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A não incidência da contribuição previdenciária ao INSS sobre as verbas de natureza indenizatória

aspectos do julgamento da ADI 1659 pelo Supremo Tribunal Federal

A não incidência da contribuição previdenciária ao INSS sobre as verbas de natureza indenizatória: aspectos do julgamento da ADI 1659 pelo Supremo Tribunal Federal

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Por não se tratar de contraprestação pelo trabalho, qualquer rubrica que não se amolde ao conceito de folha de salários e demais rendimentos do trabalho da pessoa física, mesmo sem vínculo empregatício, não pode compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador.

A Constituição Federal de 1988 consolidou os chamados direitos fundamentais de 1ª dimensão, ou melhor, definiu os chamados direitos e garantias civis ou políticos, trazendo à tona diversos regramentos e princípios programáticos que visam à promoção do tão almejado Estado do bem estar social (welfare state), que está intimamente ligado a 2ª geração dos direitos fundamentais, em particular, os direitos sociais insculpidos no art. 6º da Carta Magna, que traduziram a vontade do legislador constituinte em combater desigualdades sociais e regionais. Dentre esses direitos, merece destaque especial, o capítulo II do Título VIII da Constituição Federal, que, de acordo com o seu art. 194, trata da Seguridade Social como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Nos dizeres de J. J. Gomes Canotilho:

Este dispositivo é inédito no direito constitucional do Brasil. Estabelece a obrigação de atuação integrada de três políticas públicas: de saúde, de seguro (social e previdenciário) de renda e de assistência social. O claro propósito deste Art. 194 foi introduzir no Brasil os padrões mínimos do direito à segurança social, tal como reconhecidos pelo direito internacional desde 1952 (OIT, Convenção 102). Tais padrões mínimos incluem cuidados médicos, segurança de renda em caso de doença, de desemprego, de idade avançada, de acidente de trabalho, de segurança de renda da família e de filhos, da maternidade, de pessoas em situação de invalidez para o trabalho, de famílias vitimadas pela morte de um membro da família e também de serviços assistenciais. O tripé saúde, assistência e seguro (social e previdenciário) de renda corresponde, portanto, ao âmbito de proteção do direito à segurança social, que tem status de direito humano[1].

Dessa forma, conclui-se que as normas constitucionais atinentes à seguridade social são normas destinadas a proteção social, com o fito de prover o mínimo necessário para o sustento, ou seja, a garantia do mínimo existencial, que está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, que se materializa, por sua vez, quando o indivíduo, em situação de risco social, ou seja, acometido por doença, invalidez, desemprego, necessita do amparo Estatal para prover o seu próprio sustento.

Foi com esse objetivo que o legislador constitucional, por meio de instrumentos de segurança social da renda, criou duas modalidades de cobertura: uma contributiva e outra não contributiva.

O regime geral de previdência (Art. 201) foi o arranjo contributivo instituído para ampliar o alcance do seguro (previdenciário e social) de renda e cobrir – de algum modo – trabalhadores urbanos e rurais. Sendo uma modalidade de seguro, protege (como já antes protegia) a renda de pessoas físicas que contribuem, muito embora o dever de contribuir para o funcionamento de todo o regime não tenha ficado restrito aos beneficiários (segurados). Nesse aspecto, Pessoas jurídicas privadas e próprio Estado também foram encarregados de contribuir para sustentar os fundos previdenciários (Art. 195). Daí, propriamente, sua natureza de seguro social.

Já a modalidade não contributiva de segurança de renda foi instituída com os novos princípios e regras de assistência social, e não deve ser confundida com previdência (muito embora tal confusão ainda seja frequente). A segurança não contributiva de renda (no valor de um salário mínimo) destina-se a alguns grupos em situação de extrema vulnerabilidade econômica – caso de idosos e de pessoas com deficiência em situação de carência de meios econômicos para prover a subsistência (Art. 204, V).

Aliás, o novo modelo previu outras diferenças em relação à previdência, pois as políticas de assistência social devem prestar serviços também. Acolhimento (de pessoas em situação de exclusão social) e integração ao mercado de trabalho, além de cuidados especiais para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade econômica e serviços de habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência. Ao lado desses serviços assistenciais, o novo sistema constitucional de segurança

Na verdade, são normas de proteção social, com o fim de prover o mínimo necessário para a sobrevivência com dignidade (mínimo existencial), que se concretizam quando o indivíduo, acometido por doença, invalidez, desemprego, não tem condições de prover seu sustento próprio. Nesse diapasão, por meio dos instrumentos inseridos na constituição federal, dados por institutos componentes da seguridade social, garante-se o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, à efetividade do bem-estar e à redução das desigualdades, que conduzem à justiça social.

