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Metrópoles árabes e proteção do meio ambiente

críticas à luz do direito internacional dos direitos humanos e do sistema jurídico islâmico

Metrópoles árabes e proteção do meio ambiente: críticas à luz do direito internacional dos direitos humanos e do sistema jurídico islâmico

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Como se dá a proteção ao meio ambiente nos países que adotam o sistema jurídico islâmico, dotado de profundas raízes socio-históricas hodiernamente ligadas às controvérsias entre universalismo e relativismo cultural?

1 INTRODUÇÃO

A proteção internacional do meio ambiente possui significativos desdobramentos históricos a partir do século XX, quando há progressiva conversão de uma óptica puramente econômica para a perspectiva do desenvolvimento sustentável, que enseja sopesamento entre os valores mais caros à economia e ao humanismo, enquanto valor privilegiado na proteção do indivíduo na ordem jurídica internacional, a partir de meados do século XIX. Considera-se como principais fases neste desiderato as do Direito Internacional Humanitário (século XIX), Direito Internacional dos Refugiados (primeira metade do século XX) e Direito Internacional dos Direitos Humanos (segunda metade do século XX).

Embora haja relevantes implicações da proteção internacional do meio ambiente no âmbito de aplicação do próprio Direito Internacional Público, considerando a profusão de tratados internacionais celebrados em organismos intergovernamentais como a Organização das Nações Unidas (cf. GUERRA, 2019), o Direito Internacional Ambiental cada vez mais ostenta autonomia no contexto do fenômeno da fragmentação do Direito Internacional Público, típico dos desdobramentos que a disciplina apresentou ao longo do século XX. O âmbito de aplicação do Direito Internacional Ambiental, neste sentido, é influenciado pelos diferentes sistemas jurídicos que permeiam as sociedades organizadas e Estados componentes da própria Sociedade Internacional, enquanto recorte geográfico característico para aplicação das normas jurídicas internacionais.

O presente estudo insere-se no especial contexto do Direito Internacional Ambiental, contudo, submetido a um sistema jurídico ainda carente de considerações doutrinárias mais profundas na teoria do Direito brasileiro – a saber, o sistema jurídico islâmico, capitaneado pela denominada Shariyá ou Shari'ah1. O Islamismo como uma das religiões monoteístas de maior relevância quantitativa no mundo, influencia, sobremaneira, o referido sistema jurídico, e se reputa dotado de determinados princípios de proteção do meio ambiente reconhecidos pela população que professa o referido sistema de crenças.

Todavia, fenômeno de interesse científico repousa na expansão urbana de metrópoles localizadas no Médio Oriente e em territórios de Estados que adotam, formalmente, o sistema jurídico islâmico – com privilegiado recorte geográfico às cidades de Dubai (Emirados Árabes Unidos), Cairo (Egito) e Riad (Arábia Saudita) –, uma vez que são identificadas assimetrias na estrita observância de normas internacionais de proteção do meio ambiente, especialmente no entorno das referidas metrópoles, o que impacta, por meio de externalidades negativas, tanto o meio ambiente natural quanto o meio ambiente cultural, principalmente no entorno da cidade do Cairo.

A metodologia do presente estudo norteia-se por abordagem qualitativa fundada no levantamento bibliográfico de obras referenciadas sobre Direito Internacional Público, Direito Internacional Ambiental e Direito Islâmico, no espectro da doutrina comparada, bem como traçando projeções possíveis no âmbito da jurisprudência internacional, considerando o ainda rarefeito repertório jurisprudencial sobre Direito Internacional Ambiental, o que se reputa uma emergência na regular aplicação das normas jurídicas internacionais de proteção do meio ambiente.


2 ESCORÇO HISTÓRICO DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO INDIVÍDUO

A origem dos direitos individuais da pessoa humana pode ser apontada no antigo Egito e Mesopotâmia, onde já eram previstos alguns mecanismos para a proteção individual em relação ao Estado2.

O Egito foi a primeira civilização na história da humanidade que desenvolveu um sistema jurídico que se pode chamar de individualista, e os mesopotâmios redigiram textos jurídicos que podiam ser chamados de códigos, os quais formularam regras de direito.

O direito egípcio estava baseado em larga escala em decisões judiciárias, contratos, testamentos etc. Embora não tivessem produzido livros de direito, tampouco compilações de leis, deixaram várias “Instruções” e “Sabedorias” que contêm os elementos da teoria jurídica tendentes a assegurar o direito das pessoas e dos bens (GILISSEN, 1995, p. 53).

Apesar da precariedade das fontes do direito egípcio (o mais antigo que se conhece é o Papiro de Berlim, da IV dinastia), verifica-se que já se falava em tribunais, onde os juízes eram dignitários locais e julgavam em nome do Faraó, orientados por um funcionário do Estado, que dirigia o julgamento. O tribunal só poderia começar esse julgamento com a presença desse funcionário.

Gilissen afirma que os períodos do direito individualista, no Egito antigo, são marcados por um estado jurídico próximo ao que os romanos conheceram nos séculos II e III da nossa era, ou seja, a presença de um indivíduo isolado em face do poder, sem grupos ou hierarquias intermediárias, que possui uma liberdade para dispor da sua pessoa e de seus bens, e enfatiza que:

“O direito da época, que vai da III à V dinastia, constitui o primeiro sistema jurídico desenvolvido da história da humanidade. (...) Todos os habitantes são iguais perante o direito: nem nobreza, nem escravos privados, mas os prisioneiros de guerra são utilizados pelo Estado nas obras públicas e nas minas, em situação semelhante à da escravatura” (GILISSEN, 1995, p. 54).

Mas é no período chamado do Direito Cuneiforme3 que começam a surgir os “códigos”, a exemplo do Código de Hamurábi (1690 a.C.), que talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol dos direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo a supremacia das leis em relação aos seus governantes.

Apesar de o referido código ser o mais famoso, não é o mais antigo e funciona como uma coletânea de julgados ou de hipóteses acompanhadas de decisões4.

Nesse mesmo passo, Klingen (1994, p. 38) assevera que os povos da Antiguidade foram descobrindo, com suas próprias luzes e razão, a lei que o ser humano tem gravada em sua natureza, organizando-a de diversas maneiras em códigos ou referências, nos quais descobrimos os primeiros esforços em favor do homem, desde a racionalidade natural. Aponta o Código de Hamurábi e o Código de Manu como formas jurídicas elementares que nem sempre produzem os efeitos que a consciência jurídica atual exige, mas que são as primeiras expressões de defesa da dignidade e dos direitos da pessoa humana.

Outro aspecto que deve ser levado em consideração, até chegar à Grécia e Roma, foi a influência filosófico-religiosa da pessoa humana, que pôde ser sentida com a propagação das ideias de Buda, basicamente sobre a igualdade de todos os homens (500 a.C.)5.

Posteriormente, já de forma mais coordenada, porém com uma concepção muito mais diversa da atual, surgem na Grécia vários estudos sobre a igualdade e a liberdade do homem (MORAES, 1997, p. 25).

O sistema jurídico vigente na Grécia antiga é uma das principais fontes históricas dos direitos da Europa ocidental. Embora não tenham sido grandes juristas, apresentaram-se como grandes filósofos e pensadores políticos da Antiguidade.

De toda sorte, as leis gregas, a partir do século VI a.C., mais precisamente as de Atenas, diferenciavam-se das demais leis da Antiguidade por serem democraticamente estabelecidas. Assim, elas não eram decretadas pelos governantes, mas estabelecidas livremente pelo povo na Assembleia; resultavam da vontade popular (GUSMÃO, 1998, p. 284).

Os sofistas trouxeram as indagações a respeito das leis humanas para o campo da vontade do homem, e, consequentemente, passou-se a analisar o mundo das normas de conduta como ele se apresenta.

