graduado Lato Sensu/Especialização em Direito Econômico e Empresarial, pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Montes Claros, Minas Gerais. Pós-graduado Lato Sensu/Especialização em Direito Material e Processual do Trabalho, pela Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR). Vitória da Conquista, Bahia. Pós-graduação Lato Sensu/Especialização, em curso, em Direito e Prática Trabalhista e Previdenciária, pela UNIGRAD, Vitória da Conquista, Bahia.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Daniel Charles Ferreira de. Estabelecimentos penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4965, 3 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55478. Acesso em: 16 abr. 2024.