E, justamente, com o entendimento trazido pelo artigo 194[2], parágrafo único, da  Constituição Federal, permitiu-se a expansão da proteção social (cobertura universal), bem como o seu financiamento. E daí a importância da regra geral de financiamento do Art. 195 da Carta Magna, a seguir transcrito:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:        

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:        

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento;        

c) o lucro;        

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, podendo ser adotadas alíquotas progressivas de acordo com o valor do salário de contribuição, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social;       

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

Nesse sentido, as contribuições previdenciárias destinam-se ao custeio da previdência social, possuindo previsão legal no art. 195, I, a, II e III, CF. No que tange ao tratamento infraconstitucional dispensado às contribuições previdenciárias, a Lei n° 8212/91 (Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio) estabeleceu o sujeito ativo, a base de cálculo e a alíquota, que se distingue conforme se trate da contribuição destinada ao custeio da seguridade social (gênero) ou da contribuição previdenciária (espécie).

As contribuições previdenciárias são da competência da União, porém, a sua cobrança e arrecadação era executada pelo INSS até 2 de maio de 2007, quando foi instituída a Secretaria da Receita Federal do Brasil RFB), resultado da fusão da SRF (Secretaria da Receita Federal) e SRP (Secretaria da Receita Previdenciária), por força da Lei nº 11.457 de 16 de março de 2007.

A nova estrutura teve como premissa o modelo funcional, em que um único órgão tem a competência para realizar as atividades de tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento de todos os tributos, congregando os tributos internos, os do comércio exterior (área aduaneira) e as contribuições previdenciárias, haja vista que, no Brasil, estava pacificado, há alguns anos, que essas contribuições possuem natureza tributária.

A partir de então, a União tornou-se sujeito ativo de todas as contribuições sociais, através da RFB, órgão da Administração direta, subordinado ao Ministro da Economia, a quem cabe, planejar, acompanhar e avaliar as atividades à tributação, fiscalização, arrecadação cobrança e recolhimento das contribuições sociais fixadas nas alíneas a, b, e c, parágrafo único do art. 11, Lei 8212/91. Mais adiante, com a introdução da Lei n° 11.941/09, o art. 33 da Lei 8212/91 dispôs que compete, hodiernamente, à Secretaria da Receita Federal do Brasil, a atividade de tributação das contribuições sociais e, em especial as previdenciárias.


2.A NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes (Presidente), conheceu do Recurso Extraordinário RE 556664 RS e a ele negou provimento, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, e do parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977.

Na ocasião do julgamento, o STF, por maioria, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, deliberou aplicar efeitos ex nunc à decisão, esclarecendo que a modulação se aplica tão-somente em relação a eventuais repetições de indébitos ajuizadas após a decisão assentada na sessão do dia 11/06/2008, não abrangendo, portanto, os questionamentos e os processos já em curso, nos termos do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes (Presidente).

Dessa forma, pode-se afirmar que, após o STF ter estipulado que as contribuições sociais possuem natureza tributária, está superada a discussão quanto a sua classificação, visto que se enquadra como contribuição previdenciária. Nesse sentido, colaciona-se trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes:

(...) Não há mais dúvida de que as contribuições, inclusive as destinadas à Seguridade Social, têm natureza tributária e sujeitam-se ao regime jurídico-tributário.

Há muito, esta Corte pacificou este entendimento a partir da interpretação do art. 149 da atual Constituição, regra matriz das contribuições, que determina a "observância do disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo".

Assim, todas as contribuições são alcançadas pelas normas gerais de Direito Tributário, previstas no art. 146, III, b, da Constituição Federal de 1988, normas que também eram referidas na Carta de 1967, em sua redação original (§ 1º do art. 19) e na redação da EC 01/69, (§ 1º do art. 18). (STF - RE: 556664 RS, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 12/06/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO). (Grifo nosso)

Superado a premissa inicial, passo ao exame do cerne a problemática constante no presente artigo.


3.O FATO GERADOR E A BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES

Conforme já dito, o art. 195, I, CF/88 prevê a contribuição do empregador, da empresa ou da entidade a ele equiparada. Na legislação infraconstitucional tais tributos, estão inseridos no art. 22, I, III e IV da Lei 8212/91:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.                

II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos

a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;

c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

III - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços;                

Cada um destes incisos constitui uma modalidade de contribuição sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, contudo, no presente estudo, vamos tratar de forma mais específica das contribuições previstas no inciso I.

