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A infiltração policial ante o garantismo penal

A infiltração policial ante o garantismo penal

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O meio extraordinário de obtenção de provas denominado infiltração policial deve ganhar mais respaldo no combate ao crime organizado, notadamente por ter como base o respeito aos direitos e garantias inerentes a todo indivíduo.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a preservação da eficácia da persecução penal garantista nos casos em que ocorre a infiltração policial. A presente pesquisa é do tipo qualitativa, utiliza como método a coleta bibliográfica através de livros, publicações científicas, bem como a legislação que apresenta correlação com o tema. Para isso, buscou-se abordar breves aspectos históricos das organizações criminosas, bem como a explanação do procedimento que dá ensejo à infiltração policial. Foi dada ênfase aos aspectos relacionados às garantias do indivíduo investigado e do agente infiltrado, de forma que foram analisados sob o prisma constitucional e processual penal. Posteriormente, foram analisados os limites à produção de provas de forma contextualizada com a responsabilização penal do agente, possibilitando o estabelecimento de uma persecução penal eficaz e que atinja de forma objetiva sua finalidade, por meio da utilização do princípio da proporcionalidade.

Palavras-chave: Infiltração Policial. Persecução Penal. Garantismo.


1 INTRODUÇÃO

A constante expansão da delinquência organizada vem exigindo do Estado, detentor do direito de punir, a introdução, no ordenamento jurídico, de meios mais eficazes para seu efetivo combate. Diante disso, a introdução de meios extraordinários de obtenção de provas em nosso ordenamento jurídico, como a infiltração policial, se tornou necessária, já que os meios convencionais de investigação restaram insuficientes diante da complexidade apresentada pelas organizações criminosas e a multiplicidade de delitos praticados.

Entretanto, os limites à produção de provas, estabelecidos pela lei processual penal, e as garantias estabelecidas pela norma constitucional, não poderão ser ultrapassados no curso da instrução processual, devendo ser respeitados os direitos inerentes a todo indivíduo, ou seja, um sistema penal que esteja diretamente atrelado à Constituição Federal. Destarte, a busca do equilíbrio processual, por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, nos casos em que há infiltração policial, pode dar maior aplicabilidade e eficiência a essa técnica especial de investigação.

Neste sentido, Pimentel (2006) preconiza que, no Estado Democrático de Direito, o processo penal cumpre dupla finalidade. De um lado, formado pela Constituição, estabelece os limites das intervenções estatais, servindo de anteparo ao acusado, enquanto sujeito de direitos expressamente discriminados da enaltecida dignidade da pessoa humana. De outro, é o instrumento da realização do poder punitivo, pela aplicação do direito penal.

Entende-se que a infiltração policial é técnica especial de investigação utilizada em situações excepcionais, de forma sigilosa, que, após a autorização judicial, onde será analisada a proporcionalidade do método, um policial ou mais, preservando sua identidade, serão inseridos, por meio de simulação, dentro do núcleo delitivo da organização criminosa, com o intuito de mapear e realizar a colheita de provas, ou fonte de provas suficientes que permitam a desarticulação do referido núcleo, encontrando, dessa forma, seus mandantes, bem como aqueles que são executores das células extensivas de tais organizações (GOMES; DA SILVA; 2015).

A regulamentação legal da infiltração policial encontra-se presente na Lei nº 12.850/2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, ganhando respaldo na Seção III (art. 10 e seguintes), que revogou a Lei nº 9.034/95.

A presente pesquisa tem como tema principal a Infiltração policial ante o garantismo penal. Tem como objetivo analisar a preservação da eficácia da persecução penal garantista nos casos em que ocorre a infiltração policial. Para tanto, inicialmente aborda aspectos históricos relacionados às Organizações Criminosas, bem como a conceituação e considerações basilares sobre a infiltração policial, para que, posteriormente, sejam tecidos princípios e institutos do direito constitucional que estejam ligados ao tema, como, por exemplo, o direito à intimidade e o princípio do devido processo legal, dando ênfase às discussões envolvendo o procedimento necessário e requisitos para a infiltração policial, valor probante das provas colhidas durante a fase de investigação e a eficácia da infiltração no combate à criminalidade organizada.

O tema suscitou interesse diante das informações que são divulgadas nos meios de comunicação em massa relacionadas às operações policiais que envolvem o crime organizado, escancarando, de forma demasiada, a magnitude das organizações criminosas. A atuação das organizações criminosas possui sentido de eliminar ou alterar qualquer prova ou vestígio de provas que existam sobre eles e que levem até sua incriminação, imperando entre seus componentes a ‘’lei do silêncio’’.

A importância para a tratativa desse estudo se dá, sobretudo, por existirem inúmeras críticas ao referido instituto, principalmente no que concerne direitos constitucionalmente consagrados, como o direito à intimidade, presunção da inocência, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, dentre outros, devendo, na análise do caso concreto, serem observados aspectos relacionados à proporcionalidade da aplicabilidade da infiltração policial, que poderá, inclusive, ser aplicada de forma conjunta com outros meios de obtenção de provas previstos na Lei nº 12.850/2013.


