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Constitucionalismo e democracia: eleições diretas ou indiretas?

Constitucionalismo e democracia: eleições diretas ou indiretas?

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O artigo realiza breve estudo sobre as opções que o ordenamento jurídico brasileiro apresenta para a crise de legitimidade que assombra o Executivo brasileiro.

SUMÁRIO: Introdução; 1. As Propostas de Emenda Constitucional nº 67/2016, 227/2016 e 21/2015 e as controvérsias respectivas; 2. Os conceitos de democracia e constitucionalismo; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

Resumo: O artigo realiza breve estudo sobre as opções que o ordenamento jurídico brasileiro apresenta para a crise de legitimidade que assombra o Executivo brasileiro com mais vigor, desde a divulgação pela imprensa de áudios entre o Presidente Michel Temer e  o proprietário da empresa JBS Joesley Batista, com supostos indícios de práticas corruptivas. Certo setor social indica que a melhor saída da crise instaurada é o resgate da soberania popular através da convocação de eleições diretas, com base no artigo 224, do Código Eleitoral. Outra parcela, por sua vez, visualiza o artigo 81, da Constituição Federal como óbice às eleições diretas. O artigo busca reunir o máximo de informações para, sob os aspectos do constitucionalismo e concepções democráticas, viabilizar o posicionamento do leitor e estimular a sua participação política.

Palavras-Chave: Democracia; Constitucionalismo; Eleições; Legitimidade; Crise.


INTRODUÇÃO

O artigo objetiva analisar, sob os vieses do constitucionalismo e da democracia, as opções das eleições na forma direta ou indireta no cenário político brasileiro. Para tanto, imprescindível a análise dos dispositivos normativos envolvidos, à luz da teleologia constitucional.

Nesse passo, o debate instaurou-se desde o impeachment da ex-Presidenta Dilma Rousseff e o recrudescimento da crise econômica brasileira, abrindo janela de oportunidades para a contenção de gastos por medidas como a Emenda Constitucional nº 95. Paralelamente, o atual Governo apoia medidas impopulares como a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência, em busca de recuperação da capacidade de investimento nos direitos sociais pelo Estado.

Essas condições inauguraram uma conjuntura de enfraquecimento do apoio da imprensa e do congresso ao governo em exercício, reforçada pela divulgação das delações dos proprietários da JBS. Bem por isso, a OAB, protocolou o pedido de abertura de processo por crime de responsabilidade na Câmara dos Deputados em face do Presidente Michel Temer. Assim, deparamo-nos com uma plausível e iminente vacância da Presidência.

Assim, a primeira parte discorre acerca do andamento da PEC das “Diretas Já”, cuja base de apoio tem se acentuado. Vale destacar que a premente definição do procedimento para o preenchimento de um possível vácuo de poder iminente, sob os auspícios da Constituição, tem levado os juristas, os acadêmicos e o próprio povo à discussão de possíveis alternativas.

Convém não olvidar, nesse passo, que se almeja um resgate da presença popular no processo constituinte, com um olhar no direito fundamental de relegitimação das instituições de representação. Sendo assim, o farol interpretativo das soluções deverá mirar um projeto civilizatório que revigore as potencialidades democráticas, sem ganhar ares falaciosos, oportunistas e alienados.

Com efeito, descortina-se um panorama de apatia política, motivo pelo qual é de bom grado que o povo assuma as rédeas da crise política, de sorte a evitar o acirramento de contradições. Contudo, a canalização da soberania popular pode se dar por um grande espectro de instrumentos jurídicos viáveis.

Por fim, sem passar pela proposta de convocação de nova assembleia nacional constituinte, a segunda parte busca contribuir para o aperfeiçoamento da governabilidade e das virtudes republicanas, com o fito de atenuar o descrédito que assombra o corpo político em exercício. Afinal, esse breve trabalho aborda as concepções de democracia e constitucionalismo pertinentes ao tema, com vistas a possibilitar que o leitor reúna informações suficientes que partejam o debate.


As Propostas de Emenda Constitucional nº 67/2016, 227/2016 e 21/2015 e as controvérsias respectivas

A PEC 227/2016, de autoria do Deputado Miro Teixeira, torna a hipótese de eleição indireta adstrita ao último semestre do mandato, no caso de vacância do cargo, destoando da atual redação do art. 81, § 1º[2], da Constituição Federal. Contudo, em um contexto de crise de representatividade, sobreleva contemplar possíveis saídas para o atual quadro da Presidência. Bem por isso, a PEC nº 227/16 tem por finalidade regulamentar o procedimento para complementar o mandato em curso em caso de vacância.

Ainda, a PEC 67/2016, apresentada pelo senador Reguffe, veicula proposta similar, destoando na ampliação da hipótese de eleição indireta ao último ano do mandato, e não apenas aos últimos seis meses. O senador explicitou que a PEC 67/2016 aspira à devolução ao povo brasileiro do direito de escolha de candidato à Presidência.

Visto isso, afigura-se deveras controverso se o princípio da anterioridade eleitoral fixado no art. 16, da CF[3] se coloca como anteparo à aplicação da PEC das “Diretas já” ao mandato corrente. Nesse tom, o STF (ADI 3685) outorga status de cláusula de entrincheiramento ao referido princípio. Todavia, convém salientar que a Corte Suprema também entendeu que esse princípio se restringe aos processos eleitorais ordinários, diversos das eleições em virtude de dupla vacância no Poder Executivo.

