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O instituto da recuperação judicial diante da súmula 581 do STJ

O instituto da recuperação judicial diante da súmula 581 do STJ

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Existe grande possibilidade de ocorrer a revogação da súmula 581 do STJ, sendo mais viável que se estenda a suspensão das ações também aos terceiros solidários e coobrigados do devedor em recuperação.

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo uma análise sistemática da Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça frente ao instituto da recuperação judicial, considerando a pacificação da controvérsia a teor da edição sumular retro que fez distinção do alcance do benefício acerca do sobrestamento das ações em curso, limitando seus efeitos aos sócios não cotistas e à empresa recuperanda, com exclusão de terceiros devedores solidários e coobrigados por garantia cambial, real ou fidejussória. Com vistas à compreensão da referida súmula, faz-se uma análise objetiva e subjetiva do instituto da novação de dívida e sua aplicação na Lei 11.101/2005 em cotejo a novel legislação civil. Finalizando a pesquisa, urge formalizar críticas sob o manto da equanimidade nas relações jurídicas e contradições alcançadas pela edição da referida súmula.

Palavras-chave: Recuperação judicial. Súmula 581 do STJ. Do instituto da novação de dívida aplicado na Lei 11.101/2005. Sobrestamento das ações na recuperação judicial. Terceiros devedores e coobrigados por garantia cambial, real ou fidejussória. 


INTRODUÇÃO 

Objetivando uma reflexão sistemática da Súmula 581 do STJ, o presente trabalho traz uma interpretação crítica à exegese que serviu de substrato à pacificação da controvérsia acerca do sobrestamento das ações em curso ao tempo do pedido de recuperação judicial e a quem se aproveita dos seus efeitos.

Não obstante as peculiaridades da Lei de Recuperação Judicial e Falência, por sua natureza de direito privado, observa-se a aplicação de institutos da lei civil como meio de alcançar eficácia diante do propósito da conservação da empresa na manutenção de empregos e interesses dos credores.

Tal afirmativa é verificada, a título de exemplo, em dispositivo que determina além do sobrestamento das ações em curso ao tempo da concessão da recuperação judicial, a aplicação do instituto da novação como forma de extinção das obrigações anteriormente firmadas; não sendo, portanto, crível a continuidade de tais ações diante da inexistência de dívidas inadimplidas.

A novação como instituto originário da lei civil possui natureza dispositiva, isso porque há possibilidade de convencionar acerca dos acessórios e garantias firmadas na relação jurídica primitiva, podendo, neste aspecto, extingui-los ou conservá-los na nova obrigação.

Considerando que a novação no Código Civil prevê a extinção dos acessórios e garantias, salvo se as partes estipularem em contrário (364, CC), o legislador na recuperação judicial visando alcançar o princípio da preservação das empresas em consonância ao interesse dos credores (47, CC), manteve as garantias cambial, real ou fidejussória, o que neste ponto difere da lei civil; podendo, no entanto, dispensá-las se autorizado pelo credor.

Pode-se afirmar, portanto, a natureza sui generis do instituto da novação na recuperação judicial, pois ao manter as garantias diante da condição resolutiva estabelecida no plano de recuperação, força uma maior aceitação dos credores quanto ao pedido de recuperação judicial, prestigiando o objetivo principiológico da conservação das empresas como fonte geradora de riquezas.

No magistério de Uinie Caminha e Sarah Morganna Matos Marinho não deixa margem de dúvida quanto à diferença estabelecida na novação no direto civil e na recuperação judicial:

No âmbito do regime concursal, a novação também tem o efeito de operar a extinção do crédito anterior ao pedido da recuperação, resultado também presente na novação do direito civil, porém esse efeito não se estende às garantias originais do crédito, ao contrário do observado no regime civilista. (...) O efeito mais polêmico da novação na recuperação judicial, todavia, é a manutenção das garantias das obrigações nos moldes e no valor originalmente pactuados. Assim, mesmo diante da extinção do crédito anterior para o devedor em situação de recuperação judicial, seus eventuais garantes, como fiadores e avalistas, assim como outros tipos de garantias, serão mantidos e poderão ser executados pelo credor no valor originário do crédito. 