Com isto, pode-se afirmar, desde logo, que o fato gerador da contribuição previdenciária é dever, pagar ou creditar remuneração, a qualquer título, à pessoa física. Leia-se: o fato gerador não é o pagamento da remuneração, bastando que ela seja devido ao trabalhador. Nesse diapasão, tem-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 595838, com Repercussão Geral:

EMENTA Recurso extraordinário. Tributário. Contribuição Previdenciária. Artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99. Sujeição passiva. Empresas tomadoras de serviços. Prestação de serviços de cooperados por meio de cooperativas de Trabalho. Base de cálculo. Valor Bruto da nota fiscal ou fatura. Tributação do faturamento. Bis in idem. Nova fonte de custeio. Artigo 195, § 4º, CF. 1. O fato gerador que origina a obrigação de recolher a contribuição previdenciária, na forma do art. 22, inciso IV da Lei nº 8.212/91, na redação da Lei 9.876/99, não se origina nas remunerações pagas ou creditadas ao cooperado, mas na relação contratual estabelecida entre a pessoa jurídica da cooperativa e a do contratante de seus serviços. 2. A empresa tomadora dos serviços não opera como fonte somente para fins de retenção. A empresa ou entidade a ela equiparada é o próprio sujeito passivo da relação tributária, logo, típico “contribuinte” da contribuição. 3. Os pagamentos efetuados por terceiros às cooperativas de trabalho, em face de serviços prestados por seus cooperados, não se confundem com os valores efetivamente pagos ou creditados aos cooperados. 4. O art. 22, IV da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 9.876/99, ao instituir contribuição previdenciária incidente sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura, extrapolou a norma do art. 195, inciso I, a, da Constituição, descaracterizando a contribuição hipoteticamente incidente sobre os rendimentos do trabalho dos cooperados, tributando o faturamento da cooperativa, com evidente bis in idem. Representa, assim, nova fonte de custeio, a qual somente poderia ser instituída por lei complementar, com base no art. 195, § 4º - com a remissão feita ao art. 154, I, da Constituição. 5. Recurso extraordinário provido para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV do art. 22 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99. (grifos não constantes no texto original)

Agora, em clara alusão à base de cálculo da respectiva contribuição previdenciária, vale rememorar inicialmente, que, na redação original do inc. I, art. 195, CF, o texto do dispositivo constitucional previa a incidência sobre a “folha de salários”, o que acabou acarretando uma incerteza acerca do conceito de salário.

Isso porque a dicção do texto originário do inc. I do art. 195, tinha a sua interpretação expandida pela regra do §4º do art. 201, que, em sua redação original, também empregava os termos “salário” e “empregado”, dando, porém, a “salário” um alcance muito mais abrangente para fins de incidência da contribuição previdenciária.

Na prática, aplicava-se o entendimento de que a instituição de qualquer contribuição sobre remuneração que não se configurasse “salário”, somente poderia ocorrer por meio de Lei Complementar, como manda o art. 195, §4º, CF[3] e art. 154, I, CF[4].

Foi somente após o advento da EC 20/98, que a base de cálculo das contribuições previdenciárias deixou de ser somente os “salários”, para abarcar todos os rendimentos pagos ou creditados a qualquer título, acrescentando o §11 ao art. 201 da Constituição Federal, passando a dispor que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”.

A conclusão lógica é que, após a EC 20/98, não se faz mais necessária a edição de Lei Complementar para a instituição referente à contribuição previdenciária, que passou a ser regulamentada pela Lei 8.212/91, mais especificamente pelo seu art. 22, incisos I, II e IIII.

Por fim, vale dizer que, atualmente, o art. 20 da Lei 8.212/91, com a redação das Leis 8.620/93 e 9.032/95, estabelece a contribuição dos segurados empregados, inclusive do doméstico, e do segurado trabalhador avulso, estabelecendo que “é calculada mediante a aplicação da correspondente alíquota sobre o seu salário de contribuição mensal, de forma não cumulativa”.

Portanto, sua base de cálculo é o salário de contribuição mensal do trabalhador, assim entendida para o empregado doméstico, a remuneração registrada na Carteira de Trabalho e Previdência Social (art. 28, II) e, para os demais empregados e para o trabalhador avulso, a remuneração mensal que percebem (art. 28 I), observados os limites mínimo e máximo.

O § 7º do art. 28 da Lei 8.212/91 dispõe no sentido de que o décimo terceiro salário integra o salário de contribuição[5], sendo certo, ainda, que, desde o advento da Lei 8.620/93 (art. 7º), é feito cálculo em separado da contribuição o previdenciária sobre o décimo terceiro, conforme assentado na jurisprudência do STJ.[6]

Assim, o décimo terceiro salário, em verdade, não integra propriamente o salário de contribuição (não é somado ao salário do mês de dezembro), constituindo, isto sim, isoladamente, outro salário de contribuição para fins de cálculo de contribuição específica sobre o décimo terceiro.

