Parecer Destaque dos editores

Doação de imóvel, sem encargo, a ente público: desnecessidade de anuência legislativa

Exibindo página 2 de 2
13/05/2011 às 08:19
Leia nesta página:

IV – Resposta aos Quesitos sob Consulta

65. Em resposta à consulta formulada pelo ilustre Advogado Tullo Cavallazzi Filho e sua precisa quesitação, temos a dizer, conclusivamente:

a) "A doação do imóvel de propriedade do particular para o Município, à luz da legislação federal e municipal, pode ocorrer com a simples concordância do chefe do Executivo Municipal?"

- Sim, diante da legislação nacional e municipal e pelo fato de tratar-se de doação pura e simples de imóvel ao Município de Florianópolis, e não ao contrário, de ato de alienação por doação desse a terceiro.

b) "É obrigatória a anuência, concordância ou autorização expressa da Câmara de Vereadores para o ato?"

- Não, pois sendo doação pura e simples de imóvel ao Município não há na Lei Orgânica Municipal ou na legislação municipal infra-orgânica qualquer norma expressa de controle político-parlamentar que exija anuência cameral como formalidade essencial à realização do contrato. Essa exigência só é cabível, segundo o artigo 14, I, letra "a", da LOM, mais termos da Lei Municipal infra-orgânica 639/94, quando se tratar de doação de imóvel público pelo Município a terceiros.

c) "Foi regular a doação realizada neste caso?"

- Sim, não só regular, legal, legítima, perfeita e acabada, mas também protegida pelos princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança e pela cláusula legal e constitucional do ato jurídico perfeito.

Salvo melhor juízo, é o nosso parecer.

Florianópolis, 15 de novembro de 200526.