2 INFILTRAÇÃO POLICIAL E ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

Não há como desvirtuar a infiltração policial dos aspectos constitucionais relacionados aos meios de obtenção de provas utilizados no processo penal. Para uma melhor compreensão sobre o tema, faz-se necessário que sejam tecidas algumas considerações acerca dos princípios constitucionais que mantêm estreita relação com a infiltração policial, não sendo de menor importância a conceituação e abordagem de aspectos históricos relacionados às organizações criminosas, bem como a infiltração policial.

2.1 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

A conceituação de organização criminosa trazida pela Lei nº 12.850/2013, é esclarecedora e permite sua completa diferenciação entre associação criminosa, que está prevista no art. 288 do Código Penal Brasileiro – Decreto Lei nº 2.848/40, já que deu nova redação ao referido artigo, conceituando associação criminosa como sendo a associação de três ou mais pessoas para fim específico de cometer crimes.

Conforme o disposto no art. 1º, §1º, da Lei nº 12.850/2013, considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Nada obstante, outras são as definições de crime organizado ou organizações criminosas que podem ser observados, como aquela trazida pelo FBI, que conceituou crime organizado como sendo aquele executado por qualquer grupo que apresente alguma forma de estrutura, com a finalidade principal de obter lucros por meio de atividades ilegais, tendo por características o uso da violência física ou moral, da corrupção e da extorsão, com certa influência sobre a população de determinado lugar, região ou país (MONTOYA, 2007).

2.1.1 Breves aspectos históricos da criminalidade organizada no Brasil

No Brasil, a criminalidade organizada começou a surgir desde a época do movimento denominado Cangaço, que se deu entre o final do XIX e início do Século XX no sertão nordestino, ocasião em que já se observava a organização hierárquica entre os cangaceiros, que atuavam em várias frentes ao mesmo tempo, comandando a realização de sequestros, saques e extorquindo dinheiro, contando com a ajuda de fazendeiros e chefes políticos. Os policiais corruptos eram os responsáveis pelo fornecimento de armas e munições para que os crimes pudessem ser praticados (JOSÉ, 2010).

Também no início do Século XX adveio a prática da contravenção penal do ‘’jogo do bicho’’, sendo este, em verdade, a primeira manifestação da criminalidade organizada no Brasil, que surgiu primeiramente com a finalidade de salvar os bichos do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. Todavia, a ideia foi posteriormente popularizada e passou a ser dominada por grupos organizados, que passaram a corromper agentes públicos, como os policiais e políticos (JOSÉ, 2010).

Atualmente, a criminalidade organizada evoluiu, e da simples prática de contravenções penais passou-se à pratica dos mais variados tipos de crimes, que vão desde o tráfico de animais silvestres até o desvio de dinheiro dos cofres públicos, sendo que este último vem ganhando destaque diante das operações policiais realizadas no sentido de desmantelar os organismos criminosos compostos por agentes públicos, entre eles políticos conhecidos a nível nacional, merecendo destaque a ‘’Operação Lava Jato’’.

Também merecem destaque as organizações criminosas criadas no interior das penitenciárias brasileiras, entre elas o Comando Vermelho, criado em meados dos anos 70, no Rio de Janeiro, que até hoje expõe de forma escancarada a criminalidade organizada no Brasil. Já nos anos 90, surgiu nos presídios de São Paulo, especificamente na Casa de Custódia e Tratamento Dr. Arnaldo Amado Ferreira, o Primeiro Comando da Capital – PCC, que ganhou destaque em 2001 com o evento que ficou conhecido como ‘’Megarrebelião’’, com o envolvimento de mais de 29 mil presidiários, que travaram, em cerca de trinta estabelecimentos prisionais, lutas corporais e armadas entre si.

2.2 INFILTRAÇÃO POLICIAL

A figura do agente infiltrado, doutrinariamente, é originária do absolutismo francês nos tempos do Rei Luís XIV, tendo em vista a figura dos agentes ‘’delatores’’. Estes eram cidadãos que descobriam na sociedade os inimigos políticos, para com isso obterem troca de favores com os príncipes. Entrementes, com o passar do tempo, constatou-se que a simples vigilância não era suficiente para neutralizar a oposição ao regime, passando, destarte, a se valer da espionagem para a provocação de condutas consideradas ilícitas (SILVA, 2009).

A Lei nº 12.850/2013 não conceitua o que seria a infiltração policial, cabendo, portanto, à doutrina fazê-lo. Tal diploma legal disciplina tão somente em seu art. 10, que:

A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de Inquérito Policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limite.

Entende-se como agentes de polícia os membros de corporações elencadas no art. 144 da Constituição Federal, com atribuições investigativas, sendo eles os policiais federais e civis, afastando a possibilidade de infiltração de ‘’agentes de inteligência’’.