O § 8º, por sua vez, aponta as diárias excedentes a cinquenta por cento da remuneração mensal como integrantes do salário de contribuição pelo seu valor total. Mas, deve-se entender esta regra como enunciadora da presunção de que, em tal hipótese, as diárias estejam, em verdade, cumprindo função remuneratória, e não simplesmente indenizatória, por despesas necessárias por ocasião dos deslocamentos. Havendo comprovação de que a natureza é efetivamente indenizatória, não poderão as diárias ser incluídas na base de cálculo[7].

No § 9º do art. 28, aliás, há inúmeras verbas indenizatórias expressamente referidas como não integrantes do salário de contribuição, assim, dentre outras verbas, as ajudas de custo, a parcela in natura recebida de acordo com os programas de alimentação do trabalhador, as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, a parcela recebida a título de vale-transporte, as próprias diárias para viagens, desde que não excedam a 50% (cinquenta por cento) da remuneração mensal, a bolsa recebida por estagiário, a participação nos lucros ou resultados da empresa.

No mesmo sentido, os valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais também estão excluídos, nos termos da alínea V do § 9º.

Já em relação ao § 2º do art. 28, em que pese o mesmo dispor que o salário-maternidade será considerado como salário de contribuição, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212/1991) que instituíam a cobrança da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade. A decisão, por maioria de votos, foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 576967, com repercussão geral reconhecida (Tema 72), julgado na sessão virtual encerrada no dia 04 de agosto de 2020.

Note-se que nenhum outro benefício previdenciário servirá de base de cálculo de contribuição previdenciária, nem mesmo a aposentadoria ou a pensão, estes inclusive imunes por força do próprio art. 195, II, da CF, conforme já exposto.


4.O JULGAMENTO DA ADIN 1659

Sucedeu que a Confederação Nacional da Industria ajuizou ADIN 1.659-6/DF, que pretendia que fossem declarados inconstitucionais os art(s) 22, §2º, e 28, §9º alineas “d” e “e”, ambos da Lei nº 8.212/91, na redação que lhes deu a Medida Provisória nº 1523-11 de 25.08.97 que foi convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97.

A argumentação era de que as mudanças trazidas pela Medida Provisória deram ao §2º do art. 22 e às alíneas “d” e “e” do art. 28, na prática, vieram trazer para a base de cálculo da contribuição previdenciária, devida pelos empregadores, os valores pagos à época, aos trabalhos sob as seguintes rubricas:

  1. os abonos de férias – tanto o abono pecuniário de férias (CLT, art. 143), como o abono constitucional de férias (CF, art. 7º, inciso XVII);
  2. o aviso prévio indenizado;
  3. a indenização por tempo de serviço (CLT, art. 477 c/c arts. 478 e 499, §§2º e 3º);
  4. a indenização devida por força de demissão nos trinta dias anteriores à correção salarial (Lei nº 7.238, art. 9º); e
  5. outros abonos ou indenizações que não estivessem entre aqueles listados no art. 28, §9º, da Lei 8212 (com a redação vigente na época) – vale dizer, todo e qualquer abono ou indenização, que nem mesmo o legislador quis indicar quis seriam, preferindo uma anômala tributação mediante a exclusão de parcelas que não ficam sujeitas à incidência da contribuição previdenciária patronal (as parcelas excluídas da tributação sobre a folha de salários são: salário-família; ajuda de custo e adicional do aeronauta; auxílio-alimentação; férias indenizadas; indenização extra do FGTS; vale-transporte; ajuda de custo resultante da mudança de local de trabalho; diárias de viagem que não excedam 50% da remuneração mensal; bolsa de complementação educacional do estagiário; e participação nos lucros ou resultados da empresa, paga com base em lei específica).

O que se defendia era que a expressão salário não traduz um conceito aberto, sob o qual se possam amoldar pagamentos de variadas origens e, principalmente, de distintas justificativas. Sob o ângulo da doutrina do melhor direito, salário é apenas a contraprestação paga, pelo empregador, aos serviços prestados pelo trabalhador por ele contratado (CLT, art. 3º, caput).

Enquanto que indenização, está no sentido totalmente oposto, pois destina-se a reparar um direito malferido. Nas palavras de LEANDRO PAUSEN:

A expressão “folha de salários” pressupõe “salário”, ou seja, remuneração paga a empregado, como contraprestação pelo trabalho que desenvolve em caráter não eventual e sob a dependência do empregador.[8] A remuneração deve ser entendida com a dimensão de “ganhos habituais do empregado, a qualquer título”, pois o § 11 do art. 201 da CF (redação da EC 20/98) é inequívoco de que tais ganhos “serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.

