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Personalidade psicopática: implicação no âmbito do direito penal

Personalidade psicopática: implicação no âmbito do direito penal

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A psicopatia é um distúrbio peculiar que sempre costuma gerar questionamentos. Um deles é com relação à eficácia da aplicação da medida de segurança aos portadores deste tipo de transtorno de personalidade, em razão dos elementos que o envolvem. Teria o Estado criado uma solução viável para sanar estes casos?

INTRODUÇÃO

O psicopata, embora não apresente sintomas de doença mental típica ou de deficiência intelectual, se comporta socialmente de forma anormal, como relutância em obedecer regras e comportamentos impostos à sociedade, o que caracteriza uma conduta antissocial (BITTENCOURT, 1981), não demonstrando, portanto, capacidade de julgamento, sendo incapaz de se adaptar em suas relações sociais.

Desta forma, pode-se afirmar que a psicopatia não entra na categoria das psicoses, mas trata-se, meramente, de um transtorno de personalidade, uma conduta antissocial que possui aspectos peculiares e perturbadores. Assim sendo, esta nova definição – antigamente a psicopatia era considerada uma espécie de doença mental (BITENCOURT, 1981) – causa grande repercussão dentro da Criminologia e do Direito Penal, pois resta evidente que indivíduos com esta anomalia não podem merecer punições de caráter ordinário, devido ao seu quadro clínico diferenciado dos demais criminosos.

É cediço que o Direito tem como fim precípuo acompanhar a evolução da sociedade, criando normas e leis que delimitem o comportamento dos indivíduos de forma a proporcionar um convívio social de excelência. Assim, o presente artigo procurará expor as características da personalidade psicopática com base na análise da psiquiatria forense, bem como nas doutrinas a respeito do tema; a questão da sua inimputabilidade; e a aplicação da pena privativa de liberdade. Além disso, será demonstrado o instituto das medidas de segurança e todos os componentes que a envolvem, expondo as problemáticas de sua aplicação, assim como o tratamento jurídico-penal adequado para os psicopatas, expondo a possibilidade de uma mudança na legislação para tratá-los de maneira adequada.


1 DA PSICOPATIA

Aproximadamente entre 1800 e 1835 começaram a surgir vários casos de assassinatos – a exemplo dos ocorridos nas regiões francesas de Sélestat, na Alsácia, e de Henriette Cornier, em Paris – que se assemelhavam por serem todos de caráter grave, normalmente homicídios acompanhados de crueldades. Estes casos possuíam em comum o fato de que seus autores assumiam os crimes, mas não se defendiam, não apresentavam argumentos, nem expunham seus motivos, apenas ficavam inertes durante o julgamento e as perguntas que lhes faziam. Assim, julgar estes indivíduos tornava-se difícil por esses crimes não serem precedidos por nenhum sintoma tradicional da loucura (FOUCAULT, 2003), além da falta de verdadeiras razões para cometer tais atos e do comportamentos dos acusados durante o julgamento (FOUCAULT, 2003).

Uma das primeiras descrições registradas sobre alguma conduta que pudesse se identificar ao comportamento de personalidade psicopática foi do professor de medicina Girolano Cardano, que desenvolveu o conceito de “improbidade”, definindo que este quadro é uma condição que faz com que determinados indivíduos não alcancem a insanidade total, pois resta alguma aptidão para que eles possam ter autocontrole de seus desejos e vontades (BALLONE, 2005).

Posteriormente, esse estudo da mente psicopata foi se desenvolvendo tendo como principal precursor o médico francês Philippe Pinel. Em 1801, o estudioso definiu em seu Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental ou a Mania a “mania sem delírio”, o qual discorria sobre a alienação mental ao narrar a história de um filho único mimado por sua mãe e que se tornou extremamente impulsivo, adotando condutas involuntárias (SHINE, 2000). Pinel dissertou em sua obra a respeito de indivíduos que possuíam todas as características da mania, mas que careciam do delírio. Contudo, o conceito de “mania” para ele consistia no ímpeto do comportamento do indivíduo, isto é, a sua personalidade. Ademais, o médico especificou em sua obra que determinados indivíduos possuíam traços perversos, sendo esta a principal causa de alteração da personalidade. Este pensamento também era compartilhado por Prichard, médico inglês que afirmava que existiam insanidades sem comportamento intelectual, mas com prejuízos afetivos e volitivos (BALLONE, 2005).

Dando continuidade aos trabalhos de Phillipe Pinel, o psiquiatra francês Jean Étienne Dominique Esquirol definiu o termo “monomania” – quando um determinado tipo de comportamento torna-se mais evidente – e defendeu a ideia de que esta condição poderia resultar em atos violentos, portanto, as pessoas que por ventura viessem a padecer dessa anomalia deveriam receber um tratamento adequado, e não uma punição (SHINE, 2000).

Benedict Augustin Morel, psiquiatra franco-austríaco, inspirado pelos trabalhos de Charles Darwin, criou o conceito de herança degenerativa, elaborando uma classe de “loucura dos degenerados”. Ele acreditava que o álcool e outras substâncias semelhantes podiam colocar o indivíduo em situação degradante, bem como poderiam desencadear um “mau temperamento” (idem). Valentim Magnan, psiquiatra francês, ampliou os estudos elaborados por Morel e implementou o conceito de “desequilíbrio mental”, que seria proveniente de um mau funcionamento neurológico, como o desequilíbrio da sensibilidade e da vontade (idem). Tendo como base esta ideia de desequilíbrio mental, Cesare Lombroso, antropologista criminal italiano, desenvolveu a ideia de “homem criminoso”, aplicando o método antropológico ao estudo dos loucos e criminosos, criando similaridades entre eles (PENTEADO, 2000).

Por meio dos estudos antropológicos de Lombroso, bem como da psiquiatria, psicologia e sociologia, surgiu a Escola Positiva, que propôs defender de forma mais acentuada o corpo social contra a ação de delinquentes, priorizando o interesse da sociedade em relação ao indivíduo, e, por esse motivo, a ressocialização de delinquentes passou para segundo plano. Fundador desta escola, Lombroso defendia inicialmente a ideia de um criminoso nato, contudo, ao longo de seus estudos, foi modificando seu entendimento e passou a reconhecer a possibilidade do crime como consequência de vários motivos, ampliando os tipos de delinquentes para nato, por paixão, louco, de ocasião e epilético (BITENCOURT, 2016).

A fase antropológica da Escola Positivista determinava que o homem não era livre, mas sim determinado por forças inatas, aplicando-se a tese do criminoso nato, que são indivíduos portadores de certas anomalias que os tornam incapazes para a vida social, causando uma impulsividade exagerada e desequilibrada no homem considerado delinquente (PRADO, 2014). Posteriormente, com o avanço da ciência, a teoria de Lombroso ficou ultrapassada, mas foi por meio dela que se começou a pensar nos doentes mentais como pessoas que precisam de tratamento adequado e não de punição (PENTEADO, 2000).

A escola alemã também teve grande influência no conceito da psicopatia, e um dos principais estudiosos no assunto foi o psiquiatra Emil Kraepelin, que elaborou várias formas de se compreender a doença mental, dando ênfase nas lesões neurológicas. Em 1904, o alemão delineou o conceito “personalidade psicopática”, o qual incluía casos de bloqueio da personalidade. Para Kraepelin, a personalidade psicopática seria uma etapa anterior à psicopatia (SHINE, 2000).

Em 1923, o também alemão Kurt Schneider, ao dissertar a respeito do tema, afirmou que a personalidade psicopática seria um subtipo das personalidades anormais. No entanto, em seu estudo, o psiquiatra sustentou que a psicopatia não pode ser comparada a outras doenças mentais, já que o psicopata é um indivíduo antissocial, isto é, com evidentes aversões às regras e aos padrões de conduta. Apesar de determinar o parâmetro de comportamento das pessoas com esse tipo de anomalia, Schineider ressalta que o psicopata nem sempre possui as características que o classificam como tal e, por conta dessa dissimulação, conseguem passar despercebidos pela sociedade, de forma a garantir sua sobrevivência social. Neste sentido, o estudioso explana que:

Das personalidades anormais distinguimos como personalidades psicopáticas aquelas que sofrem com sua anormalidade ou que assim fazem sofrer a sociedade. Ambas as espécies se cruzam. Cientificamente, o único conceito essencial é o da personalidade anormal no qual está incluído o conceito de personalidade psicopática. É essa também a razão de empregarmos, ocasionalmente, ambos os conceitos justapostos e um pelo outro. De acordo com nossa concepção, as personalidades anormais (e, por conseguinte, também as psicopáticas) não são, de forma alguma, “mórbidas”. Não há nenhum fundamento para relacioná-las com enfermidades ou malformações. Seu correlato somático deveria ser considerado apenas como uma anormalidade quantitativa de estrutura ou função (SCHNEIDER, 1976, pp. 43-44).

Na mesma esteira, Eugen Kahn, psiquiatra alemão, usa o termo “personalidade psicopática” para juntar vários distúrbios e desordens da personalidade não intitulados como doenças mentais e que teriam como circunstância basilar o “desajustamento social”; enquanto o psiquiatra inglês James Prichard introduziu em sua obra o termo “insanidade moral”, a fim de explicar a variação mental na qual a capacidade de autocontrole restava prejudicada (SHINE, 2000). Portanto, a psicopatologia é a área de estudo dedicada a compreender os estados psíquicos relacionados ao sofrimento mental, como suas causas e mudanças estruturais.

A doença mental é uma alteração dos processos cognitivos e afetivos do desenvolvimento, que se consubstancia em distúrbios do raciocínio, comportamento, da compreensão da realidade e da adaptação às condições da vida (DALGALARRONDO, 2000). Por outro lado, a psicopatia é caracterizada como um desvio funcional da volição, como forma de alteração do caráter, é uma modificação de componentes habituais da pessoa (CHALUB, 1981).

Desta forma, nas palavras de Ilana Casoy, criminóloga e escritora brasileira, “as doenças mentais interferem na capacidade de julgamento do indivíduo, como nos casos em que a pessoa apresenta casos de delírio de perseguição”. Ela afirma, também, que, no caso de assassinos em série, a doença mental não está ligada como principal causa para o agente cometer crimes em série, pois “dentre os criminosos condenados por homicídios que não apresentam um diagnóstico de doença mental é possível identificar que a ausência de sentimentos éticos e altruístas, unidos à falta de sentimentos morais, impulsiona esses indivíduos a cometer crimes” (CASOY, p. 25 e 26, 2004).

Com base nesses conceitos, a psicopatia não pode ser confundida com doença mental, que se trata de alteração do funcionamento da mente que prejudica o desenvolvimento do indivíduo na vida familiar e social; ao passo que os psicopatas são pessoas que, apesar de não terem sofrido sinais de deterioração, nem de degeneração dos elementos da psique, exibem transtornos de afetividade, temperamento e caráter (CROCE, 1998).

Desta forma, considera-se psicopata aquele indivíduo que apresenta distúrbios de conduta e de comportamento. São pessoas que ficam na zona fronteiriça entre a normalidade mental e a doença mental. Esse transtorno decorre do comprometimento de três estruturas psíquicas, quais sejam: afetividade, que está ligada ao sentimento de insensibilidade e indiferença; conação-volição, a intenção mal dirigida; e a capacidade de crítica, que denota de um movimento voluntário em que o agente não pensa nas consequências (PALOMBA, 2003).

Assim, entende-se que a psicopatia se origina de um defeito na personalidade. Mas o que vem a ser personalidade? Nas palavras de Mafalda Janasievicz Pepe, a personalidade seria “uma organização construída por todas as características cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo. Ela é um traço de originalidade de uma pessoa e o resultado da integração de três aspectos fundamentais no seu desenvolvimento e evolução: o biológico, o psicológico e o social, cuja interação pode ser entendida como uma manifestação da personalidade” (PEPE apud COHEN, 1996, p. 189).

O psicólogo Sidney Kiyoshi Shine, em sua obra Psicopatia, ao descrever o conceito de psicopata, põe em tela um trecho do livro The Mask of Sanity, de autoria do psiquiatra Harvey M. Cleckley, que delimita algumas características da personalidade antissocial:

O psicopata está livre de sinais ou sintomas geralmente associados à psicose, neuroses ou deficiência mental. Ele conhece as consequências de seu comportamento antissocial, mas ele dá a impressão de que tem muito pouco reconhecimento real de sentimentos dos quais verbaliza tão racionalmente e demonstra uma pobre capacidade de julgamento e uma incapacidade de aprender com a experiência (CLEKLEY apud SHINE, 2000, pp. 17-18).

A fim de corroborar com os conceitos fornecidos acima, Conceyção Penteado define os psicopatas como indivíduos “desprovidos de qualquer sentimento ético e social e, em consequência disto, não possuem o menor arrependimento e remorso quanto ao que fazem. São indivíduos insensíveis, cruéis, destituídos de vergonha, compaixão, sentimento de honra e conceitos éticos” (PENTEADO, 2000, p. 32).

Por não possuírem capacidades intelectivas e volitivas, bem como desfrutarem de caráter impulsivo, praticando crimes conforme seus instintos, os psicopatas são considerados semi-imputáveis, já que compreendem o cunho ilícito do fato.

Antônio José Eça também anui com o entendimento acima exposto:

Este é o problema: deve ser ressaltado que os portadores de personalidade psicopática não tem a capacidade necessária de autodeterminação. Serão, portanto, considerados semi-imputáveis, pois conseguem entender o caráter criminoso do fato, mas não têm capacidade de se determinar frente ao cometimento do ilícito (EÇA, 2010, p. 326).

Portanto, o tratamento jurídico que deve ser dado ao psicopata não se coaduna com a aplicação da pena privativa de liberdade, já que são incapazes de aprender com os erros, pois, conforme assevera Heitor Piedade Júnior, “colocá-los em instituições penais serve para aliviar temporariamente a sociedade de seus malefícios. Isso raramente modifica a pessoa que, de forma característica, não aprende com a experiência” (JÚNIOR, 1982, p. 221).

1.1 A PERÍCIA PSIQUIÁTRICA APLICADA AO DIREITO

Em alguns julgamentos, há situações embaraçosas em que a simples cognição das normas jurídicas não se faz suficiente à solução do caso, por exemplo, quando há dúvida a respeito do estado psiquiátrico do agente. Neste contexto, é de suma importância a avaliação da capacidade mental desse indivíduo, e esta é uma atribuição da psiquiatria forense, que tem como finalidade esclarecer os casos nos quais o indivíduo possui alguma alteração em sua saúde mental, de forma a compreender se na data dos fatos ele possuía discernimento frente ao ato ilícito praticado (PALOMBA, 2003).

Neste sentido, relata Júlio César Fontana Rosa:

A psiquiatria forense ocupa-se dos agentes que, em virtude de sua mórbida condição mental, têm modificada a juridicidade dos seus atos e de suas relações sociais. Ela reúne e sistematiza os fatos concernentes ao estudo do psiquismo. Na avaliação das funções mentais, o perito psiquiatra, com frequência, solicita o concurso de outros profissionais como neurologistas, psicólogos etc., cabendo-lhe, portanto, a tarefa de organizar os elementos trazidos à luz durante as diligências realizadas (ROSA apud COHEN, 1996, p. 171).

Na mesma esteira, J. C. Dias Cordeiro delimita que a psiquiatria forense diz respeito à capacidade das pessoas, ou seja, se um indivíduo pode ser penalmente responsável pelo delito (imputável) ou haver causa que prejudique sua capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (inimputável) (CORDEIRO, 2003).

Portanto, o perito – profissional que irá realizar o exame de sanidade mental no indivíduo – tem o objetivo principal de estabelecer uma avaliação da capacidade do examinando em relação ao entendimento para reconhecer os seus atos. Nesta avaliação, são levados em consideração vários fatores sociais, culturais e biológicos para que se possa traçar a doença mental (COHEN, 1996).

Ao ser realizada a perícia, o perito analisará a responsabilidade penal do agente, ou seja, o conhecimento que o delinquente tinha na época do cometimento do crime. Para tanto, será averiguada a questão da imputabilidade, que é a capacidade de conhecer, valorizar e respeitar as normas, isto é, a capacidade do agente, no momento da ação ou omissão, de entender o caráter ilícito do fato e de se comportar de acordo com esse entendimento. Além disso, também são avaliadas a culpabilidade – a reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita –, juízo de valor que se realiza sobre o autor; e a responsabilidade, que tem respaldo na consequência do fato punível, entendido como um aspecto externo do delito (idem).

A questão da periculosidade do indivíduo também é examinada, tanto no início quanto no final do cumprimento da medida de segurança, quando será determinada a cessação da periculosidade. No referido exame, “o perito, avaliando o estado mental do requerido, deverá concluir se ele, em virtude da perturbação mental que o acomete ou já o acometeu, apresenta risco de reincidir em atos criminosos (primeira manifestação ou reincidência)” (idem, p. 186).

No mesmo sentido, Guido Arturo Palomba afirma que

na verificação de cessação da periculosidade, outros fatores precisam ser sopesados, porque o examinando não é apenas um criminoso, mas também um alienado mental. E não há dizer que somente a observação da alienação mental, do quadro clínico pouco mais ou menos igual ao que se lhe dava à época do crime, já é elemento seguro para chantar a periculosidade do agente (PALOMBA, 2002, p. 213).

Sendo assim, a psiquiatria forense é extremamente importante para elucidar os casos questionáveis quanto à capacidade e à responsabilidade penal do delinquente, devendo o magistrado – de ofício ou a requerimento das partes – toda vez que houver dúvida a respeito dessa questão, requerer ao perito um laudo de exame de sanidade mental, a fim de informar o estado de saúde psiquiátrica do examinando.

1.2 A CRIMINOLOGIA E O DELINQUENTE PSICOPATA

De acordo com Molina e Gomes (2010), a criminologia ocupa-se com o estudo do crime, do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, além de tratar da origem da infração legal, determinando os meios formais e informais que a sociedade emprega para lidar com o crime e seus desdobramentos e, inclusive, a análise do criminoso ao cometer o delito e o comportamento da vítima (SHECAIRA, 2004).

Partindo desse pressuposto, o estudo dos criminosos e de seus comportamentos é, atualmente, objeto de várias pesquisas dentre alguns profissionais da área da psiquiatria e sociologia, bem como os especialistas na área do Direito Penal. Desta forma, ao ser estudado o comportamento do criminoso a ciência criminológica também se preocupa em categorizar delinquentes com personalidades antissociais.

Nesse sentido, Sérgio Salomão Shecaira define o que vem a ser a criminologia, bem como disponibiliza as principais diferenças entre as ciências criminológicas, o Direito Penal e a política criminal:

Ocupa-se, a criminologia, do estudo do delito, do delinquente, da vítima e do controle social do delito e, para tanto, lança mão de um objeto empírico e interdisciplinar. Diferentemente do direito penal, a criminologia pretende conhecer a realidade para explicá-la, enquanto aquela ciência valora, ordena e orienta a realidade, como apoio de uma série de critérios axiológicos. A criminologia aproxima-se do fenômeno delitivo sem prejuízos, sem mediações, procurando obter uma informação direta desse fenômeno. Já o direito limita interessadamente a realidade criminal, mediante os princípios da fragmentariedade e seletividade, observando a realidade sempre sob o prisma do modelo típico. A política criminal, pois, não pode ser considerada uma ciência igual à criminologia e ao direito penal. É uma disciplina que não tem um método próprio e que está disseminada pelos diversos poderes da União, bem como pelas diferentes esferas de atuação do próprio Estado (idem, 2004, pp. 38, 41).

Desse modo, ao ser analisado o comportamento do delinquente, a criminologia delimita que a prática de crimes pode estar relacionada com as más influências que o sujeito vivencia; ou a criminalidade do agente pode ter como ponto de origem a sua personalidade deformada, isto é, a psicopatia.

1.3 DA SEMI-IMPUTABILIDADE DO PSICOPATA

A imputabilidade consiste em um conjunto de condições pessoais que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, sendo que o binômio necessário consiste na sanidade mental e na maturidade do agente. Em outras palavras, ser imputável não é apenas ter capacidade de intelecto sobre o significado de sua conduta, mas também controlar sua vontade. A imputabilidade gera a responsabilidade penal (CAPEZ, 2008).

No mesmo sentido, a imputabilidade penal é conhecida como a capacidade de imputação jurídica ao estado psicológico do indivíduo, sendo esta aferida pelo livre arbítrio do agente. Desta forma, Guido Palomba explana que essa capacidade pode ser total, parcial ou nula. A total aptidão se aplica quando o agente entende totalmente o caráter criminoso do que fazia à época dos fatos; já a parcial é a aptidão para entender parcialmente o caráter criminoso, sendo, neste caso, praticado por um semi-imputável; e, por fim, a capacidade nula ocorre quando o agente é totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, tornando-se irresponsável penalmente pelo que fez (PALOMBA, 2003).

Assim, o psicopata é considerado semi-imputável quando não possui plena compreensão de seus atos, ou seja, é temporariamente incapaz, pois sua capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de agir de acordo com esse entendimento é reduzida (MASSON, 2016).

As circunstâncias pessoais do infrator semi-imputável é que determinarão qual a resposta penal de que este necessita, ou seja, se a sua condição pessoal constatar a necessidade de um tratamento mais complexo, cumprirá medida de segurança, bem como se o juiz verificar a presença de periculosidade (BITENCOURT, 2016).


2 DA MEDIDA DE SEGURANÇA

A medida de segurança surgiu como uma alternativa à aplicação da Pena Privativa de Liberdade e possui finalidade preventiva e de caráter curativo, com o objetivo de tratar inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, de forma a evitar a prática de futuros crimes.

Segundo Eduardo Reale Ferrari, a medida de segurança constitui “uma providência do poder político que impede que determinada pessoa, ao cometer um ilícito-típico e se revelar perigosa, venha a reiterar na infração, necessitando de tratamento adequado para sua reintegração social” (FERRARI, 2001, p. 15).

No mesmo sentido, Haroldo da Costa Andrade esclarece que as medidas de segurança são consequência jurídicas do delito, e que têm como finalidade a prevenção especial, no sentido de ser direcionada ao próprio indivíduo, para que ele não volte a cometer crimes. Tal sanção é imposta devido ao alto grau de periculosidade do delinquente, e cuja principal função é curar esse infrator (ANDRADE, 2004).

Já a pena é dividida em privativa de liberdade e restritiva de direito, tendo como objetivo principal punir o agente pelo ilícito cometido e, consequentemente, obstar que o criminoso cometa novamente alguma infração penal. Ressalta-se que a pena é uma sanção imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor da infração com o fim precípuo de evitar que este delinquente venha a cometer outros ilícitos penais (FERRARI, 2001).

Quanto a sua natureza jurídica, um dos principais pontos de divergência consiste em que alguns doutrinadores consideram a medida de segurança como um recurso administrativo, e isso se dá porque este instrumento tem poder de polícia (FERRARI, 2001), mas por outro lado, a doutrina majoritária entende que esta é uma espécie de sanção jurídica. Este entendimento se dá porque, ao analisar a medida de segurança em seu caráter jurisdicional, esta somente poderá ser aplicada por autoridade judiciária competente. Além disso, este instituto está previsto no Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –, o que já afasta a possibilidade de atuação da seara administrativa (ANDRADE, 2004).

A respeito desse assunto, Guilherme de Souza Nucci enfatiza o caráter sancionador da medida de segurança ao afirmar que “trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado” (NUCCI, 2011, p. 576).

Na mesma esteira, Eduardo Reale Ferrari define que a “Medida de Segurança criminal possui um domínio sancionatório diverso da pena, não retirando, todavia, a qualificação como sanção” (FERRARI, 2001, p. 77).

No entanto, Heleno Cláudio Fragoso entende que não há divergência entre pena e medida de segurança, pois os dois institutos possuem o mesmo fundamento:

Em realidade, o magistério punitivo do Estado não se funde na retribuição, nem tem qualquer outro fundamento metafísico. A pena encontra seu fundamento no dever que incumbe ao Estado de preservar a ordem a segurança da convivência social, que deflui de sua função de tutor e mantenedor do ordenamento jurídico. Isso se faz com a incriminação de determinadas condutas, que mais gravemente atingem certos bens e interesses [...]. Pena e medida de segurança têm o mesmo fundamento. Ambas servem à proteção de bens jurídicos e se destinam a prevenir a prática de crimes. Na execução, ambas tendem à reintrodução do agente na sociedade, sem que venhas a cometer novos crimes (FRAGOSO, 1985, p. 405-406).

Apesar das diferentes posições a respeito da natureza jurídica das medidas de segurança, prevalece em nosso sistema jurídico que o referido instituto possui natureza de sanção penal, tendo como principal peculiaridade a função de curar o indivíduo que possui periculosidade.

Diante das distinções expostas entre medida de segurança e a pena, bem como da sua natureza jurídica, percebe-se que a diferença entre esses dois institutos reside no fato de que a primeira não possui tempo máximo de duração, tendo apenas prazo mínimo, assim, ela somente será cessada caso reste comprovada a cura do indivíduo submetido a esse tipo de tratamento, conforme § 1º do art. 97 do Código Penal.

No entanto, há inúmeros doutrinadores e juristas que não concordam com a não definição de tempo limite, tendo em vista que o nosso ordenamento jurídico veda expressamente as penas de caráter perpétuo, pois o prazo indeterminado da medida afronta o disposto no art. 5º, inciso XLVII, alínea b, da Constituição Federal, de 1988 (CF/1988), bem como no art. 75 do Código Penal, que dispõe sobre a unificação das penas, isto é, a pena imposta não pode ultrapassar o limite de 30 anos.

No entanto, apesar da maioria doutrinária concluir pela inconstitucionalidade do prazo indeterminado para as medidas de segurança, há posicionamento diverso no sentido de que tal instituto é uma providência judicial curativa, devendo o condenado permanecer no estabelecimento hospitalar até que cesse sua periculosidade e, posteriormente, voltar ao convívio social.

Desta forma, entende Rogério Greco que, se o internado, após longos anos de tratamento não demonstrar qualquer sinal de melhora, ele deverá permanecer em custódia, pois resta demonstrado que sua inaptidão para o convívio em sociedade. Caso o internado volte a conviver em sociedade sem estar capacitado para tal fim, ele poderá colocar risco tanto sua própria vida como a segurança da coletividade. Aduz o doutrinador:

Contudo, a situação não é tão simples assim. Casos existem em que o inimputável, mesmo após longos anos de tratamento, não demonstra qualquer aptidão ao retorno ao convívio em sociedade, podendo-se afirmar, até, que a presença dele no seio da sociedade trará riscos para sua própria vida. Por essa razão é que o Código Penal determina, nos §§ 1º e 2º do art. 97, que a internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade, cujo prazo mínimo para internação ou tratamento ambulatorial deverá ser de um a três anos (GRECO, 2010, p. 643-644).

Corroborando com o entendimento exposto acima, Guilherme de Souza Nucci também discorda que o prazo indeterminado das medidas de segurança seja inconstitucional, pois tal instituto não é considerado pena e, por conta disso, a interpretação do art. 75 do Código Penal deve ser de forma restritiva. Ademais, ressalta que apesar da medida de segurança ter caráter de sanção penal, seu propósito é o fim curativo e terapêutico, devendo o paciente permanecer internado enquanto não estiver devidamente curado (NUCCI, 2011).

A contrario sensu, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli compreendem que o prazo indeterminado das medidas de segurança afronta a proibição de penas de caráter perpétuo disposto no art. 5º, inciso XLVII, alínea b, da CF/1988 e declaram ainda:

Não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de fazê-lo.

Pelo menos é mister reconhecer para as medidas de segurança o limite máximo da pena correspondente ao crime cometido, ou a que foi substituída, em razão da culpabilidade diminuída (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 811).

Do mesmo modo, Eduardo Reale Ferrari afirma que toda sanção deve ter prazo máximo de duração, pois o simples argumento de que o inimputável deve ter um tratamento diferenciado do imputável não justifica que o prazo das medidas de segurança seja por tempo indeterminado. O autor ressalta ainda que:

Admitir a interferência estatal ilimitada simplesmente por uma necessidade de diferenciação constitui flagrante supressão às garantias de igualdade, inerentes ao Estado Democrático de Direito. Num Estado de Direito, não faz sentido que o legislador imponha limites mínimos obrigatórios a qualquer ilícito-típico, constituindo uma garantia jurídica a possibilidade de verificar-se a cessação de perigosidade, a qualquer tempo (FERRARI, 2001, p. 181).

Paulo Queiroz destaca ainda que, além do prazo indeterminado para as medidas de segurança ser inconstitucional, tal indeterminação também ofende os princípios da proporcionalidade, da não perpetuação da pena e da igualdade (QUEIROZ, 2010).

Tendo em vista os preceitos estipulados acima, pode-se concluir que o posicionamento majoritário é de que o prazo indeterminado das medidas de segurança é inconstitucional, bem como ofende os princípios da igualdade e da não perpetuação das penas. Desta forma, entende-se como medida de rigor que seja estabelecida um limite máximo da duração para aplicação desse instituto, sendo determinado pelo tempo máximo do crime praticado para que ocorra a individualização da pena e a substituição desta pela medida de segurança, consequentemente (ANDRADE, 2004).

Ao realizar pesquisas jurisprudenciais a respeito da duração das medidas de segurança, foi encontrado precedentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, o qual inclusive já foi estabelecido pela Súmula nº 527 – no sentido de que a medida de segurança não poderá ultrapassar o tempo máximo da pena. A decisão foi proferida pela Quinta Turma deste tribunal, que concedeu de ofício habeas corpus em favor de um sentenciado que, após ter cometido homicídio, lhe foi imposta a medida de segurança e, vinte e quatro anos após ter sido internado, ele pretendia obter a desinternação condicional (BRASIL, 2012).

Assim, a relatora do processo, Ministra Laurita Vaz, determinou que o tempo de cumprimento da medida de segurança deve ter seu limite estabelecido ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado e não pode ser superior a 30 anos – conforme o Código Penal brasileiro –, afirmando que não é possível apenar de forma mais rígida o inimputável do que o imputável, conforme julgado abaixo transcrito:

HABEAS CORPUS. PENAL. INIMPUTÁVEL. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO INDETERMINADO. PERSISTÊNCIA DA PERICULOSIDADE. IMPROPRIEDADE DO WRIT. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. DECRETO N.º 7.648/2011. VERIFICAÇÃO DE INCIDÊNCIA. NECESSIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE PENAS PERPÉTUAS. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE CUMPRIMENTO AO MÁXIMO DA PENA ABSTRATAMENTE COMINADA. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES.

1. Na hipótese, o Tribunal de origem, após exame do conjunto fático-probatório dos autos, concluiu pela necessidade de prorrogação da internação do Paciente em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, por não restar evidenciada a cessação de sua periculosidade, embora tenham os peritos opinado pela desinternação condicional do Paciente. Assim, para se entender de modo diverso, de modo a determinar que o Paciente seja submetido a tratamento em Hospital Psiquiátrico Comum da Rede Pública, e não em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, seria inevitável a reapreciação da matéria fático-probatória, sendo imprópria sua análise na via do habeas corpus.

2. Por outro lado, nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97, § 1.º, do Código Penal, deve ser interpretado em consonância com os princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade. Assim, o tempo de cumprimento da medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado e não pode ser superior a 30 (trinta) anos.

3. Além disso, o art. 1.º, inciso XI, do Decreto n.º 7.648/2011, concede indulto às pessoas, nacionais e estrangeiras "submetidas a medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade que, até 25 de dezembro de 2011, tenham suportado privação de liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal, por período igual ao tempo da condenação.

4. Habeas corpus não conhecido. Writ concedido, de ofício, para determinar que o Juízo das Execuções analise a situação do Paciente, à luz do que dispõe o art. 1.º, inciso XI, do Decreto n.º 7.648/2011 (STJ – HC: 208336 SP 2011, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 20/03/2012, 5ª Turma, Data da Publicação: DJ 29-03-2012).

Corroborando com a mesma linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal (STF) já exarou entendimento orientando que a medida de segurança não ultrapasse o limite máximo imposto pelo art. 75 do Código Penal, conforme julgado abaixo exposto:

MEDIDA DE SEGURANÇA – PROJEÇÃO NO TEMPO – LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos (STF – HC: 84219 SP, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 16/08/2005, 1ª Turma, Data da Publicação: DJ 23-09-2005).

Apesar da divergência doutrinária acerca do prazo máximo para a aplicação deste instrumento, verifica-se que o posicionamento majoritário, bem como as cognições emanadas pelas Cortes Superiores, resta evidente que o limite temporal para que uma pessoa seja submetida à internação ou tratamento ambulatorial não poderá ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao crime cometido, além de respeitar o limite máximo de 30 anos para que, com isso, possam ser vedadas as penas de caráter perpétuo.

Em relação a sua aplicabilidade, prescreve o art. 97 do Código Penal que é obrigatória a internação do inimputável quando este praticar ato típico, ilícito e culpável, sendo punido com pena de reclusão. Estabelece, ainda, que se o crime for punível com pena de detenção, o magistrado poderá submeter o sentenciado ao tratamento ambulatorial. Nesse sentido, conforme preconiza Paulo Queiroz, a razão da aplicação das medidas de segurança se fundamenta na periculosidade criminal do agente, conforme citação abaixo transcrita:

Por conseguinte, todos os pressupostos jurídicos-penais exigidos para a imposição de uma pena hão de igualmente valer para as medidas de segurança, com exceção apenas da imputabilidade, pois, se assim não for, conferir-se-á ao inimputável um tratamento injusto, desigual e ofensivo aos princípios penais, os quais devem ser aplicados com maior força de razões a tais pessoas, dado o maior grau de vulnerabilidade em que normalmente se encontram (a lei penal como a lei do mais débil) (QUEIROZ, 2010, p. 437).

Posto isto, resta inconteste que, para que o indivíduo infrator seja submetido à medida de segurança, é necessário o preenchimento de três requisitos, quais sejam: a realização de ato definido como delito; o perigo que o agente possa ocasionar; e a ausência de imputabilidade plena.

Ressalta-se que, ainda que o indivíduo tenha praticado um ato ilícito punível definido em lei, é indispensável haver o respeito ao devido processo legal, pois deve-se certificar ao agente, mesmo que inimputável, o direito à ampla defesa e ao contraditório. Somente após o trâmite do processo que o magistrado poderá aplicar a medida de segurança (NUCCI, 2011).

A periculosidade do sujeito se baseia no comportamento do agente, isto é, a sua persistência no cometimento de crimes:

Periculosidade é o que a personalidade de certos indivíduos contém de militante inclinação para o crime. Quanto mais um crime corresponde à personalidade do agente, tanto maior é a periculosidade deste, isto é, tanto maior é a probabilidade de que torne a delinquir. O crime que não se enquadra na personalidade de seu autor é, em relação a este, um episódio acidental ou com muito pouca probabilidade de repetição. Deixa de ser sintoma ou indício de periculosidade, isto é, do estado psíquico (ANDRADE, 2004, p. 14).

Quanto à sua aplicabilidade ao semi-imputável, será utilizado o sistema vicariante, isto é, ou o juiz diminui a pena de 1/3 a 2/3 ou a substitui por medida de segurança, isto é o que dispõe o art. 98 do Código Penal. Contudo, embora não seja comum, o juiz pode determinar que o semi-imputável seja submetido à medida de segurança caso venha a ocorrer alguma perturbação mental. É o que explana Rogério Greco:

As colocações que devem ser feitas são as seguintes: o semi-imputável foi condenado; foi-lhe aplicada uma pena; agora, em virtude de necessidade de especial tratamento curativo, pois que a saúde mental encontra-se perturbada, a pena privativa de liberdade a ele aplicada poderá ser substituída pela internação ou pelo tratamento ambulatorial (GRECO, 2010, p. 647).

Transitada em julgado a sentença que aplicar tal instrumento, deverá ser expedida guia para sua execução, pois ninguém poderá ser internado sem autorização judicial, conforme estabelece os artigos 171 e 172 da Lei de Execução Penal.

Conforme preleciona Haroldo da Costa Andrade, as medidas de segurança somente poderão ser cumpridas quando ocorrer o trânsito em julgado da sentença que avaliou o agente inimputável ou semi-imputável. Após a expedição, a guia deverá ser encaminhada à autoridade administrativa incumbida da execução e deverá conter as exigências determinadas pelo art. 173 da Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (ANDRADE, 2004).

Posteriormente, transcorrido o prazo mínimo dos três anos, conforme determina o art. 97 e o art. 98 do Código Penal, deverá o sentenciado ser submetido a exame criminológico, a fim de verificar sua periculosidade. Tal exigência, conforme o art. 174 da Lei de Execução Penal, é estabelecida pelos art. 8º e art. 9º da mesma legislação, com o objetivo de individualização da execução, bem como o direito da comissão em realizar diligências necessárias para assegurar a veracidade do exame.

Após a realização do exame, o laudo deverá ser encaminhado ao juízo das execuções penais, que deverá decidir se mantem ou revoga a medida de segurança imposta ao sentenciado, conforme inteligência do art. 175 da Lei de Execução Penal. Se o juiz das execuções penais entender que o sentenciado não está apto para o convívio em sociedade, deverá a autoridade administrativa realizar exame pericial de ano em ano ou a qualquer tempo, quando determinado pelo juiz.

Por outro lado, caso seja entendimento do magistrado que o sentenciado se recuperou de sua enfermidade, deverá ser suspensa a medida de segurança, determinando a desinternação ou a liberação condicional do internado.

Portanto, pode-se concluir que a aplicação da medida de segurança ao semi-imputável não é uma regra, mas sim uma medida excepcional, devendo ser utilizada com o escopo de tratamento curativo ao ser diagnosticada a perturbação da saúde mental desse criminoso.


3 DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA AO PSICOPATA

Sendo o psicopata uma pessoa incapaz de se autodeterminar e, consequentemente, ser impulsivo, são considerados semi-imputáveis e, portanto, são suscetíveis ao tratamento disposto pela medida de segurança. Por essa razão, Heitor Piedade Júnior alega que este instrumento é a melhor sanção para esses indivíduos:

Postulamos uma profunda reflexão em torno da não punibilidade dos indivíduos portadores de personalidade psicopáticas, desde que “em virtude de perturbação de saúde mental”, tenham esses indivíduos sério comprometimento das faculdades intelectivas e volitivas.

Se postulamos, por um lado, a não punibilidade para esses anômalos psíquicos, por outro lado, em nome da defesa nacional, postulamos que eles sejam submetidos, se perigosos, a um eficaz sistema de Medida de Segurança, em moldes científicos, ditados pelas novas conquistas das ciências penais, criminológicas e sociais, dentre elas, as medidas adotadas pela moderna psiquiatria (JÚNIOR, 1982, p. 228).

No entanto, conforme anteriormente mencionado, as medidas de segurança têm como fim precípuo a cura do indivíduo submetido a esse instituo, ou seja, possuem uma natureza preventiva, de forma a evitar que o criminoso venha a reiterar seus delitos (JESUS, 2003).

Portanto, pode-se afirmar que a medida de segurança é uma forma de sanção penal voltada para criminosos com alta periculosidade, de forma que analisa a probabilidade que este delinquente possui para reiterar suas práticas criminosas, devendo este ser submetido ao tratamento enquanto não for averiguada sua cura ou caso seja atingido o limite máximo da pena que corresponde ao crime cometido (FERRARI, 2001).

Além disso, a Lei de Reforma Psiquiátrica – Lei nº 10.216/2001 – estabelece em seu art. 4º, § 1º, que uma das finalidades deste instrumento é determinar o retorno do paciente à sociedade. Nesse sentido, pode-se concluir que o Estado, ao criar este instituto, teve como objetivo evitar a ocorrência de crimes futuros daquele criminoso que tenha demonstrado alto grau de periculosidade, bem como curar a enfermidade, de forma a contribuir para sua reinserção social. Com isso, entende-se que, para a reinserção do agente na sociedade novamente, é preciso que haja a cessação de sua enfermidade, ou, pelo menos, controlado em parte a sua patologia (GRECO, 2010).

No entanto, apesar da medida de segurança ser cabível para indivíduos com transtorno de personalidade, verifica-se, ao analisar os pormenores da psicopatia, alguns empecilhos ao empregar este instituto para esses criminosos. Primeiramente, no que tange à cura ou ao controle da patologia do enfermo, cabe recordar que a psicopatia não é conceituada como uma doença, mas meramente um transtorno de personalidade, isto é, distúrbios de caráter afetivo e sensitivo, não possuindo qualquer chance de cura (SHINE, 2000).

Desta forma, sendo feito exame de cessação de periculosidade e restar comprovada a cura da pessoa submetida à medida de segurança, a desinternação ou liberação deverá ser concedida após o prazo mínimo de três anos fixado pelo juiz (NUCCI, 2008).

No entanto, devido à facilidade que o psicopata tem de ludibriar as pessoas por ser extremamente envolvente e inteligente, bem como utilizar meios ardilosos para enganar e obter vantagens, ele pode simplesmente adulterar o resultado desse exame, de forma a confundir o profissional que realizar a avaliação (BANHA, 2008). Partindo desse entendimento, estudiosos vêm afirmando que as chances desses criminosos voltarem a delinquir é bastante provável:

Quando a se discutir eventual liberação pela suspensão da medida de segurança, quase há um consenso, com poucas discórdias em torno dele, no sentido de que tais formas extremas de psicopatia que se manifestam através da violência são intratáveis e que seus portadores devem ser confinados. Deve-se a propósito deste pensamento, considerar que os portadores de personalidade psicopática são aproximadamente de três a quatro vezes mais propensos a apresentar recidivas de seu quadro do que os não psicopatas (EÇA, 2010, p. 328).

Corroborando com esse entendimento, o procurador do Banco Central, Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar, afirma que é preciso criar uma política específica para o tratamento desses criminosos, visando a necessidade de combater os efeitos que este transtorno de personalidade traz à sociedade, conforme aduz no trecho abaixo:

Pode-se dizer que o psicopata exerce uma “função social negativa” com seu comportamento ousado, em claro desrespeito às normas jurídicas e éticas. Trata-se de fenômeno bastante visível no Brasil, onde os cidadãos são frequentemente instigados a abandonarem parâmetros de honestidade, bondade, compaixão e substituí-los por um simples cálculo de custo/benefício, bem ao estilo dos criminosos. Daí a necessidade de se aprofundar no assunto relativamente à psicopatia, visando combater os seus efeitos em todos os segmentos da sociedade (AGUIAR, 2009, p. 10).

O outro problema encontra-se no fato de que o cumprimento da medida de segurança denota um tempo máximo, conforme mencionado anteriormente. Apesar do parágrafo 1º do art. 97 do Código Penal estipular que a internação e o tratamento ambulatorial será por tempo indeterminado, adverte-se a inconstitucionalidade desse dispositivo legal por contrariar a proibição das penas perpétuas, ocasionando uma afronta ao art. 5º, inciso XLVII, alínea b, da CF/1988 (PRADO, 2002).

Posto isto, devido às características inerentes aos indivíduos portadores de personalidade psicopática, a prisão não seria útil para criminosos dessa natureza, tampouco lhes servirá como punição a medida de segurança, demonstrando-se inócua, já que os psicopatas não possuem qualquer chance de cura (ALBERGARIA, 1999).

Desta forma, pode-se afirmar que ainda permanece certa fragilidade acerca deste assunto, concluindo-se que este novo problema dificulta a ação dos juízes e demais profissionais do Direito. Portanto se faz necessária a realização de mais estudos sobre o tema para que sejam criadas normas reguladoras e eficientes que ampare esses indivíduos, bem como assegure um menor risco à sociedade (OLIVEIRA, 2011).

3.1 QUAL A SOLUÇÃO PARA ESSA PROBLEMÁTICA?

Conforme exposto acima, percebe-se que a aplicação da medida de segurança aos portadores de transtorno de personalidade se mostra ineficaz em razão dos elementos que envolvem esse distúrbio. Desta forma, o Estado tem criado uma solução viável para sanar o caso em comento.

Tendo por base esse raciocínio, Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar afirma que o Estado não deve analisar o psicopata como uma pessoa comum, devendo, pois, propiciar um tratamento diferenciado, bem como estabelecer uma política criminal diferenciada, conforme aduz no trecho abaixo:

No Brasil, os condenados pela prática de crime são vistos pelo Estado da mesma forma que o passageiro de um avião enxerga a floresta abaixo, ou seja, de modo absolutamente homogêneo. O princípio da individualização da pena é frequentemente ignorado na execução penal, sendo comum o tratamento igualitário de pessoas com personalidades absolutamente díspares. Raros são os “biólogos” que se dão ao trabalho de analisar as diferenças entre cada um dos habitantes dessa “floresta”. Dessa crença na “bondade humana”, tem-se por parte de nossa intelectualidade uma defesa intransigente da função ressocializante da pena. Assim, a penalidade aplicável a qualquer espécie de criminoso, por mais cruel que tenha sido o delito, não serviria como punição, mas apenas como oportunidade para que ele se “descontamine” das más influências sociais. Como essa lógica “torta” não combina com a realidade do sistema prisional, a finalidade da pena, de tal ponto de vista, seria reprimir a “classe protelatória”. Nesse contexto, chegam a negar a própria existência de distúrbios psiquiátricos (AGUIAR, 2009, p. 10).

Desta forma, por serem os psicopatas incapazes de obter cura ou melhora, o Estado traz à baila como solução cabível a aplicação da medida de segurança até o tempo máximo para o cumprimento de uma pena, isto é, 30 anos, com a devida avaliação periódica do indivíduo. Persistindo a periculosidade, será decretada interdição do agente.

Corroborando com esse raciocínio, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli entendem que, se a doença do internado permanecer, a melhor solução é comunicar ao juízo cível para que possa se proceda a internação

Se continuar a doença mental da pessoa submetida à medida de segurança, a solução é comunicar a situação ao juiz do cível ou ao Ministério Público, para que se proceda conforme o art. 1.769 do Código Civil em vigor e efetivar a internação nas condições do art. 1.777 desse mesmo Código (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 812).

Desse modo, o Estado tem como coibir a ação desses criminosos de forma a proteger a coletividade, podendo recolher o portador de personalidade psicopática a uma clínica adequada quando interditado, caso não esteja apto a conviver em sociedade (PALOMBA, 2012).

A respeito do assunto, o STF vem aplicando a solução acima descrita no sentido de empregar a interdição civil da pessoa portadora de transtorno de personalidade para que esse indivíduo não traga riscos à sociedade caso venha a ser solto. É o entendimento da decisão abaixo transcrita:

MEDIDA DE SEGURANÇA – PROJEÇÃO NO TEMPO – LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, Procurador Estadual.1ª Turma, 09.11.2004. Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1ª Turma, 14.12.2004. Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Sepúlveda Pertence. 1ª Turma, 15.02.2005. Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus para que, cessada a aplicação da medida de segurança, se proceda na forma do art. 682, § 2º. do Código de Processo Penal ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, na conformidade dos arts. 1.769 e seg. do Código Civil, nos termos do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Unânime. 1ª. Turma, 16.08.2005 (STF – HC: 84219 SP, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 16/08/2005, 1ª Turma, Data da Publicação: DJ 23-09-2005).

Na mesma esteira, ao julgar o Habeas Corpus nº 130.162, o STJ confirmou o entendimento acima exposto no sentido de que quando a Medida de Segurança é aplicada em substituição à pena corporal sua duração deverá estar adstrita ao tempo que resta para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Todavia, caso a periculosidade não seja sanada, será cabível buscar a interdição do agente perante o juízo cível, conforme aduz o trecho transcrito abaixo:

Não é possível que a medida de segurança, aplicada em razão da superveniência de doença mental no decorrer da execução penal, tenha duração superior à pena privativa de liberdade estabelecida na sentença, pois caberá ao Ministério Público, se entender necessário, em razão da não cessação da periculosidade do agente, desde que estritamente necessário à proteção dele ou da sociedade, buscar a sua interdição perante o juízo cível (STJ – HC: 130162 SP, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 02/08/2012, 6ª Turma, Data da Publicação: DJ 15-08-2012).

Ademais, convém destacar o julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual determina que pessoas portadoras de personalidade psicopática devem continuar internadas em estabelecimento adequado caso sua periculosidade permaneça, devendo a gravidade do agente ser comprovada por meio de laudo psiquiátrico:

Execução penal. Medida de segurança. Internação em hospital de custódia. Laudo atestando a não cessação da periculosidade do agravante. Pedido de realização de nova perícia a fim de que seja verificada a necessidade de manutenção da segregação. Aplicação do disposto na Lei nº 10.216/01. Inadmissibilidade. Periculosidade não cessada. Laudo pericial dando conta apenas do controle da periculosidade durante o tratamento psiquiátrico. Fato comum em psicopatas. Atestado distúrbio de personalidade gravíssimo. Ausência de condições externas e familiares para a continuidade do tratamento. Desinternação não recomendada. Risco social presente. Prorrogação da medida de segurança bem determinada. Agravo não provido (TJ-SP EP: 990091775916 SP, Relator: ALMEIDA TOLEDO, Data de Julgamento: 01/12/2009, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data da Publicação: DJ 05-01-2010).

No mesmo sentido, o julgado do STJ:

A possibilidade de interdição de sociopatas que já cometeram crimes violentos deve ser analisada sob o mesmo enfoque que a legislação dá à possibilidade de interdição – ainda que parcial – dos deficientes mentais, ébrios habituais e os viciados em tóxicos (art. 1.767, III, do CC/2002). Em todas essas situações o indivíduo tem sua capacidade civil crispada, de maneira súbita e incontrolável, com riscos para si, que extrapolam o universo da patrimonialidade, e que podem atingir até a sua própria integridade física, sendo também ratio não expressa, desse excerto legal, a segurança do grupo social, mormente na hipótese de reconhecida violência daqueles acometidos por uma das hipóteses anteriormente descritas, tanto assim que, não raras vezes, sucede à interdição, pedido de internação compulsória. Com igual motivação, a medida da capacidade civil, em hipóteses excepcionais, não pode ser ditada apenas pela mediana capacidade de realizar os atos da vida civil, mas, antes disso, deve ela ser aferida pelos riscos existentes nos estados crepusculares de qualquer natureza, do interditando, onde é possível se avaliar, com precisão, o potencial de autolesividade ou de agressão aos valores sociais que o indivíduo pode manifestar, para daí se extrair sua capacidade de gerir a própria vida, isto porque a mente psicopática não pendula entre sanidade e demência, mas há perenidade etiológica nas ações do sociopata (STJ, REsp 1.306.687, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.03.2014).

