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O prazo para oferecimento dos embargos do devedor na execução por carta quando a intimação da penhora se dá por oficial de justiça.

O prazo para oferecimento dos embargos do devedor na execução por carta quando a intimação da penhora se dá por oficial de justiça.

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Sumário: 1. Introdução – 2. O prazo para embargar no Código de 1973 – 3. O Código após a reforma de 1993/94 – 4. A prova da intimação da penhora – 5. Juntada da carta ‘versus’ juntada do mandado. Lei geral ‘versus’ lei especial – 6. A jurisprudência frente ao conflito aparente entre os artigos 241, II e IV, e 738, I, antes e depois da reforma – 7. A finalidade da execução e a busca da celeridade – 8. Conclusão – 9. Notas – 10. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil de 1973 encerrava em seu bojo diversos pontos de divergência doutrinária e jurisprudencial, nas matérias que dispunha.

Durante anos, enquanto as questões lacunosas ou obscuras consumiam a energia dos litigantes, desviando o processo da verdadeira controvérsia que deveria se desenvolver em sede de mérito, anelou-se por uma reformulação na lei adjetiva civil, que pudesse, se não dirimir as dúvidas, ao menos amainá-las a ponto de tornar menos tormentosas as demandas judiciais.

Esperava-se, no aclaramento e simplificação do formalismo, redirecionar a controvérsia para o direito material violado, ávido de receber a tutela jurisdicional.

A reforma veio à luz, descortinada por diversas leis subseqüentes, em especial pelas Leis 8.710/93, 8.718/93, 8.898/94, seguidas das Leis 8.950, 8.951, 8.952, 8.953 e 8.954/94, 9.139/95, 9.280/96, 9.245/95, 9.649/98, 9.668/98, 9.756/98, que tentaram aclarar os conflitos e dirimir as controvérsias, ditando preceitos consentâneos com as reiteradas decisões dos tribunais e outorgando maior efetividade aos institutos de direito processual que alteraram.

Um desses pontos nebulosos, onde debatiam-se as partes litigantes, consumindo, por vezes, anos do processo executivo provisoriamente paralisado, dizia respeito à competência para julgar os embargos, na execução por carta precatória, bem como onde poderiam ser opostos e de que momento começaria a correr o prazo para o devedor, intimado da penhora, opor embargos à execução.

Nosso trabalho tem por escopo analisar este último aspecto, pois entendemos que o Código, com as alterações das Leis 8.710/93 (dada ao artigo 241, II e IV) e 8.953/94 (dada ao inciso I do art. 738 e ao art. 747), resolveu a questão do lugar de interposição e da competência para julgamento dos embargos, mas deixou aberta uma lacuna quanto ao exato momento da contagem do prazo, que tem comportado as mais esdrúxulas e incompletas interpretações.


          2. O PRAZO PARA EMBARGAR, NO CÓDIGO DE 1973

Vejamos, inicialmente, o que ditava o Código de Processo Civil, anteriormente ao advento das Leis 8.710/93 e. 8.953/94:

          Art. 738. O devedor oferecerá os embargos no prazo de dez (10) dias, contados: I – da intimação da penhora (art. 669); ...

Art. 747. Na execução por carta, os embargos do devedor serão oferecidos, impugnados e decididos no juízo requerido (art. 658).

EDSON RIBAS MALACHINI, comentando o instituto da contagem do prazo para opor embargos do devedor, apontava a divergência de entendimentos havidos à época:

"Mas a conclusão que importa firmar é a de que quando o Código fala que o prazo correrá (ou, erroneamente, ‘contar-se-á’) ‘da intimação’ (art. 240), ‘da data em que os advogados são intimados’ (art. 242), ‘da data... da intimação das partes’ (art. 506, II) – quer dizer, realmente, da data da intimação, isto é, do ato de intimação – documentado pelo oficial de justiça (art. 239) – , e não da juntada do mandado aos autos, quando feita por essa forma." [1]

E continua MALACHINI, alertando para os entendimentos opostos: "Resta-nos examinar a última observação de Humberto Theodoro Junior, em prol de sua tese sobre o curso do prazo para embargos a partir da juntada do mandado, contendo a certidão de intimação da penhora, aos autos. Diz ele: ‘O fato de ter o Código se referido expressamente à juntada do mandado nos incisos III e IV do art. 738 e não tê-lo feito com referência à intimação da penhora (inc. I), prende-se à possibilidade de ser o ato realizado, em algumas circunstâncias, independentemente de mandado, como ocorre com o termo nos autos e editais’ (supra, n. 23 e nota 174)". (2)

Com efeito, pesava lacunoso o Código de 1973, que não foi feliz ao usar, no artigo 747 uma expressão imprópria e de caráter dúbio, que era "juízo requerido", quando deveria ter especificado que os embargos passíveis de decisão pelo juízo deprecado seriam restritamente aqueles que versam sobre os atos executivos nele praticados.

Mas, o certo, era que o prazo para o devedor opor embargos contava-se do momento da intimação ou da juntada do mandado aos autos da precatória, mas nunca da juntada desta última aos autos principais (regra esta que vale apenas para os casos gerais – nos embargos a regra é especial).

Discutia-se, também, acerca da competência para julgamento dos embargos, entendendo alguns que poderia dar-se por ambos os juízos (deprecante e deprecado); outros, somente pelo juízo deprecante. Da redação imperfeita do Código exsurgiam questões polêmicas e de difícil aclaramento, que se desenvolveram ao lado de outros pontos conflituosos, conforme passaremos a analisar adiante.


3. O CÓDIGO APÓS A REFORMA DE 1993/94

Com a reforma de 93/94, o CPC passou a dispor, em seu artigo 747, que: Na execução por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecante ou no juízo deprecado, mas a competência para julgá-los é do juízo deprecante, salvo se versarem unicamente vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens.

Estava, aparentemente, resolvido o impasse quanto ao local de oferecimento e competência para julgar os embargos. Ocorre que, no artigo 241, II passou a constar que o prazo para opor embargos começa a correr: quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data da juntada aos autos do mandado cumprido.

A questão estaria clara se não fosse por um outro dispositivo, do mesmo artigo 241, estabelecido em seu inciso IV, que prevê uma regra geral para os casos em que o ato processual seja deprecado a outro juízo, ditando que o prazo começa a correr: quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamente cumprida.

O artigo 738, por sua vez, que traça regra especial para o prazo conferido ao devedor para embargar, poderia ter sido mais esclarecedor e evitar o conflito aparente de normas que se estabeleceu, quando dispôs simplesmente, no inciso I, contar-se: da juntada aos autos da prova da intimação da penhora.

Assim, embora tenha resolvido um ponto polêmico, outro se estabeleceu, quando da análise conjugada desses dispositivos legais e que vem motivando decisões conflitantes acerca da tempestividade dos embargos: (241, II e IV, 738, I e 747, todos do CPC).

Embora, a nosso ver, não exista conflito real entre os incisos II e IV, do artigo 241, por ser o segundo regra geral não incidente nos embargos à execução por carta, é inegável a confusão em que alguns julgadores passaram a incorrer ao interpretá-los, quando admitem como dies a quo para o prazo de oferecimento dos embargos a juntada da carta precatória aos autos principais.

Assim, a discussão poderia recair, inicialmente, sobre o que na verdade constitui-se como sendo a prova da intimação da penhora, buscando-se revelar o verdadeiro sentido da norma jurídica, no contexto específico atribuído pelo legislador quando a mesma se dá por oficial de justiça na execução por carta.


4. A PROVA DA INTIMAÇÃO DA PENHORA.

Já não subsiste a polêmica acerca do que se possa entender por ‘prova da intimação da penhora’, de que trata o inciso I do artigo 738.

Na hipótese de simples execução, tramitando perante o juízo onde encontra-se domiciliado o devedor e, ordinariamente, onde estão localizados seus bens, não se vislumbra maiores dificuldades em entender que a prova da intimação da penhora, quando realizada pelo oficial de justiça, é o mandado.

No passado, muito se discutiu se o prazo do devedor, para opor embargos à execução, começaria a correr do momento da intimação ou da juntada aos autos do mandado de intimação devidamente cumprido, justamente por que o artigo 738, I, referia-se apenas a ‘intimação da penhora’. (3)

Com a redação dada ao artigo 738, I, tal dúvida se dissipou. Conta-se da juntada aos autos da prova da intimação da penhora.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, ao comentar a nova redação dada ao artigo 738, I, considera: "Essa prova será o aviso de recepção trazido pelos Correios, ou a certidão de afixação e publicação do edital, ou o mandado cumprido pelo oficial de justiça e trazido com certidão diretamente aos próprios autos da causa ou aos de eventual precatória – contando-se o prazo, nessa última hipótese, do dia em que juntada esta aos autos da execução (sobre a fluência de prazos e a remodelação do art. 241 do Código de Processo Civil pela Lei 8.710, de 24.9.93, v. supra, n. 62)." (4)

Mas, quando a execução tramita perante juízo diverso daquele em que hajam de ser praticados os atos executivos, necessitando expedir-se carta precatória para citação, penhora, avaliação e alienação judicial dos bens do executado, no forum rei sitae, surge problemática das mais relevantes, que já começa a suscitar discussões profundas em sede judicial, acaso o ato de intimação da penhora se processe por intermédio de oficial de justiça.

De que momento conta-se o prazo para o devedor embargar, parece não haver dúvidas: da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido. A regra é idêntica à que se aplica na execução que se perfaz totalmente num único juízo. E nem poderia deixar de sê-lo, pois o artigo 738, I não comporta entendimento diverso.

A questão que tanto suscitou polêmicas antes da reforma de 1994 ter-se-ia pacificado. Ledo engano! É justamente nesse ponto que se inicia a dúvida: AUTOS... que autos?

A doutrina não tem se aprofundado nessa questão, passando ao largo de maiores considerações. Os poucos autores que preocuparam-se em abordar o tema, em sua maioria, não o têm feito de forma conclusiva, muito menos profunda. Autos de carta precatória são o que a denominação sugere: autos. Autos de execução, idem.

A Carta Precatória é um desmembramento do processo, através da qual o Juiz depreca a prática de determinados atos processuais afetos ao juiz de outra comarca.

DE PLÁCIDO E SILVA contribui ao entendimento da questão conceituando autos: "No plural, autos designa todas as peças pertencentes ao processo judicial ou administrativo, tendo o mesmo sentido que processo, constituindo-se da petição, documentos, articulados, termos de diligências, de audiências, certidões, sentença, etc." (5)

Logo, a precatória, que é distribuída, autuada e presta-se ao cumprimento de atos e expedientes do processo principal, tem a mesma conotação daqueles, tanto que os embargos podem ser opostos em qualquer dos Juízos. Somente o julgamento é que dar-se-á ordinariamente pelo Juízo deprecante, exceto se versarem unicamente sobre as matérias excepcionadas pelo artigo 747 do Código de Processo Civil.

Não há, pois, como sustentar que o prazo somente fluiria da juntada da PRECATÓRIA aos autos de execução no Juízo deprecante e não do MANDADO à Precatória, que também é parte desmembrada do processo de execução.

É certo que o artigo 241, IV, do CPC, afirma que "começa a correr o prazo: ... quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamente cumprida."

Mas o inciso II, do mesmo artigo 241 é específico: "quando a citação ou intimação for feita por oficial de justiça, da data de juntada aos autos do mandado cumprido". (grifo nosso).

THEOTONIO NEGRÃO, frente ao problema do início da contagem do prazo, propõe uma regra dúplice, que se alterna em função da matéria alegada nos embargos. Segundo o autor, haveria, em verdade, dois prazos distintos para o devedor opor os mesmos embargos, o que nos parece incorreto, por fragilizar o sobreprincípio da segurança jurídica:

"Art. 747: 3. Se os embargos vão ser julgados no juízo deprecante, que é a hipótese mais comum, começa o prazo para sua oposição com a juntada da precatória, depois de cumprida, aos autos principais (art. 738-I c/c 241-IV).

Se vão ser julgados pelo juízo deprecado, o prazo para sua oposição se inicia com a juntada ao autos da precatória do mandado para intimação do executado, depois de devidamente cumprido." (6)

Com a devida vênia, o Código realmente prevê situações distintas para a contagem do prazo para embargar, mas isto se dá para as diferentes circunstâncias em que se opera a penhora. Uma delas é se o ato se deu por intermédio de carta precatória. Outra, se deu-se através de oficial de justiça. Outra, ainda, se o ato ocorreu pelo correio.