Entretanto, a concepção filosófica grega não concebeu sistema de garantias dos indivíduos contra o Estado ou governantes, porque a violação da personalidade do cidadão merecia a reprovação da “pólis”, por força de um julgamento ético e político, e não juridicamente institucionalizado; o direito derivaria de uma noção mais ou menos vaga de justiça que estaria difusa na consciência coletiva.

Enquanto os gregos pensavam de forma filosófica, os romanos pensavam de forma jurídica. Foram estes os grandes juristas da Antiguidade e reconheceram a possibilidade de divergência entre o justo e o lícito.

Conceberam três estratos de ordem jurídica: o direito natural, racional e perpétuo; o jus gentium, posteriormente identificado como elemento comum aos diversos direitos positivos; e o direito civil, reservado aos cidadãos como regulador das relações individuais. A superioridade e a racionalidade do jus naturale, que não admitia, por exemplo, a escravidão, não tinham a força de retirar a validade do jus gentium, que a admitia. A preocupação romana, contudo, foi o relacionamento interindividual, alcançando, o processo romano, alto grau de evolução. Em suas três fases (das ações da lei, o período formulário e o da cognitio extra ordinem) foi aprimorando a aplicação do direito, mas em nenhum momento o mecanismo judicial se estruturou no sentido de garantir a pessoa contra a vontade do imperador (GRECO FILHO, 1989, p. 25).

Outro marco importante e que se destaca no período acima indicado é a Lei das XII Tábuas, que pode ser considerada a origem dos textos escritos consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do cidadão.

Já sob a égide do Cristianismo, mediante a concepção de que “o homem foi criado à imagem de Deus”, é que se deflagra a compreensão dos direitos da pessoa humana na organização política, estabelecendo-se um vínculo entre o indivíduo e a divindade e superando-se a concepção do Estado como única unidade perfeita, de forma que o homem cidadão foi substituído pelo homem pessoa.

A primeira das grandes escolas cristãs, a Patrística, da qual Santo Agostinho é o maior representante, concebeu o Estado terreno como imperfeito e somente justificado como transição para o Estado divino, a Civitas Dei.

Essa escola incorporou à doutrina cristã vários elementos da cultura grega e da cultura romana, tendo centrado no homem e na questão de seu destino pessoal sua grande preocupação. O enfoque antropológico é expressivo e revela grande importância na valorização da dignidade humana (ALVES, 2001, p. 21).

A segunda grande escola, a Escolástica, com Santo Tomás de Aquino, afasta-se da concepção pessimista da realidade humana, buscando no homem a natureza associativa e a potencialidade da constituição de um Estado justo e aceitável.

Daí prever três categorias de leis: a lex aeterna, decorrente da própria razão divina, perceptível através de suas manifestações; a lex naturalis, consistente nas regras determinadas pela participação da criatura racional na lei eterna; e a lex humana, firmada na aplicação da lex naturalis em casos concretos.

O Estado, como produto natural necessário, é uma imagem do reino divino, mas deve ser respeitado, inclusive quando a lex humana violar a lex naturalis. A insubmissão só será possível se aquela violar a lex aeterna.

De fato, o estudo de Santo Tomás de Aquino sofre influência do pensamento de Aristóteles, em que elabora uma síntese do pensamento cristão sobre a pessoa humana. O pensamento de Aquino está centrado no próprio conceito de pessoa e, portanto, “a dignidade do homem advém do fato de ele ser imagem de Deus”.

Por tal motivo, decorre da filosofia tomista que a pessoa é um fim em si mesmo, nunca um meio. As coisas são meios e estão ordenadas às pessoas, a seu serviço; porém, as pessoas ainda que se ordenem, de certo modo, uma às outras, nunca estão entre si numa relação de meio e fim. Pelo contrário, merecem respeito absoluto e não devem ser instrumentalizadas nunca. São criaturas imediatas de Deus, imagens suas, consistindo nisso a nobreza e as características da pessoa (ALVES, 2001, p. 23).

Na Antiguidade greco-romana, o homem – como indivíduo, natureza e dignidade – está oculto. O Cristianismo revela o homem. Este é basicamente o seu caráter revolucionário. Há dois valores dentro do Cristianismo para a evolução dos direitos da pessoa humana: a dignidade da pessoa e a fraternidade universal. É da sua expansão para a verdade sem fim e valor absoluto que emana a dimensão religiosa do homem (CONCEIÇÃO, 1990, p. 19).

Outro aspecto importante da doutrina cristã é o de que todo poder emana de Deus e nele devem ser estabelecidos seus limites ou formas de atuação; se valorizou a pessoa humana, todavia não instrumentalizou o mecanismo concreto de sua proteção.

Sem embargo, o tema da dignidade humana vai encontrar no pensamento e na doutrina cristã um marco fundamental, um verdadeiro “divisor de águas”, já que a contribuição para o desenvolvimento de um efetivo humanismo se apresenta desde a Idade Antiga até se manifestar, de forma contundente, no contexto contemporâneo, com a edição de inúmeros documentos pontifícios a partir da Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, datada de 1891 (ALVES, 2001, p. 15).

No que tange à fase denominada proto-história dos direitos humanos, como sustenta Comparato (1999, p. 33), tem início na Baixa Idade Média, mais exatamente na passagem do século XII ao século XIII. Não se trata ainda de uma afirmação de direitos inerentes à própria condição humana, mas sim o início do movimento para a instituição de limites ao poder dos governantes, o que representou uma grande novidade histórica.

Foi o primeiro passo em direção ao acolhimento generalizado da ideia de que havia direitos comuns a todos os indivíduos, qualquer que fosse o estamento social (clero, nobreza ou povo).

A Magna Carta é outro marco decisivo entre o sistema de arbítrio real e a nova era das garantias individuais. É preciso, porém, analisá-la no que se refere ao seu conteúdo como documento histórico6 condicionado às circunstâncias da época, e como documento consagrador de um princípio modernamente acatado como indispensável pela civilização ocidental7.

A Magna Carta constitui uma convenção passada entre o monarca e os barões feudais, pela qual se lhes reconheciam certos foros, isto é, privilégios especiais. Os contratos de senhorio eram convenções pelas quais se atribuíam poderes regalianos, individualmente, a certos vassalos; não se tratou de delegações de poderes reais, mas sim, do reconhecimento de que a soberania do monarca passava a ser substancialmente limitada por franquias ou privilégios estamentais que beneficiavam todos os integrantes das ordens privilegiadas. A Magna Carta deixa implícito, pela primeira vez, na história política medieval, que o rei achava-se vinculado pelas próprias leis que editava (COMPARATO, 1999, p. 64).

A ideia de direitos individuais, portanto, ainda não se formara no sentido de hoje, de direitos iguais para todos e que a todos podem ser contrapostos.

A Carta Magna valeu, por uma felicidade de redação, para que as pessoas lessem o texto como fixador de princípios mais gerais, de obediência à legalidade, da existência de direitos da comunidade que o próprio rei devia respeitar. Destacam-se entre outras garantias: a previsão do devido processo legal; livre acesso à justiça; a liberdade de locomoção; a liberdade da Igreja da Inglaterra; restrições tributárias e proporcionalidade entre delito e sanção. Sobre este importante documento, Comparato assinalou que:

“Assim, se a Magna Carta contribuiu, num primeiro momento, para reforçar o regime feudal, ela já trazia em si o germe de sua definitiva destruição, a longo prazo. O sentido inovador do documento consistiu, justamente, no fato de a declaração régia reconhecer que os direitos próprios dos dois estamentos livres – a nobreza e o clero – existiam independentemente do consentimento do monarca, e não podiam, por conseguinte, ser modificados por ele. Aí está a pedra angular para a construção da democracia moderna: o poder dos governantes passa a ser limitado, não apenas por normas superiores, fundadas no costume ou na religião, mas também por direitos subjetivos dos governados” (COMPARATO, 1999, p. 65).