Apesar da reforma do estatuto da pessoa com deficiência – definida pela Lei nº 13.146/2015 –, afirmar que não há mais possibilidade da pessoa maior e incapaz ser interditada, tal raciocínio não deve ser aplicado nos casos de pessoas com personalidade psicopática, uma vez que seu convívio em sociedade pode acarretar sérios riscos, além de não serem considerados deficientes mentais, posto não ser aplicável tal estatuto a esses indivíduos. No mesmo sentido está o entendimento de Flávio Tartuce:

Aqui, pode ser feita uma crítica em relação ao novo sistema de interdição inaugurado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Isso porque não só o sociopata, como também o psicopata, anteriormente enquadrados como absolutamente incapazes, deveriam continuar a ser interditados. Com a mudança engendrada pela Lei 13.146/2015, somente são absolutamente incapazes os menores de 16 anos, não sendo possível enquadrar tais pessoas no rol dos relativamente incapazes do art. 4.º do CC/2002. Em suma, serão tais pessoas plenamente capazes, para os fins civis, o que não parece fazer sentido. Infelizmente, o legislador pensou apenas na pessoa com deficiência, deixando de lado outras situações concretas (TARTUCE, 2016, p. 1457 e 1458)

Pelo exposto, pode-se asseverar que a solução mais correta para o caso em apreço seria a interdição desses indivíduos após o término do prazo temporal da medida de segurança, seguindo as normas emanadas da Lei da reforma Psiquiátrica – Lei nº 10.216/2001 – em especial o que determina em seu art. 5º, até que os estudos psiquiátricos possam avançar e ter uma resposta mais ajustada às peculiaridades desse distúrbio e, com isso, elaborar ações que melhor se adequem ao caso, sendo imprescindível que haja edição de novas leis nesse sentido.


CONCLUSÃO

O presente trabalho desenvolveu uma análise sobre a questão do psicopata e, consequentemente, as implicações que pessoas portadoras desse transtorno podem ocasionar dentro do Direito Penal. Para isso, foi elaborado um estudo aprofundado sobre a personalidade psicopática e a sanção cabível para esses indivíduos, dentre elas, a possibilidade de aplicação da medida de segurança.

Desta forma, concluiu-se que os psicopatas são indivíduos que, apesar de conhecerem o caráter ilícito do fato, manifestam ao longo da vida a destituição do senso de responsabilidade ética, bem como ausência de afeto e sensibilidade, não sendo influenciáveis por medidas educacionais, devido ao seu comportamento impulsivo.

Por possuírem esse tipo de comportamento pautado em manipulações maliciosas, além de não terem a capacidade de autodeterminação, os psicopatas são considerados semi-imputáveis. Devido a esses atributos, resta inconteste a inadequada aplicação da pena privativa de liberdade, por não conseguir atingir a finalidade desta punição, isto é, a ressocialização do delinquente.

Nesse contexto, foi realizado estudo da medida de segurança, a qual visa à recuperação do agente, bem como a prevenção de crimes futuros, sendo aplicada a inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis, desde que eles possuam alto grau de periculosidade e tenham cometido fato definido como crime.

Considerando as características inerentes à personalidade psicopática, a aplicação de medidas de segurança para esses indivíduos também não é o suficiente, pois, após esgotar o limite máximo para o seu cumprimento ou a cessação da periculosidade mediante comprovação de exame criminológico, o delinquente deverá ser posto em liberdade, fazendo com que ele volte às práticas criminosas.

Sendo assim, conclui-se que ainda permanece uma vulnerabilidade acerca do tema, devendo os profissionais da área, principalmente os legisladores, aprofundar seus estudos e elaborar leis que tratem dessa situação, pois o ideal seria a elaboração de uma legislação que tenha com finalidade neutralizar o comportamento desses delinquentes, de modo a proporcionar um menor risco à sociedade.


REFERÊNCIAS

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ALBERGARIA, J. Noções de Criminologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999.

ANDRADE, H. D. Das Medidas de Segurança. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004.

BANHA, N. C. A Resposta do Estado aos Crimes Cometidos por Psicopatas. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5321>. Acesso em: 18 jun. 2016.

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BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84219/SP. Medida de Segurança. Projeção no Tempo. Limite. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. 1ª turma. Relator Min. Marco Aurélio. Brasília, DF. Data de julgamento: 16 ago. 2005. Data da publicação: DJ 23 set. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HABEAS+CORPUS+84219%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/h7qktqa>

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1306687/MT. 3ª Turma. Processo Civil. Interdição. Curatela. Psicopata. Possibilidade. Relatora Min. Nancy Andrighi. Brasília, DF. Data de julgamento: 18 mar. 2014. Data de publicação: DJe 22 abr. 2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201102447769&dt_publicacao=22/04/2014>.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 130162, 6ª Turma. 1. Sentença condenatória. Execução. Superveniência de doença mental. Conversão de pena privativa de liberdade em medida de segurança. Internação. Manutenção. Tempo de cumprimento da pena extrapolado. Constrangimento ilegal. 2. Ordem concedida. Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura. Brasília, DF. Data de julgamento: 02 ago.2012, 6ª Turma, Data da Publicação: DJ 15 ago. 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200900372911&dt_publicacao=15/08/2012>.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 208336/SP. Penal. Inimputável. Aplicação de medida de segurança. Prazo indeterminado. Persistência da periculosidade. Impropriedade do writ. Habeas corpus não conhecido. Decreto nº 7.648/2011. Verificação de incidência. Necessidade. Vedação constitucional de penas perpétuas. Limitação do tempo de cumprimento ao máximo da pena abstratamente cominada. Ordem concedida, de ofício, para determinar o retorno dos autos ao juízo das execuções. 5ª Turma. Relatora Min. Laurita Vaz. Brasília, DF. Data de julgamento: 20 mar. 2012. Data da publicação: DJ 29 mar. 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201101250545&dt_publicacao=29/03/2012>.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 527. 3ª Seção. O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. Brasília, DF. Data de julgamento: 13 maio 2015. Data de publicação: DJe 18 maio 2015. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn&b=SUMU&p=true&l=10&i=56#DOC56>.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Execução Penal nº 990091775916. Execução penal. Medida de segurança. Internação em hospital de custódia. Laudo atestando a não cessação da periculosidade do agravante. Pedido de realização de nova perícia a fim de que seja verificada a necessidade de manutenção da segregação. Aplicação do disposto na Lei nº 10.216/01. Inadmissibilidade. Periculosidade não cessada. Laudo pericial dando conta apenas do controle da periculosidade durante o tratamento psiquiátrico. Fato comum em psicopatas. Atestado distúrbio de personalidade gravíssimo. Ausência de condições externas e familiares para a continuidade do tratamento. Desinternação não recomendada. Risco social presente. Prorrogação da medida de segurança bem determinada. Agravo não provido. 16ª Câmara de Direito Criminal. Relator: Otávio de Almeida Toledo. São Paulo, SP. Data de julgamento: 1º dez. 2009. Data da publicação: DJ 05 jan. 2010. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4240267&cdForo=0&vlCaptcha=swdee>.

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AMARAL, Gabriella. Personalidade psicopática: implicação no âmbito do direito penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5239, 4 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60784. Acesso em: 19 abr. 2024.