Concernente à conservação dos direitos dos credores, Jorge Lobo traz uma importante observação:

Os credores do devedor, embora sujeitos aos efeitos da decisão proferida na ação de recuperação judicial (art. 59), manterão intocados os direitos e privilégios que possuam contra: a) os coobrigados ou co-devedores solidários (p. ex., avalistas e endossantes de títulos de créditos emitidos pelo devedor); b) os fiadores; e c) os obrigados de regresso (art. 49, pár. 1º), podendo deles cobrar, no juízo competente, o que lhes for devido e abater dos créditos habilitados e julgados o que houverem recebido dos coobrigados. 

Nota-se, a princípio, a importância do instituto da novação na recuperação judicial, pois é verificado não apenas uma moratória para efeito de liquidação das dívidas, como posto na legislação que tratava acerca da Concordata (Decreto-lei 7.661/45), mas uma maior elasticidade no plano de recuperação pela possibilidade de alongamento no prazo de liquidação das dívidas que pode superar os 24 (vinte e quatro) meses previstos anteriormente na concordada, além de eventual deságio concedido pelos credores à recuperanda.   

Dessumi, portanto, que o instituto da novação na recuperação judicial além de extinguir as obrigações anteriores sem extinguir as garantias, possibilita o restabelecimento das condições anteriormente firmadas se não cumprido o plano de recuperação.

Não cumprido o plano de recuperação, restabelece as condições anteriores pela convolação em falência da recuperação judicial, ocorrendo, portanto, a perda dos benefícios dos prazos alongados para efeito de liquidação da dívida e eventuais deságios, deduzido o efetivamente liquidado.

Considerando a natureza sui generis da novação na recuperação judicial, com a manutenção das garantias cambial, real ou fidejussória, levantou-se a controvérsia acerca do sobrestamento das ações em curso também em desfavor aos terceiros devedores solidários ou coobrigados, o que forçou, pelo rito dos recursos repetitivos, a edição da Súmula 581 no Superior Tribunal de Justiça, ratificando o entendimento exarado no REsp 1.333.349 – SP.

Diante da sistemática que ampara a edição sumular retro, se por um lado pôs fim a controvérsia suscitada acerca dos devedores coobrigados, por outro não se sustenta frente às diferentes espécies de garantias e suas naturezas, ocasionando, como adiante será visto, um contrassenso em cotejo ao direito material. 


DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A legislação anterior que regulava a Concordata – Decreto-lei 7.661/45 – revelou-se ineficaz diante do princípio da conservação das empresas no interesse dos credores, isso porque se tratava mais de um favor legal pela concessão de moratória para efeito de liquidação das dívidas, que um plano eficaz de pagamento em consonância a real situação da empresa.        

Visando alcançar maior eficiência na preservação da fonte geradora de riquezas, em 09 de fevereiro de 2005 foi instituída a Lei 11.101./2005, que revogou o instituto da concordata com a promessa de ajudar empresas na superação da situação de crise econômico-financeira.

Na visão de Mauro Rodrigues Penteado a Lei de Recuperação Judicial e Falência é um sucedâneo da concordata, mormente se observar o regramento das pessoas impedidas de requerer a recuperação e o plano concessivo de pagamento das obrigações vencidas e vincendas; diferenciando, todavia, quanto ao conceito de concessão legal e homologação judicial do plano de recuperação:

Segundo o próprio texto da Lei 11.101/2005, tanto a recuperação judicial, quanto a extrajudicial, constituem sucedâneos da concordata, tanto que os devedores que se achavam, quando da promulgação da Lei, proibidos de requerer a última, nos termos de legislação específica, ficam igualmente proibidos de requerê-las (art. 198). E a recuperação judicial pode se aproximar ainda mais da concordata se o Plano estipular, apenas, a ‘concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas’ (ar. 50, inc. I), o que, na perspectiva do devedor, sempre será a melhor solução. Mas na aproximação reside, paradoxalmente, a nota diferencial entre ambos os institutos: no sistema do Dec.-lei 7.661/1945 a concordata era uma moratória concedida como ‘favor legal’, unilateralmente requerido pelo devedor, e que seria deferida pelo juiz, desde que presentes os requisitos legais para tanto – mesmo contra a vontade de um, vários ou todos os credores. Doravante a ‘concessão’ pelo juiz da recuperação judicial pressupõe, sempre, a aprovação dos credores, (i) seja pela ausência de objeções de qualquer um deles ao plano, (ii) seja pela aprovação do Plano de Recuperação pela Assembleia-Geral de Credores (art. 68, caput). O mesmo sucede com o plano especial de recuperação judicial para as microempresas e empresas de pequeno porte (art. 72, parágrafo único).