OAB/SC 9189


Notas

  1. Sobre essas funções, ver o clássico de Miguel Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 3ed., atualizada por Gustavo Binenbojm, Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 01/19.
  2. Sobre a idéia de garantia institucional e sua distinção da garantia de direitos individuais, ver Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 7 ed, São Paulo, Malheiros, 1997, p. 481/513, capítulo sobre "As garantias Constitucionais e as Garantias Institucionais na Constituição de 1988", com especial destaque para o princípio da separação de poderes, p. 508/513.
  3. Tradução livre do espanhol de seu livro Constitución y Democracia, México, Universidad Nacional Autônoma de México/Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2002, p. 65/66, capítulo intitulado "Relación y controle recíprocos entre órganos del poder", p. 65/83.
  4. Para ver sobre a extensão e profundidade do princípio da separação de poderes na atual Constituição brasileira consultar Marilene Talarico Martins Rodrigues, "Tripartição de Poderes na Constituição de 1988", Revista de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, Revista dos Tribunais, nº 11, ano 3, abr./jun. 1995, p. 16-30. Para compreendermos melhor a idéia de densificação e concretização constitucionais, princípios estruturantes, estrutura e função das Constituições, indicamos a leitura de nosso Conceito de Princípios Constitucionais, 2 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002.
  5. Obra citada, p. 806.
  6. Obra citada, p. 808.
  7. Ver considerações em nosso artigo Jurisdição Constitucional Estadual: notas para compreender sua problemática no âmbito da Federação brasileira Revista de Direito Constitucional e Internacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, ano 12, out./dez. 2004, n. 49, p. 55/56.
  8. Sobre princípios constitucionais estabelecidos e princípios constitucionais sensíveis, ver José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 17 ed., São Paulo, Malheiros, 2000. Sobre teoria do poder constituinte e as categorias utilizadas nesse parecer, ver Manoel Gonçalves Ferreira Filho, O Poder Constituinte, São Paulo, Saraiva. Sobre "normas centrais" ver Raul Machado Horta, Curso de Direito Constitucional, 3 ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2002, capítulo 7, "Normas Centrais na Constituição Federal", p. 283/288.
  9. Em nosso artigo Jurisdição Constitucional Estadual: notas para compreender sua problemática no âmbito da Federação brasileira Revista de Direito Constitucional e Internacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, ano 12, out./dez. 2004, n. 49, p. 75/76.
  10. Sobre princípios e regras jurídicas, como espécies de norma de direito, princípios expressos e implícitos, indicamos nosso Conceito de Princípios Constitucionais, 2 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002. E sobre estudo enfocando diretamente essa problemática no que toca atividade jurídico-administrativa e seus princípios constitucionais incidentes, ver nosso artigo Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas. In: LEITE, George Salomão (org.) Dos Princípios Constitucionais: considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. 429 p. p. 254-293.
  11. Um dos primeiros estudos, entre nós, a dar o enfoque substancialista do princípio da legalidade como princípio da juridicidade, e a chamá-lo de princípio da juridicidade administrativa, foi o livro de Carmem Lúcia Antunes Rocha, Princípios Constitucionais da Administração Pública, Belo Horizonte, Del Rey, 1994, 308 p.
  12. Nesse sentido Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005: "(...) é indispensável evitar (...) considerações" que "... conduzam a identificar o princípio da legalidade com a necessidade de existência de disposição expressa no texto de uma lei. Quando se afirma que o princípio da legalidade envolve a existência de lei, isso não pode ser interpretado como exigência de disciplina legal literal e expressa. O princípio da legalidade conduz a considerar a existência de normas jurídicas, expressão que não é sinônima de ‘lei’ (...). Há princípios jurídicos implícitos. Também há regras jurídicas implícitas. A disciplina jurídica é produzida pelo conjunto das normas jurídicas, o que exige compreender que, mesmo sem existir dispositivo literal numa lei, o sistema jurídico poderá impor restrição à autonomia privada e obrigatoriedade de atuação administrativa. Em suma, o princípio da legalidade não conduz a uma interpretação literal das leis para determinar o que é permitido, proibido ou obrigatório." (p. 141). E Juarez Freitas, Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, 3 ed., São Paulo, Malheiros, 2004: "No que tange ao princípio da legalidade e do acatamento da Administração Pública ao Direito, é de (...) assinalar que se evoluiu de um legalismo primitivo para uma posição principiológica e substancialista (....). Nesse caso, a legalidade faz as vezes de valioso princípio, porém somente experimenta significado apreciável na interação com os demais. Pensar o Direito Administrativo exclusivamente como mero conjunto de regras legais seria subestimar, de forma danosa, a complexidade do fenômeno jurídico-administrativo." (p. 43)."