Podem ser tributados, também, os “demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”. Assim, também as remunerações a sócios-diretores (pró-labore), autônomos, avulsos e, inclusive, a remuneração prestada aos agentes políticos (e.g., prefeitos e vereadores) podem ser tributadas como contribuição ordinária ou nominada de custeio da seguridade social, ou seja, como contribuição já prevista no art. 195, I, a, da CF, capaz de instituição mediante simples lei ordinária.

Cabe ter em conta, de outro lado, o que não pode ser tributado a tal título. A referência, na norma de competência, a “rendimentos do trabalho” afasta a possibilidade de o legislador fazer incidir a contribuição sobre verbas indenizatórias. Assim, os valores pagos a título de auxílio-creche, de auxílio-transporte e as ajudas de custo em geral, desde que compensem despesa real, não podem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária. Ademais, a base econômica consubstancia-se na remuneração “paga ou creditada”. Pagamento é o valor prestado ao trabalhador seja em espécie, seja mediante depósito em conta corrente, ou mesmo in natura, como utilidades. Creditamento é o lançamento contábil a crédito do trabalhador. Não se pode confundir a remuneração paga ou creditada com a que eventualmente seja devida mas que não foi sequer formalizada em favor do trabalhador[9].

(grifos não constantes no texto original)

Em igual sentido, o Ministro Marco Aurélio, Relator do RE 166.772-2 RS, nas folhas de n° 722 e ss. nos autos assim se posicionou quanto a natureza jurídico-constitucional do salário:

“Descabe dar uma mesma expressão – salário – utilizada pela carta relativamente a matérias diversas, sentidos diferentes conforme os interesses em questão. Salário, tal como mencionado no inciso I do artigo 195, não se pode configurar em algo que discrepe do conceito que se lhe atribui quando cogita, por exemplo, da irredutibilidade salarial – inciso VI do artigo 7° da Carta, considera-se que, na verdade, a lei ordinária mesclou institutos diversos ao prever a contribuição. Após alusão, no caput do artigo 3°, a expressão utilizada na própria carta federal – folha de salário – ao versar sobre o que pago aos administradores avulsos e autônomos, refere a remuneração, talvez mesmo pelo fato de o preceito a que se atribui a pecha de constitucional englobar, também, os segurados empregados. Desconheceu-se que salário e remuneração não são expressões sinônimas: Uma coisa é a remuneração, gênero da qual salário, soldo, subsídios, pró-labore e honorários são espécies. Seria fácil dar-se à previsão constitucional em questão alcance dado pelo Instituto, no que se fugiria até mesmo da necessidade de balizar-se, de maneira precisa e clara, as bases de incidências das contribuições sociais. Suficiente seria, ao invés de utilizar-se a expressão “folha de salários”, a expressão “empregador”, aludir-se ao tomador de serviços e a remuneração satisfeita. Com acerto, enquadraram à matéria constitucionalistas e tributaristas, dentre os quais destaco Ives Gandra, Geraldo Ataliba, Ruy Barbosa Nogueira e a também professora Misabel Abreu Machado Dersi. Esta última emitiu parecer sobre a contribuição social incidente sobre a remuneração e o pró-labore pagos a autônomos e administradores. De forma proficiente, apontou as diferenças entre o vocábulo “empresa” e o vocábulo “empregador”, afirmando que o uso das expressões “empregador” e “folha de salários”, contidas na Carta de 1988, exclui as relações de trabalho não subordinado, como as que envolvem autônomos em geral e administradores. Aduziu ainda que as constituições brasileiras sempre usaram os termos empregador e salário no sentido próprio e técnico em que encontrados no direito do trabalho, o que, aliás, está consagrado jurisprudencialmente. Já disse linhas atrás, que está em tela uma ciência. Assim enquadrado o direito, o meio justifica o fim, mas não este aquele. Compreendo as grandes dificuldades de caixa que decorrem do sistema de seguridade social pátrio. Contudo, estas não podem ser potencializadas, a ponto de colocar-se em segundo plano a segurança, que é o objetivo maior de uma Lei Básica, especialmente no embate cidadão/Estado, quando as forças em jogo exsurgem em descompasso”.

Dessa forma, à primeira vista nos parece razoável concluir que, nem todas as verbas pagas aos empregados ou às demais categorias de pessoas a serviço do empregador, da empresa ou da entidade a ele equiparada são consideradas remuneração para efeito de serem incluídas na base de cálculo da contribuição sobre a folha de salários.

Voltando a falar do julgamento da ADIN 1.659-6/DF, vale destacar ainda o decisum do pedido liminar, nos termos do voto do Relator, MIN. MOREIRA ALVES, ao pronunciar-se quanto à arguição de inconstitucionalidade do §2º do artigo 22, da Lei 8.212/91 na redação mantida pela Medida Provisória 1.596-14, que assim proferiu:

“(...) Quanto a esse parágrafo, que diz respeito a parcelas que integram a base de cálculo da contribuição a cargo das empresas destinadas à seguridade social, o exame de sua inconstitucionalidade para o efeito de concessão, ou não, de liminar, deve fazer-se à luz da orientação majoritária desta Corte, a partir do julgamento do RE 166.772, no sentido de que, na expressão “folha de salário” utilizada no art. 195, I da Constituição, salário não é qualquer pagamento, mas o que, como tal, o é sentido técnico, distinguindo-se da remuneração geral, por ser esta gênero de que aquele é espécie.

Partindo-se pois, dessa premissa que foi um dos fundamentos da declaração de inconstitucionalidade das expressões “avulsos, autônomos e administradores” contidas no inciso I do art. 3º da Lei 7.787/89, tem-se que é relevante a fundamentação jurídica da presente arguição de inconstitucionalidade quanto à primeira parte da norma sob exame (a relativa aos abonos), porquanto, embora a maioria dos abonos seja considerada pela doutrina como adiantamentos de salários, e, portanto, salários, há alguns – assim a título de exemplo, os abonos de férias não excedentes aos limites da legislação trabalhista – que não se enquadram no conceito de salário, não tendo se quer o caráter de ganhos habituais a que alude o §4º do artigo 201 da Constituição ao dispor que “os ganhos habituais do empregado , a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequentemente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei, ainda que se pretenda que na expressão “folha de salários”, para efeito de contribuição social das empresas, se enquadrem também esses ganhos pela sua incorporação constitucional ao salário.

Ademais, é de notar-se que a generalidade das expressões da parte inicial do dispositivo sob exame (“integram a remuneração os abonos de qualquer espécie de natureza”) é de tal forma ampla que impede se possa dar a ela interpretação conforme à constituição, pois as restrições que, porventura, se façam iriam contra a extensão pretendida pela norma, e essa Corte se transformaria, em verdade, em legislador positivo, o que não lhe é permitido em controle de constitucionalidade.

Por outro lado, no tocante à segunda parte do parágrafo em causa (”bem como as parcelas denominadas indenizatórias pagas ou creditadas a qualquer título, inclusive em razão da rescisão do contrato de trabalho, ressalvado o disposto no §9º do art. 28), é também relevante, com maior razão de ser – e isso porque as verdadeiras indenizações, por sua natureza, não integram o salário em sentido técnico nem a incorporação a ele determinada pelo §4º do art. 201 da Constituição, e as falsas (com que as informações justificam a constitucionalidade do preceito) não serão indenizações -, a fundamentação jurídica da arguição de sua inconstitucionalidade, não cabendo igualmente aqui interpretação conforme à Constituição, pois é manifesto que o dispositivo quer alcançar todas as indenizações (“pagas ou creditadas a qualquer título”), exceto as que expressamente vêm excluídas da enumeração do §9º do artigo 28 da Lei 8.212 na sua redação original ou alterada.

3. Por fim dada a relevância da arguição de inconstitucionalidade do dispositivo ora sob apreciação, e tendo em vista a circunstância do inumerável número de ações de restituição do tributo indevido que poderão ser propostas no caso da procedência da presente ação direta, tenho por preenchido o requisito da conveniência de suspender, liminarmente, a eficácia do dispositivo sob exame.

Em face do exposto, e resumindo, suspendo, nos limites deste voto, o processo desta ação direta de constitucionalidade quanto às alíneas “d” e “e” do §9º do artigo 28 da Lei 8.212/91 na redação mantida pela Medida Provisória 1.523-13 de 23.10.97 e, no tocante ao §2º do artigo 22 da mesma Lei na redação dada pela Medida Provisória 1.596-14, de 10 de novembro de 1997, defiro a liminar, para suspender, “ex nunc”, a eficácia desse dispositivo até o julgamento desta ação. (...)

(grifos não constantes no texto original)

Ressalta-se, mais uma vez, que, em 05/02/07, com a publicação da EC 20/1998, a competência constitucional para instituição de contribuições destinadas ao custeio da seguridade social passou a permitir a tributação dos demais rendimentos do trabalho (art. 195, I, “a”), além da própria folha de salários. Ademais, o art. 22, I, §2º da Lei 8.2312/91objeto da ADIN 1.659-6/DF, foi vetado por ocasião da conversão da medida provisória em questão na Lei 9.528/1997, enquanto que a redação dada ao art. 28, § 9º “d” e “e” também foi modificada, tendo como consequência a perda do objeto da ADIN em questão, sendo que na data de 05/02/2007, a mesma teve o seu julgamento prejudicado, por decisão monocrática do Relator.