De todo modo, a mens legis do art. 16 consubstancia a tentativa de resguardar a soberania popular de manipulações eleitorais que viciem o exercício livre e informado da vontade política do povo. Sendo assim, afigura-se um contrassenso pensar que tanto a PEC 227 quanto a PEC 67 possam funcionar como instrumento de deturpação da vontade popular, na medida em que a convocação de eleições diretas ambiciona justamente o oposto.

Estabelecidas essas premissas, exsurge a polêmica sobre a constitucionalidade do artigo 224 do Código Eleitoral, parágrafo quarto[4], acrescido pelo art. 4º da Lei nº 13.165/2015, objeto da ADI nº 5525/DF, ajuizada pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, em maio de 2016. Na exordial, argumenta-se que, conquanto o art. 81 remeta os contornos à lei, não é dado a esta liberdade de conformação para estabelecer prazo diferente do preconizado na Constituição para eleições indiretas, e sim apenas pormenores procedimentais na realização da eleição.

Em contrapartida, há autores[5] que sustentam a aplicabilidade desse dispositivo apenas para os casos de cassação do diploma ou de perda do mandato ordenados pela Justiça Eleitoral. Em assim sendo, a hipótese de incidência do artigo 81 da Constituição circunscreve-se aos casos de dupla vacância posterior a uma eleição legítima, ao passo que o artigo 224, § 4º do Código Eleitoral trata de eleições viciadas. De qualquer maneira, a lei goza de presunção de constitucionalidade, não tendo sido suspensa sua eficácia até o encerramento do presente trabalho.

Nesse diapasão, crucial apreender que as contigências-gatilho da sucessão, no bojo de uma eleição legítima, tais como renúncia, morte ou impeachment do presidente e do vice-presidente diferem-se da perda de mandato decretada pela Justiça Eleitoral, por força da ilegitimidade no processo eleitoral. Isso porque a primeira situação relaciona-se com o Direito Constitucional, ao mesmo tempo em que esta última se atrela ao Direito Eleitoral, pois almeja desinvestir do cargo aqueles eleitos irregularmente, por intermédio da anulação das eleições originárias.

Em que pese essa intelecção, para muitos, soa desarrazoado essa diferenciação, uma vez que em ambas as hipóteses há vacância. De mais a mais, o art. 81 não teria feito ressalvas nesse sentido. Essa querela doutrinária reacendeu, em maio de 2017, caso mais recente aconteceu há bem pouco tempo, em maio de 2017, quando o TSE cassou os diplomas do governador e do vice-governador do Amazonas por captação ilícita de sufrágio, designando nova eleição na forma direta.

Posteriormente, o TSE regulamentou o procedimento para as eleições diretas, nos termos do § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, com redação dada pela Lei nº 13.65/15, o que foi objeto de críticas aguçadas. De um lado, a Assembleia Legislativa do Amazonas[6] repreendeu a decisão do TSE, pois, em seu olhar, malferiu o princípio federativo, com esteio em regra não plasmada na legislação estadual.

A mais, a Assembleia glosou que mais consentâneo com o pacto federativo é o próprio ente parcial conduzir esse processo de realinhamento do seu Executivo, máxime diante da inexistência de obrigatoriedade de reprodução obrigatória do art. 81 da Lei Maior. À vista disso, sendo inaplicável o princípio da simetria ao dispositivo mencionado, a rigor, o tema estaria inserto na autonomia dos entes federativos, fora da incidência do art. 224, § 4º do Código Eleitoral. A Corte Suprema, nada obstante, acolheu o raciocínio feito pelo TSE e manteve a decisão, já que o art. 81 da Carta Magna se refere apenas às eleições presidenciais, o que leva à aplicação do Código Eleitoral.

Ao fim, impõe-se enfatizar que o art. 224, § 3º, do Diploma Eleitoral determina a realização de novas eleições, no caso de invalidação dos votos, independentemente do número de votos dados ao vencedor do cargo majoritário[7]. Assim, o argumento da inconstitucionalidade do art. 224 se concentrou na violação da autonomia administrativa e do princípio do máximo aproveitamento de votos.

No âmbito federal, essa disputa perdeu fôlego, com o novel julgamento pela improcedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) nº 194358 pelo TSE. A expectativa de certos setores sociais era que, devido ao princípio da indivisibilidade da chapa majoritária, contemplado no art. 91[8], do Código Eleitoral (CE), a procedência da ação implicasse na vacância da presidência e convocação de eleições diretas, com supedâneo no art. 224, § 4º, do CE.

Em verdade, desde 2014, o Diretório Nacional do PSDB e a Coligação Muda Brasil[9] ajuizaram várias ações com o mesmo objeto e pedido, e.g., a AIJE nº 154781, a AIJE nº 194358, a Representação nº 846 e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) nº 761. Essa alternativa não prosperou, levando a apreciação de novas possíveis soluções no pano de fundo constitucional hodierno.

Na esteira, conquanto eleito majoritariamente por força da unicidade de chapa, argumenta-se, de um lado, que o Presidente Michel Temer – ex-Vice-Presidente – não possui legitimidade democrática referendado pelos votos nas urnas. Assim, objetivam romper com a continuidade do governo, pugnando por eleições diretas[10], desde a divulgação dos áudios entre Joesley Batista e o Presidente que, em tese, implicam estes em práticas de corrupção.