A diferença que autoriza a concessão da recuperação judicial e aquela deferida para concordata reside não só no aspecto da eficácia dos institutos, mas também quanto à facilitação de subsumir a crise econômico-financeira a real situação da empresa, a exemplo da possibilidade do deságio, a exceção dos créditos fiscais, participação direta dos credores por meio da assembleia e alargamento do prazo que supera o lapso dos 24 (vinte e quatro) meses para o cumprimento do plano de recuperação.

Não obstante as regras insertas na recuperação judicial, a concordata por sua natureza previa no máximo remissão de parte da dívida e/ou dilação nos prazos de vencimentos, sem, contudo, ter a participação direta dos credores na busca da solução em conjunto à empresa endividada; além de tais benefícios alcançarem apenas os créditos quirografários.

Na visão de Vera Helena de Mello Franco e Rachel Sztajn a natureza jurídica da recuperação judicial possui a seguinte forma:

Poder-se-á que o plano é um negócio de cooperação celebrado entre devedor e credores, homologado pelo juiz. No que diz respeito ao negócio de cooperação, assemelha-se ao contrato plurilateral; no que diz respeito à homologação, pode considerar forma de garantia do cumprimento das obrigações assumidas, com o que se reduzem custos de transação dada a coercitividade que dela, homologação, resulta.

Feito um singelo cotejamento entre os institutos da concordata e recuperação judicial, sem destoar do propósito do presente trabalho, passa a uma simples análise das fases da recuperação judicial.


FASES DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Para efeito de se alcançar o desideratum da continuidade da empresa no cenário mercantil, a lei de recuperação judicial prevê três fases: i) postulação; ii) processamento; iii) execução.

A postulação inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento, observado, sobretudo, os requisitos do artigo 51 da Lei 11.101/2005, dentre os quais se destacam os de aspectos objetivos pela exposição das causas concretas da situação patrimonial, das razões da crise econômico-financeira, apresentação dos extratos bancários e as demonstrações contábeis relativas aos 03 (três) últimos exercícios sociais; e os de aspectos subjetivos pela relação nominal dos credores e respectivos créditos, relação integral dos empregados e valores devidos, certidão de regularidade dos sócios, relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor, certidão de protesto, relação das ações judiciais com respectivos valores. 

Estando escorreita a petição inicial e devidamente instruída pelos documentos exigidos, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial com determinações, dentre as quais: nomeará administrador judicial, dispensará apresentação de certidões negativas – salvo se houver contratação com o poder público ou gozar de algum benefício ou incentivo fiscal, inclusive de ordem creditícia -, determinará a apresentação de contas mensais, ordenará a intimação do Ministério Público.

Além das retro determinações, o juiz ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, com ressalvas as de natureza fiscal, trabalhista e as ilíquidas, onde as últimas após apurado o crédito serão habilitadas com pedido de reserva e devidamente enquadradas no rol das classificações das espécies de créditos.

É justamente neste ponto da lei que deu origem a controvérsia e obrigou um posicionamento da corte superior pelo rito dos recursos repetitivos e consequente edição sumular, pacificando o entendimento a quem se aproveita a determinação de sobrestamento das ações em curso, nos moldes do artigo 6º da Lei 11.101/2005.

Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

Cumprido os requisitos dos incisos no disposto do artigo 52 da Lei 11.101/2005, inclusive a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos e eventuais objeções ao plano de recuperação, e não havendo irresignação ao plano proposto, ou, ainda, concedido a recuperação judicial nos moldes do artigo 58 da Lei 11.101/2005, passa a fase de execução com aplicação do instituto da novação dos créditos anteriores ao pedido, salvaguardando as garantias e suspendendo o nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito e cartório de protesto.  

Após breve análise das fases da recuperação judicial, urge a necessidade de averiguar sistematicamente o teor da Súmula 581 do STJ diante do instituto da novação dos créditos, e a suspensão das ações em curso contra os terceiros devedores solidários ou coobrigados - observado o artigo 6º, caput, e artigo 52, inciso III da Lei 11.105/2005.

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

III - ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6o desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1o, 2o e 7odo art. 6o desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei;


DA SÚMULA 581 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 

O disposto nos artigos retro transcritos determina a suspensão da prescrição e das execuções e ações em curso contra o devedor, inclusive as ações ajuizadas pelos credores particulares em face dos sócios solidários.

