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O agente de contratação como servidor efetivo

norma geral de cunho constitucional

O agente de contratação como servidor efetivo: norma geral de cunho constitucional

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É incabível e inconstitucional que estados e municípios, sob o argumento de o art. 8º da Lei 14.133/21 tratar-se de norma específica federal, editem decretos regulamentares possibilitando cargos comissionados e/ou temporários para agentes de contratação.

Mal começou a viger a nova lei geral de licitações e contratos, Lei 14.133/2021, de 1º de abril de 2021, e já se instalou um profícuo debate sobre a quem se destina o comando constante do artigo oitavo, que prescreve deva ser o processo licitatório conduzido por agente de contratação, pessoa designada entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública. Decerto que o artigo primeiro, inciso primeiro da referida norma deixa claro tratar-se de comandos de âmbito nacional; não se pode negar, entretanto, que diversos de seus dispositivos têm caráter apenas federal e, daí, a celeuma instaurada: o comando que impõe seja o agente de contratação servidor efetivo se destina aos Estados, Municípios e Distrito Federal? Conquanto pouquíssimos doutrinadores se hajam lançado à missão de prover um método seguro para distinguir com precisão um comando normativo de natureza federal de um de natureza nacional (quando insertos na mesma lei), propõe-se este trabalho a demonstrar que o comando em apreço detém natureza nacional. E o fará por exposição de argumentos analíticos a tanto destinados. E a tese cuja defesa se propõe ele a promover assenta-se numa metodologia firmada em fina avaliação do comando sob investigação nos moldes da mens legis (apreendida das nuances histórico-sociais e lógicas expressas naquele corpo normativo), em especial análise à luz da Constituição Federal.

 

Palavras-chave: agente de contratação, efetivo, norma geral, nacional, constitucionalidade.

 

1. Considerações introdutórias. Contexto e orientações da nova lei de licitações.

Fazem-se presentes na Nova Lei de Licitações comandos destinados a promover a modernização, a incrementar o planejamento e a prestigiar a transparência das licitações e contratações públicas como destacados mecanismos de desestímulo e coibição da corrupção. Estes mecanismos vêm ao encontro de anseios sempre mais intensos de extirpar ou, ao menos, mitigar licitações mal planejadas, infelizmente ainda muito comuns no Brasil, as quais atentam contra o princípio republicano da eficiência, fazendo fervilhar compras desnecessárias e/ou inapropriadas, serviços mal realizados e obras inacabadas.

Vêm sendo tecidas diversas críticas à Nova Lei, pela doutrina, no sentido de que o novo texto normativo tenha trazido excessiva burocratização dos processos licitações, engessando-a, usando desde já o argumento exemplificativo de que a dificuldade de se licitar uma obra veio a ser a mesma daquela imposta para se comprar materiais de expediente. Não há que se lhes reconhecer completa razão posto que a crítica procede, mas apenas em parte.

Deveras, ponderando-se que a nova lei positivou o princípio do planejamento, passando este a integrar norma jurídica cogente, resta evidente que, de início, encontrarão dificuldades os Entes e Órgãos que não haviam criado uma cultura de planejamento licitatório. Só a princípio, entretanto.

Daí se afirmar que o resultado virá, certamente, a longo prazo, ante a manifesta constatação de que a visão teleológica lançada sobre o texto normativo, alcançando dele a mens legis, assim mesmo o revela.

E, muito embora se admita a existência de rincões no nosso país em que - quiçá por falta de estrutura, ou de pessoal qualificado ou, mesmo, de cultura de planejamento - ocorram procedimentos licitatórios encetados e levados a termo sem planejamento algum. Por óbvio, esta realidade se contrapõe àquela de localidades cuja Administração Pública tenha sedimentado estruturas mais organizadas de gestão, com corpos administrativos melhor aparelhados e pessoal mais qualificado, em que o planejamento bem elaborado confere um alto grau de eficiência nos procedimentos licitatórios.

A lei trará, indubitavelmente, uma homogeneização da qualidade dos procedimentos licitatórios em todo o território nacional, ao impor e possibilitar a exigência de regras claras e objetivas de planejamento pré-licitatório.

2. A norma geral, de cunho constitucional, insculpida no caput do art. 8 da Lei 14.133/2021

Volvendo à premissa de que a Nova Lei de Licitações tem como objetivo a modernização, planejamento e transparência dos processos licitatórios, em consonância é razoável pressupor que o agente público responsável pela condução e julgamento seja preservado de qualquer tipo de influência, ingerência, ou intervenção exterior que lhe subtraia a liberdade técnica, pelo que deve gozar de autonomia e independência no exercício da sua função. Para tanto, o legislador dispôs expressamente no texto da lei que a licitação deve ser conduzida por servidor efetivo da Administração Pública:

“Art. 8º -  A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação”.

O art. 22, XXVII da Constituição Federal, prescreve competência da União para legislar no âmbito geral sobre licitações e contratos administrativos. O mesmo dispositivo assegura aos demais Entes Federativos o poder de produzir normas específicas sobre a matéria. Este mecanismo constitucional assegura a autonomia daqueles Entes sobre a disciplina de seus procedimentos conforme características e vicissitudes a eles peculiares, dentro do princípio federativo. Trata-se, por óbvio, de competência legislativa suplementar.

Observa-se na regência constitucional da matéria, à vista disso, um estabelecimento de sistema de competência concorrente e, deste contexto constitucional, inevitável constatar que uma norma sobre o tema, produzida pelo Congresso Nacional, pode conter comandos de cunho geral e comandos de cunho específico, sendo estes destinados apenas ao aparato da União - e, portanto, comandos federais - e aqueles destinados a todos os Entes, consubstanciando-se no mundo jurídico como normas nacionais.

Neste sentido, o corpo da nova Lei de Licitações e Contrato encontra-se permeado de comandos de ambas as espécies, cabendo ao intérprete distingui-los e adequar a aplicação de cada um deles no mundo dos fatos.

Conquanto, como já se disse, poucos doutrinadores se hajam debruçado sobre o tema, mister eleger uma metodologia de distinção entre “normas gerais” e “normas específicas”. Decerto, quando a União estabelece uma “norma geral”, o correspondente diploma encerra a condição de “lei nacional”, aplicável em todo o território, devendo ser observada por todos os Entes Federativos. Noutra via, ao criar “norma específica” sobre o assunto, neste tema a lei terá natureza federal, só atingindo a própria União em seu âmbito.

Entrevê-se que, em seu âmbito de prescrições normativas, a lei nacional (tipicamente) conduziria comandos mais gerais, cuidadosos a respeitar a matéria legada aos demais Entes e, por isso mesmo, sem o caráter de imediata aplicabilidade. Por outro lado, o método dedutivo revelaria, assim, que os comandos mais específicos, ainda que insertos em uma norma produzida pelo Congresso Nacional, seriam entendidos como lei federal.

O problema que pode nascer, eventualmente, de extrapolação de competência legislativa seria uma evidente inconstitucionalidade por usurpação de competência.

A Nova Lei de Licitações e Contratos contém, assim, comandos que se revestem de caracteres distintos – normas gerais e normas específicas, cumprindo ao intérprete distinguir um e outro quando da aplicação.

Muito embora fortes argumentos já estejam sendo oferecidos em sentido contrário artigo oitavo desta Lei, a nosso ver, é norma geral.

Ao primeiro olhar, o conteúdo do aludido dispositivo parece encerrar norma específica, posto que há um alto grau de especificidade da matéria disciplinada. Poderia o incauto intérprete considerar que tal comando destinar-se-ia à detalhada organização administrativa dos Entes, razão pela qual perderia o caráter de norma geral.

Não é assim, entretanto.

O art. 37, II, da Carta Magna, estabelece uma regra e uma exceção: a regra, investidura de cargo ou emprego público por meio de concurso; a exceção, as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Assim, a norma infraconstitucional em apreço (art. 8º ­­da Lei n. 14.133/2021) embora pareça veicular comando de natureza federal, não o faz, posto que tão-somente robora o texto constitucional. E o faz para nutrir as diretrizes pretendidas pela nova sistemática principiológica que traz.

O contexto a que se reporta o raciocínio aqui esposado - de que o comando em apreço deve ser analisado sob o viés da principiologia e da mens legis do novo Marco Normativo – pode ser facilmente analisado sob o prisma da clássica doutrina da tridimensionalidade do direito, como demonstrado.

A dialética da complementaridade admite uma correlação funcional entre o fato, o valor e a norma, criando uma tensão que induz o momento normativo.

Avaliando o contexto sócio-econômico e histórico antecedente da positivação da aludida lei 14.133/2021, constata-se um ambiente em que a legislação principal de regência das Licitações Públicas e contratações delas decorrentes caíra em obsolescência, impondo à Administração Pública gritante desvantagem em relação a processos correlatos análogos adotados pela iniciativa privada. Gize-se, por exemplo, o fato de que a pesquisa de preços feita por Particular visando uma contratação revestia-se de procedimentos céleres viabilizados pelo uso de tecnologias de informação e comunicação, ferramentas informatizadas em bancos de dados hospedados em nuvens, o que não era oportunizado à Administração Pública de forma geral irrestrita pela legislação então vigente.

Deste contexto, o “valor” constituído paulatinamente, a ponto de criar a tensão apta ao novo ambiente de normatização, perfazia-se em expressões de anseios decorrentes de otimização da atividade de Gestão da coisa pública – ânsia de conferir eficiência; entremeados, aqueles anseios, por necessidade de adequação dos processos licitatórios às tecnologias da informação e comunicação (TIC) e maior preocupação com o ambiente de corrupção na Administração Pública.

Da interação entre o fato e o valor assim expressos sucinta e exemplificativamente, cria-se a tensão necessária para a gênese da norma a qual traz em ancenúbios o propósito social, as metas a alcançar, os mecanismos e o escopo esperado. Inserem-se aí os princípios, agora positivados de forma compilada no artigo quinto, bem como as modernas ferramentas de processamento direto e indireto das licitações.

O indigitado artigo oitavo da Nova Lei, pois, revela-se como um desses mecanismos nascidos da interação fato/valor de que nasceu a norma, fenômeno este que afasta, por si só, aquela aparência errônea de que a especificidade da matéria pudesse revelar uma norma de natureza federal no artigo oitavo da Lei.

Prosseguindo no raciocínio, agora em âmbito mais específico, tem-se que o corpo do referido dispositivo revela que se reveste de especial importância a condução do processo licitatório por servidor público efetivo, já que visa claramente afastar do ambiente licitatório o Agente contratado em regime constitucional da livre nomeação e exoneração e, por conseguinte, sua ínsita instabilidade.

A discricionariedade do gestor público para nomear cargos de assessoramento, direção e chefia, não alcança as funções técnicas operacionais típicas para a atividade-fim do Estado como, v.g., a fase de controle e seleção de Particulares para contratar com a Administração Pública.

Sendo a licitação uma possível “porta de entrada” das nefastas estruturas de corrupção na Administração Pública, resta patente que todo processo licitatório se insere em uma área sensível, de modo que o seu desenvolvimento deve ser realizado por área técnica da Administração. Esta área deve ser constituída por agentes públicos efetivos de capacidade técnica, com autonomia e independência, o que evita a perda deste acervo técnico humano a cada eleição, a cada alternância de poder, pois à nova gestão é permitido exonerar ad nutum o agente público comissionado que não atenda aos seus interesses.

Há que se ponderar que a criação de cargos em comissão é justificada tão somente para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, jamais no desenvolvimento de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais da Administração Pública.

Não se pode descuidar que, o Agente de Contratação desempenha atividade eminentemente técnica, operacional e burocrática, tendo em vista que é o responsável por uma das áreas mais sensíveis da Administração: a análise da documentação, seleção de licitantes e julgamento das propostas que desencadearão na celebração do contrato.

 Em razão da sua função técnica e operacional, em área sensível, o Agente de Contratação deve gozar de toda autonomia e independência no desenvolvimento das suas atividades, sem qualquer preocupação em desagradar interesses externos e correr o risco de exoneração.

O cargo em comissão, sendo de livre nomeação e exoneração, intrinsicamente funda-se numa contínua relação de confiança entre o servidor nomeado e a autoridade nomeante, frequentemente uma relação pré-estabelecida da indicação e investidura no cargo. A relação de fidúcia pressupõe que o nomeado está exposto ao risco de ingerências, seus atos administrativos podem ser criteriosamente controlados para atingir objetivos, muita das vezes escusos.

Sob o prisma histórico sócio-político brasileiro, somado ainda à racionalidade do pensamento humano, não se pode perder de vista, tampouco olvidar que as campanhas políticas-partidárias são financiadas tanto pelas vias legais quanto pelo caixa dois, sendo certo que o objetivo  futuro dos financiadores é o ressarcimento do investimento com acréscimos, o qual se realiza através das contratações com a Administração Pública.

Evidentemente que, para operacionalizar todo o sistema, o gestor eleito e toda a sua equipe dependem de mecanismos engendrados e “confiáveis” para atingir a meta do ressarcimento dos financiadores e apadrinhados, tendo como indispensável a confiança do nomeado responsável pela condução das licitações, que é a “porta de entrada” das contratações públicas.