Em relação aos agentes de inteligência (ABIN), diferentemente do previsto no inciso V do art.2º da Lei 9.034/95, resta indubitável que não há mais qualquer possibilidade jurídica de sua ocorrência, pois além da novel lei acima mencionada, nossa Constituição Federal determina expressamente que a atividade investigativa cabe àqueles que integram os quadros das polícias judiciárias (PACHECO, 2008).

2.2.1 Modalidades

As infiltrações policiais podem ser divididas em duas modalidades. A modalidade ligth cover e a deep cover. A primeira, infiltração ligth cover, é considerada uma modalidade menos arriscada. Nela, o agente mantém a sua identidade e posição dentro da estrutura policial, com duração não superior a mais de seis meses. O objetivo desta infiltração é preciso, e resume-se em uma só transação ou encontro para que ocorra a obtenção de informações, não exigindo do agente a permanência contínua no ambiente criminoso.

Já a infiltração policial deep cover é mais complexa e possui uma duração maior, exigindo do agente o total ingresso no meio que será investigado, ou seja, infiltra-se fisicamente no interior da organização criminosa. Neste tipo de investigação, os agentes recebem identidades falsas e chegam a perder totalmente o contato com seu ambiente familiar, tudo para não colocar em risco as investigações e a sua própria vida.

2.2.3 Requisitos e procedimento da infiltração

O procedimento para a infiltração, previsto nos art. 10, 11 e 12 da Lei 12.850/2013, se dará por meio de cinco fases, sendo elas a fase postulatória, fase de autorização, fixação do âmbito de infiltração e outras medidas, fase de execução da infiltração, fase de apresentação de relatórios e denúncia. Passaremos a ver cada uma das fases acima de forma isolada.

A fase postulatória ocorre quando, sigilosamente, o Promotor de Justiça formalizar requerimento, ou o delegado de polícia deverá formalizar representação, onde serão explicitamente descritos os indícios de existência de crime de participação em organização criminosa e que não há outra medida probatória disponível além da infiltração policial.

Na fase de autorização, fixação do âmbito de infiltração e outras medidas, ocorrerá o encaminhamento do pedido de um dos postulantes que são legitimados pela lei (Ministério Público ou Delegado de Polícia), ocasião em que o juiz deverá analisá-lo no prazo de 24 horas. Na decisão sobre a análise dos pedidos, será fixado o prazo que perdurará a medida, que poderá ser de no máximo seis meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada a extrema necessidade.

A terceira fase do procedimento adotado será a de execução da infiltração. Sobre essa fase, algumas observações devem ser apontadas, senão vejamos: o art. 13 da Lei nº 12.850/2013 estabelece que não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta, por ser esta causa de excludente de ilicitude. De outro modo, o agente deverá guardar, durante sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade proposta pela investigação, podendo e devendo responder pelos excessos praticados.

Conforme o disposto no art. 10, §3º da Lei 12.850/2013, a fase de apresentação dos relatórios ocorrerá quando findar o prazo fixado para a infiltração do agente, oportunidade em que a autoridade policial apresentará relatório minucioso das operações realizadas ao juiz competente, que dará, imediatamente, ciência ao Ministério Público.

Por fim, está a fase de apresentação de denúncia por parte do Ministério Público. Tal denúncia será acompanhada de todas as informações colhidas durante a fase de infiltração, sendo, nessa ocasião, disponibilizados à defesa os autos da investigação, assegurando a preservação da identidade do agente. Nesse momento, consagra-se o contraditório deferido no tempo, onde o acusado terá, após a juntada das informações aos autos, o direito de ser intimado sobre, bem como exercerá seu direito à ampla defesa.

2.3 GARANTIAS PENAIS CONSTITUCIONAIS

Em um Estado constitucional e democrático, como o nosso, todo e qualquer segmento do direito deve estar compreendido sob o prisma dos princípios constitucionais. Tais princípios possuem função baseada na hermenêutica, pois ao aplicar uma determinada norma, deverá se observar se ela está em conformidade com os princípios constitucionais.

Partindo dessa premissa, os princípios servem para garantir a higidez do sistema jurídico, determinando que normas de hierarquia inferior guardem respeito a outras postadas, em termos hierárquicos, em patamar superior. Os princípios orientam a criação do direito infraconstitucional, funcionando como base sobre a qual ordenamento jurídico se sustentará.

As regras e princípios constitucionais são os parâmetros de legalidade das leis penais e delimitam o âmbito de sua aplicação. Dessa forma, qualquer lei, seja ela penal ou não, elaborada ou aplicada sem observância ao texto constitucional, não goza de validade. A Constituição da República Federativa do Brasil traz em seu bojo alguns direitos e garantias fundamentais que devem ser analisados no momento da aplicação da infiltração policial, uma vez que esta se apresenta como medida que deve ser adotada em ultima ratio, já que a periculosidade e a complexidade inerentes a toda organização criminosa justifica o emprego de tal procedimento investigatório mais invasivo.