Com efeito, dado a relevância da controvérsia acerca da suspensão das ações em curso se seus efeitos alcançam além dos sócios também os devedores solidários ou coobrigados, em sede de recurso repetitivo (1.333.349 – SP) o Superior Tribunal de Justiça em decisão da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão se posicionou contra, afirmando, para tanto, que a suspensão das ações em curso alcança somente os sócios solidários, pois não se confunde estes com os garantidores coobrigados, conforme, aliás, vem previsto no parágrafo primeiro do artigo 49 da LRJF.

Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

Tal posicionamento, aliás, seguido pelos demais membros da 2ª seção do STJ, teve como espeque a exegese do artigo 6º, caput e artigo 52, inciso III da Lei 11.105/2005, além de posicionamento de parte da doutrina, diga-se: de escol; que ampara sua tese na literalidade dos artigos mencionados e no instituto da novação dos créditos insculpido no artigo 59 da LRJF.

A título de exemplo, João Pedro Scalzilli observa-se o fiel posicionamento à literalidade normativa acerca da novação dos créditos, e a possibilidade de serem mantidas as garantias reais ou fidejussórias em face dos devedores solidários e coobrigados e o pleno exercício pelo credor de seus direitos, senão vejamos:

Muito embora o plano de recuperação judicial opere a novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias prestadas por terceiros em favor do devedor são preservadas. Tal circunstância possibilita ao credor exercer (ou continuar exercendo) seus direitos contra os garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral.

E mais, se bem observar o comando do artigo 6º caput da Lei 11.105/2005, percebe-se que a suspensão das execuções e ações em curso alcança o devedor (recuperanda) e o sócio solidário cuja responsabilidade é ilimitada; isso porque em eventual convolação da recuperação em falência os bens destes sócios são arrecadados, por conta do principio do juízo universal da falência, como disposto no artigo 81 doa LRJF:

Artigo 81 – A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem.

Neste aspecto, a instrução normativa acerca da suspensão das ações em curso alcança o devedor e o sócio solidário das chamadas sociedades do tipo menor, a saber, sociedade em nome coletivo, comanditado – na sociedade em comandita simples, acionista-diretor – na comandita por ações; tal previsão se deve, conforme alhures, em sendo decretada a quebra da empresa os bens destes sócios solidários serão arrecadados, como nos ensina Fábio Ulhoa Coelho:

Quando, por outro lado, se trata de sociedade de tipo menor, é necessário distinguir a situação jurídica do sócio com responsabilidade ilimitada (qualquer um, na sociedade em nome coletivo; comanditado, na sociedade em comandita simples; acionista-diretor, na comandita por ações) da dos que respondem limitadamente (comanditário, na comandita simples e o acionista não diretor, na comandita por ações) pelas obrigações sociais. Na falência, de sociedade de tipo menor, os bens dos sócios de responsabilidade ilimitada são arrecadados pelo administrador judicial juntamente com os da sociedade. Estão, assim, sujeitos à mesma constrição judicial do patrimônio da falida.

O posicionamento a que se chegou a superior corte por meio da edição da Súmula 581, sobretudo, manteve a mens legis da Lei 11.105/2005 na conservação da empresa como fonte geradora de riquezas no interesse dos credores; daí, portanto, a justificativa da novação sem dispensar as garantidas, bem como a manutenção do exercício regular dos direitos dos credores em desfavor aos garantes, a despeito da concessão da recuperação judicial.

Todavia, há dissenso na doutrina acerca da edição sumular retro, mormente em se tratando do interesse pelas empresas em lançar-se pela via da recuperação judicial diante da limitação do sobrestamento das ações em favor apenas da recuperanda e sócios solidários.


CRÍTICAS À SÚMULA 581 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Diante da pacificação da controvérsia pela edição da Súmula 581 do STJ, é possível ocorrer um desestimulo por parte da empresa em dificuldade financeira em adotar a via da recuperação judicial.

Isso porque ao sobrestar as ações preterindo os terceiros devedores solidários ou coobrigados, vale dizer, ao manter o direito do exercício regular dos credores frente às garantias, faz com que os benefícios alcançados pelos acordos no plano de recuperação judicial venham se perder diante de eventual exercício do direito de regresso pelos garantes.

Observa-se que a lei de recuperação judicial não prevê aos terceiros solidários ou coobrigados eventuais benefícios concedidos pelos credores à recuperanda e sócios solidários; aliás, de total estranheza e contrassenso, posto ao determinar a novação dos créditos deveria suspender as ações em face dos garantidores.

Ora, ocorrendo a novação presume a não existência de dívida inadimplida, sendo assim, falta interesse processual em exigir o cumprimento da garantia estando a obrigação escorreita.

A doutrina de Manoel Justina Bezerra Filho traduz de forma crítica o posicionamento dos nossos tribunais que levou à edição da sumula referida, senão vejamos:

No entanto, nesse caso, estaria frustrado o próprio espírito da Lei, que pretende dar oportunidade de recuperação ao devedor em crise. É que, embora o devedor fizesse um acordo com seu credor para pagar um valor em condições mais favoráveis (no caso, em valor menor do que o original), ainda assim viria a responder, em regresso, pelo abatimento que teria conseguido com o credor. Com certeza, em tal situação, não estaria sendo atendida a finalidade da Lei, pois haveria apenas postergação do pagamento, tornando-se inócuo qualquer acordo que fosse feito entre devedor em crise e credor. Em consequência, a sociedade empresária estaria desestimulada de se socorrer da recuperação judicial que a Lei lhe oferece. 

 Outro ponto é acerca das garantias, tal como a fiança de natureza fidejussória, acessória e subsidiária em razão do benefício de ordem, que poderá ser firmada via instrumento próprio ou no bojo do contrato principal.

A fiança é acessória e como tal segue o contrato principal, assim havendo concessão de benefícios ao devedor na recuperação judicial, estes deveriam ser estendidos ao fiador, sob pena de violação a característica da acessoriedade do instituto da fiança.

  Diferentemente, no entanto, das garantias fidejussórias cambiárias que por sua natureza sui generis possuem princípios que as definem como obrigações autônomas e solidárias, onde notadamente o que se aproveita ao devedor principal não alcança o garante solidário, salvo se assentiu junto a credor.

A título de exemplo, há na doutrina diversos posicionamentos acerca da natureza jurídica do aval na qualidade de garantia cambiária, como trazidos na obra de P. R. Tavares Paes:

Magarinos Torres considera o aval uma garantia pessoal, plena e solidária que se pode juntar ao título, à obrigação de qualquer dos obrigados. Diz, ainda que é uma modalidade de fiança ‘expressamente e só visando a fortificar o crédito de um obrigado cambial, isto é, tendo por fim assegurar diretamente o pagamento por terceira pessoa’ (‘Nota Promissória’, vo. I/265). Já José Maria Whiltaker diz que o aval é uma garantia a um valor – ‘in rem’ – e não a uma pessoa – ‘in personan’: pressupõe a existência de uma obrigação, mas existência formal, e não real. E, como adverte Bonelli, ‘um instituto análogo ao do aceite por intervenção, pois num e noutro caso o subscritor assume o débito como próprio, independente da obrigação de uma pessoa determinada’. (‘Letra de Câmbio’, 6ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1961, p. 188).  

Portanto, dada a garantia por fiança ou cambiária e, ocorrendo a novação dos créditos na recuperação judicial, ainda que se conservem as garantias por disposição de lei, deve-se suspender o exercício regular do direito dos credores em cobrar os terceiros solidários e coobrigados, seja pela inexistência de obrigação inadimplida em razão da novação, seja por se tornar inócuo qualquer benefício concedido pelo credor ao devedor frente ao direito de regresso.


CONCLUSÃO 

Diante do exposto, a superior instância pacificou a controvérsia acerca da suspensão da prescrição das ações e execuções em curso em razão do processamento da recuperação judicial, beneficiando de seus efeitos apenas a recuperanda e sócios solidários, preterindo, portanto, os terceiros solidários e coobrigados.

A justificativa teve como substrato a própria literalidade da Lei 11.101/2005, seus princípios e condição sui generis do instituto da novação.

No entanto, posicionamento contrário à referida súmula sustenta que ao permitir a continuidade da cobrança pelo credor em desfavor dos terceiros solidários e coobrigados, eventuais benefícios concedidos pelo credor à recuperanda e sócios solidários se perderiam diante do direito de regresso pelos garantes.

Tal discussão só está no início, visto que a edição sumular retro é recente, assim como a legislação específica que trata do instituto da recuperação judicial; mas, diante do que se asseverou, existe uma grande possibilidade de ocorrer a revogação da Sumula 581 do STJ, sendo mais viável que se estendesse a possibilidade de suspensão das ações também aos terceiros solidários e coobrigados.


BIBLIOGRAFIA 

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Glaucio Rogerio Gonçalves. O instituto da recuperação judicial diante da súmula 581 do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5861, 19 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73041. Acesso em: 25 abr. 2024.