Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/96651
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Constitucionalidade do art. 191-A do CTN e interpretação a ser conferida ao art. 57 da Lei 11.101/2005

Constitucionalidade do art. 191-A do CTN e interpretação a ser conferida ao art. 57 da Lei 11.101/2005

Publicado em .

Examina-se a exigência da comprovação da quitação ou parcelamento dos débitos tributários do empresário ou sociedade empresária em crise para que se viabilize a concessão da recuperação judicial.

Palavras Chaves: Direito Empresarial; Direito Tributário; recuperação judicial; regularidade fiscal.

Sumário: Introdução. 1. Breve escorço fático acerca do tratamento legal e jurisprudencial da matéria. 2. Da decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no incidente de arguição de inconstitucionalidade nº. 0048778-19.2019.8.16.0000. 3. Conclusão. 4. Referências.


Introdução:

A recuperação judicial é instituto vocacionado à preservação da atividade econômica empresarial. Seu escopo magno e evidente é, portanto, o restabelecimento da saúde financeira da sociedade empresária ou do empresário em crise, assim assegurando a consecução da função social da atividade econômica desenvolvida.

Justamente em se considerando referida ambiência, com fulcro no propalado princípio da preservação da empresa, que floresceu a controvérsia jurisprudencial e doutrinária a respeito da aplicabilidade imediata, da validade e da interpretação mais adequada a ser conferida às regras do art. 57 da Lei 11.101/2005[1] e do art. 191-A do Código Tributário Nacional (CTN)[2].

Aludidos dispositivos determinam a comprovação da regularidade fiscal da empresa, por intermédio da apresentação de certidão negativa (ou de certidão positiva com efeitos de negativa), nos moldes dos artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional, como condição ao deferimento da recuperação judicial.

Segundo relevantes vozes na doutrina[3][4], um primeiro e significativo obstáculo à aplicação literal e indistinta de tal requisito legal, seria exatamente o objetivo de preservação da empresa, o qual, com base nas regras de experiência, não se coadunaria com tal exigência. Além disso, são usualmente endereçadas diversas outras críticas aos dispositivos em exame, afirmando-se, notadamente: que implicariam em violação ao livre exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas, configurando coerção inconstitucional ao pagamento de tributos, denominada de sanção política pela jurisprudência[5]; bem como que violariam o princípio da proporcionalidade, por instituírem medida desnecessária ao resguardo do erário, já que os créditos tributários sequer se submetem obrigatoriamente à recuperação.

Foi no entorno de mencionados fundamentos que se desenvolveu o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela impossibilidade de se impor a apresentação de certidões negativas tributárias como requisito essencial à concessão da recuperação judicial, com ênfase ao Recurso Especial 1.864.625, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, exarado pela 3ª Turma da Corte Cidadã[6].

Nada obstante, em face de mencionada decisão, a Fazenda Nacional formulou a Reclamação nº. 43.169, cujo pedido liminar restou concedido por decisão monocrática do Ministro Luiz Fux, reconhecendo-se, dentre outros aspectos, a violação à cláusula de reserva de Plenário[7] e à Súmula Vinculante nº. 10 por parte do STJ, e suspendendo-se, por consequência, os efeitos do acórdão respectivo.

Em que pese tal decisão monocrática tenha sido posteriormente revertida, por força de decisão igualmente monocrática de lavra do Ministro Dias Toffoli, nota-se que a tensão interpretativa instaurada entre as Cortes de Superposição pátrias inspirou aparente cenário de instabilidade no âmbito jurisprudencial, sobretudo em sede dos Tribunais de Justiça nacionais, contexto o qual, apesar de natural ao desenvolvimento e oxigenação do ordenamento jurídico, demanda premente pacificação, notadamente no intento de se preservar os valores da segurança jurídica e a da economia e duração razoáveis do processo.

Em tal cenário de incerteza é que desponta com profunda relevância a decisão prolatada pelo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) no incidente de arguição de inconstitucionalidade nº. 0048778-19.2019.8.16.0000, cujos fundamentos constituem o objeto de exame precípuo desta análise.


1. Breve escorço histórico acerca do tratamento legal e jurisprudencial da matéria:

Conforme cediço, na evolução histórica do Direito Empresarial brasileiro, o antigo instituto da concordata representa antecedente próximo da recuperação judicial, embora válido anotar, de passagem não se possa descurar da existência de múltiplas e fundamentais distinções entre os dois regimes.