Nossa Lei Maior garante direitos como a integridade física, a vida, a moral, a igualdade, a liberdade, a segurança e etc., daí concluir que estão autorizados, inclusive, meios que possam garantir tais direitos. Neste escopo, o processo penal não poderá se desenvolver a qualquer custo, sendo necessária a observância de algumas garantias constitucionais que se aplicam, inclusive, ao direito penal e ao processo penal, de forma que não se restem maculadas as fases da persecução penal e ocorra uma correta aplicação do jus puniendi.

2.3.1 Devido processo legal

José (2010) ensina que, em nossa Constituição da República, o devido processo legal aparece como garantia para a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, estando previsto no art. 5º, inciso LIV, e determina a imperiosidade, em nosso Estado de Direito. Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, é o que preconiza o art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República.

O aspecto substancial da garantia do devido processo legal abarca a razoabilidade, a finalidade e a justiça da norma, possibilitando que o cidadão exija que o legislador não exerça os seus poderes arbitrariamente. Contudo, verifica-se maior acuidade deste aspecto no controle da constitucionalidade das leis exercida pelo Judiciário.

O juiz, anteriormente à aplicação da lei, poderá sopesar a sua compatibilidade com a Constituição e, comprovando que haverá privação arbitrária do direito à vida, liberdade e propriedade, declarará sua inconstitucionalidade, considerando-a nula e sem eficácia.

Nesse sentido, Nery Júnior (2006), ensina que, genericamente, o princípio do devido processo legal caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade, está sobre a proteção do devido processo legal.

Tem-se, portanto, que não é pelo fato de haver infiltração policial que o juiz deixará de observar os demais requisitos legais e a colheita de demais provas para formar seu convencimento e processar e julgar os acusados, pois a infiltração trata-se tão somente de um meio de obtenção de prova.

Apesar de ser considerado por boa parte da doutrina como um dos meios mais eficazes, já que o agente policial irá estar envolvido de corpo nos núcleos criminosos, adquirindo provas que não seriam possíveis ser adquiridas caso houvesse, por exemplo, apenas escutas telefônicas, este mecanismo se torna eficiente tomando por base os requisitos e procedimentos utilizados para que ocorra.

Para Rusciolelli (2016), o devido processo legal pode ser tomado como o núcleo mínimo de garantias processuais que compreendem o direito de ser comunicado sobre a existência de atos que venham a restringir a sua esfera jurídica, o direito de ter todas as oportunidades que se mostrarem razoáveis para expor e demonstrar as suas razões (direito à manifestação e à prova), o direito de ser julgado por um órgão pré-determinado em lei e que seja idôneo e imparcial.

Nesse sentido, a garantia ao devido processo legal não se exaure na observância das formalidades legais para a tramitação das causas em juízo. Compreenderia algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural e do juiz competente, a garantia do acesso à justiça, e de ampla defesa e contraditório e, ainda, a de fundamentação de todas as decisões judiciais, que se encontram todos lastreados no art. 5º da Constituição Federal.

2.3.2 Presunção de inocência e a vedação da produção de provas contra si mesmo

O princípio da presunção de inocência do investigado, até que seja decretado o contrário em sentença penal condenatória transitada em julgado, está expressamente consagrado em nosso ordenamento jurídico no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

Para Cabette (2014), em estreita síntese, podemos afirmar que o princípio da presunção de inocência, ou, como preferem alguns, o estado de inocência, significa que nenhuma pessoa será considerada culpada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Destaque para tal princípio, pois encontra respaldo tanto no Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, como na Constituição da República.

Quando há infiltração policial, podem surgir dúvidas quanto à compatibilidade constitucional do referido instituto com base no princípio da presunção da inocência, o que é aceitável, já que ao infiltrar-se na organização criminosa e tomar conhecimento dos atos praticados por seus participantes, sem que estes saibam que se trata de policial infiltrado para descobrir o funcionamento de suas atividades, estarão de certa forma, produzindo provas contra si mesmo, todavia, o assunto ganhará maior amadurecimento após aplicabilidade assídua em casos concretos.

2.3.3 Contraditório e ampla defesa

Ligados diretamente ao princípio do devido processo legal, encontram-se explícitos no art. 5º, inciso LV, da Constituição da República, a ampla defesa e o contraditório. Por tais princípios, garante-se a bilateralidade do processo, não sendo apenas qualidades do processo, mas sim requisitos essenciais ao seu próprio conceito, não sendo garantias dadas apenas ao acusado, mas a ambas as partes do processo.

As garantias do contraditório e da ampla defesa configuram-se na necessidade de informação e na possibilidade de reação após dada a ciência dos atos e termos processuais, possibilitando a oportunidade de contrariá-los.

Tal conceito guarda estreita relação com a infiltração policial, autorizando que algumas medidas sejam tomadas sem o prévio conhecimento do imputado, com vistas a dar maior efetivação ao processo (PIMENTEL, 2006).

Segundo Greco Filho (1993), a Constituição não exige, nem jamais exigiu que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das partes, como há atos privativos do juiz, sem a participação das partes. Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade deles se contraporem por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática.