 É importante frisar que, inexiste a intenção de generalizar as condutas de pregoeiros e agentes de contratação Brasil afora, não havendo qualquer dúvida que muitos nomeados cumprem a sua função de forma proba, contudo, não podemos negar a evidência que a licitação é a “porta de entrada” da corrupção.

O espírito da nova lei de licitações é a criação de mecanismos que garantam, dentre outros aspectos, a modernização, transparência e a moralidade das contratações públicas, afastando a possibilidade de práticas ímprobas que desaguam na corrupção. O artigo oitavo se enquadra neste aspecto ao prever que o agente de contratação deve ser concursado da organização. Além da própria finalidade da norma em buscar os meios que assegurem a independência e autonomia do Agente de Contratação, o fundamento é constitucional e, portanto, aplicável nacionalmente.

Revolvendo no âmbito constitucional a questão posta, o cargo em comissão se enquadra para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, devendo, obrigatoriamente, estar previsto na própria lei que o criou, por outro lado, o Agente Público de contratação, sendo uma função técnica e operacional, que não se enquadra numa relação de fidúcia intrínseca do comissionado, o ato normativo prevendo a possibilidade da contratação nesta modalidade é inconstitucional.

Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo[1], em julgamento da ADI 2045018-15.2020.8.26.0000, reconheceu a inconstitucionalidade de lei municipal prevendo o pregoeiro em cargo de provimento em comissão:

“(...) a função de pregoeiro nada tem de confiança. É função técnico-operacional, como as ‘de condução dos trabalhos de recebimento das propostas e dos lances; análise e aceitabilidade das propostas de acordo com o edital e sua classificação.’ (...) Por todo o exposto é de se declarar a inconstitucionalidade parcial, (...) reconhecido que a função de pregoeiro deve ser exercida apenas por servidor público titular de cargo de provimento efetivo.”

A manutenção das funções técnicas e operacionais da Administração Pública impõe o trato de continuidade necessário notadamente de áreas sensíveis, não se devendo por isso mesmo vincular à livre discricionariedade do gestor público, sob pena de comprometimento do mecanismo de governança de gestão por competências.

Esclareça-se ainda que, o Agente Público de Contratação exerce uma função perene, eminentemente operacional e técnica, permanente na fase externa da licitação para selecionar a contratação mais vantajosa para a Administração executar as políticas públicas. Não se tratando, portanto, de atividade excepcional temporária, o agente de contratação também não pode ser contratado temporariamente na forma estabelecida no art. 37, IX, da CF:

“IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

A contratação temporária, prevista na Constituição Federal, caracteriza-se pela excepcionalidade da contratação, de maneira que, os servidores temporários são contratados em situação extraordinária para atender uma necessidade temporária e excepcional de interesse público.

Considerando-se que a Administração Pública tem o interesse e a real necessidade de realizar constantemente compras, obras e serviços para a manutenção da própria estrutura e execução das políticas públicas, as licitações não se tratam de uma necessidade excepcional e temporária.

Repise-se, a licitação pública é uma atividade indispensável e perene, não havendo a justificativa constitucional para a contratação de servidores temporários para o desenvolvimento das atividades técnicas e operacionais permanentes. A contratação temporária é por tempo determinado, geralmente com prazo máximo de um ano, sendo que eventuais prorrogações indevidas acarretam inclusive nulidade da contratação, gerando prejuízos ao erário pela obrigação do recolhimento do FGTS- Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço, conforme entendimento sedimentado no Supremo Tribunal Federal no Recurso extraordinário[2] julgado com repercussão geral.

Portanto, a contratação temporária de agentes públicos para desempenharem funções técnicas e operacionais permanentes da Administração Pública viola o mandamento constitucional do concurso público para investidura na função pública, art. 37, II da CF:

“II -a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

Neste exato viés o legislador ordinário, alicerçado na norma constitucional, estabeleceu que o Agente de Contratação deve pertencer ao quadro efetivo da Administração. É incabível e inconstitucional que Estados e Municípios, sob o argumento de tratar-se o art. 8º da Lei 14.133/21 de norma específica federal, editem decretos regulamentares abrindo a possibilidade de cargos comissionados e/ou temporários para agentes de contratação.

A inconstitucionalidade deste eventual decreto resta, pois, patente.