De todo modo, pertinente destacar que, ainda sob a égide do Decreto-lei 7.661/1945, o procedimento da concordata já se preocupava com a tutela do interesse público de arrecadação fiscal, determinando a prova da quitação dos impostos pelo devedor, sob pena de decretação da falência, na acepção expressa de seu art. 174, inciso I. No mesmo sentido, vigia então a redação originária do art. 191 do CTN, fixando a impossibilidade de concessão de concordata sem prévia prova de quitação de todos os tributos afetos à atividade mercantil.

Já naquela época a jurisprudência traçou alternativa interpretativa a tal consequência gravosa, passando a admitir a desistência da concordata, mesmo na ausência de autorização legal expressa, na finalidade de se prevenir o incremento massivo e indesejado do número de falências[8].

Com o advento da Lei 11.101/2005, a inovadora sistemática da recuperação judicial surge no panorama jurídico brasileiro como uma proposta de racionalização e modernização da concordata, estruturando-se no entorno do mister essencial de preservação da atividade econômica empresarial.

Nos termos expressos do art. 47 da legislação de regência (Lei 11.101/2005), o intuito cardeal do processo recuperacional conforme sua própria designação sugere é viabilizar o saneamento do cenário de crise econômico-financeira e patrimonial do devedor, preservando-se, assim, na maior medida possível, os interesses dos credores e os efeitos externos benéficos gerados pela atividade empresarial, notadamente a criação de postos de trabalho e a circulação de bens e serviços no mercado. Em outras palavras: o soerguimento pretende resguardar o exercício da função social da empresa[9].

Daí porque comumente se dizer que o princípio da preservação da empresa figura como vetor interpretativo essencial para compreensão e aplicação de toda a sistemática da Lei 11.101/2005 no que tange à recuperação judicial.

Coordenadamente a tal cenário de avanço, sem embargo, foi mantida na disciplina legislativa a imposição legal da prova de regularidade fiscal como condicionante da concessão da recuperação, conforme se infere dos artigos 57 e 58 da Lei 11.101/2005, sendo igualmente promovidos ajustes na redação do CTN, com ênfase no mencionado art. 191-A.

A recepção de tais dispositivos pela jurisprudência, de maneira geral, pautou-se pela mitigação de seu rigor, com base em diversos fundamentos:

Entendeu-se que, já que as execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial (§ 7.º do art. 6.º), a própria Lei dispensa a prova de quitação do tributo. Também foi entendido que o inc. II do art. 52, ao dispensar a apresentação de certidões negativas para que o devedor em recuperação exerça suas atividades, especificamente permitiu a recuperação com débitos tributários em aberto. Entendeu-se também que o art. 57 não estabelece qualquer sanção para o caso de não apresentação de certidão negativa, de tal forma que não há como exigir tais certidões[10]

Em tal perspectiva, prevaleceu o entendimento perfilhado pela Corte Especial do STJ no julgamento do Recurso Especial nº. 1.187.404[11], afastando o ônus da parte recuperanda de apresentar as certidões tributárias negativas (ou, repita-se, positivas com efeitos de negativa) enquanto não se aprovasse legislação específica acerca do parcelamento fiscal pelo devedor em recuperação judicial. Considerando-se o parcelamento como um direito subjetivo da empresa em processo de soerguimento, em interpretação ao art. 68 da Lei 11.101/2005[12], foi reconhecida a mora legislativa em disciplinar tal instrumento como meio apto a assegurar a regularização fiscal do contribuinte.

A consolidação de aludido entendimento em 19/06/2013 foi quase que imediatamente seguida da reação legislativa correspondente, consubstanciada na edição da Lei Federal 13.043/2014[13], a qual, em atendimento ao preconizado pelo art. 68 da Lei 11.101/2005, estabeleceu hipótese própria de parcelamento de tributos por empresas em processo de recuperação judicial.

Por força de seu art. 43 foi inserido o art. 10-A na Lei 10.522/2002 (chamada de Lei Geral do Parcelamento), que inicialmente regulamentou o parcelamento pelo contribuinte que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial, para o qual são aplicáveis as demais disposições da lei de regência com as pontuais ressalvas, estabelecidas em especial pelo §7º do art. 10-A[14].

Mais recentemente, como é notório, a Lei 14.112/2020 promoveu amplas e significativas modificações na sistemática falimentar e de recuperação judicial, estabelecendo, na mesma toada, alterações relevantes na disciplina do parcelamento fiscal e da exequibilidade dos débitos tributários do devedor em recuperação judicial, conforme se infere da nova redação dos artigos 10-A a 10-C da Lei 10.522/2002, bem como de inovações promovidas no próprio texto da Lei 11.101/2005.