Mas o certo é que o Código não vincula a contagem do prazo à competência jurisdicional, ou seja, pouco importa quem irá julgar os embargos: se da penhora foi intimado o devedor por oficial de justiça, o prazo passa a correr da juntada do mandado aos autos do processo, sejam eles os autos principais ou autos da carta precatória.

O prazo, como visto, só pode ser um, independentemente do contexto jurisdicional em que se operará o julgamento.

Se a lei apresenta dispositivos gerais e especiais, compete ao intérprete buscar a elucidação de seu espírito, da razão que motivou o legislador a elaborar o comando normativo.

O Código de Processo Civil não traz lacuna em relação à contagem do prazo. Traz, sim, regramento expresso, mas que possui uma aparente contradição. Então, para conhecer o verdadeiro sentido da norma e identificar qual dispositivo se subsume ao fato, necessita o intérprete examinar essa norma no contexto do Direito e encontrar sua acepção dentro do ordenamento jurídico.

EDUARDO COUTURE indaga e responde: "Que é interpretar a lei? A pergunta é, ao mesmo tempo, muito fácil e muito difícil. Interpretar é inter pretare, que deriva de interpres, isto é, mediador, corretor, intermediário.

O intérprete é um intermediário entre o texto e a realidade; a interpretação consiste em extrair o sentido, desenterrar o conteúdo, que o texto encerra com relação à realidade. Até aí é fácil a pergunta. A partir deste momento começam as dificuldades.

O primeiro empecilho será apresentado pelo aluno que levantar sua voz sobre o fato de que interpretar a lei não é interpretar o Direito. O Direito é o todo do objeto interpretado; a lei, é apenas uma parte.

A lei é interpretada, extraindo-se dela um significado mais ou menos oculto; a extração desse significado, entretanto, pressupõe a consideração de todo o Direito... Interpretar a lei não é interpretar o Direito, mas um fragmento deste.

Interpretar o Direito, isto é, averiguar o sentido de uma norma em sua acepção integral, pressupõe o conhecimento do Direito em sua totalidade, bem como a necessária coordenação entre a parte e o todo (Cf. Eduardo Couture, ‘Interpretação das leis processuais’, Forense, Rio de Janeiro, 1994, págs.1-2)" (7)

O juiz não pode ater-se ao texto da lei em face da mera subsunção, especialmente quando mais de uma hipótese descritiva amolda-se ao fato jurídico.

Preciosa, neste aspecto, a lição de LUÍS FERNANDO COELHO, para quem "... a simples subsunção não configura o pensamento jurídico concreto, e mais, que toda a problemática do conhecimento dogmático do direito radica no equilíbrio que deve existir entre a elaboração silogística do pensamento argumentativo e decisional do direito e os fatores extralógicos que influem na escolha das premissas. É nesse equilíbrio que a ciência do direito avulta como juris prudentia". (8)

E CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, comentando a sistemática da interpretação axiológica das leis e a busca da vontade do legislador vaticina que "imbuído dos valores dominantes, o juiz é um intérprete qualificado e legitimado a buscar cada um deles, a descobrir-lhes o significado e a julgar os casos concretos na conformidade dos resultados dessa busca e interpretação. (...) mediante esse enquadramento e o trabalho de investigação do significado dos preceitos abstratos segundo os valores que, no tempo presente, legitimam a disposição, chega-se à ‘vontade concreta da lei’, ou seja, ao concreto preceito que o ordenamento dirige ao caso em exame." [9]

Como saber, com absoluta certeza, qual será o entendimento dos juízos deprecante e deprecado acerca de quais matérias efetivamente foram postas à prestação jurisdicional?

Poderia o embargante supor que deduziu, clara e identificadamente, outra matéria que não aquelas elencadas no artigo 747 e que, portanto, seu prazo somente passaria a correr após o retorno da precatória e a juntada desta aos autos principais, já que a competência para proferir julgamento seria exclusiva daquele juízo, deprecante.

Mas o juízo deprecante, a seu turno, poderia entender que os embargos versaram unicamente sobre matérias afetas ao julgamento pelo próprio juízo deprecado e, nesse caso, o prazo teria passado a correr imediatamente após a juntada do mandado de intimação da penhora à carta precatória e não da juntada da carta aos autos, na esteira do magistério de THEOTONIO NEGRÃO, supratranscrito.

Resultado: intempestividade. Causa: por estar o prazo vinculado a uma regra dúbia e incerta, sujeita a verificação subjetiva pelo juiz. Conclusão: insegurança jurídica, que é inadmissível. (10)

Já tivemos oportunidade de citar, em artigo publicado na Revista dos Tribunais 763/138(11), o ensinamento de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO: "Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade e inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra". [12]

Portanto, não se pode estender a interpretação dos dispositivos do Código ao ponto de afrontar os princípios que informam o processo de execução. Muito menos fazê-lo em detrimento da segurança jurídica, que assume conotação de sobreprincípio, situando-se em escalão superior aos próprios princípios de direito processual, por ser prerrogativa de índole constitucional.

Ademais, como já adiantamos, a regra de contagem do prazo após a juntada da precatória aos autos principais não prevalece na execução por carta quando a penhora e sua correspondente intimação se fazem por ato do oficial de justiça, via mandado.


5. JUNTADA DA CARTA versus JUNTADA DO MANDADO. LEI GERAL versus LEI ESPECIAL

Volta-se a indagar: na visão da doutrina, de quando passa a correr o prazo para o devedor opor embargos? Da juntada aos autos da carta precatória do mandado devidamente cumprido, ou da juntada aos autos do processo principal, da carta precatória devolvida pelo juízo deprecado, contendo em seu bojo o mandado devidamente cumprido?

Os entendimentos novamente se dividem. Há quem ateste, com simplicidade, que o prazo começa a correr da juntada aos autos da execução, da precatória devolvida com o mandado cumprido, pois somente o juiz deprecante detém a prerrogativa de julgar os embargos.

Por outro lado, argumenta-se que o juízo deprecado também é competente para receber os embargos. Então, pergunta-se: como e quando os embargos poderiam ser opostos perante o juízo deprecado, se a carta precatória necessitasse ser devolvida à origem para ser juntada aos autos e, só a partir daí, começar a correr o prazo para o devedor opô-los?

