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Responsabilidade subsidiária da Administração: conta vinculada para provisionamento de verbas trabalhistas

Resumo:


  • Responsabilidade subsidiária da Administração Pública reconhecida pelo STF e TST.

  • Possibilidade de estabelecer normas municipais para garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas.

  • Alternativas de redação de exigências editalícias e cláusulas contratuais para fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Para evitar sua responsabilização subsidiária, cabe à Administração a implantação de mecanismos que lhe permitam acompanhar o regular cumprimento, pelas empresas contratadas, de suas obrigações. Sugerem-se exigências no edital e em cláusula contratual.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTRATANTE. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA, PELO STF, DO ART. 71, § 1º, DA LEI 8.666/93. SUMULA 331, DO TST. Alternativas que se prestam a garantir, com a indispensável segurança e amplitude, a implantação de mecanismos que permitam à Administração acompanhar o regular cumprimento, pelas empresas contratadas, de suas obrigações, afastando eventual interpretação de existência de “conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente” pela ausência de “fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço”, a qual poderia implicar a sua responsabilidade subsidiária enquanto tomadora dos serviços. Sugestão de redação de exigência editalícia e cláusula contratual.


CONSULTA

Encaminha-nos Prefeitura consulta nos seguintes termos:

“Em razão da nova redação da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, alterada em razão do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da legalidade do §1º do art. 71 da Lei Federal 8.666/93, quanto a gestão e fiscalização dos contratos com fornecedores e a Instrução Normativa nº 3 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação de 15/10/2009, solicitamos a Vossas Senhorias parecer quanto a elaboração de normativo municipal, conforme reportado no Memorando SAJ.”

Instruindo a consulta, o referido memorando, anexado por cópia, dá conta de solicitação dirigida às instâncias superiores municipais:

“... no sentido de avaliar, juntamente, com os departamentos diretamente envolvidos quanto a aplicação da Instrução Normativa nº 03 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação de 15/10/2009, principalmente no estabelecido nos seus artigos 19-A e 34-A,... , ou a elaboração de normativo municipal próprio comtemplando a situação”.


PARECER

A Lei federal 8.666/93, com a redação dada, em especial ao dispositivo que segue, pela Lei 9.032/95, estabelece[1]:

“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

§ 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31[2] da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991”.

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Declaratória de Constitucionalidade 16[3], interposta pelo Governador do Distrito Federal, cujo objeto era a “declaração de que o art. 71, § 1º, da Lei n.º 8.666/93 é válido segundo a vigente ordem constitucional”, decidiu no sentido de que:

“EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a Administração Pública. Inadimplência contratual do outro contratante. Transferência consequente e automática de seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes de execução do contrato, à Administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995”[4].

Por consequência, o Tribunal Superior do Trabalho[5] alterou a redação sumular correspondente daquela Corte, para adequação ao julgado do STF, passando esta a dispor nos seguintes termos:

“Súmula nº 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.

A consulta menciona a eventual possibilidade de aplicação, no âmbito municipal, de instrução normativa ministerial (federal) que estabeleceu, quanto à matéria, o seguinte:

“INSTRUÇÃO NORMATIVA MPOG Nº 03, DE 15 DE OUTUBRO DE 2009[6]

O SECRETÁRIO DE LOGÍSTICA E TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, no uso de suas atribuições que lhe conferem o Decreto nº 6.081, de 12 de abril de 2007 e considerando o disposto na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, no Decreto nº 1.094, de 23 de março de 1994 e no Decreto nº 2.271, de 07 de julho de 1997, resolve:

(...)

Art.19-A Em razão da súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, o edital poderá conter ainda as seguintes regras para a garantia do cumprimento das obrigações trabalhistas nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva da mão de obra:

I - previsão de que os valores provisionados para o pagamento das férias, 13º salário e rescisão contratual dos trabalhadores da contratada serão depositados pela Administração em conta vinculada específica, conforme o disposto no anexo VII desta Instrução Normativa, que somente será liberada para o pagamento direto dessas verbas aos trabalhadores, nas seguintes condições:

a) parcial e anualmente, pelo valor correspondente aos 13ºs salários, quando devidos;

b) parcialmente, pelo valor correspondente aos 1/3 de férias, quando dos gozos de férias dos empregados vinculados ao contrato;

c) parcialmente, pelo valor correspondente aos 13ºs salários proporcionais, férias proporcionais e à indenização compensatória porventura devida sobre o FGTS, quando da demissão de empregado vinculado ao contrato;

d) ao final da vigência do contrato, para o pagamento das verbas rescisórias; e

e) o saldo restante, com a execução completa do contrato, após a comprovação, por parte da empresa, da quitação de todos os encargos trabalhistas e previdenciários relativos ao serviço contratado;

II - a obrigação da contratada de, no momento da assinatura do contrato, autorizar a Administração contratante a fazer a retenção na fatura e o depósito direto dos valores devidos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS nas respectivas contas vinculadas dos trabalhadores da contratada, observada a legislação específica;

III - previsão de que o pagamento dos salários dos empregados pela empresa contratada deverá ocorrer via depósito bancário na conta do trabalhador, de modo a possibilitar a conferência do pagamento por parte da Administração; e

IV - a obrigação da contratada de, no momento da assinatura do contrato, autorizar a Administração contratante a fazer o desconto na fatura e o pagamento direto dos salários e demais verbas trabalhistas aos trabalhadores, quando houver falha no cumprimento dessas obrigações por parte da contratada, até o momento da regularização, sem prejuízo das sanções cabíveis.

(...)

Art. 34-A O descumprimento das obrigações trabalhistas ou a não manutenção das condições de habilitação pelo contratado deverá dar ensejo à rescisão contratual, sem prejuízo das demais sanções, sendo vedada a retenção de pagamento se o contratado não incorrer em qualquer inexecução do serviço ou não o tiver prestado a contento.

Parágrafo único. A Administração poderá conceder um prazo para que a contratada regularize suas obrigações trabalhistas ou suas condições de habilitação, sob pena de rescisão contratual, quando não identificar má-fé ou a incapacidade da empresa de corrigir a situação”.

O anexo VII, referido no inciso I do art. 19-A da Instrução Normativa MPOG 03/2009, detalha e evidencia a extensão dos procedimentos previstos, tendo o seguinte teor:

"CONTA VINCULADA PARA A QUITAÇÃO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS

1.1 As provisões realizadas pela Administração contratante para o pagamento dos encargos trabalhistas de que tratam este Anexo, em relação à mão de obra das empresas contratadas para prestar serviços de forma contínua, por meio de dedicação exclusiva de mão de obra, serão destacadas do valor mensal do contrato e depositados em conta vinculada em instituição bancária oficial, bloqueada para movimentação e aberta em nome da empresa.

1.2 A movimentação da conta vinculada será mediante autorização do órgão ou entidade contratante, exclusivamente para o pagamento dessas obrigações.

1.3 O montante do depósito vinculado será igual ao somatório dos valores das seguintes previsões:

13º salário;

Férias e Abono de Férias;

Adicional do FGTS para as rescisões sem justa causa;

Impacto sobre férias e 13º salário.

1.4 O órgão ou entidade contratante deverá firmar acordo de cooperação com instituição bancária oficial, que terá efeito subsidiário à presente instrução normativa, determinando os termos para a abertura da conta corrente vinculada.

2.1 A assinatura do contrato de prestação de serviços entre o contratante e a empresa vencedora do certame será precedida dos seguintes atos

2.2 solicitação do contratante, mediante oficio, de abertura de conta corrente vinculada - bloqueada para movimentação -, no nome da empresa, conforme disposto no item 1;

2.3 assinatura, pela empresa a ser contratada, no ato da regularização da conta corrente vinculada, de termo especifico da instituição financeira oficial que permita ao contratante ter acesso aos saldos e extratos, e vincule a movimentação dos valores depositados à autorização da Administração.

3. O saldo da conta vinculada será remunerado pelo índice da poupança ou outro definido no acordo de cooperação, desde que obtenha maior rentabilidade.

4. Os valores referentes às provisões de encargos trabalhistas mencionados no item 1.3, depositados em conta vinculada deixarão de compor o valor mensal a ser pago diretamente à empresa.

5. O montante de que trata o aviso prévio trabalhado, 23,33% da remuneração mensal, deverá ser integralmente depositado durante a primeira vigência do contrato.

6. Os editais deverão conter expressam ente as regras previstas neste anexo e um documento de autorização para a criação da conta vinculada, que deverá ser assinado pela contratada, nos termos do art. 19-A desta Instrução Normativa.

7. A empresa contratada poderá solicitar a autorização do contratante para utilizar os valores da conta vinculada para o pagamento de eventuais indenizações trabalhistas dos empregados ocorridas durante a vigência do contrato.

7.1 Para a liberação dos recursos da conta vinculada, para o pagamento de eventuais indenizações trabalhistas dos empregados ocorridas durante a vigência do contrato, a empresa deverá apresentar ao contratante os documentos comprobatórios da ocorrência das obrigações trabalhistas e seus respectivos prazos de vencimento.

7.2 O contratante expedirá, após a confirmação da ocorrência da indenização trabalhista e a conferencia dos cálculos, a autorização para a movimentação, encaminhado a referida autorização à instituição financeira oficial no prazo máximo de cinco dias úteis, a contar da data da apresentação dos documentos comprobatórios da empresa.

7.3 A autorização de que trata o item anterior deverá especificar que a movimentação será exclusiva para a transferência bancária para a conta corrente dos trabalhadores favorecidos.

8. A empresa deverá apresentar ao contratante, no prazo máximo de três dias, o comprovante das transferências bancárias realizadas para a quitação das obrigações trabalhistas.

9. O saldo remanescente da conta vinculada será liberado à empresa, no momento do encerramento do contrato, na presença do sindicato da categoria correspondente aos serviços contratados, após a comprovação da quitação de todos os encargos trabalhistas e previdenciários relativos ao serviço contratado.

10. Os valores provisionados para atendimento do item 1.3 serão discriminados conforme tabela abaixo:

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RESERVA MENSAL PARA O PAGAMENTO DE ENCARGOS TRABALHISTAS - PERCENTUAL INCIDENTE SOBRE A REMUNERAÇÃO - VIGILÂNCIA E LIMPEZA E CONSERVAÇÃO

ITEM

 

13º Salário

8,33%

Férias e Abono de Férias

12,10%

Adicional do FGTS Rescisão sem justa causa

5,00%

Subtotal

25,43%

Grupo A sobre Férias e 13º Salário *

7,39%

7,60%

7,82%

To t a l

32,82%

33,03%

33,25%

Aviso Prévio ao término do contrato: 23,33% da remuneração mensal = (7/30) x 100

* Considerando as alíquotas de contribuição 1%, 2% ou 3%, referentes ao grau de risco de acidente do trabalho, previsto no art. 22, inciso II, da Lei nº 8.212/91”.

A alternativa inicialmente alvitrada pela área signatária do Memorando 106/2012 SAJ, no sentido da eventual “aplicação da Instrução Normativa nº 03 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação de 15/10/2009, principalmente no estabelecido nos seus artigos 19-A e 34-A”, apresenta-se como inviável, posto que se cuida de regramento infralegal, destinado ao disciplinamento procedimental no âmbito interno daquela Pasta, integrante da Administração Pública federal, visando a preservação dos interesses da Administração Pública contratante, em face do disposto no artigo 71, § 1º, da Lei federal 8.666/93 e suas alterações posteriores, bem como ao estabelecido na Súmula 331, do TST.

Observe-se, ainda, que o regramento ministerial focou somente a questão da solidariedade sob o enfoque das obrigações trabalhistas, lastreado na alteração sumular pelo TST (cf. art. 19-A, caput), no que, também, centrou-se a consulente. Entretanto, no referido artigo 71 da legislação licitatória cuida-se, com maior amplitude, de “encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais”, aspecto este que será retomado mais adiante.

A vigente legislação nacional de licitações e contratações administrativas, Lei federal 8.666, de 21 de junho de 1993, com suas alterações posteriores, traz as “normas gerais” aplicáveis a todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assim como as normas federais, destinadas impositivamente somente no âmbito da União, com a dificuldade decorrente da não explicitação, no texto legal, de quais seriam umas e outras.

Nada impede a aplicação, pelos demais entes da Federação, das normas não gerais ali contidas, mas é facultado a estes o estabelecimento de disciplina própria, valendo-se do instrumento normativo adequado a cada situação, no exercício de sua competência. Assim, ao Município é facultado disciplinar esses aspectos da matéria.

Ao tratar do assunto, um dos mais renomados doutrinadores em matéria de licitações e contratações administrativas, Marçal Justen Filho, faz a indispensável e objetiva defesa do princípio federativo, destacando a inviolabilidade da autonomia deste decorrente, o que encontra eco nas teses esposadas desde sempre por este Centro de Estudos, quanto a esta questão:

“Um dos princípios constitucionais mais relevantes é o da Federação, e adotar estrutura federativa acarreta decorrência inafastável. Assegura-se a cada ente federal uma margem de autonomia mínima. Não haverá federação real e efetiva quando um ente for dotado de competência para interferir sobre os serviços e os interesses pertinentes a outro ente. Bem por isso, ser o Brasil uma Federação significa que a União não pode dispor acerca da estrutura organizacional interna e dos assuntos de peculiar interesse de Estados, Distrito Federal e Municípios.

Seria inconcebível que a Constituição tivesse consagrado inúmeras regras e princípios acerca da Federação e, simultaneamente, outorgasse à União competência para estruturar o funcionamento dos outros entes federais. [...]

Portanto, o conceito de norma geral não é sobreponível ao de Federação. As competências locais derivadas da organização federal não podem ser limitadas através de lei da União, destinada a veicular normas gerais. Em termos ainda mais diretos: norma geral não é instrumento de restrição da autonomia federativa.

Daí se extrai que todas as regras acerca de organização, funcionamento e competências dos organismos administrativos não se incluem no âmbito de normas federais. A lei federal disciplina o procedimento administrativo e as competências, mas não institui órgãos nem interfere sobre os assuntos de peculiar interesse local. É inadmissível considerar-se como norma geral uma regra acerca da gestão de bens públicos de entes federativos. Por exemplo, a natureza federativa do Estado brasileiro exclui o cabimento de que a União estabeleça regras acerca de doação de bens estaduais ou municipais”[7] (negritamos).

Finaliza, buscando traçar os possíveis limites, em termos abstratos, para a análise das disposições legais aplicáveis, respeitados os princípios previstos na Constituição Federal de 1988:

“A solução constitucional relaciona-se com a intenção de assegurar e manter a unidade nacional. Trata-se de evitar que cada ente federativo produza soluções diversas em matérias essenciais. Deve reputar-se que as normas gerais sobre licitação e contratação administrativa são aquelas pertinentes a instauração, formalização, realização e extinção de licitações e de contratos, relativamente a questões cujo tratamento não uniforme seja potencialmente apto a comprometer a unidade nacional.

É muito problemático produzir uma definição abstrata de normas gerais, especificamente em vista da complexidade dos temas envolvidos. A única solução reside em examinar cada tema e cada norma jurídica questionada para verificar a sua pertinência com um interesse comum padronizado ou com um interesse local específico”[8] (negritamos).

Quanto a este aspecto, Hely Lopes Meirelles assim se posiciona:

“Normas gerais e normas complementares

Para fins de licitação, deve-se entender por normas gerais todas as leis, chamadas de leis nacionais, que estabelecem princípios e diretrizes aplicáveis indistintamente a todas as licitações e contratos administrativos e, por isso, obrigatórias para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim, pode haver uma, duas ou mais leis com a natureza de normas gerais. Logo, a Lei 8.666, de 1993, não é a única com essa natureza. A Lei 8.666, de 1993, estabeleceu as normas gerais que lhe competiam, deixando aos Estados a sua complementação com disposições adequadas às peculiaridades de seu território, e aos Municípios a regulamentação das licitações locais no que é específico de suas contratações, respeitando, cada qual, os preceitos superiores que disciplinam o procedimento licitatório. E é natural que as entidades menores disponham sobre minúcias de suas licitações e contratações, atendendo às peculiaridades locais e à especificidade de suas obras, serviços, compras e alienações. (...)

Tais normas gerais podem ser complementadas pelos Estados e Municípios, para atender às suas peculiaridades, desde que as regras locais não sejam conflitantes com a legislação nacional”[9] (negritamos).

Portanto, nada obsta que o Município, no pleno e inalienável exercício de suas prerrogativas constitucionais, discipline o tema das licitações e contratos administrativos, atento às peculiaridades procedimentais locais, desde que observados os limites da “norma geral”, em conformidade com o apontado anteriormente. Isso se aplica às eventuais normas complementares destinadas a assegurar o integral cumprimento ao disposto no artigo 71, e seus parágrafos, do estatuto licitatório federal.

No que se refere ao mérito propriamente dito da questão colocada pela consulente, restou evidenciado, com a pacificação da matéria pelo julgamento, no sentido da constitucionalidade daquele dispositivo legal pelo Supremo Tribunal Federal e pela nova redação sumular do TST, que à Administração Pública incumbe zelar pelo regular e tempestivo cumprimento, por suas contratadas, das suas obrigações trabalhistas, visto que, caso contrário, nos termos do inciso VI da Súmula 331 do TST, “Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora...” (negritamos).

A responsabilização solidária da Administração Pública já é prevista no § 2º do mesmo artigo 71 da legislação licitatória aqui tratada, em relação às obrigações previdenciárias decorrentes da relação contratual mantida, caso aquela não proceda em conformidade com o disposto no artigo 31 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, ou seja, não adote as medidas necessárias no sentido de “... reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, ...”.

Quanto às obrigações fiscais, não tratadas também no regramento ministerial, cabe avaliação da consulente relativamente às cautelas a serem adotadas. Mais à frente, será sugerida alternativa.

Assim, desde que regular e previamente normatizados, e constem dos editais dos certames, até porque assemelhadas àquela previsão contida no § 2º do artigo 71, afigura-se não encontrar óbices legais que sejam estabelecidos os procedimentos destinados:

a) ao depósito, pela Administração, em conta vinculada específica dos valores provisionados para o pagamento das férias, 13º salário e rescisão contratual dos trabalhadores da contratada, em nome desta;

b) à obrigação da contratada de, no momento da assinatura do contrato, autorizar a Administração contratante a fazer a retenção na fatura e o depósito direto dos valores devidos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS nas respectivas contas vinculadas dos trabalhadores da contratada;

c) do pagamento dos salários dos empregados pela empresa contratada ocorrer via depósito bancário na conta do trabalhador, possibilitando controle pela contratante; e

d) da autorização para a Administração fazer o desconto na fatura e o pagamento direto dos salários e demais verbas trabalhistas aos trabalhadores, quando houver falha no cumprimento dessas obrigações por parte da contratada.

No entanto, deverá a Administração avaliar os ônus adicionais que lhe serão atribuídos para o desenvolvimento de tais procedimentos.

Isto posto, regras assemelhadas às fixadas na normatização apontada pela consulente, desde que entendidas como adequadas à realidade local e previstas igualmente em normatização local, e quando constarem expressamente dos editais destinados à seleção das contratadas, considerando que não restringem a participação das mesmas, poderão regular as relações contratuais que vierem a ser ajustadas.

Complementarmente, considerando a manifesta preocupação da consulente em exercer a adequada fiscalização em relação ao cumprimento, por suas contratadas, das obrigações trabalhistas (mas que deve estender-se, nos termos legais, também aos encargos previdenciários, fiscais e comerciais), eximindo-se, assim, de assumir os riscos de indesejada responsabilidade subsidiária, cabe citar algumas alternativas adotadas com sucesso por entidades contratantes, em seus editais de licitação e respectivos contratos, mediante disposições que estabelecem mecanismos de fiscalização e acompanhamento (atentando-se para a necessidade de adequações, posto que as disposições abaixo, acerca de comprovação de recolhimento de FGTS contradizem, se algo semelhante àquela alternativa for objeto de normatização local, o disposto no inciso II do art. 19-A da instrução ministerial), por exemplo, nos seguintes termos:

“CLÁUSULA ... – CONDIÇÕES E FORMA DE PAGAMENTO

1 - Os pagamentos serão efetuados mensalmente, em conformidade com as medições, mediante a apresentação das Notas Fiscais/Faturas originais, bem como dos comprovantes de recolhimento do FGTS, correspondentes ao período de execução dos serviços e à mão-de-obra alocada para esse fim.

2 – Por ocasião da apresentação à CONTRATANTE da Nota Fiscal/Fatura, a CONTRATADA deverá fazer prova do recolhimento mensal do FGTS por meio das guias de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP.

2.1 – As comprovações relativas ao FGTS a serem apresentadas, que deverão corresponder ao período de execução e por tomador de serviço (contratante) são:

- Protocolo de Envio de Arquivos, emitido pela Conectividade Social;

- Guia de Recolhimento do FGTS – GRF, gerada e impressa pelo SEFIP, com a autenticação mecânica ou acompanhada do comprovante de recolhimento bancário ou o comprovante emitido quando o recolhimento for efetuado pela internet;

- Relação dos Trabalhadores Constantes do Arquivo SEFIP – RE;

- Relação de Tomadores / Obras – RET.

2.2 – Comprovação de recolhimento do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISSQN, que é devido no município, em consonância com as disposições contidas na Lei Complementar nº 116, de 31/07/03.

2.3 – Caso, por ocasião da apresentação da Nota Fiscal/Fatura não haja decorrido o prazo legal para recolhimento do FGTS e do ISSQN, quando for o caso, poderão ser apresentadas cópias das guias de recolhimento referentes ao mês imediatamente anterior, devendo a CONTRATADA apresentar a documentação devida, quando do vencimento do prazo legal para o recolhimento.

2.4 – A não-apresentação dessas comprovações assegura à CONTRATANTE o direito de sustar o pagamento respectivo e/ou os pagamentos seguintes.

3 – Nos termos do art. 31, da Lei nº. 8212, de 24/07/91, alterado pela Lei nº 9.711, de 20/11/98, e Instrução Normativa MPS/RFB nº 971, de 13/11/2009, a CONTRATANTE reterá 11% (onze por cento) do valor bruto da nota-fiscal/ fatura, obrigando-se a recolher em nome da CONTRATADA, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão do respectivo documento de cobrança ou o próximo dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia.

3.1 – Quando da emissão da Nota Fiscal/Fatura, recibo ou documento de cobrança equivalente a CONTRATADA deverá destacar o valor da retenção, a título de ‘RETENÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL’.

a) Poderão ser deduzidos da base de cálculos da retenção, os valores dos custos de fornecimento incorridos pela CONTRATADA a título de vale-transporte e de vale-refeição, nos termos da legislação própria. Tais parcelas deverão estar discriminadas no documento de cobrança.

b) A falta de destaque do valor da retenção no documento de cobrança, impossibilitará a CONTRATADA a efetuar sua compensação junto ao INSS, ficando a critério da CONTRATANTE proceder à retenção/recolhimento devidos sobre o valor bruto do documento de cobrança ou devolvê-lo à CONTRATADA.

3.2 – A CONTRATANTE emitirá uma GPS – Guia da Previdência Social específica para a CONTRATADA. Na hipótese de emissão no mesmo mês, de mais de um documento de cobrança pela CONTRATADA, a CONTRATANTE se reserva o direito de consolidar o recolhimento dos valores retidos em uma única guia, por estabelecimento.

3.3 – Quando da apresentação da Nota Fiscal/Fatura, a CONTRATADA deverá elaborar e entregar à CONTRATANTE cópia da:

a) Folha de pagamento específica para os serviços realizados sob o contrato, identificando o número do contrato, relacionando respectivamente todos os segurados colocados à disposição desta e informando:

- Nomes dos segurados;

- Cargo ou função;

- Remuneração, discriminando separadamente as parcelas sujeitas ou não à incidência das contribuições previdenciárias;

- Descontos legais;

- Quantidade de quotas e valor pago a título de salário-família;

- Totalização por rubrica e geral;

Resumo geral consolidado da folha de pagamento; e

b) Demonstrativo mensal assinado por seu representante legal, contendo as seguintes informações:

- Nome e CNPJ da CONTRATANTE;

- Data de emissão do documento de cobrança;

- Número do documento de cobrança;

- Valor bruto, retenção e valor líquido (recebido) do documento de cobrança;

- Totalização dos valores e sua consolidação.

c) Os documentos solicitados nas alíneas ‘a’ e ‘b’ anteriores, deverão ser entregues à CONTRATANTE na mesma oportunidade da entrega da Nota Fiscal/Fatura.

4 – Os pagamentos serão realizados mediante depósito na conta corrente bancária em nome da CONTRATADA no Banco ______ S/A, conta nº ______, Agência nº _________, sendo que a data de exigibilidade do referido pagamento será estabelecida, observadas as seguintes condições:

a) em ... (...) dias, contados da respectiva medição, desde que a correspondente Nota Fiscal/Fatura, acompanhada dos documentos referidos no item 7.2, desta Cláusula, seja protocolada na Seção competente no prazo de até ... (...) dias úteis contados ...

b) a não observância do prazo previsto para apresentação das Notas Fiscais/Faturas ou a sua apresentação com incorreções ensejará a prorrogação do prazo de pagamento por igual número de dias a que corresponderem os atrasos e/ou as incorreções verificadas.

5 - A Nota Fiscal/Fatura também deverá ser acompanhada da declaração de cumprimento das obrigações trabalhistas, nos moldes do Anexo XI[10], do Edital que deu origem à contratação” (negritamos).

São alternativas que se prestam a garantir, a exemplo do regramento submetido à análise pela consulente, com a necessária segurança e amplitude, a implantação de mecanismos que permitam à Administração acompanhar o regular cumprimento, pelas empresas contratadas, de suas obrigações, afastando eventual interpretação de existência de “conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente” pela ausência de “fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço”, a qual poderia implicar em sua responsabilidade subsidiária enquanto tomadora dos serviços.

É o parecer.


NOTAS

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm.

[2] “Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, observado o disposto no § 5º do art. 33 desta Lei.” - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212cons.htm#art31.

[3]http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=16&classe=ADC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M.

[4]http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2497093.

[5] http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331.

[6] http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/MPOG/2009/3.htm.

[7] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed., São Paulo: Dialética, 2010, p. 17.

[8] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed., São Paulo: Dialética, 2010, p. 18.

[9] Licitação e Contrato Administrativo, 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 59 e 253.

[10]“DECLARAÇÃO DE CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS (para ser entregue juntamente com a fatura para pagamento)

Eu,_____ (NOME COMPLETO), representante legal da ______(NOME DA EMPRESA), declaro, sob as penas da Lei, que os funcionários envolvidos na prestação de serviços, objeto do Contrato nº __________ foram devidamente remunerados conforme estabelecido na CTPS, bem como que foram cumpridas todas as obrigações trabalhistas estabelecidas na Convenção Coletiva da Categoria e na legislação trabalhista nacional. Declaro, ainda, que neste mês de (INDICAR O MÊS), não há nenhum funcionário, envolvido na prestação de serviços, em aviso prévio (se houver, indicar), demitido por justa causa/sem justa causa (se houver, indicar, listando, inclusive, os valores pagos a título de rescisão contratual e juntar comprovantes de depósito) ou que pediu rescisão do contrato de trabalho (se houver, indicar, listando, inclusive, os valores pagos a título de rescisão contratual e juntar comprovantes de depósito).”

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Sobre o autor
Guilherme Luis da Silva Tambellini

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é Chefe de Gabinete do Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Integrou a Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Gabinete Conselheiro Sidney Beraldo), foi Gerente Jurídico da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura e Rádio Cultura de São Paulo). Foi Dirigente da Controladoria Interna e integrou também o corpo Técnico-Jurídico da Coordenadoria de Assistência Jurídica, e Procurador Jurídico, todos da Fundação Prefeito Faria Lima/CEPAM. Foi Assessor Técnico dos Gabinetes dos Secretários da Fazenda e Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Chefe de Gabinete da Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, além de Secretário Executivo e Membro do Conselho de Defesa dos Capitais do Estado-CODEC, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Foi também Membro dos Conselhos de Administração da CDHU/SP e da EMTU/SP e do Conselho Fiscal da COSESP/SP, assim como Dirigente da Consultoria Jurídica da Banespa - Serviços Técnicos e Administrativos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAMBELLINI, Guilherme Luis Silva. Responsabilidade subsidiária da Administração: conta vinculada para provisionamento de verbas trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3254, 29 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/21884. Acesso em: 25 dez. 2024.

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