Dentre várias questões relevantes, destacam-se:

a) a ampliação do intervalo de parcelamento, de 84 para 120 prestações mensais (ou 144 para as microempresas e empresas de pequeno porte), nos termos da nova redação do art. 10-A, inciso V e §7º-A, atendendo a padrões de razoabilidade, na esteira da crítica já há muito deduzida pela doutrina[15];

b) a manutenção, com pontuais diferenças, da regra do §2º do art. 10-A[16], impondo como condição ao parcelamento a desistência expressa e irrevogável de quaisquer impugnações, recursos ou ações apresentados pelo contribuinte em relação a débitos que estejam sob discussão administrativa ou judicial. Expedientes de tal natureza já foram anteriormente reputados inconstitucionais pela jurisprudência, por violarem a inafastabilidade de jurisdição, consagrada como direito fundamental pelo art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal (CF)[17];

c) a possibilidade de transação entre o sujeito passivo em recuperação judicial e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quanto a seus débitos tributários, com base no regramento da Lei 13.988/2020, segundo permissivo, inclusive, do art. 171 do CTN. Trata-se de recente inovação que, no geral, tem suscitado elogios da doutrina, viabilizando a composição entre as partes sem prejuízo da principiologia do regime jurídico de Direito Público (art. 1º, §2º da Lei 13.988/2020)[18].

Nota-se, nesta linha de ideais, que a Lei 14.112/2020, cujo advento transformou substancialmente a sistemática da recuperação judicial no Brasil (havendo quem a denomine, por assim dizer, Nova Lei de Falência e Recuperação Judicial), deixou de maneira deliberada de revisar ou afastar a exigência de quitação tributária como requisito do deferimento da recuperação judicial. E mais: ainda promoveu inovações na disciplina do parcelamento tributário para tais fins (conforme já anotado alhures), estatuindo, inclusive, a possibilidade de transação entre o Fisco e o contribuinte em situação de recuperação; bem como consolidou no plano legislativo as cautelas já anteriormente assinaladas pela jurisprudência quanto à excussão, em sede de execução fiscal, de determinados bens essenciais à atividade empresarial do contribuinte em recuperação, não restando dúvidas de que tal expediente pode ser delimitado a bem do soerguimento empresarial (art. 6º, §7º-B da Lei 11.101/2005).

Parece evidente, em tal contexto, a opção e posição externadas pelo Poder Legislativo pela conservação de referida sistemática, a despeito das numerosas críticas endereçadas pela doutrina e pela jurisprudência.

Em cotejo ao desenvolvimento legiferante delineado acima, é imprescindível destacar a evolução jurisprudencial que ocorreu concomitantemente. É o que segue.

Mesmo após a introdução da Lei 13.043/2014, que consolidou regramento próprio para o parcelamento tributário da empresa que pleiteou recuperação judicial, o STJ manteve inalterada sua jurisprudência, representada pelo Recurso Especial nº. 1.187.404 já indicado anteriormente , com fundamento principal na vislumbrada incompatibilidade entre as regras do art. 57 da Lei 11.101/2005 e art. 191-A do CTN e a finalidade de preservação da empresa colimada pelo sistema recuperacional.

Sobre o tema, consultem-se as palavras do Ministro Marco Buzzi, em julgado de sua relatoria exarado pela 2ª Seção do STJ

"[...] no que diz respeito ao advento da Lei nº 13.043/2014, que acrescentou o art. 10-A à Lei nº 10.522/2002, possibilitando o parcelamento de crédito de empresas em recuperação, entende-se que tal legislação não repercute na jurisprudência desta Corte Superior, acima colacionada, sob pena de afrontar o princípio da preservação da empresa".(STJ, AgInt no CC 167.071/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 03/12/2019, DJe 11/12/2019)

Embora a literatura (ao menos aparentemente) careça de dados estatísticos específicos a respeito, a experiência evidencia que, em situações de déficit econômico, a praxe empresarial é suspender primeiramente o adimplemento de débitos tributários; o que se dá, sobretudo, por conta da premência de se manter o pagamento de empregados e fornecedores essenciais, sob pena de imediata inviabilização da atividade, bem como em razão da complexidade e da onerosidade do sistema tributário nacional[19].

Com efeito, na grande maioria dos casos, se a empresa precisou se socorrer da via da recuperação judicial, é porque, anteriormente aos débitos com empregados, fornecedores e demais credores quirografários, já suportava considerável passivo tributário, de modo que a exigência de regularidade fiscal invariavelmente impossibilita sua recuperação.

Em linhas gerais, este é o substrato fático que embasa o entendimento jurisprudencial exposto: o requisito de regularidade fiscal é incompatível com a pretensão de soerguimento da empresa porque, na prática, como regra geral, os agentes econômicos devotam maior atenção ao adimplemento de outros haveres, normalmente preterindo seus débitos tributários. A partir de tal conjuntura, aponta-se na jurisprudência a existência de antinomia entre as regras dos artigos 47 e 57, ambas da Lei 11.101/2005. No dizer da Ministra Nancy Andrighi:

A realidade econômica do País revela que as sociedades empresárias em crise usualmente possuem débitos fiscais em aberto, podendo-se afirmar que as obrigações dessa natureza são as que em primeiro lugar deixam de ser adimplidas, sobretudo quando se considera a elevada carga tributária e a complexidade do sistema atual. (...) Diante desse contexto, a apresentação de certidões negativa de débitos tributários pelo devedor que busca, no Judiciário, o soerguimento de sua empresa encerra circunstância de difícil cumprimento. (...) Dada a existência de aparente antinomia entre a norma do art. 57 da LFRE e o princípio insculpido em seu art. 47 (preservação da empresa), a exigência de comprovação da regularidade fiscal do devedor para concessão do benefício recuperatório deve ser interpretada à luz do postulado da proporcionalidade. (STJ, REsp 1864625/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 26/06/2020)

No ano de 2020, no entanto, notabilizou-se no panorama jurídico nacional um suposto embate entre a jurisprudência do STJ e do STF, afeto à problemática em exame. É que, em face da decisão colacionada acima (STJ, REsp. 1864625/SP), a Fazenda Pública Nacional moveu a Reclamação nº. 43.169, cujo pleito de tutela provisória foi liminarmente deferido por decisão monocrática prolatada pelo Ministro Luiz Fux na data de 04 de setembro de 2020, para efeito de se determinar a imediata suspensão da decisão atacada, ao argumento de que esta desrespeitaria a cláusula de reserva de Plenário e o enunciado nº. 10 da Súmula Vinculante do Supremo.

Entendeu o Ministro Fux que, ao afastar a incidência da norma do art. 57 da Lei 11.101/2005, a 3ª Turma do STJ haveria procedido a controle difuso de constitucionalidade, sem observar, contudo, a necessidade de submissão da matéria à Corte Especial do Tribunal.

Referida tensão, entretanto, restou arrefecida já em 03 de dezembro de 2020, em decorrência da decisão sucessivamente exarada pelo Ministro Dias Toffoli, em revogação da liminar concedida previamente. Na oportunidade, reputaram-se preservados o princípio da reserva de plenário e a autoridade da Súmula Vinculante nº. 10, especialmente com base no precedente formado pela Corte Especial no julgamento do Recurso Especial nº. 1.187.404/MT.

Ainda que mitigado, o choque entre as Cortes de Superposição parece ter fomentado conjuntura de inconstância na jurisprudência pátria, com ênfase nos Tribunais de Justiça.

A título de exemplo, destacam-se:

a) a decisão do Órgão Especial do TJMT no julgamento do incidente de arguição de inconstitucionalidade nº. 1007098-41.2020.8.11.0000, reconhecendo a constitucionalidade dos dispositivos em exame;

b) a decisão da 16ª Câmara Cível do TJRJ, reconhecendo a validade e aplicabilidade dos dispositivos em debate, com menção expressa, inclusive, à decisão prolatada pelo Órgão Especial do TJPR, que constitui cerne do presente estudo (v.g. TJRJ, AI 0046087-14.2020.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des (a). EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO - Julgamento: 06/04/2021 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL);

c) diversas decisões, sobretudo na jurisprudência do TJSP (v.g. TJSP, AI 2228547-37.2020.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Aguaí - Vara Única; Data do Julgamento: 16/06/2021; Data de Registro: 16/06/2021) e do TJMG (v.g. TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0702.16.015067-9/003, Relator(a): Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/05/2019, publicação da súmula em 16/05/2019), afastando a necessidade de comprovação da regularidade fiscal, com base no princípio da preservação da empresa.

É dizer: independentemente da causa, é aparentemente notória a prevalência de sensível divergência no horizonte jurisprudencial e institucional brasileiro acerca da questão.

De um lado, visualiza-se o Poder Legislativo investido no propósito de consolidação da sistemática dos artigos 57 da Lei 11.101/2005 e 191-A do CTN.

De outro, nota-se o Poder Judiciário ainda relevantemente dividido, cujas decisões sobre o tema parecem não inspirar a estabilidade, integridade e coerência[20] imprescindíveis ao exercício de seu papel como catalisador deliberativo e à consolidação de uma última palavra provisória a respeito da problemática[21].

Os prejuízos práticos resultantes do contexto narrado são inúmeros e relevantíssimos:

a) abala-se a segurança jurídica indispensável à formulação de um pedido sólido de recuperação Judicial;

b) compromete-se a celeridade processual, tão propalada e necessária à recuperação judicial;

c) são fomentadas severas violações ao princípio da isonomia, suscitando empresários e sociedades empresárias em situações fáticas idênticas a soluções jurídicas diversas; dentre outras complicações.

Daí porque a par de outros aspectos relevantes considerar-se providencial a decisão exarada pelo Órgão Especial do egrégio TJPR no âmbito do incidente de arguição de inconstitucionalidade nº. 0048778-19.2019.8.16.0000, a qual teve, a um só tempo, o condão de fornecer fundamentos relevantíssimos para nortear o debate sobre a matéria na seara nacional, bem como de consolidar precedente obrigatório (CPC, art. 927, inciso V) em pacificação da jurisprudência no Estado do Paraná. A seguir, passa-se ao exame mais detalhado de tal acórdão.


2. Da decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no incidente de arguição de inconstitucionalidade nº. 0048778-19.2019.8.16.0000:

Na data de 02 de outubro de 2020, o Órgão Especial do TJPR, em observância ao procedimento estabelecido pelos artigos 948 a 950 do Código de Processo Civil (CPC) para o incidente de arguição de inconstitucionalidade, em julgamento por maioria, reconheceu a constitucionalidade do art. 57 da Lei 11.101/2005 e art. 191-A do CTN, considerando, portanto, válidas as disposições normativas que estabelecem a demonstração de regularidade tributária como requisito à concessão a recuperação judicial.

O tema enfrentado é deveras complexo, envolvendo inúmeras nuances e uma gama de interesses jurídicos diversos, de sorte a exigir aprofundada e cuidadosa reflexão. Todavia, a partir do exame do julgado em comento, e sobretudo das razões de decidir expostas no voto vencedor do Desembargador Clayton de Albuquerque Maranhão, relator do acórdão, acredita-se, respeitosamente aos que perfilham entendimento contrário, que a decisão adotada pelo TJPR se revela mais adequada ao deslinde da controvérsia.

Nesta toada, anotam-se a seguir os principais fundamentos jurídicos esposados pelo Tribunal Paranaense para subsidiar a conclusão nesse sentido.

No que concerne à alegação de inconstitucionalidade por violação ao princípio da proporcionalidade, destacou-se na decisão que a imposição da regularidade fiscal é:

(i) adequada, porquanto idônea ao fim colimado, qual seja, proteger o crédito tributário no contexto da recuperação judicial; (ii) necessária, porque não se identifica, dentre os meios possíveis ao atingimento do fim almejado (regularização dos débitos tributários), algum que se apresente, em todos os aspectos e de maneira manifesta, mais eficaz e menos gravoso, sobretudo diante dos entraves à efetiva satisfação do crédito tributário impostos pela praxe forense; e (iii) proporcional em sentido estrito, já que as vantagens advindas da exigência legal (promoção do interesse público atendido com a maior proteção do crédito tributário) superam as desvantagens impostas ao devedor, mormente porque não se exige a pronta quitação total dos tributos, mas a regularização da situação fiscal, respeitando-se o núcleo essencial do direito ao livre exercício da atividade econômica.

Utilizando-se estritamente dos pressupostos teóricos estabelecidos por Humberto Ávila em sua obra Teoria dos Princípios[22], o Desembargador relator avaliou as regras suscitadas sob as lentes dos três subcritérios propostos como balizadores da proporcionalidade como postulado normativo aplicativo.

Respeitado o espaço de discricionariedade política da função legiferante, em uma prudente posição de autocontenção, concluiu:

a) que a adequação exige tão somente a aptidão abstrata da medida eleita à promoção do fim colimado, dentre as várias opções existentes, revelando-se o requisito da regularidade fiscal, portanto, como plenamente adequado à finalidade de proteção da arrecadação tributária, a qual está imbricada com a própria realização da função social da empresa;

b) que o subcritério da necessidade se encontra igualmente atendido, uma vez que o mecanismo adotado se mostra mais efetivo e célere do que os meios de cobrança convencionais, inexistindo alternativa, a um só tempo, menos gravosa e tão eficaz quanto;

c) que a medida legislativa em comento igualmente passa no teste da proporcionalidade em sentido estrito, ponderados os interesses de arrecadação fiscal, de liberdade de iniciativa e de realização da função social empresarial, haja vista a relevante consecução do primeiro, sem prejuízo ao núcleo fundamental dos demais.

Enfatizou-se, ainda, o fato de que a obtenção da certidão positiva com efeitos negativos igualmente suficiente para os fins do art. 57 da Lei 11.101/2005, conforme expressa previsão do próprio art. 191-A do CTN, em remissão ao dispositivo do art. 206 do mesmo diploma não decorre apenas da quitação integral dos débitos tributários, podendo ser emitida, de igual modo, em qualquer uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário elencadas pelo art. 151 do CTN, quais sejam: moratória; depósito do montante integral; reclamações e recursos no processo administrativo tributário; medida liminar em mandado de segurança; tutela provisória em outras espécies de ação judicial; e parcelamento.

A respeito do parcelamento tributário, reitera-se informação relevante e posterior ao julgado: a reforma promovida pela Lei 14.112/2020 em toda a sistemática do direito falimentar e recuperacional facilitou significativamente tal expediente, tornando-o mais benéfico ao contribuinte e favorecendo sobremaneira a regularização de sua situação fiscal, inclusive com a criação da transação prevista no art. 10-C da Lei 10.522/2002 para tais fins.

A par disso, registrou-se a necessidade de o princípio da preservação da empresa se pautar sempre por parâmetros de licitude e conformidade com o ordenamento jurídico. Significa dizer que o soerguimento empresarial com base no beneplácito da recuperação judicial deve andar pari passu com a ampla consecução de sua função social.

As prerrogativas conferidas pela sistemática recuperacional não podem se justificar constitucionalmente como privilégios ou favores legais em benefício do empresário, mas tão somente como instrumentos para realização da função social da empresa; objetivo que alberga múltiplos e diversificados interesses, como a criação de empregos, o fomento econômico pela circulação de bens e valores, a satisfação dos credores e, em igual medida, o pagamento de tributos.

Exatamente nesse sentido que se conclui que o acertamento com o Fisco não representa sanção política na lógica sistemática da recuperação judicial, mas sim traduz interesse intimamente harmônico com a preservação da empresa segundo o modelo da Lei 11.101/2005, que prima com especial zelo pela salvaguarda da função social da atividade empresária.

Ademais, a própria conceituação da modalidade sanção política adotada pela jurisprudência do STF se aquilata sobre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, consistindo, in verbis, em restrições que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita (RE 666.405/RS)[23].

Uma vez reconhecida a proporcionalidade do mecanismo preconizado pelo art. 57 da Lei 11.101/2005, com base em fundamentação minuciosa e estritamente técnica, não há como se falar, por consequência necessária, na caracterização de sanção política. Como anotado pelo TJPR, não há como se comparar a exigência de certidão de regularidade tributária como pressuposto para homologação do plano de recuperação judicial às hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias ou impedimento do exercício regular das atividades no período de inadimplência (hipóteses adereçadas pelas Súmulas 70, 323 e 547 do STF, respectivamente).

Em movimento contrário ao raciocínio normalmente desenvolvido na jurisprudência do STJ, registrou o TJPR no julgado em comento que a dispensa da demonstração de acerto tributário, na realidade, acaba por estabelecer um nudge (incentivo econômico) para que as empresas em geral deixem de buscar sua regularização perante o fisco, contexto que apenas prejudica a proteção da função social da empresa e confere igual tratamento a bons e maus pagadores.

A linha de fundamentação comumente desenvolvida por aqueles que advogam pela inconstitucionalidade ou inaplicabilidade da exigência do art. 57 da Lei 11.101/2005 é a seguinte: a realidade demonstra que os empresários em geral, quando em conjuntura de crise, deixam primeiramente de honrar com seus débitos tributários, de maneira que, caso se torne necessário o pedido de recuperação judicial, já não será mais viável o acerto com o Fisco. Arremata-se, assim, que a exigência de regularidade fiscal como condicionante da concessão da recuperação se mostra incompatível com a finalidade de preservação da empresa.

Na esteira do entendimento exarado pelo TJPR, sugere-se um raciocínio inverso, considerado o poder de transformação social da norma: a preterição das dívidas fiscais pelos empresários em crise decorre substancialmente do fomento criado pela desobrigação da regularidade fiscal para fins de recuperação judicial, somada às limitações impostas agora no plano legal à execução fiscal do devedor em recuperação (art. 6º, §7º-B da Lei 11.101/2005).