Assim, por esse ângulo[11],[12],[13],[14],[15], o impeachment da ex-Presidenta Dilma Rousseff, identificado por essa parcela social como golpe desconstituinte[16], representou a ruptura com a soberania popular, engendrando o panorama de instabilidade política que hoje se vivencia. Nesse bojo, opções como renúncia, impeachment e a cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral, esta última inviabilizada pela recente absolvição das acusações, escurecem a previsão acurada de uma provável vacância sucessiva da Presidência.

Por conseguinte, defendem as eleições diretas, viabilizadas por intermédio de interpretação extensiva do artigo 4º da Lei nº 13.165/2015 ou pela PEC 227/2016 ou 67/2016. Ainda, afirmam que há aspiração popular por novas eleições diretas como a melhor solução desse impasse institucional. Nesse diapasão, buscam uma reconciliação entre os campos jurídico e político, com fito de alcançar um constitucionalismo democrático consentâneo com a soberania popular[17].

Nesse viés, Bercovici[18] dispõe que

tentar separar o conceito de constituição do conceito de poder constituinte significa excluir a origem popular da validade da constituição e esta validade é uma questão política, não exclusivamente jurídica

De outro lado, outro grupo[19] entende que a aprovação da PEC 227/2016 ou  da PEC 67/2016 concretizaria um desvio de poder, visto que sua natureza casuística determinaria sua inconstitucionalidade, transmudando-se em golpe.

A par disso, grassa cizânia sobre o procedimento da eleição indireta entre as casas legislativas. Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 5821/2013, em curso desde 2013, tenciona estruturar o trâmite da eleição indireta. Contudo, o Senado defende votações em separado, mediante aplicação do ferramental da Lei 4.321, de 7 de abril de 1964. De encontro a essa posição, a Câmara agasalha a tese da imprescindibilidade de reunião unicameral para eleição, porque a Lei 4.321 não teria sido recepcionada pela Constituição de 1988 e o artigo 57[20], parágrafo 3º não é numerus clausus.

Por fim, importante registrar que a PEC 21/2015 intenciona implantar o instituto do recall no Direito brasileiro. Nesse trilhar, a proposta, em sua redação inicial, adiciona ao artigo 14 da Constituição os incisos IV e V, consagrando o direito de revogação de mandato de membros dos poderes Executivo e Legislativo, bem como o direito de veto popular[21]. Contudo, o parágrafo doze da minuta de alteração exige o transcurso de dois anos da data da posse para o uso do recall.

Essa ampliação dos instrumentos da democracia semidireta ou participativa torna despicienda a configuração de crime de responsabilidade, bastando que ocorra o arrependimento do eleitorado em face e.g. da incompetência ou da traição em cotejo com a base ideológica que alçou o mandatário ao cargo, ressuscitando certa margem do mandato imperativo. O manejo do recall, portanto, vivifica a prestação de contas e a responsividade.


Os conceitos de democracia e constitucionalismo

Feitos esses esclarecimentos no tópico anterior, imperiosa a análise das questões levantadas sob as luzes conceptuais de democracia e constitucionalismo. Prefacialmente, relevante rememorar as lições de Rafael Vega Pasquín[22] no sentido de harmonizar o substrato formal e final do Direito para salvaguardar sua unidade e coerência.

Noutro giro, Chantal Mouffe[23] propõe o modelo agonístico de democracia em substituição ao modelo deliberativo, diante do deslocamento do consenso racional para o reconhecimento de um pluralismo conflitual. Nessa perspectiva, a recusa da natureza conflituosa do consenso, realizada com base em hegemonias provisórias, inaugura o risco de apatia política e desestímulo à participação política. A seu ver, a democracia deliberativa redundaria em naturalização das relações de poder, perdendo vista da multilateralidade de atores.

Nesse sentido, a autora alvitra o pluralismo agonístico, dentro do qual os adversários do jogo democrático não são vistos como inimigos. Isso porque o pilar do modelo agonístico reside em um imperativo bilateral-atributivo, qual seja: o dever de tolerância democrática e o direito de defesa de ideias. Extrai-se[24], nesse sentido, que

Introduzir a categoria do “adversário” requer tornar complexa a noção de antagonismo e a distinção de duas formas diferentes mediante as quais ela pode emergir: o antagonismo propriamente dito e o agonismo. O antagonismo é a luta entre inimigos, enquanto o agonismo representa a luta entre adversários. Podemos, portanto, reformular nosso problema dizendo que, desde a perspectiva do “pluralismo agonístico”, o propósito da política democrática é transformar antagonismo em agonismo. Isso demanda oferecer canais por meio dos quais às paixões coletivas serão dados mecanismos de expressarem-se sobre questões que, ainda que permitindo possibilidade suficiente de identificação, não construirão o opositor como inimigo, mas como adversário. Uma diferença importante em relação ao modelo da democracia deliberativa é que, para o “pluralismo agonístico”, a tarefa primordial da política democrática não é eliminar as paixões da esfera do público, de modo a tornar possível um consenso racional, mas mobilizar tais paixões em prol de desígnios democráticos.

Uma das chaves para a tese do pluralismo agonístico é que, longe de pôr em risco a democracia, a confrontação agonística é, de fato, sua condição de existência. A especificidade da democracia moderna reside no reconhecimento e na legitimação do conflito e na recusa de suprimi-lo pela imposição de uma ordem autoritária. Rompendo com a representação simbólica da sociedade como um corpo orgânico – que era característica do modo holístico de organização social –, uma sociedade democrática reconhece o pluralismo de valores, o “desencantamento do mundo” diagnosticado por Max Weber e os conflitos inevitáveis que dele decorrem.