Conclusão lógica é que, se no juízo deprecado também se pode apresentar os embargos, a despeito de quem tenha competência para julgá-los, o prazo decendial que flui para o executado embargar se conta da juntada do mandado aos autos da carta precatória, pela regra pura e simples do artigo 738, I, em conjunto com o inciso II do artigo 241.

Atentemos para esse aspecto relevante: a doutrina é unânime em reconhecer que determinadas matérias podem ser conhecidas pelo próprio juízo deprecado, sabidamente as que disserem respeito à penhora ou aos demais atos que lhe foram deprecados. O próprio Código cuidou de ratificar esse permissivo.

Ora, se tal exceção é admitida, pode-se concluir que haverá casos em que a carta precatória não será devolvida ao juízo deprecante, operando-se perante o juízo deprecado o cumprimento de todos os atos de constrição e, opostos tempestivamente os embargos, a análise dos pontos controvertidos pelo juiz que, em razão da especificidade da matéria, pode decidir as questões postas sub judice.

Em sendo matéria afeta aos atos ínsitos à deprecata, o próprio juízo deprecado detém competência para decidi-la. Isso é ponto pacífico. Se pode julgar, necessariamente precisa receber os embargos. Se pode recebê-los, pode e deve fazer o juízo de admissibilidade, incluindo-se, aí, a tempestividade.

Para saber se são tempestivos, deverá efetuar a contagem do prazo (10 dias), que correm de um momento que necessariamente deverá estar assinalado pelo Código de Processo Civil, sob pena de estar-se falando de lacuna da lei. O momento está assinalado nos arts. 738, I e 241, II.

Verificando estarem presentes todos os pressupostos e requisitos, e sendo tempestivos, versando sobre matéria que diga respeito unicamente aos atos deprecados (vício ou defeitos da penhora, avaliação e alienação dos bens – art. 747), o juízo deprecado receberá os embargos, decidirá a questão e a carta precatória poderá não chegar, sequer, a ser devolvida ao juízo deprecante, antes de ser integralmente cumprida, prosseguindo-se os atos expropriatórios se não houver recurso contra a decisão que julgou os embargos.

Mas se a matéria deduzida versar sobre o mérito, o juiz deprecado poderá receber os embargos, verificando sua tempestividade e, ato contínuo, devolverá a carta precatória ao juízo deprecante para que os julgue e, em sendo o caso, depreque novamente os atos necessários após esgotada a via incidental, ou pendente recurso somente no efeito devolutivo, quando a execução retoma seu curso normal.

Tanto é assim que, de ordinário, quando decorre o prazo para oferecimento dos embargos, o juiz cauteloso e diligente não toma qualquer atitude no processo de execução sem antes oficiar ao juízo deprecado para saber se os embargos, porventura, não tenham sido lá oportunamente opostos. Somente com a resposta negativa, dá prosseguimento ao curso do feito executivo.

Mas, se os embargos são opostos perante o próprio juízo deprecante, oficia o juízo deprecado, onde está a precatória, para saber se os mesmos são tempestivos. Com a resposta do juízo deprecado, assinalando em que data foi juntado aos autos da precatória o mandado cumprido, o juiz exerce o juízo de admissibilidade e recebe ou não os embargos.

E quando recebe os autos de carta precatória, contendo embargos, deverá verificar se foram tempestivos. Como fazê-lo? Efetuando a contagem do prazo decendial a partir da juntada à precatória do mandado de intimação da penhora devidamente cumprido. A regra é sempre a mesma.

Essa conclusão deriva de uma bem construída investigação dos preceitos do Código de Processo Civil e dos princípios inerentes à execução.

Vejamos o magistério de EDSON RIBAS MALACHINI: "Temos que falar, ainda, da hipótese de carta precatória. Entendemos (como veremos melhor no capítulo seguinte) que, quando a penhora se faz por carta (art. 658), os embargos do devedor devem ser oferecidos, regra geral, no juízo deprecante. Por outro lado, dissemos, no número anterior, que, de acordo com o art. 241, IV, ‘quando o ato’ de intimação ‘se realizar em cumprimento de carta de ordem, de carta precatória ou de carta rogatória’, o prazo, de modo geral, começa a correr ‘da data de sua juntada aos autos depois de realizada a diligência’. Pergunta-se: E no caso dos embargos do devedor, em que há a regra do art. 738, I, aplica-se aquela norma? A resposta deve ser negativa. Se o art. 241, IV, é, como vimos, lex specialis em relação à lex generalis consignada no art. 240, o art. 738, I, também o é; e, no caso, é mais especial, por dizer respeito a determinada situação específica (o oferecimento de embargos do devedor), ao contrário da regra do art. 241, IV, que tem caráter de generalidade, só se especializando em confronto com a do art. 240. (Mesmo porque há casos em que os embargos devem ser opostos no próprio juízo deprecado)." (13)

A questão fica muito mais simples quando colocada nesses moldes. Com efeito, se a juntada da carta precatória aos autos principais constitui um marco de contagem de prazo geral, a juntada do mandado aos autos (da precatória ou principais, dependendo do caso), constitui regra especial que afasta a idéia do retorno da carta à origem para, só depois, começar a correr o prazo para propositura dos embargos pelo devedor.

Mas vejamos o desfecho do raciocínio desenvolvido pelo autor, que merece ser transcrito para melhor compreensão das nuanças que envolvem o oferecimento dos embargos na execução por carta:

"Assim, o prazo correrá ‘da intimação da penhora’(14), que se dá no próprio juízo deprecado. Logo, se forem apresentados embargos no juízo deprecante antes do retorno da carta, este deverá mandar autuá-los em apenso (art. 736) e aguardar aquele retorno antes de proferir a decisão de recebimento ou rejeição liminar dos embargos, para poder verificar se foram tempestivos (art. 739, I). (15)

A lógica dessa proposição é a única aceitável e se coaduna com o entendimento esposado por ARAKEN DE ASSIS, que aborda frontalmente a questão: "A regra do art. 738, I, se desdobra nas seguintes conseqüências: a) na hipótese de se efetivar a intimação através de carta precatória – expedida, ante o disposto no artigo 658, ou, simplesmente, porque o devedor não possui domicílio no foro da execução – , o prazo contaria da intimação, jamais da juntada da respectiva carta (art. 241, IV). Neste sentido, a 3ª Turma do STJ: ‘O prazo para os embargos flui sempre da intimação da penhora e não da juntada aos autos do mandado cumprido. Irrelevante se aquele ato é realizado em outra circunscrição judiciária por meio de precatória’. Por sinal, sobrevindo os embargos, a carta executória permanecerá no juízo deprecado. Se for o caso de o juízo deprecante julgá-los (retro, 428). Nos termos do novel 738, I, agora se conta da juntada;" (16) (grifo nosso).