Neste mesmo passo, Pimentel (2006) ainda ensina que para que se atenda ao princípio do contraditório, impõe-se que o processo ofereça ao acusado, no momento posterior ao da obtenção da prova, a possibilidade concreta de criticar a forma adotada na colheita desses elementos informativos e a oportunidade de requerer e apresentar a contraprova. A este instituto se dá o nome de contraditório diferido.

Na infiltração policial, a solicitação deve ser realizada em apartado, já que trata-se de uma medida sigilosa, para que após cumprida tal diligência seja dada a oportunidade para ser debatida a obtenção da prova e contrariá-la, sendo que caso corra de outro modo, tal procedimento será frustrado.

A ampla defesa funda-se na disposição que o acusado tem de utilizar instrumentos que lhe possibilitem opor com eficiência os termos da acusação que lhe é imputada, fato que se vê ser exigindo no corpo das petições acusatórias, ocasião em que há exigência de uma imputação clara e que dela tenha ciência plena o acusado.

2.3.4 Publicidades dos atos processuais

O sistema constitucional e processual brasileiro possui como regra a publicidade plena dos atos processuais, ou seja, tanto na fase investigativa – ou pré-processual, como na processual, deve haver publicidade, haja vista serem atividades públicas.

Tal garantia encontra-se constitucionalmente prevista no art. 93, inciso IX, da Constituição da República. Com a efetiva publicidade dos atos processuais são evitados os excessos ou arbitrariedades que surjam no desenrolar da persecução penal. Todavia, existem exceções quanto à publicidade dos atos processuais, e o caso das infiltrações policiais é uma.

A nossa Constituição Federal preconiza que em seu art. 5º, inciso LX a exceção quanto à aplicabilidade do princípio da publicidade dos atos processuais, que ‘’quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem’’ (BRASIL, 1988).

Para alcançar os fins da investigação, faz-se necessário que a determinação da infiltração seja mantida em sigilo, pois corre-se o risco de identificação do agente e, consequentemente, há frustração da investigação, o que coloca em risco a própria integridade física do agente, exigindo-se, portanto, que para o sucesso da medida e a segurança física d infiltrado e de sua família, tal publicidade seja restringida, os quais terão acesso apenas os magistrados que atuantes no caso, os órgãos auxiliares e ao membros do Ministério Público.

2.3.5 Direito à intimidade

De acordo com o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL,1988).

Todavia, a atuação do agente infiltrado, por ser baseada na infiltração sem conhecimento do agente ofende o direito à intimidade, uma vez que só houve a penetração do agente infiltrado na organização criminosa, pois seus componentes acreditam que tratava-se de um deles, vez que tal autorização não iria existir caso o agente criminoso soubesse que se tratava de um policial.

Para tanto, até que ponto o investigado possui intimidade para a prática de crimes? Há de atentar-se para o fato de que nenhum direito fundamental é absoluto, devendo sofrer ponderações e restrições em busca do bem estar da sociedade como um todo.


3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA COLHEITA DE PROVAS DURANTE AS INFILTRAÇÕES POLICIAIS

Mirabete (2000), afirma que provar é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.

A prova possui como objeto um fato jurídico que apresente relevância na sociedade, ou seja, fato que possa influenciar no julgamento do processo, tornando-se elemento fundamental na solução da lide. Diante disso, aquele fato que no processo penal possa influenciar na tipificação do fato delituoso, ou na exclusão de culpabilidade ou de antijuridicidade, deve ser provado.

Nesse contexto, deve-se haver a observação de alguns princípios constitucionais na limitação da produção de provas no processo penal, tais como o princípio da impessoalidade, legalidade, publicidade, eficiência e supremacia do interesse público sobre o privado, dentre outros.

Serão inadmissíveis no processo penal, provas que sejam obtidas por meios ilícitos, segundo nossa Constituição Federal, art. 5º, inciso LVI. Dessa forma, tem-se que o Estado não poderá permitir que as autoridades estatais se utilizem de meios ilegítimos para obterem provas.

Para que se dê a infiltração do agente policial em organizações criminosas, deverá ser observado o procedimento da infiltração, bem como os requisitos legais. Ao criar a Lei 12.850/13, o Legislador buscou o desenvolvimento de uma metodologia adequada para que ocorresse a infiltração dos agentes policiais e quais seriam os requisitos legais para que este meio de obtenção de provas se tornasse um meio legal, ocasião em que disciplinou as ações e procedimentos dos agentes que estivessem envolvidos na infiltração, como também de toda a equipe envolvida, de modo a não ser questionado o material adquirido durante este período de infiltração.

Sendo o agente infiltrado induzido, instigado ou auxiliado a praticar um crime no âmbito da organização, obedecendo à proporcionalidade e sem ultrapassar os limites da finalidade da investigação, havendo a necessidade de ser inexigível conduta diversa, exclui-se apenas a culpabilidade do injusto por ele praticado, permanecendo típico e ilícito, viabilizando, como proposto na teoria da acessoriedade limitada, a punição dos partícipes (integrantes da organização) pelo delito praticado.