... a legalidade é princípio entre princípios. (...). Do conceito do Estado de Direito, em sentido material, deriva os princípios da justiça e da segurança jurídica. Do Estado de Direito em sentido formal, acolhe os princípios da separação de poderes, dos direitos fundamentais, da reserva legal, da proporcionalidade, da proteção da confiança e dos controles administrativos.(...). O princípio da legalidade precisa ser, então, compreendido e aplicado, no contexto maior do acatamento que a Administração Pública deve ao Direito." (p. 44/45). Em sentido semelhante, Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos de Direito Público, 4 ed., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 158/163, ao tratar do princípio de submissão do Estado, e suas atividades legislativas, executivas e judiciárias à ordem jurídica.
  13. Para aprofundar a idéia de princípio estruturante, ver nosso livro, p. 183-193.
  14. Conforme nosso Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas, obra citada, p. 262.
  15. Obra citada, p. 268.
  16. Obra citada, p. 273.
  17. Obra citada, p. 286.
  18. Obra citada, p. 285/286.
  19. Há uma lei municipal de 1964, ainda vigente, que regula a doação de imóvel quando doador for o Município de Florianópolis (ver site da Prefeitura Municipal de Florianópolis, ícone "legislação"). Vejamos seu integral teor: LEI Nº 639/64 REGULA A DOAÇÃO DE IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DO MUNICÍPIO. O POVO DE FLORIANÓPOLIS, por seus representantes decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º - A doação de imóveis de propriedade do município de Florianópolis, regular-se-á pela presente Lei. Art. 2º - Não poderão ser objeto de doação os imóveis municipais utilizados em serviços públicos, nem os que o plano de remodelação e de extensão das cidades e das vilas reservar a finalidades especiais de interesse público. § 1º - A doação se fará quando cabalmente demonstrações os benefícios que possam dela resultar para a coletividade. § 2º - No caso em que tais benefícios consistam em edificações de qualquer espécie, deverá o projeto de doação ser instruído com planta de autoria de construtor devidamente registrada no CREA. § 3º - Do projeto de doação deverá constar expressamente o prazo para completa execução de todas as benfeitorias propostas. Art. 3º - publicada a Lei, o Poder Executivo celebrará com a entidade donatária, contrato de promessa de doação, de que constará obrigatoriamente o prazo dentro do qual se deverão concluir ditas benfeitorias. Parágrafo Único - Do contrato a que se refere o presente artigo constará também cláusula segundo o qual, inadimplente a entidade donatária, considerar-se-á automaticamente rescindido o compromisso, independentemente de interpelação judicial, cabendo ao Município o direito a reintegração imediata na posse do imóvel, livre do pagamento de indenização por benfeitorias. Art. 4º - A lavratura do escrito definitivo de doação dependerá de lei especial, que somente será decretada depois de satisfeitas todas as condições estabelecidas no presente diploma. Art. 5º - Em situações especialíssimas, em que a entidade donatária não puder cumprir qualquer dos termos do contrato, deverá esta apresentar justificação ao Poder Executivo, que deverá encaminha-la, devidamente informado ao Poder Legislativo. Parágrafo Único - Qualquer prorrogação dependerá também de Lei especial. Art. 6º - Os imóveis adquiridos na forma do presente diploma só poderão ser transferidos mediante autorização expressa contida em lei especial. Art. 7º - Está Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Prefeitura Municipal de Florianópolis, 08 de junho de 1964. OSVALDO MACHADO, Prefeito Municipal
  20. Livros que tratam os métodos de interpretação clássica do direito e da nova hermenêutica constitucional são os de Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, São Paulo, Editor Celso Bastos, 2002 e Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, São Paulo, Saraiva, 1996.
  21. A exceção do inciso XVII: "autorizar a realização de empréstimos ou operações de créditos internos ou externos de qualquer natureza, de interesse do Município."
  22. Princípios de interpretação da Constituição, princípio sediados na Teoria da Constituição, não princípios normativos, expressos ou implícitos sediados na Constituição positiva. São cânones de interpretação, e não normas jurídicas positivas. Para esta relevante distinção ver nosso Conceito de Princípios Constitucionais, obra citada, p. 46 e 259.
  23. Cf. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3 ed., Coimbra, Almedina, 1998, p. 1.149/1.150.
  24. Cf. Gomes Canotilho, obra citada, p. 1.148/1.149.