Como consequência do advento da EC 20/1998, o Supremo voltou a enfrentar o tema no julgamento do Recurso extraordinário 565160 em que se discutiu, à luz dos artigos 146; 149; 154, I; e 195, I e § 4º, da Constituição Federal, o alcance da expressão “folha de salários”, contida no art. 195, I, da Constituição Federal, e, por conseguinte, a constitucionalidade, ou não, do art. 22, I, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99, que instituiu contribuição social sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título aos empregados, e fixou o tema 20 com repercussão geral – “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998”. Não obstante, os aspectos relacionados ao julgamento desse Recurso (RE 565160), não serão abordados no presente estudo, limitando-se o presente trabalho tão somente acerca do objeto do julgamento da ADIN 1.659-6/DF.


5.   A REDAÇAO ATUAL DO ART., §9º, LEI 8.212/91 E A SUA EXTENSA LISTA DE VERBAS QUE NÃO INTEGRAM A BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS

LEI 8.212/91 E A NATUREZA DAS VERBAS SALARIAIS

Como já foi exposto anteriormente, o próprio art. 28, §9º, Lei 8.212/91 traz uma extensa lista de verbas que não integram a base de cálculo da contribuição sobre a folha de salários, e que, portanto, não são consideradas de natureza remuneratórias para fins de incidência da contribuição devida pelo empregador, nos termos do art. 22, § 2º, Lei 8.212/91. A propósito, veja-se a redação atual do Art. 28, § 9º, Lei 8.212/91:

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

(...)

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente

a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade;                 

b) as ajudas de custo e o adicional mensal recebidos pelo aeronauta nos termos da Lei nº 5.929, de 30 de outubro de 1973;

c) a parcela "in natura" recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976;

d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT;                 

e) as importâncias:                   

1. previstas no inciso I do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;  

2. relativas à indenização por tempo de serviço, anterior a 5 de outubro de 1988, do empregado não optante pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS;                  

3. recebidas a título da indenização de que trata o art. 479 da CLT;

4. recebidas a título da indenização de que trata o art. 14 da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973;                 

5. recebidas a título de incentivo à demissão; 

6. recebidas a título de abono de férias na forma dos arts. 143 e 144 da CLT;                 

7. recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário;                 

8. recebidas a título de licença-prêmio indenizada;                 

9. recebidas a título da indenização de que trata o art. 9º da Lei nº 7.238, de 29 de outubro de 1984;                 

f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria;

g) a ajuda de custo, em parcela única, recebida exclusivamente em decorrência de mudança de local de trabalho do empregado, na forma do art. 470 da CLT;  

h) as diárias para viagens;  

i) a importância recebida a título de bolsa de complementação educacional de estagiário, quando paga nos termos da Lei nº 6.494, de 7 de dezembro de 1977;

j) a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica;

l) o abono do Programa de Integração Social-PIS e do Programa de Assistência ao Servidor Público-PASEP;                  

m) os valores correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante da de sua residência, em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho;                

n) a importância paga ao empregado a título de complementação ao valor do auxílio-doença, desde que este direito seja extensivo à totalidade dos empregados da empresa

o) as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira, de que trata o art. 36 da Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965;                 

p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT;

q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa;                 

q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares;  

r) o valor correspondente a vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local do trabalho para prestação dos respectivos serviços;                 

s) o ressarcimento de despesas pelo uso de veículo do empregado e o reembolso creche pago em conformidade com a legislação trabalhista, observado o limite máximo de seis anos de idade, quando devidamente comprovadas as despesas realizadas;                 

Assim sendo, é a própria Lei que especifica as hipóteses de não incidência de contribuições previdenciárias, sendo as demais verbas, ainda que não constantes no art. 28, §9º, Lei 8.212/91, despontam nitidamente de caráter não salarial, o que, para todos os efeitos, torna ilegal o seu ato de inclusão na base de cálculo das contribuições destinadas ao INSS, a par, inclusive, do entendimento pacificado nos Tribunais Superiores, com destaque para os diversos julgados em casos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)[10], bem como ainda as teses jurídicas fixadas pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) [11] com repercussão geral.


6.   CONCLUSÃO

Configura-se, pois, aspecto de interpretação axiológica pela aplicação do método sistemático, que traduz a máxima jurídica que vem da expressão “Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositivo”, que significa o mesmo que “onde há a mesma razão da lei, aí deve-se aplicar a mesma disposição legal”. Em outras palavras, toda e qualquer rubrica advinda em função de atividade laboral, que não seja em decorrência do “trabalho realizado”, há que ser afastada para os fins de incidência da contribuição previdenciária para o INSS.