Forçoso se torna concluir que, ao ser o mandado de intimação da penhora devidamente cumprido juntado "aos autos" de carta precatória começa a fluir o lapso deferido ao executado para que oponha-se à execução por meio dos embargos e demais defesas que lhe são próprias. (17)

Não há, como dissemos, lacuna nem conflito de normas, mas equívoco de interpretação. É que o inciso IV estabelece norma de caráter geral. Para qualquer ato que deva ser praticado por carta precatória (por exemplo, a citação do réu, a intimação da designação de audiência, a oitiva de testemunha, etc.), seja no processo de conhecimento, cautelar ou executivo, bem assim em qualquer de seus procedimentos, a carta precatória tende a retornar à comarca de origem após realizado o ato (que muitas vezes exaure a atividade do juízo deprecado).

Na execução, porém, tal não ocorre. Inicialmente, porque estamos nos referindo à hipótese específica de a intimação da penhora ter-se dado por oficial de justiça.

É nesse caso que prevalecerá, por ser regramento especial, a previsão do artigo 241,II. E, sabidamente, havendo conflito entre lei geral e lei especial, prevalece sempre a segunda. Isto é princípio do Direito, em todas as suas esferas. A contagem do prazo para opor embargos, por sua vez, também conta com regra específica, catalogada no art. 738, I.

A conseqüência dessa ilação é por demais grave: se o devedor postar-se alheio a esse entendimento, correrá o risco de ver obstaculizada sua oportunidade de defesa, uma vez que quando opuser os embargos no juízo deprecante, após o retorno da carta precatória (que poderá nem chegar a ocorrer, prosseguindo-se a execução no juízo deprecado), os mesmos não poderão ser conhecidos, posto que oferecidos a destempo.

Mas, poder-se-á argumentar: o Código não fala em juntada do mandado à carta precatória, mas sim aos autos. Poder-se-ia aduzir que, se o legislador não especificou, nem estendeu, não é lícito ao intérprete fazê-lo.

O argumento é válido, mas aplica-se também a contrario sensu. O Código igualmente não diz que o prazo para embargar começa a correr da juntada "da carta precatória" aos autos, mas da juntada aos autos da prova da intimação da penhora, que só pode ser o mandado cumprido (art. 241, II e 738,I).

A prova da intimação da penhora está ínsita no mandado e não na carta, que constitui extensão do processo para a prática de atos específicos para os quais o juiz deprecante não possui competência territorial, não sendo o caso de aplicar-se a regra geral do artigo 241, IV, que é inconciliável com a unidade de tratamento que se deve dispensar ao ato processual.


6. A JURISPRUDÊNCIA FRENTE AO CONFLITO APARENTE ENTRE
OS ARTIGOS 241, II E IV, E 738, I, ANTES E DEPOIS DA REFORMA.

Anteriormente às Leis 8.710/93 e 8.953/94, a jurisprudência firmou o entendimento, que restou remansoso no STJ:

EXECUÇÃO – INTIMAÇÃO DA PENHORA POR CARTA PRECATÓRIA – EMBARGOS DO DEVEDOR – PRAZO – Conta-se o prazo da intimação da penhora (CPC, art. 738, I), e não da juntada da precatória aos autos (CPC, art. 241, IV). Recurso conhecido pela alínea c, mas improvido. (STJ – REsp 2.969 – 3ª T. – Rel. Min. Nilson Naves – DJU 06.08.1990) (RJ 157/62) CD-ROM Juris Síntese 301941.

          PENHORA. INTIMAÇÃO. CARTA PRECATÓRIA. EMBARGOS DO DEVEDOR. PRAZO. – Embargos do devedor. Computa-se o decêndio da intimação da penhora (C.P.C., art. 738 I), e não da juntada da carta (C.P.C., art. 241 IV), quando, através desta, efetivado o ato processual. Sentença mantida. Decisão negado provimento. Unânime. (TARS – AC 186.049.607 – 1ª CCiv. – Rel. Juiz Alceu Binato de Moraes – J. 02.12.1986) CD-ROM Juris Síntese, verbete 1011499.

          – 1. EMBARGOS DO DEVEDOR. PRAZO. CONTAGEM. DIES-A-QUO. 2. CITAÇÃO. PENHORA. CARTA PRECATÓRIA. EMBARGOS DO DEVEDOR. – Embargos do devedor o prazo de dez dias que o devedor tem para apresentação de seus embargos, conta-se da intimação da penhora efetuada sobre bens de sua propriedade, em garantia da execução, e não da juntada do mandado aos autos (art. 738, I, do CPC). A previsão expressa contrasta com a norma genérica contida no art. 241, I, do mesmo diploma legal, segundo a qual o prazo conta-se a partir da juntada do mandado aos autos. Norma esta inaplicável na hipótese. Citação e penhora por precatória. Admissibilidade da apresentação dos embargos no juízo deprecado, nos próprios autos da precatória, que será devolvida ao juízo deprecante, ao qual cabe a instrução e julgamento do incidente, desde que apresentados no prazo legal de dez dias também a partir da intimação do devedor, da penhora efetuada sobre seus bens. A data em que a precatória e juntada aos autos da execução é indiferente e irrelevante para a contagem desse prazo. (TARS – AC 187.035.803 – 1ª CCiv. – Rel. Juiz Osvaldo Stefanello – J. 25.08.1987) CD-ROM Juris Síntese, verbete 1014190.