Não se desconhece, por certo, da racional e justa priorização normalmente conferida ao pagamento dos empregados e dos fornecedores essenciais do empresário. Sem embargo, acredita-se, data venia, que a viabilidade econômica da empresa para fins de soerguimento não tem como se desassociar do adimplemento de seus haveres tributários, especialmente à luz da nova sistemática estabelecida aos artigos 10-A a 10-C da Lei 10.522/2002. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho[24]:

Nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos materiais, financeiros e humanos empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores.

Dito de outro modo: para que se torne cabível a solução estatal fornecida pela Lei 11.101/2005 ao contexto de crise econômico-financeira da empresa, é imprescindível que esta se revele apta e disposta a atender sua função social de modo universal, contempladas todas as vertentes envolvidas, dentre as quais desponta com especial destaque o regular adimplemento dos débitos tributários; sob pena de se desvirtuar o objetivo capital de preservação da empresa socialmente funcional, transformando a recuperação judicial em privilégio legal ao empresário malogrado.


Notas

  1. Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.
  2.   Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.  
  3. MORETI, Daniel. Recuperação Judicial e Tributos. https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2019/04/Daniel-Moreti.pdf
  4. HARADA, Kiyoshi. Recuperação Judicial e certidão negativa de tributos. https://haradaadvogados.com.br/recuperacao-judicial-e-certidao-negativa-de-tributos/
  5. Referida compreensão acerca da vedação de sanções políticas já foi reiteradamente adotada pela jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal Federal, como nos casos dos enunciados de números 70, 323 e 547 da Súmula de sua jurisprudência ou no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº. 732 (RE 647.885).
  6. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. ART. 57 DA LEI 11.101/05 E ART. 191-A DO CTN. EXIGÊNCIA INCOMPATÍVEL COM A FINALIDADE DO INSTITUTO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E FUNÇÃO SOCIAL. APLICAÇÃO DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI 11.101/05.
    1. Recuperação judicial distribuída em 18/12/2015. Recurso especial interposto em 6/12/2018. Autos conclusos à Relatora em 30/1/2020.
    2. O propósito recursal é definir se a apresentação das certidões negativas de débitos tributários constitui requisito obrigatório para concessão da recuperação judicial do devedor.
    3. O enunciado normativo do art. 47 da Lei 11.101/05 guia, em termos principiológicos, a operacionalidade da recuperação judicial, estatuindo como finalidade desse instituto a viabilização da superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Precedente.
    4. A realidade econômica do País revela que as sociedades empresárias em crise usualmente possuem débitos fiscais em aberto, podendo-se afirmar que as obrigações dessa natureza são as que em primeiro lugar deixam de ser adimplidas, sobretudo quando se considera a elevada carga tributária e a complexidade do sistema atual.
    5. Diante desse contexto, a apresentação de certidões negativa de débitos tributários pelo devedor que busca, no Judiciário, o soerguimento de sua empresa encerra circunstância de difícil cumprimento.
    6. Dada a existência de aparente antinomia entre a norma do art. 57 da LFRE e o princípio insculpido em seu art. 47 (preservação da empresa), a exigência de comprovação da regularidade fiscal do devedor para concessão do benefício recuperatório deve ser interpretada à luz do postulado da proporcionalidade.
    7. Atuando como conformador da ação estatal, tal postulado exige que a medida restritiva de direitos figure como adequada para o fomento do objetivo perseguido pela norma que a veicula, além de se revelar necessária para garantia da efetividade do direito tutelado e de guardar equilíbrio no que concerne à realização dos fins almejados (proporcionalidade em sentido estrito).
    8. Hipótese concreta em que a exigência legal não se mostra adequada para o fim por ela objetivado - garantir o adimplemento do crédito tributário -, tampouco se afigura necessária para o alcance dessa finalidade: (i) inadequada porque, ao impedir a concessão da recuperação judicial do devedor em situação fiscal irregular, acaba impondo uma dificuldade ainda maior ao Fisco, à vista da classificação do crédito tributário, na hipótese de falência, em terceiro lugar na ordem de preferências; (ii) desnecessária porque os meios de cobrança das dívidas de natureza fiscal não se suspendem com o deferimento do pedido de soerguimento. Doutrina.
    9. Consoante já percebido pela Corte Especial do STJ, a persistir a interpretação literal do art. 57 da LFRE, inviabilizar-se-ia toda e qualquer recuperação judicial (REsp 1.187.404/MT).