Oportuno sublinhar também a concepção positiva de democracia econômica de Anthony Downs[25]. Segundo ele, a democracia é uma disputa de racionalidade política em que coexistem partidos de oposição, com a finalidade de alinhavar apoio político e manter-se no poder. Apesar disso, há dois limites: o partido não cometerá atos de ilegalidade, tampouco prejudicará membros da equipe. Nessa senda, o governo é democrático[26] quando presente as seguintes condições:

1. Um único partido (ou coalizão de partidos) é escolhido por eleição popular para gerir o aparato de governo. 2. Essas eleições são realizadas dentro de intervalos periódicos, cuja duração não pode ser alterada pelo partido no poder agindo sozinho. 3. Todos os adultos que são residentes permanentes da sociedade, são normais e agem de acordo com as leis da terra são qualificados para votar em cada uma dessas eleições. 4. Cada eleitor pode depositar na urna um e apenas um voto em cada eleição. 5. Qualquer partido (ou coalizão) que receba o apoio de uma maioria dos eleitores tem o direito de assumir os poderes de governo até a próxima eleição. 6. Os partidos perdedores numa eleição não podem jamais tentar, por força ou qualquer meio ilegal, impedir o partido vencedor (ou partidos) de tomar posse. 7. O partido no poder nunca tenta restringir as atividades políticas de quaisquer cidadãos ou outros partidos, contanto que eles não façam qualquer tentativa de depor o governo pela força. 8. Há dois ou mais partidos competindo pelo controle do aparato de governo em toda eleição.

Ressalto o quanto exposto, cabe aduzir noções gerais da visão realista schumpteriana de democracia[27],[28], na qual reina a heterogeneidade de valores na sociedade de massa, fato este que se revela como empecilho à determinação de um bem comum válido a todos, à moda do parodoxo schumpeteriano[29]. Na esteira, Fernando Quintana[30], em análise do referido autor, traz à baila que a espetacularização de um suposto bem comum único pode levar a “(...) autocratização da política em que a vontade coletiva, a soberania popular, funciona miticamente para justificar o poder”.

Dito isso, mister interpretar os fatos narrados no item 1 com cautela, com o propósito de evitar o uso de percepção particular da soberania popular como panaceia da crise de legitimidade que se coloca hodiernamente. Isso porque, bem colocados os argumentos, a soberania popular poderá vir a ser utilizada como reforço das duas visões exibidas no item 1 deste breve ensaio.

Além disso, sem nos filiarmos a uma corrente ou outra, acrescenta-se ao debate que uma visão agonística da democracia corrobora a ideia de que haja uma tolerância no contraste de ideias no jogo democrático, reconhecendo que não há um consenso racional na arena pública no momento. Esse olhar serve de anteparo à naturalização das hegemonias e relações de poder transitórias em exercício, em virtude do confronto pluralista. Tomado emprestado esse entendimento, a nosso ver, a simples previsão do art. 81, da Lei Maior não se revela suficiente para frear o caminho das eleições diretas.

Entretanto, em nossa perspectiva dos escritos de Downs e Schumpter, a periodicidade das eleições deve ser respeitada, assim como não se coaduna com a democracia a deposição à força do governo, podendo expandir a exegese. Infere-se, pois, que as inquietudes acerca das escolhas políticas do governo atual como as indigitadas reformas trabalhista e previdenciária, a título de exemplo, devem ser manifestadas na próxima eleição pelos meandros democráticos instituídos na ordem jurídica, razão pela qual a PEC 21/2015 é bem-vinda, já que desmistifica o papel da soberania popular em relação aos entraves institucionais ora versados.

De outro prisma, espera-se que o Judiciário, jungido à cultura do self-restraint, não seja convocado a se pronunciar sobre o assunto, por lhe faltar a legitimidade democrática mais intensa. Assim, o debate está imbricado com o exercício do poder soberano pelo povo, motivo pelo qual deflui do espírito da democracia que a solução dada a esse tipo de crise de legitimidade, que também afeta a própria Corte Constitucional, siga a saída dada pelas pressões e interconexões entre o povo e o Legislativo.

Nessa toada, Waldron[31] se põe contra fenômeno da Supremocracia, alicerçada em parte na teoria da living constituion ou da living tree. Em outras palavras, o autor apresenta razões contrárias à transformação do Judiciário em uma soberania hobbesiana, além do limite do Direito, em substituição ao poder constituinte, titularizado pelo povo. Sob ótica similar, Colón-Ríos[32] inclina-se à concepção voluntária da autoridade da Constituição, na vertente estrutura revisional básica fraca, pois este modelo confere ao povo maior margem de manobra no exercício da soberania popular.

Fincado nessas premissas, em aspecto ancilar, curial que se impeça a formação de um modelo supraconstitucional de normas, erigido pelo Judiciário, sob pena de inverter a estrutura piramidal, legado de Hans Kelsen[33], e elevar este Poder ao ápice da Pirâmide, acima da própria Lei Maior. Essas considerações relacionam-se diretamente com um possível manejo das ações concentradas contra as Propostas de Emenda à Constituição levantadas no item 1 deste trabalho.

Nesse sentido, o STF, com supedâneo em uma interpretação não unívoca do art. 16, da CF, poderia frustrar os objetivos de aplicação das PEC’s nº 67/2016, 227/2016 e 21/2015 ao cenário de crise que se apresenta no momento, por violação ao princípio da anterioridade eleitoral. Em assim procedendo, em nossa interpretação de Colón-Ríos, o Judiciário estaria erguendo-se como instituição hobbesiana em desfavor da soberania popular.

Por tudo o quanto exposto, importa transliterar o escólio de Celso de Alburquerque Silva[34]

Em toda e qualquer discussão, há certas verdades primas de onde dependem todos os argumentos seguintes; a evidência desses princípios, anterior a toda reflexão, necessita, decerto modo, do assentimento da razão; e, quando eles não produzem este efeito, ou é por falta de percepção, ou por influência de algum interesse, paixão ou preconceito qualquer. (...) E da mesma natureza são esses princípios de interpretação, que não é lícito ao intérprete distinguir onde o formulador da regra não o fez; que todo poder deve seguir a razão de seu objeto; que na determinação maior se inclui a menor, que onde a Constituição quis os fins necessariamente outorgou os meios e que na interpretação dos direitos fundamentais deve-se escolher o sentido que lhes dê a maior eficácia possível.

Tomado isso em consideração, sobreleva entender os meios de contenção judicial diante da parêmia “quem vigia os vigilantes?”[35]. A esse questionamento, Sarmento[36] responde que se adote a teoria de diálogos constitucionais, de sorte a não conferir a nenhum dos Poderes da República a prerrogativa de dar a “última palavra” sobre o sentido da Constituição, deixando aberto sempre os canais democráticos para revisitar soluções outrora decididas.

Nesse contexto, insere-se a temática do efeito backlash, isto é, a reação contrária do povo às decisões controversas do Judiciário, forçando um realinhamento da interpretação em consonância com o estado espiritual-democrático do povo. Afinal, como adverte Karl Schmitt citado por Sarmento[37], a abertura e a fluidez do texto constitucional, em última instância, imbrica o juízo de constitucionalidade a um juízo político.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o impeachment da ex-Presidenta Dilma Rousseff no curso do seu segundo mandato e acirramento da crise econômica vivenciada no Brasil com o corte de gastos, e.g. a Emenda Constitucional nº 95 que congelou o orçamento público por vinte anos. Ao largo disso, a divulgação da delação do empresário Joesley Baptista implicando o Presidente em atos de corrupção torna crível a iminência de dupla vacância da Presidência.

Precisamente nessa contextura, aqueles que optam pela via das eleições diretas potencializam a soberania popular, uma vez que devolvem ao povo o poder de decisão sobre o futuro mandatário da Presidência, com vistas ao direito à relegitimação das instituições representativas. Ocorre que o artigo 81, § 1º da Constituição Federal funciona como anteparo a essa pretensão, impondo a forma indireta em eventual eleição, consoante corrente de pensamento diametralmente oposta.

Nessa conjuntura política, assaz congruente a votação das Propostas de Emenda Constitucional nº 67/2016, 227/2016 e 21/2015, de sorte a atribuir previsibilidade ao desenlace de crises políticas de representação, ainda que aplicável apenas a casos futuros semelhantes. Há, todavia, aqueles que advogam que o art. 16, da CF não interdita a aplicação imediata dessas propostas a eventual mandato-tampão em 2017.

Em contrapartida, parece que a solução dada pelo artigo 224, § 4º do Código Eleitoral, restrita às hipóteses de eleições viciadas, já não possui alento desde o julgamento pela improcedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) nº 194358 pelo TSE. Nesse caminhar, dúvidas sobre sua constitucionalidade, ao menos no âmbito federal, não estremecem a pujança da discussão sobre a forma das novas eleições, em caso de vácuo de poder na Presidência.

De todo modo, pugna-se que o formato das eleições em diretas ou indiretas não seja decidido, em última instância, na esfera judicial. Para tanto, tomando emprestadas as lições de Colón-Ríos e Waldron, adotando a concepção voluntária de autoridade da Constituição, instiga-se que a decisão final seja tomada pelo povo ou pelo poder legislativo, órgão este com maior capacidade democrática. Sem perder de vista, nada obstante, o respeito aos direitos fundamentais estampados na Constituição.

Além disso, exorta-se a adoção de um modelo agonístico de democracia, na linha de Chantal Mouffe, porquanto é saudável que as instituições e demais agentes participantes não concebam a oposição às suas ideias como um inimigo a ser destruído, sob pena de intolerância democrática. No ponto, há de predominar o respeito ao jogo democrático e ao pluralismo agonístico para a formação do consenso possível, ainda que de caráter conflituoso e transitório.

Por fim, o artigo não vaticina o deslinde das repercussões teóricas expendidas ao longo de seu texto, até porque o fazer seria temerário em um contexto marcado pela instabilidade e pelas surpresas políticas. Sem embargo, o trabalho objetivou amealhar informações sobre as diferentes posições defendidas no meio jurídico. Em arremate, averiguada a situação tal como posta, espera-se que a crise de legitimidade chegue ao seu termo, com o devido respeito às instituições e à Constituição.


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Notas

[2] Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. BRASIL, 2017.