Acórdão da 4ª Turma do TACivRJ, anotado por ALEXANDRE DE PAULA, assinala: O prazo para interposição de embargos quando a penhora e a respectiva intimação se fazem por precatória começa a correr da data em que o devedor é efetivamente intimado e não da juntada aos autos da precatória. Não se aplica, subsidiariamente, à hipótese o disposto no art. 241, IV, do CPC, vez que ele conflita com o princípio estatuído no art. 738, I, do mesmo Código’. (Ac. un. da 4ª Câm. Do TACivRJ, na Ap 14.238/93, rel. Juiz Carlos Ferrari; Adcoas, de 30.05.1994, n. 143.773) (18)

Partindo-se da premissa que o único ponto de alteração sofrido na atual legislação, em relação ao aresto supra, foi a mudança do momento da contagem do prazo, que era da intimação e passou a ser da juntada do mandado de intimação aos autos, a relação conflitual entre o preceituado pelo art. 241, IV e o art. 738, I sobrevive.

Mas foi do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul que emanou mais esclarecedora jurisprudência, calcada nos moldes acima descritos, com absoluta identidade de entendimento:

          PENHORA. INTIMAÇÃO. CARTA PRECATÓRIA. EMBARGOS DO DEVEDOR. – Agravo de instrumento. Embargos a execução. Prazo para oferecimento. Inicio. Súmula nº 03 deste tribunal. Alteração do art. 241 do CPC. A alteração do art. 241 do CPC pela Lei nº 8.710 de 24 de setembro de 1993, dispondo o inc. IV do referido artigo sobre o inicio do prazo na hipótese de "quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos autos, devidamente cumprida", em nada modifica o entendimento sumulado, eis que não se podem aplicar as normas do art. 241 do CPC, próprias do processo de conhecimento, aplicáveis subsidiariamente no de execução. A regra própria do processo de execução e a do art. 738, INC. I, do CPC, que estabelece a contagem da intimação da penhora. Agravo desprovido. (TARS – AGI 194.154.738 – 5ª CCiv. – Rel. Juiz Jasson Ayres Torres – J. 08.09.1994) CD-ROM Juris Síntese, verbete 1024374. (grifos nossos).

Então, somente a regra do inciso II do artigo 241 seria consentânea com o mencionado artigo 738, I, não havendo como falar-se em aguardo da juntada da carta precatória aos autos principais para fluência do prazo para embargar.

Atente-se para o fato de que anteriormente à Lei 8.953/94, a contagem do prazo se dava da data da intimação do devedor. Obviamente, houve um desnecessário elastecimento do prazo para o devedor, já que a sistemática do CPC anteriormente à reforma em nada merecia alteração.

Porém, tal elastecimento não pode ser levado às raias do absurdo jurídico.

O prazo, atualmente, se conta da juntada aos autos (leia-se à carta precatória) da prova da intimação da penhora, qual seja, do MANDADO cumprido.


7. A FINALIDADE DA EXECUÇÃO E A BUSCA DA CELERIDADE

O processo executivo, posto que não encerra atividade cognoscente, não prima pelo contraditório, embora este se faça presente, quando o devedor se vê possibilitado de intervir no processo em diversas ocasiões, para opor-se a atos que possam arruinar seu patrimônio. É instrumento destinado a conferir eficácia e efetividade às decisões emanadas do Judiciário, no caso de títulos executivos judiciais, ou aos instrumentos com força executiva extrajudicial previstos em lei.

E para que se possa visualizar a necessidade dessa atividade do Estado no processo executivo, observemos o conceito dado por PONTES DE MIRANDA: "A execução é o atendimento ao enunciado que se contém na sentença, e esse enunciado não é, em si mesmo, bastante." (19)

Pela execução, o autor volta-se contra o Estado para este compelir o devedor a saldar sua obrigação, valendo-se de meios coercitivos próprios, capazes de constritar o patrimônio do devedor e submetê-lo a alienação forçada.

JOSÉ FREDERICO MARQUES expõe que "A execução forçada é instrumento de que se serve o Estado, no exercício da jurisdição, para compor uma lide. Caracterizada ela se acha, portanto, como processo, visto constituir meio e modo para atuação da tutela jurisdicional. Uma vez que sua causa finalis consiste na realização prática do direito, para que seja cumprida coativamente determinada prestação, os atos processuais da execução se compõem e se coordenam, dentro do respectivo procedimento, tendo em vista o fim a ser alcançado, e com estruturação a isso adequada." (20)

Mas, então, perguntaríamos: qual o fim a ser alcançado? Eternizar o processo com expedientes protelatórios? Conferir ampla defesa e todas as prerrogativas do processo de conhecimento em prol do devedor executado? Óbvio que não! O escopo da execução não é o de repetir a cognição ampla do processo que originou o título executivo judicial ou da relação jurídica que desencadeou a emissão do título executivo extrajudicial.

MARIA HELENA DINIZ, aprofundando o estudo acerca da ciência jurídica, afirma que o jurista científico não se identifica com qualquer juízo de valor acerca da norma, dizendo que "o que pode despertar o interesse do jurista enquanto tal são interrogações como esta: compõe este artigo com todo o corpo da legislação civil um conjunto coerente?" (21)

É justamente esta pergunta que deve ser feita em relação aos incisos II e IV do artigo 241, cotejados com os artigos 738, I e 747.

É necessário observar, entretanto, que a execução se dê pelo modo menos gravoso para o devedor. Logo, se for possível saldar a obrigação com um bem de menor valor, preservar-se-á o bem de maior valor; se a arrematação se der por preço aviltante, por ser muito inferior à avaliação, pode ser desfeita, etc.

Não obstante, a execução é prerrogativa do credor (excetuada a hipótese do art. 570 do CPC), e visa a satisfação de um crédito, representado pelo título executivo. O legislador, ao eliminar do processo executivo a fase de cognição, intentou dar ao processo uma tramitação rápida, célere.