A atuação do agente infiltrado não poderá violar a dignidade da pessoa do acusado ou de terceiros, sendo limitada ao necessário para a coleta de provas. O art. 13 da Lei 12.850/2013 prevê que o agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá por todos os excessos praticados, devendo, na fundamentação da decisão que possibilita a infiltração, o magistrado estabelecer de forma clara e delineada a conduta do infiltrado, como forma de resguardar os direitos d terceiros investigado bem como oferecer a segurança necessária a agente, que tomará ciência dos limites de sua atuação.

A infiltração, nos moldes em que foi prevista, tem suas regras adequadamente definidas, conferindo ao policial infiltrado garantias necessárias ao adequado desempenho de sua missão, e à sociedade a certeza de saber que toda a operação está sendo minuciosamente acompanhada e fiscalizada pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público (ANDREUCCI, 2011).

Durante os debates travados para a elaboração da Lei n 12.850/2013, no que concerne ao instituto da infiltração de agentes, foi sugerido um rol contendo crimes que não poderiam ser cometidos pelo agente infiltrado no momento da produção de provas, contendo os crimes dolosos contra a vida, a liberdade sexual e a tortura.

Todavia, observou-se que a taxatividade de crimes que não poderiam ser praticados por agentes infiltrados poderia permitir que a organização criminosa investigada criasse espécies de ‘’rituais’’ que identificassem a figura do agente infiltrado, comprometendo a integridade física do agente. Dessa forma, a referida lei passou a adotar o princípio da proporcionalidade como critério de atuação do agente, bem como a inexigibilidade de conduta diversa, verificando-se que o agente poderá, sim, cometer crimes.

Tomando por base o princípio da proporcionalidade, utilizado para limitar a produção de provas pelo agente, faz-se necessárias considerações sobre tal princípio em três esferas, quais sejam elas a do direito constitucional, direito processual penal, bem como o princípio da proporcionalidade aplicado diretamente à infiltração policial.

3.1 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL

Como foi mencionado alhures, alguns direitos constitucionalmente consagrados podem sofrer determinadas limitações quando adotada a infiltração policial como meio extraordinário de obtenção de provas. Deveras, o modo de ponderar tais direitos pode causar certos equívocos caso não ocorra sua perfeita adequação e proporcionalidade ao caso concreto.

No direito constitucional, o princípio da proporcionalidade, que aparece de forma implícita em nossa Constituição, aparece como forma de aperfeiçoamento do controle de constitucionalidade das normas, através das quais se buscará a comprovada adequação da relação entre a finalidade da intervenção do Estado entre e o meio eleito para atingi-lo.

O Estado possui compromisso ético com toda a população que lhe está sujeita, e isso pode ser extraído da nossa própria Constituição, atrelando-o a direitos de segunda (direitos sociais, econômicos e culturais) e terceira (direitos de titularidade coletiva) gerações, devendo prover, por exemplo, a segurança pública.

O princípio da proporcionalidade, no âmbito constitucional, é tido como instrumento mais utilizado para controlar a constitucionalidade de atos normativos que tratam diretamente de direitos fundamentais, o que estabelece que não há direito fundamental absoluto, podendo haver sua ponderação diante do caso concreto, equilibrando os direitos individuais com os anseios da população, servindo como limitador aos arbítrios praticados pelo Estado.

3.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO PROCESSUAL PENAL

O princípio da proporcionalidade funciona como forte barreira impositiva de limites ao legislador e ao aplicador da norma. O processo penal possui diretrizes que precisam ser seguidas para que a persecução penal não seja maculada com vícios que impossibilitem a correta aplicação do jus puniendi.

As doutrinas brasileiras e estrangeiras têm firmado o entendimento de que o princípio da proporcionalidade, em sentido amplo, será subdividido em subprincípios, quais sejam eles o princípio da adequação, princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

No direito processual penal brasileiro, a adequação vem sendo aferida como a relação de fins imediatos e mediatos da persecução criminal. Tal princípio diz respeito à aptidão ou adequação que um determinado meio deve ter para que o fim legítimo pretendido seja alcançado, ou seja, os fins da persecução criminal.

O subprincípio da necessidade, ou princípio da intervenção mínima, refere-se à utilização do meio que menos interfira em um direito fundamental, exemplo claro seria quando há a possibilidade da colheita de prova testemunhal e é arbitrada a infiltração policial.

Quanto ao princípio da proporcionalidade em sentindo estrito, a importância da intervenção no direito fundamental deve estar justificada pela importância da realização do fim perseguido pela intervenção legislativa, possuindo como método de resolução da colisão existente entre princípios a ponderação, onde serão levadas em consideração as circunstâncias do caso concreto.