    10. Assim, de se concluir que os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário), não tem peso suficiente - sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva sua preservação - para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira que o acomete.
    RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
    (REsp 1864625/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 26/06/2020)
  7. Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
  8. BEZERRA FILHO, Marlon Justino; DOS SANTOS, Eronides Alves. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 6ª Ed, 2021.
  9. COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas Ed. 2021. São Paulo: Revista dos Tribunais.
  10. BEZERRA FILHO, Marlon Justino; DOS SANTOS, Eronides Alves. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 6ª Ed, 2021.
  11. DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXIGÊNCIA DE QUE A EMPRESA RECUPERANDA COMPROVE SUA REGULARIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 57 DA LEI N. 11.101/2005 (LRF) E ART. 191-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica". 2. O art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e o art. 191-A do CTN devem ser interpretados à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas, notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do CTN. 3. O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação. 4. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1187404/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/06/2013, DJe 21/08/2013)
  12. Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.
  13. Pertinente sublinhar que, anteriormente à edição da Lei 13.043/2014, foi firmado, em 22/06/2012 o Convênio ICMS 59 pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), por intermédio do qual se permitiu aos Estados e ao Distrito Federal a concessão de parcelamentos de até 84 meses a empresas em recuperação. Nesse movimento, vários Estados da federação editaram leis próprias que disciplinam a matéria no âmbito de sua atuação tributária, destacando-se, a título de exemplo a Lei nº. 20.634/2021 do Estado do Paraná, que institui o Programa Retoma Paraná.
  14. §7º. O parcelamento referido no caput observará as demais condições previstas nesta Lei, ressalvado o disposto no § 1o do art. 11, no inciso II do § 1o do art. 12, nos incisos I, II e VIII do art. 14 e no §2o do art. 14-A
  15. BEZERRA FILHO, Marlon Justino; DOS SANTOS, Eronides Alves. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 6ª Ed, 2021.
  16. §2º. Na hipótese de o sujeito passivo optar pela inclusão, no parcelamento de que trata este artigo, de débitos que se encontrem sob discussão administrativa ou judicial, submetidos ou não a causa legal de suspensão de exigibilidade, deverá ele comprovar que desistiu expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial e, cumulativamente, que renunciou às alegações de direito sobre as quais se fundam a ação judicial e o recurso administrativo.
  17. STJ, AgRg no CC 136.130/SP, 2.ª Seção, j. 13.05.2015: A lei, portanto, obsta o exercício de direito constitucionalmente garantido (art. 5.º, XXXV, da CF), impedindo que a empresa discuta seus débitos judicialmente. Em tal circunstância, em tese, mesmo sendo indevido o tributo cobrado pela Fazenda ou parte dele o que não é raro , a empresa estaria compelida a renunciar ao seu direito, o que pode dificultar ou inviabilizar a recuperação econômica da pessoa jurídica. Observe-se que, na hipótese, a sociedade estaria obrigada ao pagamento de quantia indevida à Fazenda Pública, afetando patrimônio indispensável para o seu soerguimento.
  18. LUCCAS, Fernando Pompeu. Reforma da Lei de Falências: Reflexões sobre Direito Recuperacional, Falimentar e Empresarial Moderno - Ed. 2021
  19. BEZERRA FILHO, Marlon Justino; DOS SANTOS, Eronides Alves. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 6ª Ed, 2021.
  20. CPC, art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
  21. Sobre o tema, vide: STF, ADI 5105, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Julgamento: 01/10/2015, Publicação: 16/03/2016.
  22. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. https://www.editorajuspodivm.com.br/teoria-dos-principios-2021?utm_camp=gshop&idgrade=215673&idtag=7a3b82e5-c32f-4dfb-9f0c-4dc3d49ffabc&idtag=7a3b82e5-c32f-4dfb-9f0c-4dc3d49ffabc&gclid=Cj0KCQiApL2QBhC8ARIsAGMm-KHVlQlb5to78bxEysARqYVyyc7C_yOvX_x3Jq9mTQsNsPRCTvsLkM0aAurgEALw_wcB
  23. Trecho extraído do voto do Desembargador Clayton Maranhão no julgamento em comento.
  24. COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas Ed. 2021. São Paulo: Revista dos Tribunais.


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Pedro Ernesto. Constitucionalidade do art. 191-A do CTN e interpretação a ser conferida ao art. 57 da Lei 11.101/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6854, 7 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96651. Acesso em: 8 maio 2024.