Mas não é só!  A interpretação sistemática da Lei 14.133/21 autoriza seguramente concluir que o artigo 8º do texto normativo tem caráter de norma geral. Tanto o é que o art. 176 da referida prevê expressamente que:

“Art. 176 - Os Municípios com até 20.000 (vinte mil) habitantes terão o prazo de 6 (seis) anos, contado da data de publicação desta Lei, para cumprimento: I - dos requisitos estabelecidos no art. 7º e no caput do art. 8º desta Lei”.

Pois bem. Se a lei consigna expressamente um prazo para que os Municípios se adaptem e cumpram o requisito em tela (que agentes de contratação sejam efetivos), indiscutível tratar-se de uma norma geral. Admitir o contrário, implicaria reconhecer que o Congresso Nacional usurpara a competência municipal de legislar o que, absolutamente, não é o caso.

É de se esperar que alguns Entes Federativos, principalmente Municípios, venham a opor empecilhos e resistência para o cumprimento da lei, sob a justificativa da falta de estrutura ou de pessoal qualificado. Todavia, a falta de estrutura ou de pessoal qualificado não pode servir de sustentação para o descumprimento da lei consubstanciada em norma constitucional, considerando que o Direito é dinâmico e as normas a serem aplicadas evoluem conjuntamente com os valores da coletividade e anseios do interesse público, cabendo a Administração Pública se preparar e amoldar a sua a estrutura para a aplicação da lei.

Não se pode admitir o argumento de “impossibilidade de aplicação da lei”, v.g. em pequenos municípios, como apto a permitir interpretação no sentido de que o artigo oitavo da nova lei de licitações seria norma específica federal. Tampouco seria admissível para permitir tal interpretação o argumento de que os Entes Federados possuem autonomia própria para gerir administrativamente os seus processos licitatórios. O referido dispositivo é norma de aplicação geral nacional, o que se conclui da evidente inconstitucionalidade de contratação temporária ou cargo em comissão para a função técnica, operacional, perene e permanente, impondo-se avançar na interpretação de acordo com a mens legis.

Ademais, é importante salientar que, a falta de estrutura de alguns Entes e órgãos públicos não é razão para o descumprimento da lei. Impõe-se o raciocínio de que, se qualquer Ente Público contrata, por óbvio já existe algum Agente conduzindo o Processo Licitatório. Este agente público condutor da licitação, seja ele concursado ou não, logicamente mantém vínculo com o Órgão e recebe uma contraprestação pecuniária para desempenho do seu mister. De uma forma ou de outra, significa que o Ente Público tem orçamento para custear o Agente de Contratação. Logo, não existem motivos para não se proceder com a capacitação dos servidores concursados ou promover concurso público para investidura no cargo.

3. Conclusão

Por todo o exposto, e com a devida vênia às opiniões em sentido contrário, tem-se que a conclusão mais escorreita é a constatação de que a Lei n. 14.133/2021 estabelece acertadamente a exigência de que o Agente de Contratação seja um servidor efetivo dos quadros do Órgão licitante, prestigiando em última análise, de forma substancial, o princípio da eficiência da Administração Pública.

O resultado imediato da aplicação deste preceito no mundo dos fatos será a imposição de medidas visando a inserção de profissionais específicos para comandar o processo licitatório e a sua constante reciclagem, o que permitirá manter um nível excelente de efetividade no processo licitatório.

A longo prazo, esta medida encerra a potencialidade de tornar economicamente mais eficazes as contratações públicas e, por via reflexa, virá a dificultar o estabelecimento de mecanismos de sustentação da corrupção.

Impõe-se, para tanto, a intensificação da atuação dos órgãos de controle, sejam internos, sejam externos, a fim de que a efetivação do comando legal seja plena, de forma que a sociedade se possa beneficiar dos melhoramentos trazidos pela nova Lei.

4. Referências Bibliográficas.

CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 12ª – edição.  Editora Jus Podivm, 2021.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 1ª - edição. Editora Revista dos Tribunais, 2021.

NIEBUHR, Joel De Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 4ª - edição. Editora  Fórum, 2015.

 

 


[1] https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1166990869/direta-de-inconstitucionalidade-adi-20450181520208260000-sp-2045018-1520208260000/inteiro-teor-1166990889 

[2] STF –RG RE:  765320 MG-Minas Gerais, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MILECH, Marcelo Santos. O agente de contratação como servidor efetivo: norma geral de cunho constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6574, 1 jul. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91513. Acesso em: 18 abr. 2024.