3.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A INFILTRAÇÃO POLICIAL

O princípio da proporcionalidade na infiltração policial aparece como limitador à atuação do agente e como princípio norteador para a aplicação da medida. Como foi bem explicado alhures os limites à produção de provas, nesse tópico serão dadas considerações relacionadas à combinação da referida técnica com outros meios extraordinários de obtenção de provas também previstos na Lei nº 12.850/2013, já que a infiltração é medida pra ser utilizada em ultima ratio.

Por ter caráter apócrifo, é extremamente recomendável que a infiltração policial seja combinada com a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, com o uso de equipamentos de filmagem e captação de conversas. Dessa forma, observando a proporcionalidade do meio aplicado, podem ser realizadas combinações entre outros meios de obtenção de provas, a fim de que sejam colhidos os maiores números de provas possíveis.

Tais gravações poderão ser utilizadas como provas de existência da Organização criminosa e de infrações penais por elas praticadas, bem como para provar que o agente infiltrado não atuou como agente provocado, ou seja, não estimulou a prática de crimes pelos investigados.

Apenas a título de ratificação do que já foi claramente exposto, o direito brasileiro buscou tutelar a infiltração de agentes à luz do princípio da proporcionalidade, já que este não poderá cometer excessos em suas ações, respondendo penalmente, caso não seja comprovada a inexigibilidade de conduta diversa, por todos os seus atos.

Entende-se que para produzir provas o agente infiltrado não poderá cometer infrações penais de natureza grave, como lesões corporais e homicídios. Por isso, recomenda-se a utilização do agente infiltrado em delitos econômicos, como, por exemplo, a infiltração em um ambiente empresarial, e não delitos violentos. Todavia, nada impede que tal técnica seja aplicada em delitos relacionados ao tráfico de drogas, o que já é expressamente previsto na Lei de Drogas.


4 O GARANTISMO NA LUTA CONTRA A CRIMINALIDADE ORGANIZADA

A população brasileira vive um momento que tem preocupado as autoridades e os mais diversos seguimentos da sociedade. Nesse sentido, encontra-se a crescente expansão da criminalidade organizada, que vem apresentado desenvoltura complexa e de difícil compreensão.

A mídia, diante das consequências impactantes da criminalidade organizada, apresenta à população a realidade da insegurança, uma vez que é nítida a desvantagem do sistema repressivo em combater as novas e complexas modalidades delitivas que se expandem em grandes proporções, gerando incapacidade dos órgãos de segurança e do judiciário para prevenir ou reprimir as ações de grande porte que são perpetradas contra o patrimônio público e privado, bem como contra a integridade física e a vida dos cidadãos (PARISOTTO, 2004).

Fatos recentes são a multiplicação e mutação desses organismos criminosos, que estão se desenvolvendo e se adaptando às novas possibilidades, maneiras de agir e expandindo seus objetos de ação. Dessa forma, ao lado de velhas práticas criminosas, surgem novas opções de ações para que o enriquecimento seja alcançado. De forma clara, é possível observar a evolução dos crimes relacionados à corrupção, lavagem de dinheiro e etc., bem como é notória a evolução de crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes, pirataria, falsificação de documentos, produtos e dinheiro, crimes de colarinho branco entre outros.

Ante a necessidade de combate a essas organizações, o Estado tem enfrentado a difícil tarefa de conciliar com suas ações em repressão ao crime organizado com a defesa dos cidadãos, de forma que possa ser assegurado o mínimo exigível de garantias, para que não haja total sacrifício das regras e dos princípios fundamentais que devem servir de pilares para a existência de um Estado Democrático de Direito.

Diante disso e da complexidade apresentada pelas organizações criminosas e sua expansão, fez surgir no Estado a preocupação para a introdução de novos mecanismos para o enfretamento do problema, emergindo, desde então, os meios extraordinários de obtenção de provas, que possuem previsão legal atualmente na Lei nº 13.850/2013.

O garantismo deu seus primeiros passos e tem como seu verdadeiro marco a obra de Baccaria – Dos Delitos e das Penas – e as reformas que a ele se sucederam, dando início a uma justiça penal, onde seria combatida a velha justiça penal que precedeu a Revolução Francesa. As preocupações humanistas e os princípios do direito se mantiveram e se aprimoraram ao logo do tempo, corporificando-se ao Direito Penal Internacional, garantindo noções do que seria um Estado Democrático de Direito em todo o mundo. Hoje, o termo garantismo apresenta-se evidenciado em nossa Constituição da Republica Federativa, datada de 1988.

Para Parisotto (2004), os Direitos Penal e Processual Penal, em suas funções específicas no mundo jurídico, têm como referencial e razão de existir objetivamente no poder do estado de punir - o jus puniendi –, de um lado tipificado de condutas ilícitas juridicamente relevantes e o outro, instrumentalizando o processo de tornar efetiva a norma penal através da submissão dos sujeitos ativos da criminalidade ao devido processo legal, apurando os fatos e dizendo o direito pela imposição da pena, e/ou não, conforme o apurado no curso do processo/instrução criminal.

As garantias existem para a proteção da cidadania, todavia, a ideia de impunidade assola boa parte dos operadores do direito e a sociedade em geral, e isso pode ser extraído dos movimentos realizados em todo o Brasil visando o combate à corrupção, de forma que a população entende trata-se de favorecimento excessivo dos criminosos em geral, principalmente porque as regras impostas no conjunto de garantias constitucionais e outras contidas no direito penal e processual penal podem estar sendo aplicadas de forma desproporcional.

Suprimir as garantias que foram adquiridas ao longo dos anos pode atacar o Estado Democrático de Direito, fazendo uma regressão ao tempo da Idade Média. As limitações impostas ao Estado por meio das garantias constitucionalmente consagradas existem para proteção da cidadania e da liberdade de todos aqueles que da sociedade fazem parte, principalmente porque reprimem os abusos de poder daqueles responsáveis por punições.

Gunther Jakobs, professor catedrático de Direito Penal e filosofia do direito na Universidade de Bonn, Alemanha, reconhecido mundialmente como um dos maiores criminalistas da humanidade, desenvolveu a teoria do ‘’Direito Penal do Inimigo’’, justificando com toda a sua obra doutrinária a necessidade de revolucionar conceitos clássicos arraigados na mente dos doutrinadores. Seu pensamento coloca em discussão a real efetividade do direito penal existente, pugnando pela flexibilização ou mesmo supressão de diversas garantias materiais e processuais até mesmo reputadas em uníssono como absolutas e intocáveis (MASSON, 2015).

Para a teoria e Jakobs, inimigo é um indivíduo que afronta a estrutura do Estado, pretendo com isso desestabilizar a ordem nele instituída, ou, quem sabe, destruí-lo. Inimigo é aquela pessoa que tem modo de vida contrária às normas jurídicas, rejeitando as normas impostas pelo direito para a manutenção da vida em coletividade. Agindo dessa maneira, demonstra não ser um cidadão e, por consequência, todas as garantias inerentes às pessoas de bem não poderiam ser a ele aplicadas.

Enxerga-se, nitidamente, que esta concepção trazida por Jakobs mitiga, de forma desproporcional, o princípio da reserva legal ou estrita legalidade, legitimando o Estado a aplicar medidas processuais diretamente proporcionais à periculosidade das pessoas que exercem atividades ilícitas, entre eles estão os integrantes das organizações criminosas, grupos de traficantes e responsáveis por lavagem de dinheiro, mesmo que isso restrinja totalmente as garantias estabelecidas por uma Constituição.

Verdade é que os grandes criminosos tripudiam o poder de punir do Estado, sendo de igual verdade que estes mesmos criminosos corrompem agentes da lei e assumem posições de mandantes. Todavia, as garantias asseguram o equilíbrio entre o direito de punir dado ao estado e os princípios garantidores da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da não incriminação antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O modelo penal garantista não constitui instrumento impeditivo ao combate da criminalidade organizada, mas sim como ela deverá ser compreendida e enfrentada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O meio extraordinário de obtenção de provas denominado infiltração policial está expressamente previsto em nosso ordenamento jurídico, e deve ganhar mais respaldo no combate ao crime organizado, notadamente por ter como base o respeito aos direitos e garantias inerentes a todo indivíduo.

Todavia, sabe-se que deverá haver uma ponderação no momento de aplicação da infiltração policial, como, por exemplo, a combinação com outros meios previstos na Lei nº 12.850/2013, entre elas a combinação com a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, com o uso de equipamentos de filmagem e captação de conversas, entre outros, ensejando, neste aspecto, o princípio da proporcionalidade.

Percebe-se que o crime organizado age sem fronteiras, o que dificulta a tutela estatal da sociedade. Diante disso, a criação de novos mecanismos de obtenção de prova é extremamente necessária.

Neste complexo cenário, conclui-se que a infiltração policial é meio legal para o combate ao crime organizado, desde que sejam respeitados direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Diante disto, entende-se consignar que trata-se de um instituto de utilização excepcional, canalizado para o combate à criminalidade organizada, para que não ocorra sua generalização e banalização.

A infiltração policial é considerada por boa parte da doutrina como um dos meios mais eficazes de investigação, uma vez que haverá a coleta direta de provas pelo agente policial, provas estas que não poderiam ser colhidas tão somente com as escutas telefônicas, por exemplo.

Os procedimentos e requisitos necessários à infiltração policial, se seguidos de forma correta, podem dar ensejo a um vasto lastro probatório para subsidiar a denúncia formulada pelo Ministério Público, bem como a persecução penal poderá se dar na mais perfeita harmonia com as garantias tanto do agente policial envolvido na operação, bem como com o investigado.


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______. LEI 12.850/13, DE 2 DE AGOSTO DE 2013: Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

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Autores


Informações sobre o texto

Artigo apresentado à Universidade Potiguar – UnP como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Michelly Brenda; OLIVEIRA, Oscar Samuel Brito de. A infiltração policial ante o garantismo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5115, 3 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58698. Acesso em: 23 abr. 2024.