[3] “Nessa hipótese, deve-se aplicar o art. 224 do Código Eleitoral, que determina a realização da eleição direta no caso de cassação do mandato durante os primeiros três anos e meio, ficando a eleição indireta para o último semestre do mandato. (...) É preciso diferenciar a sucessão presidencial, cujos contornos são traçados pela CF e que depende de motivos posteriores a uma eleição legítima, como renúncia, morte ou impeachment do presidente e do vice-presidente, daquela outra hipótese em que a sucessão decorre de perda de mandato decretada pela Justiça Eleitoral, fundada na ilegitimidade do próprio processo eleitoral. (...) Insistir nesse caminho é defender uma democracia sem seu protagonista. É reconhecer que o povo é inconstitucional. Nada mais contraditório em nosso turbulento constitucionalismo democrático”. LEITE, Glauco Salomão; SANTOS, Gustavo Ferreira; TEIXEIRA, João Paulo Allain; ARAÚJO, Marcelo Labanca C. As eleições diretas e a possibilidade de relegitimação do Estado brasileiro. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/01/as-eleicoes-diretas-e-possibilidade-de-relegitimacao-do-estado-brasileiro/#_ftn2>. Acesso em 17 de junho de 2017.

[4] Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias. § 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador-Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição. § 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste Capítulo o Ministério Público promoverá, imediatamente, a punição dos culpados. § 3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados. § 4º A eleição a que se refere o § 3º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será: I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; II – direta, nos demais casos. BRASIL, 2017.

[5] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 692.

[6] Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jun-13/assembleia-nao-cabe-tse-definir-sucessao-amazonas> e em <http://www.conjur.com.br/2017-jun-06/barroso-mantem-eleicao-direta-governador-amazonas>. Acesso em 21 de junho de 2017.

[7] AYRES, Rodrigo Santa Maria Coquillard. "Diretas Já": a constitucionalidade de eleições diretas com a queda de Michel TemerRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5075, 24 maio 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/57952>. Acesso em: 17 jun. 2017.

[8] Art. 91. O registro de candidatos a Presidente e Vice-Presidente, Governador e Vice-Governador, ou Prefeito e Vice-Prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança de partidos. BRASIL, 2017.

[9] Composta pelos partidos seguintes: PSDB/DEM/SD/PTB/PMN/PTC/PEN/PTdoB/PTN.

[10] “Na prática, impossibilitar a manifestação da decisão do povo sobre os seus destinos, em nome da manutenção do dispositivo do art. 81 da Constituição Federal, é preferir que sumam os dedos para manter os anéis − parafraseando o dito popular.”. In: HENRY, Magnus. Eleições diretas para barrar a pretensão destituinte. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/23/eleicoes-diretas-para-barrar-pretensao-destituinte/>. Acesso em 17 de junho de 2017.

[11] Idem.

[12] “Seria mesmo uma quebra da ordem constitucional a realização de eleições diretas para Presidente da República com a iminente queda de Michel Temer? Inicialmente, cumpre registar que o legislador ordinário, por meio do artigo 4º da Lei nº 13.165/2015, baseado na força normativa da cláusula pétrea do voto direto, deu uma interpretação restritiva ao referido dispositivo constitucional, afastando a sua aplicação quando a vacância do cargo tenha ocorrido por vícios eleitorais atribuídos à chapa eleita, como o indeferimento do registo, a cassação do diploma ou a perda do mandato do candidato eleito, caso em que as novas eleições serão diretas se a última vaga for aberta antes do semestre final do mandato. (...) Quando o constituinte originário preconizou a solução estampada no §1º do art. 81, não tinha em mente uma situação de gravidade institucional como a que vivemos, mas de uma dupla fatalidade que impedisse o prosseguimento dos mandatos de presidente e vice. Os recentes episódios mostram que a solução adotada pelo referido dispositivo constitucional, que nunca precisou ser aplicada, não se adequa à realidade nacional sem a quebra do princípio democrático, precisando ser urgentemente alterada, seja pela via hermenêutica, que prestigie a própria solução legislativa de 2015, seja por obra do constituinte derivado. No quadro atual, em que agora se sabe que o vice-presidente conspirou abertamente, juntamente com o candidato derrotado nas eleições, e com o Presidente da Câmara, para, com objetivos que hoje a nação sabe serem inconfessáveis, por fim ao mandato presidencial, por meio de processo de impeachment nas condições em que vivenciamos, sem a identificação de crime de responsabilidade, com notícias de compras de votos em um Congresso onde cerca de um terço dos parlamentares teve a sua eleição financiada pela mesma JBS, é injustificável que, com a descoberta dos atos praticados pelos três personagens, se pretenda outra solução senão a devolução ao povo soberano da escolha sobre o seu futuro governante”. LODI, Ricardo. Eleições Indiretas? Há um povo no meio do caminho… Disponível em: < http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/23/eleicoes-indiretas-ha-um-povo-no-meio-do-caminho/>. Acesso em 17 de junho de 2017.

[13] BRANDÃO, Pedro. Constitucionalismo e eleições diretas. Disponível em: < http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/22/constitucionalismo-e-eleicoes-diretas/>. Acesso em 17 de junho de 2017.