FRANCESCO CARNELUTTI vê no processo contencioso um instrumento destinado à composição da lide e o distingue nos aspectos cognitivo e executivo, diferenciados pela qualidade da lide, que pode ser de "pretensão discutida" ou de "pretensão insatisfeita" e pondera que o processo de execução se perfaz unicamente para compor a lide de pretensão insatisfeita, acrescentando: "Colocada a resistência na lide do segundo tipo como lesão da pretensão, que deve ser eliminada contra ou pelo menos sem a vontade do resistente, o conceito de execução forçada resulta claríssimo." (22)

JOSÉ FREDERICO MARQUES acrescenta: "O título executivo dá ao credor o direito de propor a ação de igual nome, para assim procurar obter, pelas vias coativas do processo de execução forçada, a realização prática da prestação executiva. Trata-se de direito processual subjetivo, conforme já se expôs (n.º 260), do credor contra o Estado, cujo fim é a prestação da tutela jurisdicional executória." [23]

PONTES DE MIRANDA, idealizando a teoria das forças, quando trata da eficácia executiva das sentenças condenatórias e dos títulos extrajudiciais e da força executiva das sentenças, assinala: "A pretensão a executar é que está à base. Pretensão que é, hoje, com o monopólio executivo do Estado, pretensão a obter a execução." (24)

ARRUDA ALVIM observa que há dois princípios informativos do processo que refletem profundamente no tempo e nos prazos, que são o princípio da paridade de tratamento e o da economia processual. Comentando o segundo, aduz: "Deve o processo – que se constitui, sob certo aspecto num mal – ser suprimido do cenário jurídico o mais rapidamente possível. Tal princípio, apesar de inspirado em razões diferentes e visando a fins diversos, coincide, em sua aplicação prática, com outro princípio informativo do processo que influi nos prazos, que é o da economia processual. Este último princípio faz com que não deva haver desperdício de atividade jurisdicional. Assim, podendo esta ser prestada em menor tempo (e com menor número de atos), tal deverá ocorrer". (25)

Logo, a execução é processo que prima pela celeridade, pelo caminho mais curto, pela abreviação e aproveitamento de atos, pelo prazo estreito e pela repulsa aos atos procrastinatórios.

Dá-se em favor do titular de um crédito líquido, certo e exigível (credor), em detrimento de quem descumpriu a prestação devida (devedor). Não comporta contestação, daí não ser correto afirmar que possui contraditório que lhe seja inerente.

Não obstante, ao devedor, após cumprida a formalidade principal que é a garantia do juízo, são conferidos os embargos, processo autônomo de conhecimento, que se opõem incidentalmente à execução, onde se faz lícito deduzir toda a matéria de defesa.

Não se pode, portanto, conceber a idéia de que o preceito ditado pelo Código, no sentido de operar-se a execução pelo modo menos gravoso ao devedor, alcance a sistemática dos prazos, que foram idealizados para conferir um ritmo célere ao processo.

Ao contrário, o que se impõe ao devedor é um ônus, além da obrigação que lhe é exigida.

É de ARRUDA ALVIM o argumento que sustenta a afirmação supra: "A idéia de ônus, consiste em que a parte deve, no processo, praticar determinados atos em seu próprio benefício; conseqüentemente, se ficar inerte, possivelmente esse comportamento acarretará conseqüência danosa para ela. A figura do ônus, aliada à da preclusão, faz com que a parte saia de sua inércia e atue utilmente no processo, resultando disto, se for o caso, uma colaboração forçada da parte com a própria autoridade judiciária." (26)

Pode-se concluir, portanto, que as dilações de prazo são contrárias aos princípios que norteiam o processo executivo. Já adiantamos que a reforma trouxe uma indevida e injustificável dilação de prazo para o devedor, elastecendo o já por demais alongado processo executivo.

Se antes o entendimento majoritário era pela contagem do prazo para opor embargos do ato da intimação da penhora, deveria o legislador ter fixado essa regra quando reformulou o artigo 738, I.

O que fez, ao contrário, foi estender o dies a quo desse prazo para o momento da juntada aos autos, do mandado cumprido. Sabendo-se que alguns oficiais de justiça nem sempre fazem juntar o mandado aos autos imediatamente após seu cumprimento, necessitando a parte, por vezes, peticionar ao juiz da causa para compelir aquele serventuário a fazê-lo, sob ameaça de penalidades, fica claro que o legislador andou na contramão dos princípios informadores do processo executivo.

E tudo o que o credor almeja do Judiciário, que tomou para si o dever/poder de dizer o direito, retirando do particular a possibilidade de exercer a jurisdição em benefício das próprias razões, é obter uma prestação jurisdicional justa e rápida.

Se for rápida, permitirá que mais cedo se alcance a justiça, mesmo que a princípio não seja justa, pois o acesso ao Judiciário faculta o duplo grau de jurisdição, que propicia a revisão das decisões mal lançadas.

É por tal razão que LUIZ GUILHERME MARINONI assevera que "muitas vezes a pendência do processo pode ser mais incômoda do que uma sentença desfavorável, pois o estado de ansiedade que a falta de definição provoca pode ser mais difícil de ser administrado, para algumas pessoas, do que os efeitos de uma decisão contrária. (...) outro escopo social da jurisdição é o da educação para o exercício dos direitos. Como dissemos no capítulo que precedeu, muitas pessoas deixam de exercer seus direitos por não acreditarem na ‘Justiça’." (27)

Os embargos apresentados pelo devedor, em vista do analisado, serão intempestivos, caso não opostos no decêndio que passa a correr da juntada do mandado de intimação da penhora aos autos da carta precatória, pois, se protelar sua interposição para momento posterior à juntada da carta precatória ao processo principal, será penalizado com o ônus da preclusão.


8. CONCLUSÃO.

A reforma do Código de Processo Civil brasileiro, que se vem operando por intermédio das diversas leis vindas a lume, sobretudo e com mais profundidade a partir de 1993, tem operado correções importantes em diversos institutos dúbios ou que comportavam divergências.

Em relação à execução por carta precatória, de que trata o artigo 747 do CPC, a reforma solucionou o impasse existente acerca do local em que poderiam ser opostos e julgados os embargos, conferindo ao devedor a prerrogativa de oferecer embargos em ambos os juízos (deprecante e deprecado) e atribuindo competência parcial ao juízo deprecado para julgar matérias concernentes aos atos que lhe são afetos, quando são as únicas alegadas, restando todas as demais matérias afetas ao julgamento pelo juízo deprecante.

No pertinente à contagem do prazo de dez dias para oferecimento dos embargos, pacificou-se que esta se inicia, quando o ato é praticado por oficial de justiça, após a juntada aos autos do mandado cumprido, devendo entender-se por prova da intimação da penhora, neste caso, o mandado juntado (art. 738, I).

Se a intimação da penhora se faz por oficial de justiça no juízo deprecado, deve-se entender como correndo o prazo para embargar após a juntada do mandado cumprido aos autos da carta precatória.