Quanto ao contratualismo, essa concepção teve por fim estabelecer reação contra o poder papal, mas, posteriormente, serviu de fundamento para a compreensão de que, se o Estado deriva da vontade contratual dos homens, estes também, por sua vontade, poderão reconstruí-lo em novas bases, com a garantia de liberdade contra o próprio Estado.

Após esse período, que foi denominado Idade Média, o velho continente conheceu uma verdadeira “crise de consciência”, ressurgindo, assim, um grande sentimento de liberdade.

O campo estava preparado para o surgimento da Reforma, cujo princípio fundamental foi a liberdade de consciência, de Rousseau, do enciclopedismo e da Revolução Francesa.

Em face desses acontecimentos, decorrentes do processo de maturação da sociedade e do desenvolvimento social e histórico, outras declarações aparecem, como a Petição de Direitos, de 1629; a Lei de Habeas Corpus, de 1679; e o Bill of Rights, de 1689.

A Petição de Direitos, de 1629, surge por meio da reunião do Parlamento, ratificando as liberdades consagradas, em 1215, na Magna Carta; previa que nenhum homem livre ficasse sob a prisão ou detido ilegalmente; ninguém seria chamado a responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou encarcerado, ou de qualquer forma molestado ou inquietado, por causa de tributos ou da recusa em pagá-los.

O Habeas Corpus Act, de 1679, estabelecia que, por meio de reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado de prática de um crime, o lorde-chanceler ou, em tempo de férias, algum juiz dos tribunais superiores poderia conceder o Habeas Corpus, consolidando a ideia de que esta garantia judicial, criada para proteger a liberdade de locomoção, seria a matriz de todas as outras garantias criadas posteriormente para a garantia dos direitos fundamentais.

Já o Bill of Rights, promulgado exatamente um século antes da Revolução Francesa, pôs fim, desde o seu surgimento na Europa renascentista, ao regime de monarquia absoluta, no qual todo poder emana do rei e em seu nome é exercido. A partir daí, os poderes de legislar e de criar tributos não se encontram mais nas mãos do monarca, haja vista que ingressam nas competências do parlamento (COMPARATO, 1999, p. 78).

O Bill of Rights garantia a liberdade pessoal, a propriedade privada, a segurança pessoal, o direito de petição, a proibição de penas cruéis dentre outras, estabelecendo uma nova forma de organização do Estado, cuja função precípua é a de proteção dos direitos da pessoa humana8.

Em 1701, o Ato de Parlamento (Act of Seattlement) reafirmou o princípio da legalidade e da responsabilização política dos agentes públicos.

Já no ano de 1776, a Declaração de Independência Norte-Americana inaugura uma nova etapa para a proteção do indivíduo, pois trata-se do primeiro documento a afirmar princípios democráticos na história política moderna. O texto é importante porque apresenta o povo como sendo o grande responsável e detentor do poder político supremo e, usando mais uma vez as palavras de Comparato, “os governos são instituídos entre os homens para garantir seus direitos naturais, de tal forma que seus poderes legítimos derivam do consentimento dos governados, e toda vez que alguma Forma de Governo torna-se destrutiva (dos fins naturais da vida em sociedade), é Direito do Povo alterá-la ou aboli-la, e instituir uma nova Forma de Governo” (COMPARATO, 1999, p. 89).

Com efeito, a riqueza do texto norte-americano encontra-se nesse ponto, ou seja, é o primeiro documento de natureza política que reconhece a soberania popular, a existência de direitos que se aplicam a todas as pessoas sem que haja distinção de sexo, cor ou qualquer outra manifestação social.

Na Declaração de Direitos de Virgínia, a Seção I já proclama o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Outros direitos fundamentais também foram expressamente previstos, tais como: o princípio da legalidade, o due process of law, o princípio do juiz natural, a liberdade de imprensa e religiosa.

Logo depois, apresenta-se como grande destaque a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que denota grande relevância por representar “o atestado de óbito do Ancien Régime”, constituído pela monarquia absoluta e pelos privilégios feudais, traduzindo-se como primeiro elemento constitucional do novo regime político.

A Revolução Francesa, inspirada nos ideários de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, serviu para desencadear um novo sentimento entre as pessoas, que não haviam experimentado até então.

Sobre esse momento político e de grande repercussão para os direitos humanos, atente-se para o magistério de Comparato: “A Revolução Francesa desencadeou a supressão das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais, como a humanidade jamais experimentara até então. Na tríade famosa, foi sem dúvida a igualdade que representou o ponto central do movimento revolucionário. A liberdade, para os homens de 1789, consistia justamente na supressão de todas as peias sociais ligadas à existência de estamentos ou corporações de ofícios. E a fraternidade, como virtude cívica, seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios” (COMPARATO, 1999, p. 118).

Foi assim que a consagração normativa dos direitos fundamentais da pessoa humana coube à França, quando, em 26 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, prevendo, por exemplo: o princípio da igualdade, da liberdade, da legalidade, presunção de inocência, livre manifestação de pensamento, dentre outras.

Sem embargo, as declarações de direitos norte-americanas e a francesa representam a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o estamento, o clã, as organizações religiosas etc. (COMPARATO, 1999, p. 41).

A Revolução Francesa e a Independência Americana, através de declarações formais de direito, consagraram a experiência inglesa da Magna Carta de 1215.

A partir daí, evidencia-se que das declarações formais de direitos passou-se à sua incorporação nos textos constitucionais, inicialmente como preâmbulo, e, às vezes, como capítulo autônomo.

As declarações de direitos têm força na medida em que os textos constitucionais erigem seus ditames como princípios informadores e de validade de toda ordem jurídica nacional, e valem na medida em que esta mesma ordem jurídica está preparada para torná-las efetivas.

Somadas aos pontos acima indicados, podemos identificar algumas ações significativas ainda no século XIX e seus desdobramentos no século XX, no processo de internacionalização dos direitos humanos, que se estende até os dias atuais. Ou seja, as três vertentes da proteção internacional da pessoa humana: o direito humanitário, os direitos humanos e o direito dos refugiados9.

Cançado Trindade, sobre as convergências das três vertentes de proteção dos direitos humanos, enfatiza a necessidade de modificar a velha expressão “segurança dos Estados” para que se constitua uma verdadeira “segurança humana”:

As três vertentes de proteção dos direitos da pessoa humana têm marcado presença, de forma convergente, em relação com o tema da segurança, e mais propriamente da segurança humana. A questão foi elevada de forma expressa no marco da adoção de medidas de privação da liberdade, ligadas aos chamados ataques armados preventivo na luta contra atos de terrorismo. (…) A antiga expressão “segurança dos Estados”, de triste memória por conter toda uma história de repressão e violação massiva dos direitos humanos na experiência recente de muitos países latino-americanos, é devidamente substituída pela expressão “segurança humana” (TRINDADE, 2006, pp. 322-323)10.

Ainda sobre as três vertentes de proteção dos direitos humanos, impende registrar que as normas do direito humanitário, especialmente a Convenção de Genebra, de 1864, previram o regramento em situações de guerra, no intuito de minimizar a dor e o sofrimento de soldados prisioneiros, doentes e feridos em situações de conflito armado.

Outro ponto importante foi a criação da Organização Internacional do Trabalho, no ano de 1919, que propugna pela proteção do trabalhador e a consequente redação das convenções internacionais e resoluções sobre a matéria. Entretanto, é a partir de 1945, com a proclamação da Carta da ONU, que o sistema internacional de proteção dos direitos humanos ganha força e destaque, como será demonstrado.