Qualquer arranjo ou adequação normativa que incida sobre a base de contribuição ao INSS sobre a folha de pagamento dos empregadores, que não siga a linha do disposto no art. 28, §9º, Lei 8.212/91 e do entendimento uníssono dos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, TRFs), compelindo os contribuintes a recolherem contribuições previdenciárias sobre verbas de caráter indenizatórias, evidentemente, redundará em locupletamento ilícito por parte da RFB, abrindo espaço para a compensação/restituição do indébito tributário de todo valor do tributo pago indevido, ou a maior, dos últimos 5 (cinco) anos, consoante o permissivo legal do art. 165[12] do CTN (Lei 5.172/66).

A propósito, por não se tratar de contraprestação pelo trabalho ou de retribuição em razão do trabalho, qualquer rubrica que não se amolde ao conceito de folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (art. 195, I, “a”), como consequência, não pode compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador, não encontrando fundamento no art. 195, I, a, da Constituição. Em outras palavras qualquer incidência não prevista no referido dispositivo constitucional configura fonte de custeio alternativa, devendo estar prevista em lei complementar (art. 195, §4º), devendo, portanto, receber tratamento de inconstitucionalidade formal[13].

Eis, portanto, o fundamento jurídico para a imediata cessação da incidência da contribuição previdenciária destinada ao INSS sobre as verbas de natureza não salarial, e para o efetivo reconhecimento do direito a compensação/restituição em face da exigência da exação tributária, em desconformidade com os ditames do art. 195 da Constituição Federal de 1988 e do art. 22, I, II e III c/c art. 28, §9º da Lei 8.212/93, visto que tais rubricas possuem finalidade estritamente reparatórias de danos ou de ressarcimento com gastos do empregado[14].


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 mai. 2021.

_______. LEI 8.212 de 24/07/1991 – Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em mai. 2021.

_______. LEI 8.620 de 05/01/1993 – Altera as Leis nºs 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em mai. 2021.

CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. CD-ROM (pág 3496-3497).

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário: completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. – pág. 211.

STF – RE: 556664 RS, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 12/06/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO

_______ RE: 595838 SP, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de julgamento: 23/04/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 07-10-2014 PUBLIC 08-102014


Autor

  • Hudson da Costa Pereira

    O Autor é Advogado e Professor do Curso de Direito Curso de Direito do Centro Universitário São Lucas. Bacharel em Direito pela ILES/ULBRA Universidade Luterana do Brasil - Ji-Paraná/RO (2013), Pós-Graduado em Metodologia e Didática do Ensino Superior na UNICENTRO - União Centro Rondoniense de Ensino Superior - Jaru/RO (2014). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus, FDDJ, Sao Paulo/SP (2015). Pós-Graduando em MBA em Direito Tributário pela FGV/RJ (2018). Pós-Graduando em Direito Bancário pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci (UNIASSELVI), sede em Indaial/SC (2016). Foi Procurador do Município de Jaru (RO), Foi Diretor do Departamento de Direito Tributário e da Dívida Ativa e Representante do Município na Comissão para o Desenvolvimento dos Trabalhos de Modernização e Atualização da Legislação Tributária do Programa do Tribunal de Contas do Estado - TCE de Modernização e Governança das Fazendas Municipais do Estado de Rondônia e do Desenvolvimento Econômico Sustentável dos Municípios - PROFAZ. É Professor Titular da Disciplina de Direito Internacional Público na FAAR- Faculdades Associadas de Ariquemes, Professor convidado na Pós-Graduação de Direito Previdenciário e Trabalhista UNIJIPA - na Faculdade Panamericana de Ji-Parana. É Membro Titular do Conselho de Recursos Fiscais do Município de Ji-Paraná, e Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/RO Subseção de Ji-Paraná. É Advogado e Sócio Fundador da Avelino & Costa Advogados Associados. É Sócio da Exito Assessoria Empresarial e Tributária, uma empresa que tem como foco o desenvolvimento de Soluções Tributárias de âmbito administrativo, prestando serviços de consultoria, assessoria, auditoria, perícias contábeis e financeiras, contabilidade empresarial, recuperação de créditos tributários federais, estaduais e municipais, revisão de passivos e planejamento tributário.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Hudson da Costa. A não incidência da contribuição previdenciária ao INSS sobre as verbas de natureza indenizatória: aspectos do julgamento da ADI 1659 pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6560, 17 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91218. Acesso em: 6 maio 2024.