[14] “A eleição direta não é um apanágio de grupos inconformados com o texto constitucional disciplinado no art. 81, § 1º da Constituição de 1988, desejosos de descumprir os ditames Constitucionais estabelecidos, mas sim o retorno à essência e ao fundamento próprio da democracia constitucional brasileira, assentada na soberania popular, exercida pelo voto direito, secreto e universal (art. 1º e 14).  Não é possível ler e interpretar o art. 81, § 1º, como uma óbvia determinação constitucional à realização de eleições indiretas. Pretender apego extremo a essa interpretação é desprezar o fundamento da soberania popular, claramente expresso no texto constitucional, norma base de sustentação de toda a democracia constitucional brasileira, devidamente contemplada no art. 14 da Constituição de 1988. (...) Caso esta crise não seja estancada com a necessária convocação de eleições diretas, se terá aberto o precedente de o próprio Congresso Nacional, tutelado por interpretações anacrônicas e transversais da Constituição e de caráter duvidoso no campo político, impedir que qualquer mandato seja levado a efeito até o seu término (pelo Presidente e Vice-Presidente) e seja ele próprio o responsável por escolher aqueles que, em suas feições, serão os mais indicados para escolher o ocupante do cargo de Presidente da República e Vice-Presidente, ao invés de uma escolha feita diretamente pelo próprio povo. (...) As eleições indiretas também trazem uma série de problemas, que vão desde o deficit democrático, presença do vício de origem em relação à legitimidade e até as graves insuficiências da Lei 4321/64 em disciplinar o pleito indireto. Em suma, a lei é: 1. Omissa em relação aos requisitos de elegibilidade, à formação de coligações e à regularidade procedimental do processo eleitoral; 2. Inconstitucional na forma de votação, que pela lei teria de ser secreta; 3. Procedimentalmente obsoleta, ao prever um sistema de votação por cédulas, já que à época de edição da lei ainda não existia o sistema de votação e apuração eletrônicos; 4. Admite a hipótese de alguém ser eleito com quórum de maioria, nos casos em que dois escrutínios não consigam apurar uma maioria absoluta; 5. Possui cláusula interpretativa para casos omissos remetendo ao Regimento Comum do Congresso Nacional, sem que este trate de qualquer matéria com conexão as eleições indiretas para Presidente e Vice-Presidente da República”. VIEIRA, José Ribas; BERNER, Vanessa Batista; EMERIQUE, Lilian Balmant; SILVA, Carolina Machado Cyrillo da; GOMES, Fabiano Soares. Defesa constitucional das #DiretasJá. Disponível em: < http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/29/defesa-constitucional-das-diretasja/>. Acesso em 17 de junho de 2017.

[15] Associação Juízes para a Democracia (AJD) também defende as eleições diretas. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/16/para-associacao-de-juizes-eleicoes-diretas-sao-saida-mais-adequada-para-o-pais/>. Acesso em 17 de junho de 2017.

[16] PAIXÃO, Cristiano. Um golpe Desconstituinte. In: CITADDINO, Gisele et alli (Org). A resistência ao golpe de 2016. Bauru: Projeto Editoral Praxis, 2016.

[17] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei (...). Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. BRASIL, 2017.

[18] BERCOVICI, Gilberto. O Poder Constituinte do Povo no Brasil: Um Roteiro de Pesquisa Sobre a Crise Constituinte. São Paulo: Lua Nova, 2013.

[19] Posição do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2017-mai-25/iasp-defende-eleicao-indireta-temer-deixe-presidencia>. Acesso em 17 de junho de 2017.

[20]  VASCONCELOS, Diego de Paiva; NEVES, Carlos Alberto Pereira Bolonha. Embate político: O impasse entre Câmara e Senado em caso de eleições indiretas. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jun-07/opiniao-impasse-entre-camara-senado-eleicoes-indiretas>. Acesso em 17 de junho de 2017.

[21] “veto é a faculdade que permite ao povo manifestar-se contrário a uma medida ou lei, já devidamente elaborada pelos órgãos competentes, e em vias de ser posta em execução. Certo número de cidadãos, em determinado prazo, exercendo direito constitucional, pode fazer com que uma lei já publicada seja submetida à aprovação ou rejeição do corpo eleitoral”. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10º edição, Ed. Malheiros, 1994, p. 294.

[22] “(...) las cuatro dimensiones se pueden englobar en dos modos principales de lo jurídico; y que, finalmente, la unidad y coherencia del derecho quedarían garantizadas cuando se relacionaran recíprocamente sus dos modos principales (formal y final). Se puede seguir fácilmente esta línea argumentativa tomando como referencia la muy conocida y divulgada teoría tridimensional del derecho de Miguel reale. A sus famosas tres dimensiones del derecho (fáctica, normativa y valorativa) añadimos una dimensión eficiente o agente que ponga en marcha (en acto o ejercicio) la mera teorización. Por tanto, una concepción comprensiva del derecho articula, como decíamos, cuatro dimensiones: una dimensión fáctica o material (las relaciones y los litigios de los ciudadanos, en tanto que materia social); una dimensión normativa o formal (la Legislación y la Jurisprudencia, en tanto que textos jurídicos formalizados); una dimensión agente o eficiente (el Parlamento y los Tribunales, en tanto que principales centros de actuación de los operadores jurídicos); y, por último, una dimensión valorativa o final (lo justo general y lo justo particular, en tanto que fin propio exigido a los legisladores y a los jueces por el marco constitucional)”. PASQUÍN, Rafael Vega. Reflexiones sobre la concepción y ejercicio del derecho: neoconstitucionalismo y claves hermenêuticas. DOXA, Cuadernos de Filosofía del Derecho, 2015, pp. 283-300.

[23] MOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia. Tradução e resumo de Pablo Sanges Ghetti; revisão da tradução de Gustavo Biscaia de Lacerda. Curitiba: Revista Sociol. Polít., nov. 2005, p. 11-23.

