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Cultura do estupro e o beijo forçado no carnaval

Cultura do estupro e o beijo forçado no carnaval

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Beijo forçado no carnaval não é tradição, é crime.

O Carnaval vem chegando, as comemorações estão à pleno vapor no país e, em meio às fantasias, marchinhas e muita cerveja, outro item virou alegoria nesse período: o beijo forçado.

A cada ano, aumentam os relatos de mulheres e meninas que passam pela violência de “ ficar” com um estranho à força. Há casos em que a mulher é cercada por uma roda de homens e obrigada a beijar um deles para conseguir se libertar.

No carnaval de 2016, enquanto estive em um famoso bloco de rua da Barra da Tijuca – Rio de Janeiro, pude assistir ao meu lado que um grupo de meninos constrangiam meninas a beijar um deles, para poder sair da roda, as segurando pelo pescoço. Vi também que aquilo se repetiu outras vezes com naturalidade, sem que alguém fizesse algo por aquelas meninas que estavam nitidamente constrangidas e pediam socorro para poderem brincar carnaval em paz, e não terem que ficar com um estranho à força.

Constrangimento ilegal ou importunação ofensiva ao pudor? Mais grave que isso! O que muitos foliões não sabem é que, desde 2009, o beijo forçado pode ser tipificado como estupro e, portanto, crime hediondo.

Qual seria o limite de uma festa onde tudo é permitido? Na falta de ética sexual, bons costumes e moralidade pública, o legislador na Lei 12.015/2009 protegeu a dignidade e a liberdade sexual das pessoas, ou seja, ninguém pode usar da força física ou de ameaças para satisfazer impulsos ou desejos sexuais de outra pessoa, capitulando no artigo 213 do Código Penal, como estupro, a prática de qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal, praticado com violência ou mediante ameaça.

Segundo o Ministro Rogério Schietti da 6ª turma do STJ, num “simples beijo forçado” todos os elementos caracterizadores do delito de estupro estão presentes: a satisfação da lascívia aliada ao constrangimento violento sofrido pela vítima, que revelam a vontade do agressor de ofender a dignidade sexual da vítima.

A violência não pode ser banalizada nessa época do ano e nem encontrar justificativas no comportamento e roupas da mulher, ou ainda na mídia e demais meios de comunicação, cuja culpa se presume no excesso de erotização do corpo feminino nas propagandas. Mulher não é sinônimo de objeto sexual!

O carnaval é um momento de desregramento na cultura ocidental desde que ela existe, o uso de shorts curtos ou blusas que revelam o abdômen das mulheres, são utilizados como fatores que justificam a cultura do estupro e culpabilizam a vítima do beijo forçado em gritante objetificação do corpo feminino.

Esse estereótipo advindo do pensamento patriarcal e sexista ainda muito presente em nossa sociedade, acabam por reforçar a imagem de que a mulher serve, única e exclusivamente para atender aos desejos masculinos.

Ainda existe muita impunidade advinda da naturalização e do preconceito internalizado nessa insana cultura. É preciso romper o silêncio e denunciar os agressores, beijo forçado no carnaval NÃO É TRADIÇÃO, É CRIME!


Autor

  • Daniella Freitas

    Advogada especializada em família. <br>Pós Graduanda em direito penal e processual penal. Coordenadora do Grupo de Trabalho Maternidade no Cárcere da Comissão de Politica Criminal e Penitenciária da OAB/RJ <br>Presidente da Comissão de Direito e Mediação de Órfãos e Sucessões da OAB Barra<br>Membro da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB Barra<br>Membro da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil da OAB Barra<br>Conselheira da OAB Barra

    Textos publicados pela autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Daniella Freitas . Cultura do estupro e o beijo forçado no carnaval. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4972, 10 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55692. Acesso em: 25 abr. 2024.