Esta orientação conjuga coerentemente os princípios do processo executivo e harmoniza as disposições do artigo 738, I e do artigo 747 com o inciso II do artigo 241, inaplicando-se à hipótese, por absoluta incompatibilidade, o disposto no inciso IV do mesmo artigo 241 (pelo qual os prazos se contam da juntada da carta precatória ao processo principal), quando, na execução por carta, a intimação da penhora se dá através de oficial de justiça.

O processo executivo é ação que deve ser conduzida com celeridade, em prol dos interesses do credor. Por depender do Estado para dar cumprimento efetivo à pretensão insatisfeita de ver saldado seu crédito, o credor anela pela celeridade do feito executivo, que, a rigor, por sua natureza, deveria ser o mais célere possível e obstar toda e qualquer procrastinação, para que a Justiça se fizesse com presteza e eficácia. Nossa realidade ainda se apresenta distante deste ideal.


9. NOTAS

  1. MALACHINI, Edson Ribas. Questões sobre a execução e os embargos do devedor. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p. 108.
  2. Cf. op. cit., p. 111.
  3. O Simpósio de Curitiba, realizado no Paraná em outubro de 1975, firmou entendimento que o prazo contar-se-ia a partir da juntada do mandado aos autos, após a intimação da penhora. Não obstante, toda a jurisprudência orientava-se em sentido contrário, afirmando que o prazo deveria contar-se a partir da intimação da penhora, posição esta adotada pelo STF ( RE 85.546-RJ (DJU 22.10.76, p. 9.230, 1ª col., ementa).
  4. DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo civil. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 258.
  5. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Vol. I, São Paulo: Forense, 1961, p. 195.
  6. NEGRÃO, Theotonio : com a colaboração de José Roberto Ferreira Gouveia. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 30ª ed. , São Paulo : Saraiva, 1999, p. 732.
  7. Apud LAURINO, Salvador Franco de Lima. A emenda n. 20/98 e os limites à aplicação do parágrafo 3º do art. 114 da constituição da república: a conformidade com o devido processo legal. In Suplemento Trabalhista LTr, 025/00, São Paulo, 2000, p. 123.
  8. COELHO. Luís Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro : Forense, 1979, p. 180.
  9. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 4ª ed., São Paulo : Malheiros, 1994, p. 42.
  10. Cf. A.. L. MACHADO NETO "Garantindo certeza e segurança, o direito permite a vida, dando base à existência e permitindo que as pessoas saibam a que ater-se embora esse algo possa ser vivenciado por elas como talvez injusto." (Teoria do direito e sociologia do conhecimento. Rio de Janeiro : Ed. Tempo Brasileiro, 1965, p. 221.
  11. DAL COL, Helder Martinez. A cláusula mandato, o ato cooperativo e a Súmula 60 do Superior Tribunal de Justiça. São Paulo : RT 761, 1999, p. 138.
  12. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Revista de Direito Público, 15/284.
  13. Cf. MALACHINI, Edson Ribas, op. cit., p. 113.
  14. Observa-se que, com a nova redação dada ao artigo 738, I do CPC, em confronto com os artigos 241, II, tal entendimento foi parcialmente alterado: o prazo não mais se conta do ato da intimação, mas da prova de sua feitura, que é a juntada do mandado nos autos de carta precatória, perfectibilizando a intimação.
  15. Cf. MALACHINI, Edson Ribas, op. cit., p. 113.
  16. ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 2ª ed., São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995, p. 963.
  17. Para LUÍS FERNANDO COELHO, "Se atentarmos a que cada premissa é por sua vez a conclusão de outro silogismo, verificaremos que os raciocínios do advogado e do juiz compõem-se de um sistema de silogismos encadeados que tem por finalidade a descoberta do sentido da regra jurídica consubstanciada na premissa maior e o esclarecimento da verdade factual contida na premissa menor, cujo sentido jurídico será então fornecido pela conclusão" – Cf. op. cit., p. 178.
  18. PAULA, Alexandre de. Código de processo civil anotado. 7ª ed., vol. 3, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998, p. 3141.
  19. MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Tomo 7. 1ª ed., Campinas-SP : Ed. Bookseller, 1999, p. 38
  20. MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Vol. V, Campinas : Millennium, 1999, p. 93.
  21. DINIZ, Maria Helena. A ciência jurídica. São Paulo : Saraiva, 1995 , p. 19
  22. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. Vol. I, Campinas : Servanda, 1999, p. 126.
  23. MIRANDA, Pontes de. Cf. op. cit., p. 114.
  24. Cf. MIRANDA, Pontes de, op. cit., p. 31.
  25. ALVIM, Arruda . Manual de direito processual civil. 5a ed. Vol. 1, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1996 , p. 411.
  26. Cf. ALVIM, Arruda, op. cit.., p. 429.
  27. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2ª ed., São Paulo : Malheiros, 1996, 99.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 5 ed. V.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. V. I, Campinas: Servanda, 1999.

COELHO. Luís Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

DAL COL, Helder Martinez. A cláusula mandato, o ato cooperativo e a Súmula 60 do Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: RT 761/135 mar/1999.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

______. A reforma do código de processo civil. São Paulo: Malheiros, 1995.

DINIZ, Maria Helena. A ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 1995.

LAURINO, Salvador Franco de Lima. A emenda n. 20/98 e os limites à aplicação do parágrafo 3º do art. 114 da constituição da república: a conformidade com o devido processo legal. In Suplemento Trabalhista LTr, 025/00, São Paulo : LTr, 2000.

MALACHINI, Edson Ribas. Questões sobre a execução e os embargos do devedor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. V. V, Campinas: Millennium, 1999.

MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, 1. ed. Campinas: Bookseller, 1999. T. 7.

NETO, A. L. Machado. Teoria do direito e sociologia do conhecimento. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965.

PAULA, Alexandre de. Código de processo civil anotado. 7. ed. V. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. V. I, São Paulo: Forense, 1961.

CD ROM JURIS SÍNTESE, n. 21, versão jan/fev/2000.

RT 761/135.


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COL, Helder Martinez Dal. O prazo para oferecimento dos embargos do devedor na execução por carta quando a intimação da penhora se dá por oficial de justiça.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/902. Acesso em: 25 abr. 2024.