[24] Idem, p. 21.

[25] “Um homem racional é aquele que se comporta como se segue: (1) ele consegue sempre tomar uma decisão quando confrontado com uma gama de alternativas; (2) ele classifica todas as alternativas diante de si em ordem de preferência de tal modo que cada uma é ou preferida, indiferente ou inferior a cada uma das outras; (3) seu ranking de preferência é transitivo; (4) ele sempre escolhe, dentre todas as alternativas possíveis, aquela que fica em primeiro lugar em seu ranking de preferência; e (5) ele sempre toma a mesma decisão cada vez que é confrontado com as mesmas alternativas. (...) o comportamento de todo homem é racional porque (1) visa a algum fim e (2) os lucros devem ter superado seus custos, em sua opinião, ou ele não o teria adotado”. DOWNS, ANTHONY. Uma teoria econômica da Democracia. Tradução de Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013, p. 28.

[26] Idem, p. 45.

[27] SCHUMPETER, Joseph A. Tradução de Ruy Jungmann. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.

[28] A teoria schumpteriana tem como pano de fundo a “sociedade de grande escala, impessoal e burocratizada, constituída de uma massa indiferenciada, insuficientemente instruída, sujeita a ondas de emoção, fácil presa de manipulações pelas elites e propaganda política”. QUINTANA, Fernando. Ética e Política. Da Antiguidade clássica à contemporaneidade. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2014, p. 195.

[29] “O eleitor age de forma irracional, inconstante, é mal informado dos assuntos públicos e se interessa só por aqueles assuntos que o afetam diretamente; em tal situação, não atua motivado pelo bem comum, mas pelo interesse próprio. Assim, o traço distintivo do cidadão comum seria a idiotia: sua competência cognitiva sendo proporcional à distância que mantém com os assuntos que considera e opina (...) Tal entendimento do comportamento do cidadão é paradoxal, incoerente, já que para Schumpeter racionalidade instrumental, interesse individual e utilidade andam pari passu”. Idem, p. 202.

[30] Ibidem, p. 198.

[31] “The Court’s view of its role becomes particularly problematic when it is associated with what is sometimes called a ‘living tree’ version of the constitution that it is administering. The living tree conception understands the role of the courts as including the power to revise our understanding of the constitution, to advance it and adapt it to new realities and new values. It treats the courts, then, as constitution-framers or constitution-amenders who have the right not only to ‘speak before all others’ for the constitution as it is, but also to speak before all others for the constitution as it is becoming or as it now ought to be. If that places the constitution beneath the court, then it establishes the court as the true apex of the constitutional system, with constitutional law at least partly under its control. And this raises legitimate concerns about the Hobbesian sovereignty of the court and its Sieyèsian usurpation”. WALDRON, Jeremy. Judicial Review and Judicial Supremacy. Lisboa: Francisco Lucas Pires Distinguished Lecture, 2014, p. 39.

[32] “In a certain way, however, both strong and weak basic structure review (and arguably the traditional strong and weak judicial review models as well), are entirely consistent with what may be called a ‘voluntarist’ conception of constitutional authority, one in which the people, as the bearer of the constituent power, can ultimately insert any content into the constitution. A question that arises here is whether a decision attributed to the constituent power itself could ever be seen as susceptible of being set aside by courts. That is to say, whether the (voluntarist) conception mentioned above could be replaced by a ‘supraconstitutionalist’ approach according to which there are certain changes that are always constitutionally impermissible even if willed by the people and that, in such cases, it is the responsibility of the courts to review the acts of the constituent subject itself. In such a scenario, courts would be extending their review power beyond that envisaged under the strong and weak basic structure models. Such a conception would reflect not simply a different way of institutionalizing judicial power: it would be based on the idea that the authority of a constitution is not to be derived from ‘the sovereign people’, but from its adherence to certain supra-constitutional norms that require some principles to be always part of a constitution”. COLÓN-RÍOS, Joel I.  A new typology of judicial review of legislation. Global Constitutionalism, nº 3, p. 143-169, 2014, p. 163.

[33] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Traduzido por João Baptista Machado. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[34] SILVA, Celso de Albuquerque. TRIBUTAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS – a questão da intributabilidade das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos. Disponível em: <http://bibliotecadigital.mpf.mp.br/bdmpf/bitstream/handle/11549/83417/SILVA_CA_T.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 22 de junho de 2017, p. 17.

[35] Em latim, quis custodiet ipsos custodes?

[36] SARMENTO, Daniel; NETO, Cláudio Pereira de Souza. Notas sobre Jurisdição Constitucional e Democracia: A questão da "última palavra" e alguns parâmetros de autocontenção judicial. Rio de Janeiro: Revista Quaestio Iuris, vol. 6, nº 2, 2013. Disponível em http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/11773/9225. Acesso em 22 de junho de 2017.

[37] “Para Schmitt, a indeterminação das normas constitucionais tornava essencialmente política a tarefa de controlar a constitucionalidade das leis. (...) De acordo com Schmitt, a concessão ao Poder Judiciário da faculdade de controlar a validade das leis editadas pelo Legislativo acarretaria uma indevida ‘politização da justiça’ (...)”. Idem, p. 8.


Autor

  • Lucas Medeiros Gomes

    Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Especialista em Regulação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público Federal. Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

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GOMES, Lucas Medeiros. Constitucionalismo e democracia: eleições diretas ou indiretas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5116, 4 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58793. Acesso em: 26 abr. 2024.