  25. Interessante assinalar, que no plano federal e estadual catarinense, mediante leis ordinárias, não é essa a ordenação. As Chefias Executiva Federal e Estadual, para alienar por doação, não precisam de autorização legislativa. Vejamos: Lei federal 9.636, de 15 de maio de 1988 – Dispõe sobre a regularização, a administração, aforamento e alienações de bens imóveis de domínio da União - DA ALIENAÇÃO Art. 23. A alienação de bens imóveis da União dependerá de autorização, mediante ato do Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU quanto à sua oportunidade e conveniência.§ 1º A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade. § 2º A competência para autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação. Da Doação Art. 31. Mediante ato do Poder Executivo e a seu critério, poderá ser autorizada a doação de bens imóveis de domínio da União a Estados, Municípios e a fundações e autarquias públicas federais, estaduais e municipais, observado o disposto no art. 23. § 1º No ato autorizativo e no respectivo termo constarão a finalidade da doação e o prazo para seu cumprimento. § 2º O encargo de que trata o parágrafo anterior será permanente e resolutivo, revertendo automaticamente o imóvel à propriedade da União, independentemente de qualquer indenização por benfeitorias realizadas, se: I - não for cumprida, dentro do prazo, a finalidade da doação; II - cessarem as razões que justificaram a doação; ou
  26. III - ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista. § 3º É vedada ao beneficiário a possibilidade de alienar o imóvel recebido em doação, exceto quando a finalidade for a execução, por parte do donatário, de projeto de assentamento de famílias carentes, na forma do art. 26, e desde que o produto da venda seja destinado à instalação de infra-estrutura, equipamentos básicos ou de outras melhorias necessárias ao desenvolvimento do projeto." Lei estadual Nº 5.704, de 28 de maio de 1980 - Dispõe sobre aquisição, alienação e utilização de bens imóveis, nos casos que especifica, e estabelece outras providências. (Constituição do Estado, artigo 53, item VI). O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, Faço saber a todos os habitantes deste Estado, que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I Normas sobre aquisição Art. 1º - A aquisição de bens imóveis necessários à realização dos fins do Estado, por compra, doação ou permuta, será precedida de justificativa, avaliação e decreto autorizativo. Parágrafo único – Na aquisição por doação não sujeita a encargo é dispensada a avaliação. CAPÍTULO II Normas sobre alienação Art. 3º - A alienação de bens dominicais do Estado, quando recomendada pelo interesse público e não disciplinada por lei especifica, far-se-à mediante: II – doação para: a) uso próprio de entidade educacional, cultura ou de fins sociais, declarada de utilidade pública; b) uso próprio de entidade de direito público ou de entidade da administração indireta federal, estadual ou municipal; c) Fundação instituída pelo Poder Público; §1º - É obrigatória, sob pena de nulidade do ato, a cláusula de reversão do bem ao patrimônio do Estado: I – na hipótese da letra "a", do item II, se ocorrer dissolução, suspensão das atividades por mais de cinco (5) anos, mudança das atividades da donatária ou descumprimento de encargo previsto em contrato. II – na hipótese da letra "b", do item II, se a donatária não utilizar o imóvel no prazo e para as finalidades estipuladas em contrato. §2º - Preferentemente à doação, o Estado outorgará concessão de direito real de uso. §3º - A alienação dos bens imóveis doados pelo Estado às fundações por ele instituídas depende de decreto autorizativo. Art. 4º - A alienação será precedida de justificativa, avaliação, decreto autorizativo e, nos casos de venda, de concorrência pública."

  27. Data do 116º aniversário da República brasileira.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ruy Samuel Espíndola

Advogado publicista e sócio-gerente integrante da Espíndola e Valgas Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC, com militância nos Tribunais Superiores. Professor de Direito Constitucional desde 1994, sendo docente de pós-graduação lato sensu na Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996). Atual Membro Consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB/Federal e Membro da Comissão de Direito Constitucional da Seccional da OAB de SC. Membro efetivo da Academia Catarinense de Direito Eleitoral, do Instituto Catarinense de Direito Administrativo e do Octagenário Instituto dos Advogados de Santa Catarina. Acadêmico vitalício da Academia Catarinense de Letras Jurídicas na cadeira de número 14, que tem como patrono o Advogado criminalista Acácio Bernardes. Autor da obra Conceito de Princípios Constitucionais (RT, 2 ed., 2002) e de inúmeros artigos em Direito Constitucional publicados em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras. Conferencista nacional e internacional sobre temas jurídico-públicos. [email protected], www.espindolaevalgas.com.br, www.facebook.com/ruysamuel. 55 48 3224-6739.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Doação de imóvel, sem encargo, a ente público: desnecessidade de anuência legislativa . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2872, 13 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/19074. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos