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O saneamento básico e o federalismo à brasileira

Uma breve análise acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842

O saneamento básico e o federalismo à brasileira: Uma breve análise acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842

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Examina-se a solução encontrada pelo STF com a modulação de efeitos em julgamento sobre repartição de competências federativas em regiões metropolitanas, a fim de evitar o caos na prestação dos serviços públicos de saneamento básico em vigor desde há muito tempo.

Ao estudarmos a autonomia municipal no Brasil, verificamos, desde logo, que o problema verdadeiro não é o de autonomia, mas o de falta de autonomia, tão constante tem sido, em nossa história, salvo breves reações de caráter municipalista, o amesquinhamento das instituições municipais.  A atrofia dos nossos municípios tem resultado de processos vários: penúria orçamentária, excesso de encargos, redução de suas atribuições autônomas, limitações ao processo da eletividade de sua administração, intervenção da polícia nos pleitos locais etc. (Victor Nunes Leal).[1]

RESUMO: Neste texto será feita uma breve análise acerca do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade n. 1.842 realizado pelo Supremo Tribunal Federal, que analisa a constitucionalidade de legislação do Estado do Rio de Janeiro relativa à competência para a prestação do serviço público de saneamento básico. Serão abordados os principais fundamentos normativos e os relevantes argumentos jurídicos deduzidos nas postulações processuais e nos votos dos ministros do Tribunal, verificando se essas manifestações estão em harmonia com o ordenamento jurídico e sintonizadas com a realidade contextual. Especificamente, serão visitados os aspectos desse aludido feito judicial que versam sobre os temas do saneamento básico em consonância com os preceitos relativos ao federalismo brasileiro. Também serão levados em consideração as proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional sobre o tema do saneamento básico.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Federalismo. Saneamento básico. Supremo Tribunal Federal. Congresso Nacional.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O federalismo à brasileira; 3. O saneamento básico: ordenamento jurídico e proposições legislativas; 4. ADI 1.842: postulações, manifestações e votos; 5. Conclusões; 6. Referências.


1 Introdução

O presente artigo tem como objeto o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade n. 1.842[2], no qual o Supremo Tribunal Federal aprecia a validade jurídica da legislação do Estado do Rio de Janeiro relativa à competência para a prestação do serviço público de saneamento básico. Neste texto serão abordados os principais fundamentos normativos e os relevantes argumentos jurídicos deduzidos nas peças e manifestações processuais, bem como nos votos dos ministros do Tribunal. Será verificado se esses votos são harmônicos com o ordenamento jurídico e sintonizados com a realidade contextual.

Com efeito, serão visitados os aspectos desse aludido feito judicial que versam sobre o saneamento básico em consonância com o federalismo brasileiro, visto que esse tema do saneamento básico é de competência comum da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, nos termos do art. 24, inciso IX, Constituição Federal, e de interesse de toda a comunidade, tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas de direito privado.

Nessa análise, será visitada a legislação infraconstitucional, como, à guisa de exemplo, a Lei Federal n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico) e o respectivo decreto federal regulamentador (Decreto n. 7.217, de 21 de junho de 2010). Também serão surpreendidas as proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional sobre o saneamento básico, como sucede, por exemplo, com o Projeto de Lei n. 4.162/2019[3], assim como o pertinente magistério doutrinário[4].

O tema se justifica tanto pelos aspectos estritamente normativos quanto pelos aspectos fáticos. No plano normativo constitucional, recorde-se que compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, inciso XX, CF), que é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, inciso IX, CF), que compete ao sistema único de saúde participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, inciso IV, CF) e a exceção contida no art. 103, parágrafo único, ADCT[5], autorizando desapropriações para fins de necessidade pública nas áreas de saúde, educação, segurança pública, transporte público, saneamento básico e habitação de interesse social.

Portanto, a questão do saneamento básico envolve os interesses políticos de todos os entes federativos e de toda a sociedade, razão pela qual é uma das pautas mais relevantes de políticas públicas no Brasil. Com efeito, no parecer que proferiu na qualidade de relator na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei n. 3.261/2019, posteriormente apensado ao aludido Projeto de Lei n. 4.162, de 2019, o deputado federal Geninho Zuliani[6] assinalou:

Os números do saneamento básico no Brasil ainda são catastróficos, indicando que uma solução urgente precisa ser buscada para reverter essa situação. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram que, no ano 2017, pouco mais de 80% da população brasileira tinham acesso a serviço de abastecimento de água, mas apenas metade dos cidadãos contava com serviço de coleta de esgotamento sanitário em suas casas. O tratamento de esgoto é outro problema sério, pois do total de esgoto coletado, pouco mais de 70% tiveram algum tipo de tratamento antes de serem lançados nos corpos d’água. Os números mostram que o déficit de coleta e tratamento de esgoto no Brasil é maior do que o de países com índices de desenvolvimento humano similares ao nosso.  

Diante desses aludidos aspectos factuais dramáticos, são inquestionáveis os impactos das carências de saneamento básico na vida de milhões de brasileiros e os reflexos negativos em outros setores da vida em sociedade, inclusive com prejuízos econômicos, além dos inegáveis problemas de saúde pública para as pessoas mais carentes, que envergonham uma sociedade que se quer decente e civilizada.

Daí que, seja pelos aspectos normativos (a complexidade jurídica e política do marco legal do saneamento no federalismo brasileiro) seja pelos aspectos fáticos (a imperiosa necessidade de implementação e concretização de medidas administrativas, ações governamentais e políticas públicas), esse tema do saneamento básico merece uma reflexão a partir do citado processo da ação direta de inconstitucionalidade n. 1.842.


2. O federalismo à brasileira

No aspecto estritamente formal, a experiência normativa e política do federalismo brasileiro principia com a proclamação da República[7] e com a promulgação da Constituição de 1891[8]. Essa formalização constitucional do federalismo como modelo de repartição espacial das competências políticas teve como fonte inspiradora a experiência política dos Estados Unidos da América[9], cuja Constituição de 1787[10] reflete a divisão interna e espacial (ou territorial) do poder político entre os Estados e a União, com a reconhecida influência dos autores “Federalistas” [11].  

Tenha-se que, segundo José Alfredo de Oliveira Baracho[12], não há um único tipo de federalismo, mas há para cada Estado, seja República ou Monarquia, que escolhe adotar esse modelo de estrutura organizacional, o seu próprio federalismo, de sorte que em alguns há uma maior parcela de competências centralizadas na União, noutros há uma maior descentralização com atribuições de competências aos Estados e/ou aos Municípios, segundo as contingências históricas, políticas e culturais de cada povo. [13] Daí utilizar-se a expressão “federalismo à brasileira”, para deixar claro que o modelo federativo brasileiro e a sua prática é decorrência das circunstâncias e das necessidades que forjaram a nossa prática política.

Versando sobre os tipos de federalismo na experiência constitucional brasileira assinalou Celso de Mello[14]:

A autonomia dos Estados-membros constitui um dos elementos essenciais à própria conceptualização do Estado Federal, cujo tipo histórico, variável na evolução do constitucionalismo brasileiro – federalismo dual ou dualista (CF 1891), federalismo de cooperação (CF 1934), federalismo de integração (Carta de 1967) – enseja abordagens várias, quer a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada (federalismo de equilíbrio e federalismo hegemônico)...   

Nada obstante, mesmo sob a égide da Constituição de 1891, com o seu federalismo “dual”, estava prescrito o dever de a União socorrer os Estados, em caso de calamidade pública, bem como o dever dos Estados de respeitarem a autonomia dos seus Municípios, sob pena de intervenção federal. [15] Raul Machado Horta[16] leciona que os Estados federados atingiram o apogeu de autonomia política na Constituição de 1891, sem que houvesse, pelo menos no plano das formalidades constitucionais, mútua intromissão da União nos assuntos e temas dos Estados, destes nos assuntos e temas dos Municípios, e desses entes federativos nos assuntos de domínio da União[17]. Esse distanciamento territorial e dominial, pelo menos nos aspectos das formalidades constitucionais, vigeu até a Constituição de 1934.

A partir do constitucionalismo social[18] inaugurado, no Brasil, com a Constituição de 1934 surge o denominado “federalismo cooperativo”. Por constitucionalismo social entende-se o conjunto de preceitos normativos constitucionais dispondo sobre direitos e deveres sociais, e atribuindo ao Estado a missão de intervir em temas como educação, saúde, trabalho, família, cultura e outros assuntos que tradicionalmente não constavam nas constituições liberais.[19] Nessa Constituição de 1934 constavam preceitos que autorizavam acordos entre a União e os Estados para melhor coordenação e desenvolvimento dos respectivos serviços[20], bem como preceitos sobre a competência concorrente entre a União e os Estados ou preceitos que cuidavam da repartição das arrecadações de impostos pela União, pelos Estados e pelos Municípios[21].

O fato é que até a vigente Constituição de 1988, ora com maior ou menor grau, tem havido uma mútua invasão nas relações políticas e jurídicas entre os entes federativos. [22] Com efeito, os capita dos artigos 1º[23] e 18[24] da Constituição de 1988 prescrevem a forma federativa como estrutura político-constitucional da República brasileira e enunciam, em preceitos normativos similares, que a República é una, independente e soberana, e que a Federação é indissolúvel e com autonomias constitucionais da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

A soberania[25] é atributo exclusivo da República e significa o poder incontrastável que tem o Brasil de impor, em seus domínios territoriais, as suas decisões políticas e normativas. A autonomia[26] é concessão da República à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, e significa o direito que cada um desses entes federativos tem de autogoverno, segundo os limites estabelecidos na Constituição da República.  

Em suma, a República[27] é soberana, enquanto União[28], Estados[29], Municípios[30] e Distrito Federal[31] são autônomos. Na Constituição, também há as figuras dos Territórios[32] (art. 33, CF) e das Regiões[33] (art. 43, CF), mas nem estas nem aqueles usufruem do direito constitucional de autonomia política. A República[34] é o todo político-normativo, e a Federação[35] é a fragmentação interna desse todo político-normativo chamado República.   Soberania é o poder (força capaz de impor sua decisão e vontade) da República, enquanto autonomia é direito (exercício regular e autorizado de possibilidade fática) dos entes federativos.[36] E esse direito está constitucionalmente delineado. [37]

Na Constituição de 1988 há um catálogo de dispositivos que enunciam as competências de cada um desses entes federativos. Nos artigos 21[38], 22[39], 23[40] e 24[41],  25[42], 30[43] e 32[44] lê-se o rol explícito de preceitos que cuidam dos vários tipos de competências constitucionais (exclusivas, privativas, concorrentes e comuns) [45]. Além desses artigos referidos, há vários dispositivos constitucionais esparramados que também enunciam competências dos entes federativos, em decorrência daquele rol explícito, como sucede, por exemplo, com os artigos 179[46] e 180[47].

À luz do texto constitucional, em alguns casos há poucas dúvidas e complexidade, como sucede, por exemplo, com a competência exclusiva e indelegável da União para, em nome da República, manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais ou para declarar a guerra e celebrar a paz (art. 21, incisos I e II, CF). Todavia dúvidas podem surgir nas competências privativas e delegáveis da União em legislar sobre normas gerais de licitação e contratação pública (art. 22, inciso XXVII, CF). Nessa linha, a complexidade aumenta em face das competências comuns e cooperativas, como sucede com o dever de preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, inciso VII, CF) e também se amplifica nas competências legislativas concorrentes, como, por exemplo, na relativa à proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, inciso VII, CF).

 Nessa perspectiva, a questão das competências constitucionais se torna complexa e suscita dúvidas, inclusive na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[48], sobretudo em face das competências comuns e concorrentes, como se viu das discussões encetadas por ocasião das políticas públicas, medidas administrativas e ações governamentais para o enfrentamento da calamidade pública decorrente da COVID-19[49].

Daí que, diante do esquadro constitucional, o tema do saneamento básico é de alta complexidade normativa, visto que, conforme já assinalado, envolve competências exclusivas, comuns e concorrentes de todos os entes federativos, e para a sua normatização há uma pletora legislativa em vigor e tramitam projetos de lei visando estabelecer marcos regulatórios e normativos para a regulação desse serviço público, reveladores das peculiaridades caracterizadoras do “federalismo à brasileira”.


3. O saneamento básico: ordenamento jurídico e proposições legislativas

Recorde-se que no texto constitucional compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, inciso XX, CF), que é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, inciso IX, CF), que compete ao sistema único de saúde participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, inciso IV, CF).  No art. 103, parágrafo único, ADCT, consta autorização para desapropriações para fins de necessidade pública nas áreas de saúde, educação, segurança pública, transporte público, saneamento básico e habitação de interesse social.

No plano legal, há a Lei Federal n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico) e o Decreto federal n. 7.217, de 21 de junho de 2010, que regulamenta a referida Lei 11.445/2007. Não se olvide da Lei Federal n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade). Some-se aos citados diplomas normativos federais uma pletora de leis estaduais e municipais que regulam os respectivos planos de saneamento básico. À maneira de exemplo, a Lei Complementar n. 1.025, de 7 de dezembro de 2007, do Estado de São Paulo, ou com a Lei n. 14.934, de 18 de junho de 2009, do Município de São Paulo. Portanto, legislação normatizando o tema do saneamento básico há às mancheias, como a própria legislação do Estado do Rio de Janeiro que foi impugnada perante o STF nos autos da citada ADI 1.842.

Pois bem. Nos termos do art. 3º[50] da referida Lei 11.445/2007, o saneamento básico consiste no conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, de esgotamento sanitário, de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais, limpeza e fiscalização das redes urbanas.

No art. 2º[51] da citada Lei 11.445/2007 estão elencados os princípios fundamentais de como os serviços públicos de saneamento básico devem ser prestados, como o acesso universal, proteção à saúde pública e ao meio ambiente, eficiência e sustentabilidade econômica, respeito às peculiaridades locais e regionais, dentre outros. Há comando que direciona a integração das infraestruturas e serviços de saneamento básico com a gestão eficiente dos recursos hídricos, bem como a adoção de medidas de fomento à moderação do consumo de água. Nessa Lei, no art. 4º, está prescrito que os recursos hídricos não integram os serviços públicos de saneamento básico.

Em tópico que está diretamente relacionado à ADI 1.842, está prescrito no art. 8º da Lei 11.445/2007 que os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços por meio de consórcios públicos. Nada obstante, foram editadas as Medidas Provisórias ns. 844 e 868, respectivamente de 6 de julho, e de 27 de dezembro, todas do ano de 2018, que alteraram a redação do aludido art. 8º estabelecendo que os Municípios e o Distrito Federal são os titulares desses agitados serviços públicos, bem como determinando que na hipótese de interesse comum, o exercício da titularidade dos serviços de saneamento básico seria realizado por meio de colegiado interfederativo formado a partir da instituição de região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, ou de instrumentos de gestão associada, por meio de consórcios públicos ou de convênios de cooperação. Essas MPvs 844/2018 e 868/2018 caducaram e houve repristinação normativa da redação originária do art. 8º da Lei 11.445/2007.

Ante essa situação legislativa e diante da necessidade de atualização dos marcos normativos regulatórios, está tramitando o mencionado Projeto de Lei n. 4.162/2019[52]. A ambiciosa pretensão desse referido PL consiste em assegurar a necessária segurança jurídica para que os investidores, públicos ou privados, se interessem em canalizar os recursos necessários para a melhoria dos serviços públicos de saneamento básico e para a universalização deles. Sem segurança jurídica, não há condições para a concretização dos direitos fundamentais sociais que exigem um conjunto de ações, medidas, estruturas e esforços para a sua materialização, como sucede com o saneamento básico, que é um tema de extrema dramaticidade social e de alta relevância política. [53]

As proposições legislativas contidas nesse PL 4.162/2019 que imediatamente interessam serão visitadas. Com efeito, atribui-se à Agência Nacional de Águas – ANA a competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico por seus titulares e suas entidades reguladoras e fiscalizadoras.  Se essas proposições legislativas forem aprovadas, a ANA terá o dever de zelar pela uniformidade regulatória e pela segurança jurídica na prestação dos serviços de saneamento básico, devendo essa Agência, inclusive, contribuir para a articulação entre os planos nacionais de saneamento básico, de resíduos sólidos e de recurso hídricos. 

No concernente à titularidade desses serviços de saneamento básico e no tocante aos modelos de sua prestação, nesse PL 4.162/2019 há proposta no sentido de deixar clara que a titularidade é do Município e do Distrito Federal, no caso de interesse local, ou do Estado, em conjunto com os Municípios, que compartilhem instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Também se autoriza a criação de autarquia intermunicipal com a finalidade de prestar os serviços para mais de um Município. Há no PL 4.162/2019 incentivos para que os serviços de saneamento básico sejam prestados de modo regionalizado. Esses incentivos se justificam sobretudo pelos altos investimentos necessários para uma adequada e eficiente prestação.

Nesse PL 4.162/2019 há proposições que visam garantir a segurança jurídica das convenções vigentes, de sorte a não prejudicar atos jurídicos perfectibilizados nem afugentar investidores, demonstrando estabilidade normativa e boa-fé administrativa, requisitos indispensáveis para atrair os necessários recursos para fazer face aos desafios do problema saneamento básico. Em síntese, as proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional ambicionam modificar os parâmetros normativos e os paradigmas político-administrativos relativos ao saneamento básico.

Esse PL 4.162/2019 teve como umas das causas políticas indiretas o julgamento da citada ADI 1.842, que passaremos a analisar.


4. ADI 1.842: postulações, manifestações e votos[54]

O Partido Democrático Trabalhista – PDT, em 10 de junho de 1998, ajuizou a citada ADI 1.842[55] postulando a decretação da inconstitucionalidade de preceitos normativos da Lei Complementar n. 87[56] e da Lei Ordinária n. 2.869[57], promulgadas respectivamente em 16 e 18 de dezembro de 1997, ambas do Estado do Rio de Janeiro, sendo que a primeira (LC 87/1997) instituiu a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, indicando vários Municípios, inclusive a cidade do Rio de Janeiro, com vistas à organização, ao planejamento e à execução de funções públicas e serviços de interesse metropolitano ou comum, e a segunda (Lei 2.869/1997) dispôs sobre o regime de prestação do serviço público de transporte ferroviário e metroviário de passageiros no Estado do Rio de Janeiro, e sobre o serviço público de saneamento básico no Estado do Rio de Janeiro.

Segundo o partido requerente, nos citados diplomas normativos fluminenses há violações aos seguintes mandamentos da Constituição Federal: princípio democrático e do equilíbrio federativo, autonomia municipal, princípio da não intervenção dos Estados nos Municípios, e competência comum da União, do Estado e do Município. Os dispositivos constitucionais, apontados pelo requerente, como supostamente agredidos são os seguintes:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

...

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:

Art. 60...

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.        

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O argumento central esgrimido pelo requerente consiste na tese segundo a qual os serviços públicos de saneamento básico são de interesse local e a titularidade desses serviços pertence aos Municípios, não estando os Estados autorizados a usurpar essa titularidade, ainda que utilizando do expediente de criação de regiões metropolitanas.

O então governador do Estado do Rio de Janeiro defendeu a validade da legislação impugnada.[58] Segundo o requerido, a Constituição Federal autoriza uma interpretação favorável à competência comum e à criação de regiões metropolitanas visando a redução de custos e ao aumento da eficiência na prestação de serviços públicos complexos e caros, como o saneamento básico, razão pela qual não se trata apenas de serviços de “interesse local”, mormente em regiões de conurbação, mas de interesse comum que exigem a intervenção do Estado e dos Municípios, e não apenas destes. Na mesma toada as informações prestadas pelo então presidente da Assembleia Legislativa respectiva. [59]

O advogado-geral da União[60] e o procurador-geral da República[61] se manifestaram pela improcedência do pleito. Para o AGU a instituição de regiões metropolitanas possui respaldo constitucional e se justificam pela oportunidade de transferir obras e serviços públicos de alto custo e complexidade para uma administração mais aparelhada e eficiente, e que esses serviços não são de exclusivo interesse local municipal, mas de interesse regional. Para o PGR a Constituição Federal autoriza a criação de regiões metropolitanas e que essas podem conviver com as respectivas autonomias municipais, sendo que não há óbice constitucional a imposição do dever municipal ao acatamento das diretrizes da respectiva região metropolitana.

Na qualidade de amici curiae, oficiaram o Estado da Bahia[62], o Estado do Rondônia[63] e a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo[64]. Nas manifestações ofertadas, esses amici curiae defenderam a possibilidade de convivência entre a autonomia municipal e as regiões metropolitanas, e que o direito constitucional de autonomia dos Municípios deve estar em harmonia com as diretrizes e deveres impostos pelas leis estaduais relativas às regiões metropolitanas, de sorte que os interesses comuns regionais não devem ser afastados em desfavor dos interesses locais municipais.

Após todas essas manifestações processuais, ora em favor da validade da legislação combatida ora em desfavor dessa legislação, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da controvérsia e por maioria deu parcial procedência aos pedidos deduzidos e, por uma questão de conveniência, resolveu modular os efeitos de sua decisão nos seguintes termos:

Em razão da necessidade  de continuidade da prestação da função de saneamento básico, há excepcional interesse social para vigência excepcional das leis impugnadas, nos termos do art. 27 da Lei n. 9.868/1998, pelo prazo de 24 meses, a contar da conclusão do julgamento, lapso temporal razoável dentro do qual o legislador estadual deverá reapreciar o tema, constituindo modelo de prestação de saneamento básico nas áreas de integração metropolitana, dirigido por órgão colegiado dos municípios pertinentes e do próprio Estado do Rio de Janeiro, sem que haja concentração do poder decisório nas mãos de qualquer ente. [65]

No mérito, superadas as preliminares processuais que não interessam neste artigo, da ementa do acórdão extraem-se as seguintes e mais relevantes passagens, que sumarizam os entendimentos que prevaleceram na Corte:

3. Autonomia municipal e integração metropolitana.

A Constituição Federal conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencionar os municípios como integrantes do sistema federativo (art. 1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os estados e o Distrito Federal (art. 18 da CF/1988).

A essência da autonomia municipal contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo.

O interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. O caráter compulsório da participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi acolhido pelo Pleno do STF (ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999).

O interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam a mais de um município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços supramunicipais.

4. Aglomerações urbanas e saneamento básico.

O art. 23, IX, da Constituição Federal conferiu competência comum à União, aos estados e aos municípios para promover a melhoria das condições de saneamento básico.

Nada obstante a competência municipal do poder concedente do serviço público de saneamento básico, o alto custo e o monopólio natural do serviço, além da existência de várias etapas – como captação, tratamento, adução, reserva, distribuição de água e o recolhimento, condução e disposição final de esgoto – que comumente ultrapassam os limites territoriais de um município, indicam a existência de interesse comum do serviço de saneamento básico.

A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal.

Para o adequado atendimento do interesse comum, a integração municipal do serviço de saneamento básico pode ocorrer tanto voluntariamente, por meio de gestão associada, empregando convênios de cooperação ou consórcios públicos, consoante o arts. 3º, II, e 24 da Lei Federal 11.445/2007 e o art. 241 da Constituição Federal, como compulsoriamente, nos termos em que prevista na lei complementar estadual que institui as aglomerações urbanas.

A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões pode vincular a participação de municípios limítrofes, com o objetivo de executar e planejar a função pública do saneamento básico, seja para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, seja para dar viabilidade econômica e técnica aos municípios menos favorecidos. Repita-se que este caráter compulsório da integração metropolitana não esvazia a autonomia municipal.

5. Inconstitucionalidade da transferência ao estado-membro do poder concedente de funções e serviços públicos de interesse comum.

O estabelecimento de região metropolitana não significa simples transferência de competências para o estado.

O interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das consequências para a saúde pública de toda a região.

O parâmetro para aferição da constitucionalidade reside no respeito à divisão de responsabilidades entre municípios e estado. É necessário evitar que o poder decisório e o poder concedente se concentrem nas mãos de um único ente para preservação do autogoverno e da autoadministração dos municípios.

Reconhecimento do poder concedente e da titularidade do serviço ao colegiado formado pelos municípios e pelo estado federado. A participação dos entes nesse colegiado não necessita de ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente. A participação de cada Município e do Estado deve ser estipulada em cada região metropolitana de acordo com suas particularidades, sem que se permita que um ente tenha predomínio absoluto.

Nada obstante, o relator originário do feito, ministro Maurício Corrêa[66], votou pela improcedência dos pedidos deduzidos e pela validade constitucional da legislação impugnada. Segundo Maurício Corrêa, o interesse comum regional prevalece sobre o restrito interesse local. E que as regiões metropolitanas estariam muito mais habilitadas a encontrarem as soluções para os problemas, de modo integrado, do que os Municípios de modo isolado. Isso, inclusive, iria ao encontro de fortalecer o pacto federativo, em uma interação conjunta e harmônica entre os Estados e os respectivos Municípios da região metropolitana.

Em favor de seu entendimento, Maurício Corrêa evoca o art. 25, § 3º, CF:

Art. 25 - Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

(....)

§ 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios 1imítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções publicas de interesse comum.

Fiando-se em precedente do STF (ADI 1.841) que reconheceu como válida a possibilidade de integração metropolitana compulsória, Maurício Corrêa assentou:

12. Por óbvio, esse agrupamento de Municípios, que decorre inicialmente da necessidade física concreta de formação de conglomerado urbano único, não se dá para fins meramente acadêmicos, geográficos ou algo parecido, mas efetivamente para cometer ao Estado a responsabilidade pela implantação de políticas unificadas de prestação de serviços públicos, objetivando ganhar em eficiência e economicidade, considerados os interesses coletivos e não individuais. Os problemas e os interesses de cada núcleo urbano passam a interagir de tal modo, que acabam constituindo um sistema sócio-econômico integrado, sem que com isso possa admitir-se a ocorrência de violação à autonomia municipal, tendo em vista o comando constitucional autorizador.

...

14. Indaga-se, no caso desses aglomerados, o que se pretende com a delimitação de uma área de serviços unificados. Busca-se a personificação de um ente para fins de administração centralizada, que planeje a atuação pública sobre território definido e que coordene e execute obras e serviços de interesse comum de toda a área, de sorte que a população seja atendida com eficiência. Por outro lado, a complexidade das obras e dos serviços metropolitanos, invariavelmente de altíssimo custo, não permite que os Poderes Executivos municipais, de forma isolada, os satisfaçam. Como o interesse da sociedade, aliás direito público oponível contra o Estado, é de âmbito regional e não apenas local, a Constituição autorizou a instituição desses aglomerados, sempre por lei complementar pela relevância de que se revestem.

Louvando-se nas manifestações da Procuradoria-Geral da República e da Advocacia-Geral da União, Maurício Corrêa votou, no mérito, pela improcedência dos pedidos e pela constitucionalidade da legislação impugnada, entendendo que o interesse comum regional prevalece sobre o interesse local municipal.

O ministro Joaquim Barbosa[67] divergiu e colocou a questão nos seguintes termos: a região metropolitana viola a autonomia municipal?

Portanto, é preciso examinar o problema por dois prismas complementares : (i) a restrição à autonomia dos       municípios metropolitanos dá-se desde a configuração normativa constitucional, e não a partir da criação individual de cada região metropolitana, e (ii) a autonomia municipal realiza-se quando o município, num contexto metropolitano, tem preservada a capacidade de decidir efetivamente sobre os destinos da região.

Assim, a criação de uma região metropolitana não pode, em hipótese alguma, significar o amesquinhamento da autonomia política dos municípios dela integrantes, materializado no controle e na gestão solitária pelo estado das funções públicas de interesse comum. Vale dizer, a titularidade do exercício das funções públicas de interesse comum passa para a nova entidade público-territorial administrativa, de caráter intergovernamental, que nasce em conseqüência da criação da região metropolitana. Em contrapartida, o exercício das funções normativas, diretivas  e administrativas do novo ente deve ser compartilhado com paridade entre o estado e os municípios envolvidos.

Nessa perspectiva, segundo Joaquim Barbosa, a transferência direta ou oblíqua de competências tipicamente locais para o Estado, em consequencia da criação de uma região metropolitana, não é compatível com a Constituição. Daí que o referido ministro entendeu como inconstitucional a prestação estadual dos serviços públicos de saneamento básico.

O ministro Nelson Jobim[68] acompanhou a divergência inaugurada pelo ministro Joaquim Barbosa. Segundo Jobim:

Estamos diante de um problema que transborda os limites da interpretação literal da Constituição. A questão exige do Supremo, mais do que tudo sensibilidade política, econômica e social para uma solução que seja constitucionalmente aceitável e que não inviabilize por completo o setor e prejudique o cidadão – usuário do serviço. Muitas decisões políticas e administrativas estão no aguardo do julgamento dessa questão e da fixação da titularidade do serviço.

Na construção de seu voto, Jobim principia formulando as seguintes indagações: o Estado pode se atribuir parte da competência executiva e legislativa dos Municípios com base no art. 25, § 3º da CF? O que consiste uma região metropolitana? Qual a sua função e seu papel no sistema constitucional brasileiro?

Após resgatar as origens das regiões metropolitanas, analisando aspectos históricos e de direito comparado, Jobim avança na evolução das autonomias constitucionais dos entes federados brasileiros, com especial destaque à municipal. E alcança uma conceituação de região metropolitana como “organismo administrativo de viabilidade de funções públicas de interesse comum que seria naturalmente de competência do Município”. E conclui que o “Município continua a ser o titular das funções executadas pela região, muito embora seja, por imposição de lei estadual, uma titularidade que somente pode ser exercida em acordo ou em consenso com os demais Municípios”. Daí que não cabe ao Estado se atribuir competências exclusivas dos Municípios mediante a instituição de região metropolitana.

Nesse caminho, Jobim visita o tema do saneamento básico e, segundo ele, é um dos tópicos mais espinhosos do direito constitucional e administrativo brasileiro, que tem oferecido, ainda segundo o citado ministro, dificuldades fundamentais quanto ao que constituem as atividades relacionadas ao saneamento básico e a forma diversificada como o problema vem sendo enfrentado no Brasil. Resgatando a história das políticas de saneamento básico no Brasil, das competências municipais e das ações públicas federais e estaduais na criação das empresas estaduais de saneamento básico, Jobim toca no delicado assunto dos “subsídios cruzados” como estratégia para a prestação de serviços nas localidades menos lucrativas. E, segundo ele, esse modelo, que feria a autonomia municipal, permitiu a expansão do serviço público de saneamento básico, ainda que de modo desigual. E assinala que o serviço tem sido prestado, segundo a abrangência, no Brasil da seguinte maneira: prestação de abrangência estadual, regional e municipal.

Em seu voto, Jobim discorre sobre as várias possibilidades de prestação dos serviços de saneamento básico, os seus modelos técnicos e operacionais, bem como a questão da sustentabilidade financeira, demonstrando a complexidade normativa e operacional da questão, como uma das mais relevantes políticas públicas brasileiras, assinalando que o saneamento básico é serviço público indivisível, mesmo que beneficiando vários Municípios.

Nelson Jobim externou as seguintes respostas às perguntas iniciais que formulou: que o Estado não pode, com base no art. 25, § 3º, CF, se atribuir parte das competências dos Municípios; que a região metropolitana é uma associação de Municípios, determinada por lei complementar estadual, que, por equivalência de interesse, devem atuar em certos temas de maneira coordenada, integrada e consensual; que a criação de região metropolitana é importante avanço na unificação e planejamento de políticas públicas em aglomerados urbanos, mas não pode servir de pretexto para a limitação da autonomia municipal em benefício da competência estadual.

Daí que, na conclusão de seu voto, Jobim assinalou:

A competência estadual em matéria de aglutinações municipais se exaure na instituição e na criação de uma estrutura de organização e funcionamento dentro dos critérios trazidos pela Constituição.

Assim, é claramente responsabilidade do Estado criar condições econômicas e técnicas para que toda a população receba um serviço universal e de qualidade: a) por meio de aproximações de Municípios superavitários e deficitários; e b) aproximação de Municípios com abundância de recursos hídricos com pouca oferta de água em relação à sua demanda.

São inconstitucionais os dispositivos que regulem, como se fosse competência estadual, o regime jurídico de concessionárias ou permissionárias de serviços públicos de natureza municipal, como o saneamento básico.

São ainda inconstitucionais os artigos que atribuam o controle e a  fiscalização desses serviços a órgãos vinculados à administração estadual, salvo se isso advir de autorização dos Municípios que compõe o aglomerado e por meio de convênio de cooperação.

No voto que proferiu, o ministro Gilmar Mendes[69] propôs a modulação dos efeitos da decretação de inconstitucionalidade para que não houvesse prejuízo aos usuários dos serviços públicos de saneamento básico, em medida de boa razão e judiciosa prudência, visto que a nulidade da legislação impugnada, com a sua imediata execução, poderia provocar o caos nesse relevante e valioso serviço público.

Após longa manifestação, Gilmar Mendes assim concluiu o seu voto:

Nesses termos, entendo que o serviço de saneamento básico – no âmbito de regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos – constitui interesse coletivo que não pode estar subordinado à direção de único ente, mas deve ser planejado e executado de acordo com decisões colegiadas em que participem tanto os municípios compreendidos como o estado federado.

Portanto, nesses casos, o poder concedente do serviço de saneamento básico nem permanece fracionado entre os municípios, nem é transferido  para o estado federado, mas deve ser dirigido por estrutura colegiada – instituída por meio da lei complementar estadual que cria o agrupamento de comunidades locais – em que a vontade de um único entes não seja imposta a todos os demais entes políticos participantes.

Esta estrutura colegiada deve regular o serviço de saneamento básico de forma a dar viabilidade técnica e econômica ao adequado atendimento do interesse coletivo.

Ressalte-se que a mencionada estrutura colegiada pode ser implementada tanto por acordo, mediante convênios, quanto de forma vinculada, na instituição dos agrupamentos de municípios. Ademais, a instituição de agências reguladoras pode se provas como forma bastante eficiente de estabelecer padrão técnico na prestação e concessão coletiva do serviço de saneamento básico.

Segundo Gilmar Mendes a controvérsia estava centrada em dois valores constitucionais: a autonomia municipal e a integração por meio das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Na construção de seu voto, Gilmar Mendes resgata o relevo histórico da autonomia municipal na experiência brasileira que seria, inclusive, anterior à autonomia estadual e ao próprio federalismo. Também analisa os vários sentidos normativos possíveis do termo autonomia municipal, com lastro em respeitável magistério doutrinário, inclusive com excursões no direito comparado.

Pondera Gilmar Mendes, após dissertar sobre a evolução urbana e das cidades, que duas dificuldades agravam-se nas novas estruturas: i) a inviabilidade econômica e técnica de os municípios implementarem isoladamente determinadas funções públicas e ii) a possibilidade de um único município obstar o adequado atendimento dos interesses de várias comunidades.

Tocando no ponto nevrálgico da controvérsia (a questão da titularidade do serviço público de saneamento básico), Gilmar Mendes defende que não pode ser exclusiva do Município contido em região metropolitana, mas compartilhada entre os Municípios e o Estado, de sorte a impedir a concentração do poder decisório e regulatório, seja no Estado, via órgão estadual na região metropolitana, seja exclusivamente no Município, com lastro no interesse local.

O ministro Ricardo Lewandowski[70] acompanhou, em linhas gerais, o entendimento externado pelo ministro Gilmar Mendes. Segundo Lewandowski:

A questão básica que se discute neste julgamento é saber a qual dos entes  federados deve ser atribuída a titularidade das funções públicas de interesse comum nas regiões metropolitanas e em outras entidades territoriais de natureza assemelhada, com todas as consequências que a solução a essa indagação acarreta.

Há três possíveis soluções para tal questão: (i) conferi-la integralmente ao Estado instituidor; (ii) deferi-la, de modo exclusivo, aos Municípios que as integram; ou (iii) permitir o seu compartilhamento entre o Estado e os Municípios.

Na mesma toada dos outros votos, Lewandowski faz um recorte histórico e conceitual da região administrativa, da autonomia municipal, das competências constitucionais e do federalismo. E no concernente a questão da região metropolitana, assinalou:

... para a efetivação dos valores constitucionais em jogo, segundo entendo, basta que nenhum dos integrantes do ente regional seja excluído dos processos decisórios que nele ocorrem, ou possa, sozinho, definir os rumos de gestão deste. Também não me parece aceitável, do ponto de vista constitucional, que a vontade do conjunto dos Municípios prevaleça sobre a do Estado instituidor do ente regional ou vice-versa.

O ministro Teori Zavascki[71] acompanhou a linha perfilhada pelo ministro Gilmar Mendes. Em seu voto conciso, preciso e objetivo, Teori Zavascki suscitou reflexão que merece ser recordada:

O certo é que, independentemente da definição, aqui, sobre o sistema constitucionalmente mais adequado para a gestão das regiões metropolitanas, essa matéria, no meu entender, está reservada, em grande medida, à discrição política do legislador estadual, que deverá levar em consideração as circunstâncias territoriais, sociais, econômicas e de desenvolvimento próprios de cada agrupamento de municípios. Aqui nós temos que reservar o tema à avaliação política do legislador, que, obviamente, poderá ser submetida, se for o caso, ao crivo de um exame de constitucionalidade. Todavia, independentemente do critério que se venha a adotar - que no meu entender deve ficar, em grande medida, reservada ao legislador complementar estadual -,independentemente desse sistema, repito, é certo que ele não pode se constituir em pura e simples transferência de competências municipais para o âmbito do Estado-membro, como ocorreu no caso em exame. Esse fundamento é, por si só, suficiente para um juízo de procedência da declaração de inconstitucionalidade das normas.

A ministra Rosa Weber[72] também secundou o voto do ministro Gilmar Mendes. Em seu voto assinalou Rosa Weber:

Em tal contexto, pode-se compreender nação como uma abstração que ganha concretude quando a vida social e política ultrapassa as relações locais, porquanto é no Município que se operam as interações sociais face a face, que se adquire uma identidade social, que a interação social sai da esfera privada da família, que os interesses e necessidades públicos podem ser sentidos concretamente e que se percebe a ideia de bem comum, além de outros exemplos.

...

O Município, portanto, na sociedade moderna, é a forma política da comunidade. A preservação da autonomia político-administrativa municipal é uma forma de proteção da autodeterminação política, pois no espaço do Município o cidadão comum está próximo dos seus representantes, tem a chance de conhecê-los pessoalmente, pode demandar as suas necessidades pessoais e discutir as coletivas. Não é por acaso que a Constituição reserva ao Município a competência para tratar daquilo que é o interesse local (art. 30 da Lei Maior).

Esses são os votos escritos constantes no acórdão da ADI 1.842 que enfrentaram o mérito da controvérsia sobre a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico e sobre os modelos de prestação desses serviços, à luz do federalismo brasileiro.


5. Conclusões

A decisão do STF, à luz do ordenamento jurídico, foi acertada. E correta a modulação dos efeitos a fim de evitar o caos na prestação dos serviços públicos de saneamento básico em vigor desde há muito tempo.

O acerto dessa decisão, como bem assinalado nos votos externados, decorre do fato de que a Constituição Federal não autoriza aos Estados a driblarem a autonomia dos Municípios e lhe usurparem atribuições e competências locais, sob a justificativa, ainda que respeitável e aceitável, de melhor prestar os serviços públicos.

Essa usurpação estadual de competência municipal somente se justificaria se o Estado demonstrasse a omissão injustificada do Município na prestação de serviços que seriam de sua obrigação. Nessa hipótese, de injustificada omissão, poderia o Estado, de modo subsidiário, prestar os serviços que deveriam ser prestados pelos Municípios.

No caso específico do saneamento básico, os serviços públicos são relevantes e complexos, e exijam vultosos investimentos financeiros, sofisticados equipamentos técnicos e avançada técnica operacional, a fim de viabilizar esse serviço em todo o território nacional e para todos os brasileiros, razão pela qual tramita no Congresso Nacional proposição legislativa que visa fortalecer os marcos normativos e regulatórios viabilizadores desse objetivo.


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ZULIANI, Geninho. Relatório e voto. Projeto de Lei n. 3.261/2019. Câmara dos Deputados. Brasília, 2019 (www.camara.gov.br).


Notas

[1] LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto – o Município e o regime representativo no Brasil. 7ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 68.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Plenário. Relator ministro Luiz Fux. Redator ministro Gilmar Mendes. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).

[3] BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei n. 4.162/2019. Autoria: presidente da República. Brasília, 2019 (www.camara.leg.br).

[4] À guisa de exemplo: ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Direito do saneamento – introdução à Lei de Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico (Lei Federal n. 11.445/2007). Campinas: Millennium, 2010.

[5] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:  

Art. 103. Enquanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estiverem efetuando o pagamento da parcela mensal devida como previsto no caput do art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, nem eles, nem as respectivas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes poderão sofrer sequestro de valores, exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos.

Parágrafo único. Na vigência do regime especial previsto no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ficam vedadas desapropriações pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, cujos estoques de precatórios ainda pendentes de pagamento, incluídos os precatórios a pagar de suas entidades da administração indireta, sejam superiores a 70% (setenta por cento) das respectivas receitas correntes líquidas, excetuadas as desapropriações para fins de necessidade pública nas áreas de saúde, educação, segurança pública, transporte público, saneamento básico e habitação de interesse social.         

[6] ZULIANI, Geninho. Relatório e voto. Projeto de Lei n. 3.261/2019. Câmara dos Deputados. Brasília, 2019 (www.camara.gov.br).

[7] Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889:

Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da Nação brasileira - a República Federativa.

Art. 2º - As Províncias do Brasil, reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil.

Art. 3º - Cada um desses Estados, no exercício de sua legítima soberania, decretará oportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus Governos locais.

(...)

Art. 7º - Sendo a República Federativa brasileira a forma de governo proclamada, o Governo Provisório não reconhece nem reconhecerá nenhum Governo local contrário à forma republicana, aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamento definitivo do voto da Nação, livremente expressado pelo sufrágio popular.        

[8] Constituição de 1891:

Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.

Art 2º - Cada1 uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte.

Art 3º - Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital federal.

Parágrafo único - Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado.

Art 4º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se, para se anexar a outros, ou formar novos Estados, mediante aquiescência das respectivas Assembléias Legislativas, em duas sessões anuais sucessivas, e aprovação do Congresso Nacional.

[9] À guise de exemplo: COOLEY, Thomas. Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos da América. Campinas: Russell, 20025, pp. 17 e ss.        

[10] TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law. New York: Foundation Press, 2000, pp. 132 e ss.          

[11] MADISON, James; HAMILTON, Alexander; e JAY, John. Os artigos federalistas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993        

[12] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1984.         

[13] SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. Belo Horizonte: DelRey, 2001, pp. 427 e ss.         

[14] MELLO, Celso. Voto. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 276 – Medida Cautelar. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 30.5.1990 (www.stf.jus.br).

[15] Constituição de 1891:

Art 5º - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar.

Art.6º - O Governo federal não poderá intervir em negocios peculiares aos Estados, salvo:                    

I - para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro; II - para assegurar a integridade nacional e o respeito aos seguintes principios constitucionaes: a) a forma republicana;b) o regime representativo; c) o governo presidencial;   d) a independência e harmonia dos Poderes; e) a temporariedade das funcções electivas e a responsabilidade dos funcionários; f) a autonomia dos municípios; g) a capacidade para ser eleitor ou elegível nos termos da Constituição; h) um regimen eleitoral que permitta a representação das minorias; i) a inamovibilidade e vitaliciedade dos magistrados e a irreductibilidade dos seus vencimentos; j) os direitos políticos e individuaes assegurados pela Constituição; k) a não reeleição dos Presidentes e Governadores; l) a possibilidade de reforma constitucional e a competência do Poder Legislativo para decreta-la; III - para garantir o livre exercicio de qualquer dos poderes públicos estaduaes, por solicitação de seus legítimos representantes, e para, independente de solicitação, respeitada a existencia dos mesmos, pôr termo á guerra civil;IV - para assegurar a execução das leis e sentenças federaes e reorganizar as finanças do Estado, cuja incapacidade para a vida autonoma se demonstrar pela cessação de pagamentos de sua dívida fundada, por mais de dous annos.                   

§ 1º Cabe, privativamente, ao Congresso Nacional decretar a intervenção nos Estados para assegurar o respeito aos principios constitucionaes da União (nº II); para decidir da legitimidade de poderes, em caso de duplicata (nº III), e para reorganizar as finanças do Estado insolvente (nº IV).

§ 2º Compete, privativamente, ao Presidente da República intervir nos Estados, quando o Congresso decretar a intervenção (§1º); quando o Supremo Tribunal a requisitar (§ 3º); quando qualquer dos Poderes Publicos estadoaes a solicitar (nº III); e, independentemente de provocação, nos demais casos comprehendidos neste artigo.

§ 3º Compete, privativamente, ao Supremo Tribunal Federal requisitar do Poder Executivo a intervenção nos Estados, a fim de assegurar a execução das sentenças federaes (nº IV).         

[16] HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4ª ed. Belo Horizonte: DelRey, 2003, pp. 374 e ss.       

[17] Constituição de 1891:

Art. 5º - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar.

[18] MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional – Tomo I. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, pp. 41 e ss.         

[19] BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 88 e ss.         

[20] Constituição de 1934:

Art. 5º, § 1º: Os actos, decisões e serviços federaes serão executados em todo o paiz por funcionários da União, ou, em casos especiaes, pelos dos Estados, mediante acordo com os respectivos governos.

Art. 9º: É facultado à União e aos Estados celebrar acordos para a melhor coordenação e desenvolvimento dos respectivos serviços, e, especialmente, para a uniformização de leis, regras ou práticas, arrecadação de impostos, prevenção e repressão da criminalidade e permuta de informações.         

[21] Constituição de 1934:

 Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: I - velar na guarda da Constituição e das leis;II - cuidar da saúde e assistência públicas;III - proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte; IV - promover a colonização; V - fiscalizar a aplicação das leis sociais; VI - difundir a instrução pública em todos os seus graus; VII - criar outros impostos, além dos que lhes são atribuídos privativamente. 

Parágrafo único - A arrecadação dos impostos a que se refere o número VII será feita pelos Estados, que entregarão, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios de onde tenham provindo. Se o Estado faltar ao pagamento das cotas devidas à União ou aos Municípios, o lançamento e a arrecadação passarão a ser feitos pelo Governo federal, que atribuirá, nesse caso, trinta por cento ao Estado e vinte por cento aos Municípios. 

[22] SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. Belo Horizonte: DelRey, 2001, pp. 427 e ss.         

[23] Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a dignidade da pessoa humana; III – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e V – o pluralismo político.         

[24] Art. 18: A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.         

[25] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 74 e ss.        

[26] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 484.       

[27] A República brasileira é a pessoa jurídica de direito público internacional, politicamente soberana e independente, com personalidade e capacidade para criar e exercer direitos e deveres no âmbito das relações internacionais, segundo os preceitos da Constituição e dos tratados, acordos, convenções e atos internacionais.         

[28] A União é a pessoa jurídica de direito público interno, com autonomia política de âmbito nacional, com competência para criar e exercer direitos e deveres no plano das relações internas, segundo os preceitos constitucionais e legais.         

[29] O Estado é a pessoa jurídica de direito público interno, com autonomia política de âmbito regional, com competência para criar e exercer direitos e deveres no plano das relações internas, segundo os preceitos da Constituição Federal, da respectiva Constituição Estadual, das leis nacionais e das respectivas leis estaduais.         

[30] O Município é a pessoa jurídica de direito público interno, com autonomia política de âmbito local, com competência para criar e exercer direitos e deveres no plano das relações internas, segundo os preceitos da Constituição Federal, da Constituição do respectivo Estado, da respectiva Lei Orgânica Municipal, das leis nacionais, das leis estaduais e das respectivas leis municipais.

[31] O Distrito Federal é a pessoa jurídica de direito público interno, com autonomia política, direitos e deveres próprios dos Estados e dos Municípios, segundo os preceitos da Constituição Federal, da Lei Orgânica distrital, das leis nacionais e das respectivas leis distritais.

[32] O Território é a pessoa jurídica de direito público interno, sem autonomia política, de âmbito provincial, com direitos e deveres similares aos dos Estados, segundo os preceitos da Constituição Federal e das leis federais.

[33] A Região é um organismo de gestão administrativa, articulada pela União, com atuação territorial regionalizada, interestadual, sem personalidade jurídica, visando o desenvolvimento e a redução das desigualdades sociais e econômicas regionais.

[34] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 106 e ss.        

[35] AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 42ª ed. São Paulo: Globo, 2001, pp. 363 e ss.        

[36] REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 125 e ss.

[37] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 58 e ss.

[38] Art. 21. Compete à União: I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; (...) XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa.

[39] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (...) XXIX - propaganda comercial. Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

[40] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; (...) XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

[41] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;.... § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.  

[42] Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. § 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição. § 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. § 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.     

[43] Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;...     

[44]  Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.

[45] PINTO FERREIRA, Luís. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 254 e ss.

[46] Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.    

[47] Art. 180. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.

[48] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 672. Plenário. Relator ministro Alexandre de Moraes. Brasília, 2020 (www.stf.jus.br); Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.341. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Brasília, 2020 (www.stf.jus.br).         

[49] A Organização Mundial da Saúde (www.who.int), em 30 de janeiro de 2020, declarou como emergência de saúde pública de importância internacional a disseminação da COVID-19, causado pelo coronavírus SARS-Cov-2. Posteriormente, em 11 de março de 2020, a OMS declarou como pandemia internacional da COVID-19. O Ministério da Saúde (www.saude.gov.br), em 3 de fevereiro de 2020, declarou como emergência de saúde pública nacional em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV). Em 20 de março de 2020, o Congresso Nacional (www.senado.leg.br) reconhece o estado de calamidade pública em decorrência da COVID-19. Em face dessa situação, vários prefeitos municipais e governadores estaduais editaram atos governamentais restritivos e com o sacrifício de direitos e de liberdades fundamentais visando reduzir a disseminação e os efeitos deletérios da insidiosa e nociva infecção da COVID-19. Todo e qualquer sacrifício ou restrição de direitos e liberdades fundamentais somente é válido se for razoável e proporcional, ou seja, necessário, adequado, compatível e aceitável, se os fins almejados justificam os meios adotados. Será que essas medidas governamentais municipais e estaduais, à luz do ordenamento jurídico e da realidade contextual, foram lícitas e legítimas?

[50] Lei 11.445/2007. Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se: I – saneamento básico: o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição; b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; d) drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas;

[51] Lei 11.445/2007. Art. 2o Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais: I - universalização do acesso; II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes, adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; V - adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; VII - eficiência e sustentabilidade econômica; VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas; IX - transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados; X - controle social; XI - segurança, qualidade e regularidade; XII - integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos; XIII - adoção de medidas de fomento à moderação do consumo de água.

[52] O PL 4.162/2019 foi aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados e encontra-se na pauta de deliberações do Senado Federal (www.senado.leg.br). Do Parecer do senador Alessandro Vieira extrai-se a seguinte passagem:

Portanto, desde a edição da MPV nº 844, de 2018, o Congresso Nacional tem discutido, de forma exaustiva, as alterações propostas pelo Poder Executivo para modernizar o marco legal do saneamento básico.

Essa modernização é absolutamente necessária e urgente. Conforme já apontaram pareceres sobre as matérias mencionadas, o modelo institucional do setor precisa ser otimizado de modo a superar os graves índices hoje observados no Brasil.

Aproximadamente 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada. Metade da população brasileira, em torno de 104 milhões de pessoas, não têm serviços de coleta de esgoto. Essa precariedade de saneamento básico prejudica os índices de desenvolvimento humano (IDH) e resulta em imensos prejuízos sociais e econômicos.

O Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) previu a universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgotos até 2033, meta que precisará ser postergada, possivelmente para 2050, em função da significativa diminuição nos investimentos realizados, em especial devido à crise fiscal.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que anualmente 15 mil pessoas morrem no Brasil todos os anos devido a doenças ligadas à precariedade do saneamento básico. Diversos estudos apontam os benefícios da modernização do setor. Por exemplo, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que a universalização dos serviços de água e esgoto reduziria em R$ 1,45 bilhão os custos com saúde a cada ano. A OMS aponta que, para cada R$ 1,00 investido em saneamento, gera-se uma economia de R$ 4,00 em gastos com saúde.

O estudo “Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento Brasileiro”, elaborado pelo Instituto Trata Brasil, estima que a universalização proporcionaria benefícios econômicos e sociais da ordem de R$ 537 bilhões ao longo das próximas duas décadas, considerando a diminuição dos custos com internações e afastamentos do trabalho, aumento da produtividade no trabalho (incluindo melhoria na educação), valorização imobiliária e valorização ambiental para a economia do turismo.

Além da precariedade nos índices de atendimento, observam-se sérios problemas estruturais ligados à operação e à manutenção desses serviços, como o desperdício de água tratada, cuja média nacional em 2017 foi de aproximadamente 38%. Convertida em valores financeiros, essa perda de água equivale a cerca de R$ 10 bilhões desperdiçados anualmente.

O estudo do Trata Brasil também demonstra que as operações com saneamento básico geram muitos empregos. Por exemplo, de 2005 a 2015, as obras de saneamento básico propiciaram a criação de 69 mil empregos diretos por ano, apenas no setor de construção civil.

Muitos setores econômicos dependem da adequada prestação desses serviços, destacando-se o de turismo, que não se desenvolve em regiões com precário saneamento básico. A universalização do saneamento também está associada à produtividade e à escolaridade, e áreas sem acesso à rede de distribuição de água e de coleta de esgotos apresentam maior atraso escolar.

Portanto, a grave situação da prestação de serviços de saneamento básico e os imensos benefícios associados à sua universalização justificam o mérito do projeto em análise.

(VIEIRA, Alessandro. Parecer. Projeto de Lei n. 4.162/2019. Senado da República. Brasília, 2020.)

[53] Na mesma toada o Parecer do deputado Geninho Zuliani, do qual são extraídas as seguintes passagens:

As consequências desse descalabro sanitário são diretas na área da saúde, nos mais diversos contextos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, no ano de 2017, quase 260 mil internações hospitalares foram decorrentes de falta de saneamento básico, causando a morte de 2.340 pessoas. Uma pesquisa de 2018 do IBGE revela que quase dois mil municípios brasileiros (35% do total) registraram a ocorrência de epidemias ou endemias provocadas pela falta de saneamento básico, principalmente a dengue, a zika e a chikungunya, transmitidas pela picada do mosquito Aedes aegypti, que se reproduz em água parada. Novos estudos levantam a suspeita de que a má qualidade da água consumida em algumas localidades teve impacto na severidade dos casos de microcefalia decorrentes da zika.

Da mesma forma, sabe-se que a diarreia e as verminoses estão fortemente associadas à falta ou à má qualidade dos serviços de saneamento, com impacto direto nos índices de mortalidade infantil. Para se ter uma ideia do impacto da falta de saneamento na saúde infantil, a taxa de mortalidade de crianças com até cinco anos de idade no País, no ano de 2015, foi de 16,4 mortes por 1.000 nascidos vivos. Para efeito de comparação com nossos vizinhos sul-americanos, no Chile essa taxa foi de 8,1, no Uruguai, de 10,1, e na Argentina, de 12,5.

Sabe-se que o índice de morbidade e mortalidade relacionado ao saneamento básico pode ser ainda maior, visto que os dados apresentados são aqueles em que se pode relacionar a doença diretamente às condições sanitárias, mas se reconhece que o impacto do saneamento vai muito além das causas diretas já apontadas, pois a convivência diária com dejetos e águas contaminadas pode trazer inúmeras enfermidades que se manifestam a longo prazo.

Além do sofrimento pessoal, o impacto das doenças de veiculação hídrica também é direto na economia do País, em razão dos afastamentos do trabalho, gastos com internações, remédios etc. Pesquisa realizada pelo IBGE revelou que, no ano de 2013, houve quase 18 milhões de dias de afastamento do trabalho em decorrência de problemas gastrointestinais, uma grande parte, certamente, relacionada à falta de saneamento básico. Estima-se que o custo com dias pagos e não trabalhados, somado ao custo de internações hospitalares, chegue perto de R$1 bilhão por ano.

Os efeitos do saneamento na produtividade dos trabalhadores também são relevantes. Estudos estimam que haveria um incremento de R$20 bilhões na economia como consequência do aumento de produtividade alcançada com a universalização do saneamento básico. Importante salientar que, nesse valor, não estão computados o desperdício de produtividade futura em decorrência do atraso escolar dos estudantes que não têm acesso a condições adequadas de água e esgoto.

Outros setores sujeitos à influência direta das condições sanitárias são o imobiliário e o turístico. É notório que os imóveis que não são dotados de conexão às redes de água e esgoto sofrem desvalorização considerável em relação aos demais. A perda de valor dos imóveis nessa condição é estimada na casa das dezenas de bilhões de reais.

O turismo também é seriamente afetado com os problemas decorrentes da falta de saneamento, principalmente pela disposição inadequada de esgotos. Os números apontam que localidades com redes de distribuição de água e de coleta e tratamento de esgoto têm, em geral, maior volume de atividade turística. Nesse sentido, a falta de condições sanitárias adequadas tem comprometido o meio ambiente em diversos municípios, afetando, de forma significativa, o potencial turístico de várias regiões brasileiras, com impacto na geração de emprego e renda. Estudo do Banco Mundial realizado em 2014 aponta que países com maior cobertura dos serviços de saneamento tiveram melhores resultados no setor de turismo internacional, recebendo maior número de turistas estrangeiros proporcionalmente à população residente.

Esses são apenas alguns exemplos, que, infelizmente, mostram o impacto negativo da falta ou da má prestação dos serviços públicos de saneamento básico em nosso País e o tamanho do desafio a ser enfrentado para que possamos levar esse direito do cidadão a todas as moradias brasileiras. As metas traçadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), lançado em 2013 com o objetivo de universalizar os serviços em 2033, parecem cada vez mais distantes. Deveríamos chegar àquele ano com uma cobertura de 99% de água e 92% de esgoto. Entretanto, no ritmo atual de investimentos, chegaremos em 2033 com cerca de 89% de cobertura de água e apenas 66% de atendimento em esgotamento sanitário.

Para reverter essa situação, o Brasil precisa de investimentos da ordem de R$22 bilhões por ano. Ocorre que esse patamar nunca foi atingido nos últimos anos. De acordo com dados do Governo Federal, de 2011 a 2017, o Brasil investiu, anualmente, pouco mais da metade desse valor, sendo notória a dificuldade do setor público para a captação de recursos para investimentos no setor de saneamento. O alto grau de endividamento das empresas públicas, aliado à pouca capacidade de contrapartida com recursos próprios, inviabiliza a execução da maioria dos projetos de expansão de redes ou de melhoria da qualidade dos serviços prestados.

A falta de recursos para investimento no setor ocasiona também a deterioração da rede, elevando o índice de perdas de água produzida, que chegou a quase 40% no ano de 2017. Apenas para fins de comparação, nos países desenvolvidos esse índice não passa de 15%. Ou seja, além dos recursos necessários para expansão da cobertura dos serviços, é necessário investir também na manutenção das redes de água existentes para minimizar as perdas, que tornam o sistema ineficiente e provocam impacto significativo nas tarifas cobradas do usuário.

Por outro lado, conforme informações fornecidas à Comissão Especial, mediante videoconferência, pelo economista Claudio Frischtak, na audiência pública de 26/9/2019, existem hoje no mundo cerca de 14 trilhões de dólares em bônus com retornos negativos, sendo que parte desse valor será aplicado em economias emergentes, especialmente no setor de saneamento básico, por serem investimentos de longo prazo. Mas, para atrair esses investimentos, são necessárias legislação robusta, previsibilidade regulatória e boa modelagem de privatização por blocos, que deem segurança jurídica ao investidor.

Estamos certos, portanto, de que a obtenção de novos recursos demanda maior participação da iniciativa privada, que hoje está presente em apenas 325 dos 5.570 municípios brasileiros. Para que isso aconteça, contudo, é essencial um novo marco legal do saneamento básico. O projeto de lei principal e a maioria dos projetos apensados objetivam exatamente isto: aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, mediante alterações na legislação federal que impactam esse setor, principalmente na Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico. E, nesse sentido, caminha também o substitutivo ora proposto.

[54] A ADI 1.842 teve o seu julgamento de mérito encerrado pelo Plenário do STF em 6 de março de 2013, com acórdão publicado em 16 de setembro de 2013. Houve oposição de recursos de embargos de declaração, pendentes de julgamento. Portanto, o feito ainda não transitou em julgado (www.stf.jus.br).

[55] SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto; CARVALHO, Sergio. Petição inicial. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[56] RIO DE JANEIRO. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Lei Complementar n. 87, de 16 de dezembro de 1997. Rio de Janeiro, 1997 (www.alerj.rj.gov.br)         

[57] RIO DE JANEIRO. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Lei n. 2.869, de 18 de dezembro de 1997. Rio de Janeiro, 1997 (www.alerj.rj.gov.br)

[58] ALENCAR, Marcello Nunes. Petição de Informações do Governador do Estado do Rio de Janeiro (Petição n. 34829/1998). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[59] CABRAL FILHO, Sergio. Petição de Informações da Assembleia do Estado do Rio de Janeiro (Petição n. 39669/1998). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[60] BARLETTA, Walter do Carmo. Manifestação do Advogado-Geral da União. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[61] BRINDEIRO, Geraldo. Parecer do Procurador-Geral da República). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[62] LEMOS, Bruno Espiñera. Manifestação do Estado da Bahia (petição n. 14646/2006). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[63] CONDELI, Renato. Manifestação do Estado de Rondônia (petição n. 52758/2006). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[64] ALVES, Alaôr Caffé. Parecer da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (petição n. 26.743/2009). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[65] Esse julgamento se ultimou em 23 de março de 2013. Em pesquisa no sítio da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (www.alerj.rj.gov.br) não se alcançou a aprovação das leis recomendadas pelo STF. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, aparentemente, não conhecem as complexidades dos processos e procedimentos legislativos, e ficam assinalando prazos para que os legisladores, que são políticos, atendam suas determinações como se fossem despachantes normativos. Tenha-se que desde 1988 o próprio STF, composto de apenas 11 magistrados, todos de notável saber jurídico e portadores de ilibada reputação, ainda não construiu um consenso capaz de lhe autorizar o envio do Projeto de Lei da nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman).

[66] CORRÊA, Maurício. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842 (fls. 20-35 do acórdão). Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[67] BARBOSA, Joaquim. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842 (fls. 37-54 do acórdão). Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[68] JOBIM, Nelson. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842 (fls. 55-143 do acórdão). Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[69] MENDES, Gilmar. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842 (fls. 147-209 do acórdão). Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[70] LEWANDOWSKI, Ricardo. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842 (fls. 225-260 do acórdão). Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[71] ZAVASCKI, Teori. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842 (fls. 268-271 do acórdão). Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         

[72] WEBER, Rosa. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842 (fls. 272-297 do acórdão). Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1998 (www.stf.jus.br).         


Autores

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

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    Christianne Dias Ferreira

    Presidente da Agência Nacional de Águas; professora universitária, mestra e doutoranda em Direito das Políticas Públicas, Centro Universitário de Brasília.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins; FERREIRA, Christianne Dias. O saneamento básico e o federalismo à brasileira: Uma breve análise acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6383, 22 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87319. Acesso em: 28 mar. 2024.