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O aval e o julgado do caso VASP

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A natureza jurídica do aval em títulos de crédito será analisada mediante um estudo de caso, envolvendo operação de empréstimo por meio de cédula de crédito bancário.

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, vou analisar a natureza jurídica do aval em títulos de crédito, tendo em vista o seguinte estudo de caso.

A empresa Papel Ltda. emitiu cédula de crédito bancário – CCB – para representar operação de empréstimo contraída junto ao Banco Copacabana S.A. Sabe-se que o sócio da Papel Ltda., Cristiano Silva[1], assinou a CCB como avalista.

No entanto, a sociedade Papel Ltda. não cumpriu com sua obrigação junto ao Banco e, em decorrência do inadimplemento, a instituição financeira ajuizou uma execução do título executivo contra a sociedade e seu avalista.

Ademais, em razão do deferimento do pedido de processamento de recuperação judicial da Papel Ltda., as ações de execução contra a empresa foram suspensas e o avalista também pleiteou a suspensão da ação em relação a sua obrigação de garantidor da operação bancária.

Tendo notícia pelos jornais do caso Vasp, julgado recentemente pelo STJ, o Banco Copacabana solicitou um parecer, analisando o caso concreto, tendo em vista aquele processo, de modo que seja justificado se o entendimento do STJ, eventualmente, poderia se estender à empresa Papel Ltda.

A cédula de crédito bancário caracteriza-se por ser um título de crédito emitido por pessoa física ou jurídica em favor de instituição financeira ou entidade equiparada, representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito. Além disso, a CCB é título executivo extrajudicial, que representa dívida certa, líquida e exigível. Como título de crédito, ela está sujeita aos regramentos cambiários, de modo que o aval é ato cambiário pertinente à cédula de crédito.[2]

Assim, pretendo mostrar que o aval, como obrigação cambiária, goza de autonomia, de maneira que, em face da recuperação judicial, esta não teria o condão de afastar a suspensão da execução em relação ao avalista.


PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO CAMBIÁRIO APLICÁVEIS AO CASO

É famosa a definição de Cesare Vivante a respeito do título de crédito, no sentido de que se trata de um documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado.[3] Este conceito está contido no artigo 887 do Código Civil.

Desse conceito trazido pelo tratadista, pode-se extrair os princípios da cartularidade, literalidade e autonomia, sendo que, dentro deste, tem-se dois subprincípios, o da abstração e da inoponibilidade das exceções pessoais.[4]

Utilizarei esses dois últimos subprincípios para examinar o presente caso.

Com efeito, o princípio da autonomia subdivide-se em dois subprincípios, a saber, o da abstração e da inoponibilidade das exceções pessoais. Pelo primeiro, entende-se que os títulos de crédito são documentos que se formam desvinculados do negócio subjacente. Em outras palavras, os títulos de crédito, ao circularem, não dependem do negócio principal no que diz respeito a sua existência, validade e eficácia. Assim, as obrigações assumidas ali devem ser cumpridas, independentemente do fato de haver alguma invalidade no negócio que deu origem ao título de crédito, por exemplo. A mesma situação caberia nas hipóteses de inexistência e ineficácia.

O renomado jurista Bernardes de Mello[5] entende que os negócios abstratos são aqueles aos quais não se pode relacionar a sua validade e eficácia. “Não importa, assim, por que foi emitida a nota promissória. Os seus efeitos se produzem independentemente de que se busque a sua causa.”

Esses fatos que levam à inexistência, invalidade ou ineficácia não podem servir como argumento de defesa para que o avalista oponha aos seus credores, eximindo-se da obrigação assumida. Aqui, tem-se o segundo subprincípio, o da inoponibilidade das exceções pessoais perante terceiros.

Alfredo de Assis Gonçalves Neto[6] esclarece a respeito da aplicação do princípio da inoponibilidade de exceções à figura do aval, in verbis:

“Aplica-se ao aval, de resto, o princípio de exceções perante terceiros, de que decorre a característica da autonomia de sua obrigação diante dos demais coobrigados cambiários que não participaram da relação jurídica fundamental que deu origem à obrigação avalizada, pois o avalista obriga-se da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada.”

Portanto, o aval é uma obrigação autônoma, de modo que independe da obrigação subjacente quanto a sua existência, validade e eficácia; bem como o avalista não pode opor as exceções perante os credores do título. Entre essas formas de defesa, encontra-se a suspensão da execução contra o avalista.

Assim, se houver a quebra da sociedade, isso não pode afetar a autonomia da cártula, visto que esse fato não pode ser oposto ao credor do título. Nesse sentido, os credores particulares podem prosseguir na ação contra o avalista, ainda que ele seja sócio da sociedade em recuperação ou já falida.

De resto, o princípio cambiário, como o da autonomia (abstração e inoponibilidade das exceções pessoais), aplica-se ao presente caso, uma vez que a sociedade Papel Ltda. é a devedora principal, que está em processo de recuperação judicial. Contra ela, o credor pode dirigir sua ação, que ficará suspensa até que se decida o processo falimentar ou de recuperação judicial.

Por outro lado, o Sr. Cristiano é o avalista da operação de cédula de crédito bancário, garantia essa que é autônoma, de forma que o avalista não pode opor a defesa de que a ação deve ser suspensa, só pelo fato de haver processamento de recuperação judicial, em contrariedade ao princípio da inoponibilidade das exceções pessoais.

Nesse sentido, a execução do avalista deve prosseguir, tanto porque se aplica a autonomia da obrigação de garantia, quanto pelo fato de que a Lei nº 11.101/2005 não determina a suspensão da ação para esse sócio/avalista, como será visto mais adiante.


NATUREZA JURÍDICA DO AVAL E AS IMPLICAÇÕES DECORRENTES

Entende-se por aval a obrigação cambiária contraída por alguém com a finalidade de garantir o pagamento de um título de crédito, nas mesmas condições de um outro obrigado do título.

A natureza jurídica do aval consiste numa obrigação de garantia própria dos títulos cambiários ou dos a eles equiparados, de maneira que não se confunde com as demais garantias do direito comum (fiança, penhor, hipoteca etc). Além disso, não tem a mesma natureza jurídica das demais garantias, como a do sacador, endossante e aceitante.[7]

Nesse sentido, o avalista é um terceiro dentro das obrigações cambiais, garantindo o cumprimento da obrigação em função das obrigações assumidas pelo avalizado. Se este cumprir a obrigação, cessa a responsabilidade do avalista.

Demais disso, o aval é dotado de autonomia substancial, de maneira que a sua existência, a validade e a eficácia não dependem da obrigação principal.

Como o aval é dotado de autonomia, isso significa que a obrigação de garantia independe das demais obrigações apostas no título e também não depende do negócio jurídico subjacente.

Assim, o fato de o sacador do título (o devedor principal, ou seja, a Papel Ltda.) vir a ter sua falência decretada não afeta a obrigação do avalista do título, ainda que seja sócio dela.

Note-se que o sacador também não pode opor em seu favor qualquer dos efeitos decorrentes da quebra do avalizado.

Portanto, a suspensão das ações dos credores particulares de sócio solidário da sociedade falida ou em recuperação judicial não alcança a execução contra o avalista do título, sócio da falida.

Ademais, sua responsabilidade é subsidiária em face da sociedade limitada (não é solidária, como será visto abaixo), de modo que também não se aplica o art. 6º da Lei nº 11.101/2005, na parte que diz que são suspensas as ações, inclusive quanto aos credores particulares do sócio solidário, como demonstrarei no próximo item.


APLICAÇÃO OU NÃO DO ENTENDIMENTO DO STJ NO CASO VASP AO DA EMPRESA PAPEL LTDA

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça no caso Vasp pode ser aplicado ao presente caso, mas se deve fazer algumas considerações.

Inicialmente, vou relatar sucintamente o caso Vasp. Pela ementa do acórdão do Recurso Especial nº 1.095.352-SP, os ministros do Superior Tribunal de Justiça determinaram que “O deferimento do pedido de processamento de recuperação judicial à empresa co-executada, à luz do art. 6º da Lei de Falências, não autoriza a suspensão da execução em relação a seus avalistas, por força da autonomia da obrigação cambiária.”

O voto do relator, entre outros assuntos, afirma que a controvérsia cinge-se à extensão, ou não, da suspensão do curso da execução, em razão do deferimento do processamento da recuperação judicial, aos sócios avalistas, devedores solidários da pessoa jurídica. O relator pondera que a tese da suspensão não deve prosperar, porque as obrigações assumidas no título de crédito são autônomas além do que quem está em recuperação é a sociedade, devedora principal, não seus sócios e coobrigados. Ademais, em virtude do art. 49, § 1º da Lei nº 11.101/2005, os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial conservam intactos seus direitos, e podem executar o avalista do título de crédito.

Até a jurisprudência relativa ao assunto aponta nesse sentido. Veja a seguinte decisão, contida no julgamento do Recurso Especial nº 883.859-SC, rel. min. Nancy Andrighi, DJe de 23.03.2009:

“Diante disso, o fato de o sacador de nota promissória vir a ter sua falência decretada, em nada afeta a obrigação do avalista do título, que, inclusive, não pode opor em seu favor qualquer dos efeitos decorrentes da quebra do avalizado.”

Como se vê, a execução contra o avalista não se suspende, visto que o avalista não pode opor essa defesa em seu favor.

Portanto, segundo a decisão do caso Vasp, a concessão do pedido de processamento de recuperação judicial não interfere nas relações do credor com os coobrigados da devedora, de modo que a execução contra os garantidores deve prosseguir.

Já a ministra Nancy Andrighi, em seu voto-vista, vai mais além daqueles argumentos. De fato, ela decidiu, entre outros pontos, que o artigo 6º da Lei de Falências e Recuperação, ao usar a expressão “sócio solidário”, impede apenas a constrição dos bens particulares dos sócios com responsabilidade ilimitada e solidária. A norma faz referência apenas àqueles que respondem solidariamente, e com seus bens pessoais, pelo pagamento dos débitos que excedem o patrimônio da empresa. “Assim, o processamento do pedido de recuperação e o decreto falimentar não surtem efeitos sobre as ações e execuções movidas em face dos cotistas ou acionistas, a não ser que sejam sócios com responsabilidade ilimitada e solidária.”

Ademais, ela defende a natureza do aval e afirma que o prosseguimento da execução não indica fraude ao princípio do “par conditio creditorum”. Por fim, o patrimônio da pessoa física não se confunde com o da pessoa jurídica, de modo que a execução não atingiria os bens da falida.

Tendo em vista o relato da decisão, passo a expor os fundamentos do acórdão do caso Vasp. Com efeito, o art. 6º da Lei nº 11.101/2005 prevê que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

No entanto, não se dirige àquele sócio de sociedade limitada, porque a sua responsabilidade é subsidiária e limitada; e não é solidária (CC, art. 1.052), salvo se fosse sociedade em nome coletivo (CC, art. 1.039), ou comandita simples (CC, art. 1.045), por exemplo, em que a responsabilidade é ilimitada e solidária.

Eis o que diz o artigo 1.052 do Código Civil sobre a responsabilidade dos sócios na sociedade limitada:

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“Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”

Como se vê, a responsabilidade nessa sociedade é limitada ao valor das quotas e, portanto, não é aplicável o artigo 6º da Lei nº 11.101/2005 ao avalista que também seja sócio dessa sociedade, porque ele não tem responsabilidade solidária, apenas responde pela sua quota.[8] Essa solidariedade é excepcional no caso de integralização do capital social, que não é o presente caso. Pode-se acrescentar que a solidariedade existiria nos casos de desconsideração da personalidade jurídica e no excesso do exercício do mandato, por exemplo.

Nesse sentido, o jurista Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa[9] indica as várias responsabilidades do sócio não administrador da sociedade limitada, in verbis:

“Desta maneira, em resumo, a responsabilidade dos sócios não administradores das sociedades limitadas assim se expressa no NCC: (i) responsabilidade restrita ao valor das quotas se o capital estiver integralizado (art. 1.052); (ii) responsabilidade solidária e limitada pelo que faltar para a integralização do capital social (art. 1.052, parte final); (iii) responsabilidade por perdas e danos (equivalente ao montante efetivo do prejuízo causado, independentemente do capital da sociedade e da participação do sócio nele) do sócio cujo voto aprovar alguma operação de interesse contrário ao da sociedade (art. 1.010, § 3º); (iv) responsabilidade ilimitada (referenciada ao montante do prejuízo efetivo) por participação em deliberação infringente do contrato social ou da lei, quanto aos sócios que assim expressamente a aprovaram; (v) responsabilidade ilimitada nos casos de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade e a terceiros caso o sócio haja usurpado a função de administrador.”

Essas modalidades de responsabilidade do sócio não-administrador da sociedade limitada são excepcionais, porque a regra é a primeira, a responsabilidade restrita ao valor das quotas do capital integralizado.

Assim, é a sociedade limitada que responde pelas dívidas contraídas e as ações judiciais dos credores particulares contra ela ficam suspensas, a fim de respeitar a “par conditio creditorum”. Mas, quanto ao sócio, não há por que suspender a ação, visto que a lei não se aplica a ele, somente ao sócio com responsabilidade solidária.

Ainda quanto ao artigo 6º da Lei nº 11.101/2005, poderia ser questionado o fato de que há solidariedade nas obrigações cambiárias. No entanto, não é cabível no caso, porque aqui o credor do título é que pode optar pelo ajuizamento da ação contra o devedor principal ou outro coobrigado, como o avalista, visto que a obrigação entre eles, coobrigados do título de crédito, é solidária (não em relação à sociedade), como consta do artigo 47 da Lei Uniforme de Genebra. Não se trata de obrigação solidária no que tange ao fato de ser sócio da sociedade, visto que na sociedade limitada, a responsabilidade é limitada e subsidiária (CC, art. 1.024).

Ademais o art. 49, § 1º da Lei nº 11.101/2005 dispõe que os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigado de regresso. Nesse sentido, os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial conservam intactos seus direitos e, assim, podem executar o avalista desse título de crédito.

Os dois ministros, no acórdão, afirmam que é a autonomia do título de crédito que autoriza o credor do título a executar o avalista, o qual não poderá opor as exceções pessoais, como a de que o deferimento da recuperação judicial ou decretação da falência suspenderia aquela ação.

No entanto, podemos discutir um outro tema que contraria esse posicionamento, que é a novação da dívida.

Já há algumas decisões, embora isoladas, no sentido de que a novação realizada no plano da recuperação judicial seria um obstáculo ao prosseguimento das ações individuais contra os garantidores, inclusive avalistas da operação inadimplida. Isso, por exemplo, consta da seguinte decisão do Ministro Aldir Passarinho, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, AgRg no Ag 1297876/SP - Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2010/0063102-7, DJe 29/11/2010:

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME DE MATÉRIA DE MÉRITO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. SUSPENSÃO.

I. Há entendimento nesta Corte de que não se mostra consentâneo com a recuperação judicial o prosseguimento de execuções individuais, devendo estas ser suspensas e pagos os créditos de acordo com o plano de recuperação homologado em juízo.

II. Agravo regimental desprovido.

Outros acórdãos têm ponderado a questão de forma diferente, como se encontra na seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Recuperação judicial. Agravo de instrumento. Plano de recuperação judicial que contém cláusula que estende os efeitos da novação aos coobrigados, devedores solidários, fiadores e avalistas. Concessão do plano com aplicação do "cram down" do art. 58, § 1º e incisos da LRF. A novação prevista como efeito da recuperação judicial não tem a mesma natureza jurídica da novação disciplinada pelo Código Civil. Pretensão de credor de acolhimento de sua objeção colimando a nulidade da cláusula extensiva da novação aos garantidores fidejussórios (fiadores e avalistas). Nulidade não reconhecida. Validade e eficácia da cláusula em face dos credores que expressamente aprovaram o plano, por se tratar de direito disponível, que ao assim votarem, renunciam ao direito de executar fiadores/avalistas durante o prazo bienal Agravo de Instrumento n° 580.551.4/0-00 da "supervisão judicial". Ineficácia da cláusula extensiva da novação aos coobrigados pessoais (fiadores/avalistas) em relação aos credores presentes à Assembléia-Geral que se abstiveram de  votar, bem como aos ausentes do conclave assemblear. Evidente ineficácia da cláusula no que se refere aos credores que votaram contra o plano e, "a fortiori", aos credores que formularam objeção relacionada com a ilegalidade da cláusula extensiva da novação. Agravo provido, em parte, para reconhecer a ineficácia da novação aos coobrigados por débitos da recuperanda, dos quais a agravante é a credora. Extensão dos efeitos deste julgamento aos credores ausentes, abstinentes e aos que formularam objeção à cláusula hostilizada."

Nessa decisão do TJSP, a Câmara entendeu que os credores, que em assembleia, rejeitarem o plano quanto à questão da novação, em relação às garantias, como o aval, podem prosseguir nas ações individuais, apesar do processamento da recuperação judicial.

De tudo, considero que a tese da autonomia do aval nos títulos de crédito, em face dessa corrente que aponta para a novação da dívida, ainda prevalece pelas razões expostas acima. Além disso, pode-se levar em conta que os credores podem buscar a falência, em vez da recuperação judicial, exatamente para evitar que as ações pessoais sejam suspensas, o que agravaria a situação da sociedade em estado de insolvência.

Por fim, entendo que o caso Vasp aplica-se melhor à situação da Papel  Ltda., porque a tese da autonomia do aval possibilita a defesa dos interesses dos credores em face do avalista e sócio dessa sociedade, Sr. Cristiano. Ressalto, porém, que a tese contrária, embora isolada, pode ganhar força, de modo que é preciso reconhecê-la, tendo em vista o risco legal que pode correr a consulente.


CONCLUSÃO

Em suma, posso afirmar que a jurisprudência da Vasp pode ser aplicada ao presente caso, visto que o princípio cambiário da autonomia (abstração e inoponibilidade das exceções pessoais) afasta a suspensão das ações contra o avalista. Ademais, a sociedade Papel Ltda. é a devedora principal, a qual está em processo de recuperação judicial. Contra ela, o credor pode dirigir sua ação, que ficará suspensa até que se decida o processo falimentar ou de recuperação judicial.

Isso não se estende ao avalista, já que o Sr. Cristiano é o garantidor da operação de cédula de crédito bancário, garantia essa que é autônoma, de forma que o avalista não pode opor a defesa de que a ação deve ser suspensa, só pelo fato de haver processamento de recuperação judicial, em contrariedade ao princípio da inoponibilidade das exceções pessoais. Nesse sentido, a execução do avalista deve prosseguir, tanto porque se aplica a autonomia da obrigação de garantia, quanto pelo fato de que a Lei nº 11.101/2005 não determina a suspensão da ação para esse sócio/avalista.

Por fim, posso afirmar que o caso Vasp é cabível à situação da Papel Ltda., dado que o pedido de processamento da recuperação judicial dessa sociedade não se estende ao quotista e avalista, Sr. Cristiano, pelas razões expostas acima, embora haja entendimento jurisprudencial em sentido contrário, que se funda na novação da dívida.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito, Editora Saraiva, São Paulo, 1943.

------ Ensaios e Pareceres. Artigo: “Causalidade e Abstração na Duplicata”, Editora Saraiva, São Paulo, 1952.

BERTOLDI, Marcelo M. e RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, 14a ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2010.

FGV. Fundação Getúlio Vargas. MBA em Direito Bancário. Direito Cambiário e Empresarial – Recuperação judicial, extrajudicial e falência. 2010.

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Aval – Alcance da Responsabilidade do Avalista, Editora Revista dos Tribunais, 1987.

LUCCA, Newton de. Aspectos da Teoria Geral dos Títulos de Crédito, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1979.

MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. 15. ed., Editora Forense, Rio de Janeiro, 2010.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato Jurídico (Plano de Existência), Editora Saraiva, São Paulo, 1999.

OLIVEIRA FILHO, Paulo Furtado. Direito Empresarial, Editora Atlas, São Paulo, 2010.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 6. ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003.

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial, 2ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2010.


Notas

[1] Entes e pessoas fictícias, apenas para discutir o tema em análise. O caso foi elaborado pela FGV no curso de MBA de Direito Bancário.

[2] RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., pág. 303.

[3] A definição de Vivante está contida no livro Trattato di Diritto Commerciale, 5ª ed., vol. III, pags. 63 e 164: “Il titolo di credito è un documento necessario per esercitare il diritto letterale ed autonomo che vi è mencionato”. Vide também LUCCA, Newton de, op. cit. Pág. 11; e ASCARELLI, Tullio, Ensaios e Pareceres, op. cit., págs. 32 a 42.

[4] LUCCA, Newton, op. cit., págs. 52 a 57.

[5] BERNARDES DE MELLO, Marcos, op. cit., pág. 181.

[6] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis, op. cit., pág. 76.

[7] MARTINS, Fran, op. cit, pág. 141. Vide também COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit.; OLIVEIRA FILHO, op.cit.; BERTOLDI et al., op. cit.

[8] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, op. cit., pág. 410.

[9] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, op. cit., pág. 416.

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Sobre o autor
Carlos Augusto de Carvalho Filho

Doutor em Direito Civil pela USP – FDUSP; Mestre em Direito Civil pela USP – FDUSP; Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV-SP EDESP; Especialista em MBA Direito Bancário da FGV-RJ; Especialista em Direito Civil pela ESA - OAB-SP; Pós-graduado em Processo Civil pela PUC-SP; Ex-Monitor em Direito Romano na USP – FDUSP; Bacharel em Direito pela USP – FDUSP; Bacharelando em Filosofia na FFLCH-USP e na Anhanguera; Professor Universitário; Advogado; e Escritor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO FILHO, Carlos Augusto. O aval e o julgado do caso VASP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4751, 4 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/34664. Acesso em: 2 nov. 2024.

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