1ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Apelação Cível nº 0253955-37.2012.8.19.0001
Relator: Desembargador Camilo Ribeiro Rulière
DECISÃO
Trata-se de Apelação interposta pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, fls. 60/77, alvejando a sentença de fl. 57, que, nos autos da Ação de interdição com pedido de Curatela Provisória promovida pela Defensoria Pública em face de X, julgou extinto o feito, na forma do artigo 267, inciso I c/c artigo 295, inciso V, ambos do Código de Processo Civil.
Pugna pela reforma da sentença com o prosseguimento do feito, sob a titularidade ativa da Defensoria Pública, sem prejuízo da atuação do Parquet na condição de fiscal da lei. Eventualmente, requer o prosseguimento do feito sob a titularidade ativa do Ministério Público.
Contrarrazões recursais em fls. 80/81.
Parecer da Procuradoria de Justiça em fls. 124/127, pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Relatados, decido:
Cuida-se de pedido de interdição de X formulado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, através do Núcleo de Atendimento à pessoa com deficiência, objetivando, além da declaração de interdição e do deferimento da curatela provisória, a nomeação de tutor judicial para exercer o munus de Curador do interditando.
Verifica-se que após a manifestação do Ministério Público em fls. 51/53 (item 00067), que foi acolhida pelo juízo a quo, o feito foi extinto sem resolução do mérito, sob o fundamento de que a Defensoria Pública não está arrolada entre os legitimados para ajuizar demanda de interdição na forma do artigo 1768 do Código Civil e artigo 1177 do Código de Processo Civil.
Inconformada, a Defensoria Pública ingressa com a presente Apelação, onde além de sustentar a sua legitimidade e a inércia dos legitimados, afirma que, segundo documentação acostada aos autos, o interditando, já com 70 anos de idade, sofre de grave distúrbio esquizofreniformal, com recuperação problemática e de sombrio prognóstico evolutivo e está em situação de absoluto abandono familiar, sem possuir qualquer fonte de renda, após mais de 35 anos de internação, por cumprimento de medida de segurança no Hospital Psiquiátrico Henrique Roxo.
E razão assiste à recorrente.
Com efeito, é de se reconhecer legítima e justificável a intervenção da Curadoria Especial para figurar no pólo ativo da presente demanda. Aliás, sobre o tema, são os seguintes os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à espécie:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 9º O juiz dará curador especial:I - ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele;”
Acrescente-se que entre as funções institucionais da Defensoria Pública, hodiernamente dispõem os incisos X, XI e XVI do artigo 4º da Lei Complementar 80/1994, in verbis:
"Artigo 4º São funções institucionais da Defensoria Púlbica, dentre outras:X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei; (Redação dada pela Lei complementar nº 132 de 2009)."
Por outro lado, o Ministério Público, ciente da decisão de desinternação (fl. 36/37 – item 00042), apenas requereu fossem encaminhadas fotocópias de todo o processo à Promotoria de tutela de saúde da capital, a fim da adoção das providências cabíveis no âmbito de sua atribuição (fl. 44 intem 00044).
Ocorre que, até a propositura da demanda pela Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro, o Ministério Público não havia adotado medida alguma para salvaguardar os interesses do interditando, o que, sem dúvida, agrava sua situação de vulnerabilidade.
Diante de tais circunstâncias, não poderia a Defensoria Pública, sobretudo diante da situação de risco em que se encontra o Sr. X, considerando-se sua avançada idade, sua debilidade mental e a ausência dos laços familiares, deixar parecer os interesses do interditando sob qualquer fundamento.
Aliás, nesse contexto, merece destaque o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), quando estabelece:
“Art. 4º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
§ 1º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.
Art. 9º É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.
Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 3º É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.
§ 4º Os idosos portadores de deficiência ou com limitação incapacitante terão atendimento especializado, nos termos da lei.
Art. 74, § 1º A legitimação do Ministério Público para as ações cíveis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo dispuser a lei.
Por todo o exposto, não há falar, no caso em tela, em ilegitimidade ativa ad causam da Defensoria Pública, na exata medida em que, no exercício de sua função atípica, busca defender direito fundamental de pessoa idosa em situação de vulnerabilidade, o que se insere nas suas funções institucionais e constitui um dos seus objetivos, tudo na esteira da cláusula geral de tutela da dignidade humana.
Por derradeiro, não se pode interpretar a norma do artigo 1768 do Código Civil que, indubitavelmente, visa à proteção do incapaz, de modo a desprotegê-lo.
Destarte, não há incompatibilidade legal a impossibilitar a atuação concomitante do Ministério Público e da Defensoria Pública, no caso em comento, em prol dos superiores e prementes interesses do idoso.
Portanto, a sentença de extinção merece reforma, para que o feito prossiga, com a máxima prioridade exigida pelas circunstâncias do caso concreto, sob a titularidade ativa da Defensoria Pública.
Assim, nos termos do artigo 557, parágrafo 1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento à Apelação, nos termos do decisum.
Rio de Janeiro, 06 de março de 2014.
CAMILO RIBEIRO RULIÈRE
Desembargador