Dentre vários Artigos da Carta da ONU, o Artigo 55, alínea c, dispõe que as Nações Unidas favorecerão o respeito universal e efetivo aos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Além disso, o Artigo 56 estabelece que, para a realização dos propósitos enumerados no Artigo 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.

Em 1948, a ONU descreveu o significado de direitos humanos na Declaração Universal de Direitos Humanos, que foi adotada sem discordância, mas com abstenções por parte das Nações do bloco soviético, África do Sul e Arábia Saudita.

Nos anos seguintes, foram promovidos vários acordos internacionais, entre eles a Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950); o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966); a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969); os Acordos de Helsinque (1975); e a Carta dos Povos Africanos e Direitos Humanos (1981).

Ainda sobre o processo histórico de evolução dos direitos humanos, Peces Barba apresenta quatro fases:

a) Proceso de positivación, en el que se da el paso de las discusiones filosóficas al ordenamiento jurídico, del derecho natural al derecho positivo;

b) Proceso de generalización, en la que se extiende el reconocimiento y protección de los derechos de una clase a todos los miembros de una comunidad como consecuencia de la lucha por la igualdad real;

c) Proceso de internacionalización, que consiste en dotar a los derechos naturales de una validez jurídica universal, que abarque a toda la comunidad internacional. Fase en que estaríamos inmersos en la actualidad;

d) Proceso de especificación, en el cual se atienden las situaciones concretas de las personas para atribuir determinados derechos a cada situación, como los derechos de los niños, mujeres, ancianos, inmigrantes, o pueblos indígenas, entre otros (PECES-BARBA, 1991, grifamos).

Hoje, não há povo que negue uma Carta de Direitos e o respectivo mecanismo de efetivação, o que, todavia, ainda não significa uma garantia de justiça concreta, porquanto esses direitos podem variar ao sabor do pensamento político ou filosófico informador de determinado Estado.

De toda sorte, a despeito de tantas diferenças, seja de ordem biológica ou cultural, o mais importante e belo conto da História é a evolução dos Direitos Humanos, como nas palavras de Comparato: “O que se conta é a parte mais bela e importante de toda a História: a revelação de que todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade, ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais” (COMPARATO, 1999, p. 1).

Se, nos dias de hoje, pode-se afirmar que nenhum indivíduo se sobrepõe aos demais, verifica-se que este caminho foi bastante longo e que foram criadas, paulatinamente, as instituições jurídicas de defesa da dignidade humana contra a violência, o aviltamento, a exploração e a miséria.


3 CONSIDERAÇÕES SISTEMÁTICAS SOBRE O SISTEMA JURÍDICO ISLÂMICO

A origem do Sistema Jurídico Islâmico remete à própria origem do Islâ. O Profeta Muhammad, quando recebeu a mensagem de Allah, através do anjo Gabriel, na inóspita Península Arábica, dera origem a uma comunidade monoteísta com valores éticos e morais adstritos à incondicional submissão ao seu Único e Verdadeiro Deus. Allah, em sua infinita sabedoria, trouxe para a humanidade princípios e orientações gerais, que devem nortear a vida do bom muçulmano.

A concepção de Direito Islâmico é bem diferente da concepção ocidental do termo. Pois Estado e religião estão intimamente ligados, bem como o Direito, numa simbiose que invariavelmente remeterá à Deus. Não há a separação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, como no Brasil, por exemplo. Muito menos uma Constituição fixando os pilares básicos sobre os quais um povo, em seu território, sob égide de seu soberano, vive seu cotidiano. No Islamismo, o Direito tem um caráter supraestatal e atemporal, pois não se limita às fronteiras de um território, sendo aplicável a todo e qualquer muçulmano; e, paralelamente, mesmo séculos tendo decorrido, a mensagem divina permanece atual, sendo aplicada a casos concretos inimagináveis à época.

O segredo dessa contemporaneidade da Sharyiá, bem como dos ensinamentos de Allah, deve-se, segundo os que professam dessa fé, à onipresença e onisciência de Deus. Ele sabe de absolutamente tudo. Não há nada que passe despercebido sob seus olhos, tanto do passado quanto do futuro. Por isso, conhecendo Sua palavra, é extremamente arriscado desobedecê-lo. Pois o risco de sofrer suas punições é bastante grande.

Por um prisma menos religioso, atribui-se a longevidade do Direito Islâmico à sua capacidade de adequar-se às mais diferentes realidades sociais, culturais e territoriais. Ou seja, apesar de uno em sua origem fixa e imutável, é flexível quanto sua complementação. Essa maleabilidade é causa e consequência da imensa proporção geográfica alcançada por essa religião, que da Península Arábica conquistou o mundo. segundo Lage e Oliviero (2016) o extremo rigor do tronco foi abrandado em suas ramificações, levando ao pluralismo jurídico, sendo, aos aspectos mais dinâmicos da vida cotidiana, aplicados princípios e regras universais.

A Shariyá, que em tradução literal significa “via a seguir”, é a base do Direito Islâmico. Nela estão previstas as condutas e comportamentos esperados de todos os crentes discípulos do Profeta Muhammad. Este fora o primeiro juiz e doutrinador, mesmo sem saber, do recém instituído Direito Islâmico que tem como fontes primárias: o Alcorão e a Sunnah.

O Alcorão, o livro sagrado do Islamismo, possui oficialmente 114 suras, ou suratas (capítulos), com variados números de versículos. Nele, encontramos as determinações de Allah sobre diferentes aspectos da vida humana, desde o dever de oração, até a proibição da ingestão de substâncias inebriantes. Sempre indicando o melhor caminho a ser seguido pelo homem, visando ao melhor para ele e para a comunidade como um todo. Dando-lhe o livre arbítrio, mas o deixando ciente das punições que lhe serão reservadas, tanto em vida quanto após a morte, caso descumpra o que lhe fora indicado.

São seis os pilares fundamentais do Islã, segundo Môrez (2011). O primeiro é a crença incondicional em Allah, este é o princípio de tudo. Quem se recusa a se submeter de corpo e alma ao Deus Único, jamais poderá ser considerado muçulmano. O segundo é a oração (Salat) cinco vezes ao dia, uma forma de demonstrar seu amor e sua fé. É o principal dever religioso e exige devoção e total obediência, intenção e indumentárias próprias para homens e mulheres. O terceiro é o jejum (Sawm) obrigatório no mês do Ramadam, período sagrado pela revelação alcorânica. O quarto é a caridade (Zakat), pois existe uma preocupação em combater as desigualdades, principalmente dentro da comunidade islâmica, pois sabia Allah do poder destrutivo que possui a usura e o enriquecimento ilícito decorrente do empobrecimento dos demais, acirrando os ânimos e corroendo a unidade. O quinto é a peregrinação a Meca (Hajj) pelo menos uma vez na vida, um dever de todo fiel que visa fortalecer o sentimento de união e pertencimento da comunidade islâmica. E o sexto e último pilar consiste na fé na ressureição, que pressupõe passar pelo crivo de Deus no Dia do Juízo Final, onde serão prestadas as contas a Deus por todos os atos praticados em vida.

Espalhados pelo Alcorão temos 350 versículos de caráter jurídico, que não seguem nenhuma cronologia ou setorização. Destes, a maioria trata de questões dogmáticas e devocionais, seguido por questões de Direito de Família, ambas figuram como o cerne do Islã.

O Direito Penal também está presente em alguns versículos que trazem a previsão de cinco diferentes tipos de condutas: prescritas, recomendadas, permissíveis, não-recomendadas e proibidas.

As condutas prescritas, de acordo com al-Muala (2011), são aquelas expressas no próprio Alcorão, onde nem o juiz, a autoridade política ou a vítima podem abrir mão da punição, caso já tenha sido apresentado o caso concreto ao poder público. Nem abrandarem ou enrijecerem a punição, pois esta já se encontra determinada por Deus, visto que fere um “direito divino”, e assim deve ser aplicada, sem interferência do homem. Essa rigidez justifica-se, pois, são condutas consideradas atentatórias ao bem-estar da sociedade.

Os crimes hudud são os mais graves dentre os crimes, com as punições mais severas, sendo, por isso, somente punidos quando praticados na modalidade dolosa, quais sejam: homicídio, roubo, assalto em estrada, fornicação e adultério, acusação falsa, bebedeira e apostasia.

As condutas recomendadas geram um reconhecimento divino, e o indivíduo, segundo o Alcorão, será recompensado por Deus por sua retidão. Sendo o perdão uma dessas condutas incentivadas que geram a misericórdia divina em retribuição. Perdão este que poderá ser aplicado às condutas não-recomendadas e às proibidas, visto que a punição nesses casos é considerada um direito da vítima. Já as condutas permissíveis não geram qualquer recompensa ou punição, tanto no plano terreno quanto no celestial.

A Sunnah são os ditos proféticos divinamente inspirados, reunidos e transmitidos por uma cadeia confiável de narrativas, conhecidos como hadith. Ela complementa o Alcorão, tendo assim um caráter subsidiário a este. Dependendo da corrente a ser seguida, Xiita ou Sunita, essa complementariedade possuirá relatos de outros Imanes, que não somente os do Profeta Muhammad. Assim o faz a corrente Xiita, por acreditar ser Ali o sucessor hereditário de Muhammad, e por isso detentor do carisma e liderança que lhe eram peculiares, tornando-o um Imam, cujos ahadith devem constar na Sunnah.

A complexidade dessas duas principais fontes, que abordam o todo sem se ater a nenhum caso específico, trouxe a necessidade do emprego da razão humana, em conformidade com as determinações da Shariyá, para que fosse feita a adaptação desse texto amplo e abstrato às particularidades do caso concreto a ser dirimido. Esse emprego da razão humana (Fiqh) foi fundamental diante das mudanças sociais ocorridas. Todavia, até hoje discute-se a sua amplitude interpretativa. Algumas escolas jurídicas mais tradicionais, como a Hambalista, limitam demasiadamente sua aplicação, temendo desvirtuar ou contaminar a mensagem divina. Já as escolas mais abertas e versáteis, compreendem a importância de manter sempre atualizado o Direito, de modo a conversar e atender às demandas contemporâneas com mais facilidade. Tanto a Shariyá quanto o Fiqh contêm pressupostos que devem ser obedecidos a fim de cumprir o pacto social.

É importante frisar o papel que os seres humanos ocupam no cosmos de acordo com o Islâ. Como Sua criação, são perfeitos em origem, mas passíveis de erro no decorrer da vida. Por isso Deus fez questão de elaborar um Livro com princípios e ensinamentos para nortear sua conduta, e punições para frear seu ímpeto transgressor, dado aos vícios e ilicitudes. Os seres humanos não sabem o que é melhor para eles, mas Deus sabe. Por isso basta segui-Lo para ter uma vida plena e feliz, inclusive após o Dia do Juízo Final. Aos olhos de Allah, os homens dotados de corpo, alma e espírito, são gerentes, administradores de Sua propriedade. Lhes fora conferida tamanha função por serem os únicos seres possuidores de intelecto.

Deus acredita que o homem tem plena capacidade, se assim desejar, de guiar sua vida com retidão e fé. Todavia, se desviar durante o percurso e, mesmo sabendo de Seus ensinamentos, preferir se manter em erro, sobre ele recairá a mão pesada de Deus. Não como forma de castigo, pois ao pecar o homem não faz mal a Deus, mas a si mesmo. A função da punição é muito mais pedagógica do que propriamente punitiva, tendo mais valia o evitar cair em erro por medo da punição, do que a punição propriamente dita.

Diante do exposto, temos uma imensa comunidade complexa que tomou o mundo a partir da Península Arábica. Um povo acostumado com a aridez do deserto e as dificuldades de uma região inóspita, que guiado por Allah, através do Profeta Muhammad, construiu um modelo social próprio, onde Estado, religião e Direito se confundem. Não há limites para os desígnios de Deus e cabe ao homem, bem como a todos os demais seres, se submeter por completo às suas determinações. Os princípios e preceitos do Islâ não se restringem ao âmbito religioso ou à essa ou àquela competência. Tudo que envolve a comunidade islâmica diz respeito ao Divino.

E o Direito Islâmico é só mais uma dessas vertentes. De uma forma ampla e abstrata, Allah, por meio do Alcorão e da Shariyá, positivou a conduta esperada de cada crente pertencente à essa comunidade. Prescreveu recompensas frente às boas atitudes e punições diante de más condutas, sempre visando ao melhor para a comunidade. Todo esse sistema permitiu o nascimento e crescimento de uma nação que até hoje tem como pilar os ensinamentos transmitidos por volta do século VII, tamanha sua resiliência e fé incondicional.


4 PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL NO DIREITO ISLÂMICO

O Direito Islâmico, como tudo que diz respeito ao mundo Islâmico, é fruto dos princípios e ordenamentos de Allah, transmitidos ao Profeta Muhammad pelo anjo Gabriel. Sendo a Sharia a fonte normativa principal desse Direito. E o Jiqh, emprego da razão humana em suas várias formas, sua fonte secundária ou acessória, pois há a necessidade do emprego da hermenêutica por parte de grandes estudiosos juristas, para que o uso adequado dos preceitos divinos seja aplicado hodiernamente às mais variadas questões.

A questão ambiental é uma das principais problemáticas do presente século. O mundo acompanha temeroso o desequilíbrio climático resultante da degradação do meio ambiente. E há uma tendência em cobrar das autoridades, e da sociedade como um todo, um posicionamento mais efetivo no caminho da redução dos danos e da sustentabilidade.

O Islã agrupa num só corpo a força da influência religiosa, a soberania do Estado e a função legislativa, sendo ímpar a sua capacidade de mobilização das massas. Mas qual é o seu posicionamento diante da questão ambiental?

Para responder essa pergunta é necessário entender Allah como o criador do cosmos. Tudo no universo, inclusive o próprio, é obra do Criador. O homem é uma das criações divinas, que fora escolhido para administrar as demais, pois é dotado de corpo, alma e espírito, tendo nesse último atribuições como o intelecto e a capacidade de abstração. Mesmo escolhido como gestor, nunca fora dado ao homem um posto de proprietário da terra que habita ou dos animais que nela vivem. Tudo tem como único proprietário Deus. E isso fica explicito em passagens do Alcorão como:

"Não existem seres alguns que andem sobre a terra, nem aves que voem, que não constituam nações semelhantes a vós" (Alcorão 6:38).

"Haveis reparado, acaso, no fogo que ateais? Fostes vós que criastes a árvore, ou fomos Nós o Criador? Nós fizemos disso um portento e conforto para os nômades" (Alcorão 56:71-73).

Os recursos naturais não pertencem somente ao homem. Cada ser possui o seu propósito e sua razão de existir. Quando Deus fez a Terra, Ele a fez como fonte de sustento e subsistência para o homem e as outras criaturas vivas. Não cabendo a visão antropocentrista que parece imperar nos dias de hoje. A biodiversidade deve ser preservada. Não fora outorgado ao ser humano o poder sobre o meio ambiente, e o seu progresso não é a finalidade da existência do planeta.

O conceito do Tawid, contido na Sharia, ajuda a compreender essa lógica de raciocínio. Tawid significa unicidade com Deus. Por esse princípio temos que cada átomo ou célula, cada planta ou animal, água ou terra, e o homem, fazem parte da unidade divina. Logo, se você causa algum dano a qualquer de suas criações, cometerá contra o próprio Deus. Quando se degrada a terra, demonstra-se a ingratidão e falta de amor a Deus. E nada pode ser mais repreensível do que isso.

Quando poluem rios e oceanos, quando desmatam as florestas, quando contaminam a terra e seus frutos com agrotóxicos ou matam os animais sem necessidade estão praticando transgressões contra o plano divino. E seus responsáveis deverão ser punidos pelo desiquilíbrio que causam à natureza. Pois um dos princípios do Islamismo, de acordo com Bagader (2011), é a declaração profética de Al-Hakim: "Que não se prejudique e nem seja prejudicado".

A água sempre foi uma questão delicada para esse povo originário do deserto. Além da sua função vital, no islamismo ela é usada para a purificação dos corpos e roupas antes das orações. Então todos têm o direito de usá-la, mas têm o dever de preservá-la também. Sem abuso ou desperdício, mesmo que seja farta e abundante. Sendo dever de todo o muçulmano compartilhar a água, o pasto e o fogo.

Caça e pesca em busca de alimentos são permitidas no Islã, desde que observadas as restrições quanto ao consumo de carne suína e derivados, do sangue e de animais carnívoros e de rapina. Todavia, o Profeta amaldiçoa quem caça por esporte ou perpetua o sofrimento animal. Sendo estes detentores de direitos, como a inviolabilidade mesmo em tempos de guerra. Mas seus direitos, quando confrontados com o do homem, se mostram limitados ao direito de propriedade e às necessidades humanas por alimento. Todavia vedam a tortura e os maus-tratos.

De acordo com Goldfarb e Souza (2016), a Sharia traz em seu arcabouço princípios como o da recuperação de terras (Ihya); estabelecimento de reservas e zonas protegidas (Hima e Harim); e zoneamento e planejamento do uso da terra (Haram), que demonstram a preocupação com a preservação ambiental. Demonstrando o papel fundamental de um ecossistema protegido e um meio ambiente limpo e saudável para que todos possam gozar de uma vida digna.

Em 2015, segundo Freitas (2019), líderes islâmicos publicaram a “Declaração Islâmica sobre Mudanças Climáticas”, pedindo a colaboração de todos no combate às mudanças climáticas, degradação ambiental e perda da biodiversidade. Propondo que cada pessoa, seguindo o exemplo do Profeta Muhammad, mudasse seus maus hábitos e pensamentos que contribuem para o desequilíbrio do meio ambiente.

Diante do conteúdo acima exposto, é possível afirmar o posicionamento do Islã no combate à degradação do meio ambiente. Não obstante não haver um capítulo ou um setor intitulado “Direito Ambiental”, o Direito Islâmico sempre se preocupou em proteger o meio ambiente. Não poderia ser diferente dada as dificuldades vividas por esse povo na desértica Península Arábica. Talvez por isso, o uso sustentável e o equilíbrio na utilização dos recursos, sopesando dano e benefício, tenham sido um dos pilares dos ensinamentos do Profeta Muhammad.


5 CONSTRUÇÃO DE METRÓPOLES EM PAÍSES ÁRABES E DIREITO ISLÂMICO

É considerável a massiva influência ocidental na construção das metrópoles árabes no que se refere às perspectivas da interferência inglesa no processo de urbanização e do rápido crescimento econômico pelo capital estrangeiro de economias estrangeiras ocidentais. Durante os séculos XVIII e XIX, o Cairo foi alvo de prédios sob modelo europeu já na década de 1860, tendo posteriormente o domínio do Egito pelos ingleses, salientando o contexto de revolução industrial e a busca dos ingleses da expansão industrial e por mercados, a exploração do algodão, o que o Egito possuía em abundância, interessou os britânicos de forma que os mesmos invadiram o Egito e o teve sob dominância durante sete décadas para o esbanjamento de novos produtos têxteis das indústrias inglesas. Os Estados vizinhos dos Emirados Árabes de Dubai e Abu Dhabi eram visados para a importação de pérolas até os anos 1930, porém, assim como houve também em Riad, a descoberta do petróleo foi elementar como o motor principal da modernização das cidades árabes citadas.

Seguido dessa contextualização, o presente estudo direcionará ao leitor sobre o levantamento de incongruências entre as relações das expansões urbanísticas com a jurisprudência da Shariyá ou Shari'ah (no ocidente denominada como Direito Islâmico) e o vazio jurisdicional de normas para a solução de controvérsias ambientais causadas pela forte urbanização nas cidades desérticas e seus efeitos nocivos para seus residentes. De acordo com Wael Hallaq, seria ilógico ferir ou abusar do ambiente natural que cerca a humanidade, pois percebendo o ser humano como parte integral do meio ambiente enquanto ordem natural, danificar o meio ambiente seria o mesmo que danificar a nós mesmos (HALLAQ, W. 2009, p.14). Todavia, é notório que, em larga escala, a escalada de problemas acerca de elementos essenciais para o bem do ser vivo tais como a água e o ar ainda implicam na emergência do estabelecimento de novas leis que abarcam a proteção ambiental e do indivíduo, seguindo os preceitos do ordenamento jurídico do Direito Islâmico.


6 DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NO ENTORNO DE METRÓPOLES ÁRABES

Começando por uma das capitais mais conhecidas no globo, Dubai sofre com o processo de dessalinização da água para o abastecimento da cidade. Tal processo das usinas de dessalinização é responsável na emissão de dióxido de carbono que é voltado para o mar, de acordo com os dados da ONU.

Os Emirados Árabes vêm sendo um dos países que mais emitem dióxido de carbono no mundo juntamente com as usinas de dessalinização nas quais ameaçam a fauna e flora locais, como mangues e vida marinha.

A ONU, em 2019, acrescentou, sobre os resíduos que são jogados ao mar após o tratamento da água, que podem ser danosos caso não haja tratamento devido. O gasto de água exorbitante para manter o clima desértico mais ameno na cidade se torna cada vez mais perverso, na medida em que os prédios arquitetônicos, como o Burj Khalifa, consomem sozinhos um total de vinte piscinas olímpicas, tendo os Emirados Árabes um calculo de dessalinização de água num total de quatro bilhões de garrafas d’água por dia.

Ademais, na Arábia Saudita, a usina de Ras al-Khair abastece Riad é uma das contribuintes por fazer o país um dos mais poluídos do mundo, entretanto o país faz um esforço de projetos ade sustentabilidade ambiental, tais como o Green Riyadh.

Outrossim, com a superlotação no Cairo, a capital do Egito sofre com problemas de poluição no ar, ainda há problemas de abastecimento de água do Rio Nilo nas cidades egípcias com a construção de hidrelétrica na Etiópia, tal esta que ameaça o consumo hídrico no Egito pelo Rio Nilo, cujo 90% do mesmo abastece o país e, tendo a barragem como ameaça a uma crise hídrica.

Enfim, em Abu Dhabi, ainda que haja o reconhecimento das autoridades da escassez de recursos naturais, a cidade planejou o que chamam de “eco cidade do futuro” de Masdar, projetada no meio de Abu Dhabi tendo como um protótipo de cidade que só usaria fontes de energias sustentáveis na proposta de ser a primeira cidade que teria baixo desperdício de carbono, porém ela ainda é um distrito semi-fantasma com um baixo número de trabalhadores, concluindo um contraste entre Abu Dhabi aprendendo com os erros de Dubai e a corrida em direção à busca de reconhecimento no cenário internacional pelo esforço de sustentabilidade, há discrepância de Dubai do uso de carbono nas usinas de dessalinização.


7 PROJEÇÕES NA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL AMBIENTAL

A jurisprudência é fonte do Direito Internacional Público semelhantemente ao que ocorre na Teoria do Direito, sendo possível compreender a lavratura de determinados atos decisórios em Tribunais Internacionais como provimentos dotados de força jurídica e jurígena próxima à das decisões de Organizações Internacionais (cf. ALBUQUERQUE MELLO, 2000, pp. 299-305), na medida em que muitos órgãos jurisdicionais internacionais, embora inscritos da autonomia que é característica ao agir imparcial típico de tais entidades, são formalmente órgãos internos de Organizações Internacionais, como ocorre e.g. com a Corte Internacional de Justiça em relação à Organização das Nações Unidas.

Outrossim, é importante ressaltar que a Sociedade Internacional ressente-se, nos dias atuais, pela ausência de uma instância jurisdicional competente para julgamento de demandas que envolvam o Direito Internacional Ambiental, mais ainda considerando o cosmopolitismo como vetor metodológico da hermenêutica e aplicação do Direito Internacional Público e do Direito Internacional dos Direitos Humanos à luz do neokantismo, que permeou o fundamento filosófico da proteção internacional dos direitos humanos após a II Grande Guerra, mormente com a criação da ONU, em 1945, bem como com o novo fulgor da intelligentsia da primeira metade do século XX, em torno de novos debates acerca do imperativo categórico ético (cf. KANT, 2009) como fundamento de aplicabilidade dos direitos humanos sob o viés universal e cosmopolita.

A ausência de um Tribunal Internacional Ambiental é objeto de críticas doutrinárias diversas na contemporaneidade (cf. GUERRA, 2006), na medida em que a referida matéria guarda especialização e relevância na pós-modernidade circunscrita pela sociedade de risco (cf. BECK, 2011) que não comportam apreciações que, embora percucientes, não deixam de ser genéricas, sob a cognição de outros órgãos jurisdicionais internacionais, como a citada Corte Internacional de Justiça.

Logo, o que se pode aventar após o percurso empreendido pelo escorço histórico da proteção internacional dos direitos humanos, o sistema jurídico islâmico, os princípios de proteção ambiental contidos no Alcorão, bem como a realidade geoeconômica do entorno de metrópoles árabes selecionadas para ilustrar o presente estudo, é a dedução de projeções que podem ser entabuladas segundo as tendências verificadas na jurisprudência internacional em julgados que versem sobre a proteção do meio ambiente em suas quatro vertentes (natural, artificial, cultural e laboral), com destaque aos ambientes natural e cultural – este último, dada a especial condição do Cairo como metrópole circundada por sítios arqueológicos importantes oriundos da antiga civilização egípcia.

Nesse sentido, uma vez que se verifica ser o sistema jurídico islâmico calcado numa perspectiva comunitarista potencialmente conflitante com a tendência cosmopolita da corrente universalista predominante na aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, em contraposição ao relativismo cultural que pode ser aventado na aplicação de diplomas como a Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos (1981), a Declaração dos Direitos do Homem no Islã (1990) e a Carta Árabe dos Direitos do Homem (1994), é possível a existência de um déficit de transparência na divulgação ampla de dados sobre degradações ambientais no entorno de metrópoles árabes de países que pertençam ao chamado “mundo islâmico”. Desta forma, é relevante o estudo do “Caso Bladet Tromso e Setensaas v. Noruega”, bem como do “Caso Guerra e outros v. Itália”, ambos julgados pela Corte Europeia de Direitos Humanos – órgão jurisdicional comunitário que, embora circunscrito ao âmbito territorial do continente europeu, por vezes é citado em precedentes de Cortes Internacionais de competência mais ampla, dado o modelo descentralizado de sistemas de proteção dos direitos humanos.

Didáticas e percucientes considerações sobre ambos os julgados foram elaboradas em estudo de Fonseca (2010), que abordou a jurisprudência internacional em matéria ambiental e sua interação com a proteção internacional dos direitos humanos na participação de indivíduos em Organizações Internacionais, na forma que segue (FONSECA, 2010, p. 247):

O caso Bladet Tromso e Stensaas v. Noruega,submetido em 1999 à Corte Europeia de Direitos Humanos, discute a importância do acesso à informação em matéria ambiental. Em sua decisão, a Corte entendeu que o estado demandado não poderia invocar leis contra a difamação para restringir a disseminação de informações ambientais de interesse público. Nesse caso, a Corte declarou que a Noruega havia violado os direitos de um jornal e de seu editor, ao acusá-los e processá-los por difamação após a publicação de trechos de um relatório de um inspetor de caça às focas do governo. A ação sofrida pelos jornalistas foi considerada uma interferência injustificada ao artigo 10 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.Igualmente, no Caso Guerra e outros v. Itáliaa Corte Europeia de Direitos Humanos entendeu que o Estado demandado falhou ao não informar a população de um município sobre os riscos associados a uma indústria química na localidade e sobre como proceder na eventualidade de um acidente. Em 16/09/1996 a Corte acolheu a petição na qual os demandantes alegavam ter sido vítimas de uma violação do artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que protege a vida privada e familiar. Em sentença de 19/02/1998, a Itália foi condenada pela inobservância do referido artigo, tendo a Corte reiterado que a poluição ambiental pode afetar o bem estar dos indivíduos de forma tal que a vida familiar dos mesmos seja severamente prejudicada.

Pode-se observar, pois, a necessidade de cumprimento de medidas de transparência na proteção do meio ambiente, nos âmbitos doméstico e internacional, o que de fato ensejará maior fiscalização e controle pela Sociedade Internacional das condutas de degradação do entorno de metrópoles como as ilustradas neste estudo – o que não apenas se configura como matéria de proteção do Direito Internacional Ambiental, mas também, do Direito Internacional dos Direitos Humanos, considerando a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a proteção do patrimônio histórico, artístico, cultural, turístico e paisagístico como expressões dos direitos humanos de terceira dimensão, dotados das características difusas ou coletivas típicas da natureza transindividual destas espécies de direitos humanos reconhecidas a partir do século XX.

Logo, a transparência (full and fair disclosure), além de vetor privilegiado no estudo da governança corporativa, também deve informar o agir administrativo de todos os Estados soberanos inseridos na Sociedade Internacional, devendo-se afastar quaisquer considerações de ordem cultural, religiosa ou socio-histórica, que ensejem a ocultação de informações ou o afastamento dos deveres de transparência, mormente em matéria de proteção ambiental nos âmbitos doméstico e internacional.

Tal conduta dos sujeitos e atores de Direito Internacional Público é salutar, sob pena de se violar o universalismo que predomina na aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos na experiência da ONU e de outras Organizações Internacionais, bem como verificado em decisões de prestigiados Tribunais Internacionais de Direitos Humanos – ainda de competência regional, dada a ausência não apenas de um Tribunal Internacional Ambiental, mas também de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos que abranja todos os sujeitos inseridos na Sociedade Internacional, embora os precedentes dos vários órgãos jurisdicionais internacionais sobre a matéria influenciem no agir administrativo e de governo dos demais Estados soberanos, o que deve incluir aqueles que adotem formalmente o sistema jurídico islâmico, que não se revela incompatível com cosmopolitismo como valor predominante da Sociedade Internacional contemporânea, desde que respeitados os deveres oriundos da hermenêutica e aplicação de suas normas, bem como das normas imperativas de Direito Internacional Geral (Jus Cogens).


8 CONCLUSÃO

O presente estudo apresentou tema de grande relevância para o Direito Internacional Ambiental e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, considerando a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado como manifestação dos direitos humanos de terceira dimensão.

A temática torna-se ainda mais premente quando se trata de Estados soberanos que adotam formalmente o sistema jurídico islâmico capitaneado pela Shariyá, na medida em que a literatura sagrada do Islamismo pontifica uma série de princípios de proteção ambiental que conflitam com as políticas públicas implementadas pelos países que adotam este peculiar e relevante sistema jurídico, o que se reflete na ausência de medidas mais efetivas de proteção do meio ambiente no entorno de metrópoles árabes importantes, como Dubai, Cairo, Riad, dentre outras.

A alteridade que deve reger a proteção internacional dos direitos humanos recomenda que se observe o sistema jurídico islâmico à luz do universalismo cosmopolita que vigora na aplicação dos direitos humanos pelas organizações internacionais, com destaque para a ONU, na medida em que ainda inexiste, tanto um Tribunal Internacional de Direitos Humanos, quanto um Tribunal Internacional Ambiental.

Tal cenário, embora impacte negativamente na pesquisa de fontes para este estudo, não desnatura sua relevância na abordagem comparativa entre os aspectos religiosos inerentes ao sistema jurídico islâmico e a postura ainda incipiente dos governos nacionais de Estados soberanos do Médio Oriente muçulmano na implementação de políticas públicas efetivas de proteção do meio ambiente, o que agrega ao déficit de proteção dos direitos humanos em seus territórios.

Sustenta-se, enfim, que o fenômeno abordado neste estudo seria objeto de maior enfrentamento caso existisse seja um Tribunal Internacional de Direitos Humanos, seja um Tribunal Internacional Ambiental, enquanto órgãos jurisdicionais internacionais dotados de independência, tal como o já existente Tribunal Penal Internacional, poderiam tornar a referida tese objeto de estudos futuros, em apreço a um perfil de transformação social conferido à doutrina internacionalista.


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Notas

1 A expressão pronuncia-se Xaria, na medida em que ainda se encontra em processo de aportuguesamento. Opta-se ao longo do presente estudo, porém, pela expressão Shariyá, por razões de uniformidade linguística e paralelismo das formas. Para maiores detalhes sobre o sistema jurídico islâmico e sua influência no contexto do desenvolvimento econômico dos Estados envolvidos, cf. Cavadas (2020).

2 Nesse sentido CF. Gilissen (1995, p. 51): “Os mais antigos documentos escritos de natureza jurídica aparecem nos finais do 4º ou começo do 5º milênio, isto é, cerca do ano 3000 da nossa era, por um lado o Egito, por outro a Mesopotâmia”.

3 Conjunto dos direitos da maior parte dos povos do Próximo Oriente da Antiguidade que se serviram de um processo de escrita, parcialmente ideográfico, em forma de cunha ou de prego.

4 Cf. Gusmão (1998, p. 280): “O código não é o mais antigo do mundo (...), pois na tabuinha de Istambul (...) encontra-se um mais antigo, o Código de Ur-Namu. (...) é uma coletânea de julgados. (...) Os artigos apresentam um caso concreto acompanhado de uma solução jurídica”.

5 No mesmo diapasão, o magistério de Comparato (1999, p. 8): “No centro do período axial, entre 600 e 480 a.C., coexistiram, sem se comunicarem entre si, cinco dos maiores doutrinadores de todos os tempos: Zaratustra na Pérsia, Buda na Índia, Confúcio na China, Pitágoras na Grécia e o Dêutero-Isaías em Israel. Todos eles, cada um a seu modo, foram autores de visões do mundo, a partir das quais estabeleceu-se a grande linha divisória histórica: as explicações mitológicas anteriores são abandonadas, e o curso posterior da História não constitui senão um longo desdobramento de ideias e princípios expostos durante esse período”.

6 Comparato (1999, p. 60) acentua: “A sociedade medieval europeia era composta, basicamente, de três estamentos (status, Stande, états), isto é, de grupos sociais dotados de um estatuto jurídico próprio, ligado à condição pessoal de seus integrantes. Eram eles a nobreza, o clero e o povo. Os dois primeiros possuíam privilégios hereditários, e o terceiro tinha como única vantagem o status libertatis, isto é, o fato de que os seus componentes não se confundiam com a multidão dos servos de todo o gênero. (...) Na época em que foi escrito esse texto, uma clara tendência modificadora dessa tripartição estamental já se iniciara, com a perda da autoridade régia, consequente ao enfraquecimento do poder imperial. (...) É no contexto dessa evolução histórica que deve ser apreciada a importância da Magna Carta”.

7 Greco Filho (1989, p. 29) assim descreveu: “os barões obrigaram João Sem Terra, em 1215, a firmar a carta; as modernas ideias de liberdade nem sequer tinham sido formadas. “Liberdades” significavam privilégios para os barões, tais como o de não pagarem ao rei taxas extraordinárias sem votação prévia deles próprios, o de escolherem os próprios oficiais ou o de manterem uma corte de justiça”.

8 Nesse sentido, a manifestação de Quintana (2006, p. 1): “O célebre texto do Bill of Rights de 1689 estipula que os lordes espirituais e temporais, bem como os cidadãos comuns, reunidos em assembleia livremente representativa, vêm a declarar perante as novas Majestades (Guilherme e Maria) seus ‘incontestáveis antigos direitos e liberdades do povo deste reino’. Dentre esses importa, sobretudo, destacar os de propriedade, à segurança e à liberdade. Tais direitos, no campo ideológico, são suscetíveis de duas interpretações. Em primeiro lugar, aquela proveniente da ideologia conservadora, apoiada na tradição; em segundo lugar, aquela oriunda da ideologia liberal clássica, que tira sua fonte ius-filosófica no ius-naturalismo e/ou ius-racionalismo, ambas levando a visões conflitantes dos direitos humanos”.

9 Para melhor compreensão das três vertentes de proteção internacional dos direitos humanos recomenda-se a leitura de Guerra (2015), em especial do Capítulo I.

10 Texto original: “Las tres vertientes de protección de los derechos de la persona humana han marcado presencia, de forma convergente, en relación con el tema de la seguridad, y más propiamente de la seguridad humana. La cuestión ha sido planteada de forma expresa en el marco de la adopción de medidas de privación de libertad, ligadas a los llamados ataques armados preventivos en la lucha contra actos de terrorismo. (...) La vieja expresión ‘seguridad de los Estados’, de triste memoria por contener toda una historia de represión y violación masiva de los derechos humanos en la experiencia reciente de muchos países latinoamericanos, es debidamente remplazada por la expresión ‘seguridad humana'”.


Autores

  • Divo Augusto Cavadas

    Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

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  • Sidney Guerra

    Sidney Guerra

    Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais (CES) – Universidade de Coimbra. Visiting Researcher pela Stetson University Law School. Pós-Doutor em Cultura pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea – Universidade Federal do Rio de Janeiro (PACC/UFRJ). Pós-Doutor em Direito – Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP). Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (Doutorado e Mestrado) da Faculdade Nacional de Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Professor Titular da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional (Doutorado e Mestrado) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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  • Patricia Goes

    Patricia Goes

    Graduada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bacharelanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (MACKENZIE/RJ). Membro do Grupo de Pesquisas em Direito Internacional (GPDI-FND/UFRJ).

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  • Rafael Moura de Figueiredo Silva

    Rafael Moura de Figueiredo Silva

    Bacharelando em Relações Internacionais pela Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ). Membro do Grupo de Pesquisas em Direito Internacional (GPDI-FND/UFRJ).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVADAS, Divo Augusto; GUERRA, Sidney et al. Metrópoles árabes e proteção do meio ambiente: críticas à luz do direito internacional dos direitos humanos e do sistema jurídico islâmico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6293, 23 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85558. Acesso em: 25 abr. 2024.