I. O Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF
O IRRF está previsto nos artigos 620 e segs. do RIR/1999. Genericamente, a previsão de incidência do tributo nos casos de pagamento de indenizações está contida nos artigos 37[1] e 639[2] do RIR/1999.
I.I. Indenizações Tributáveis
Indenizar significa reparar ou compensar o dano causado a um bem jurídico (arts. 186, 187, 927 e 944 e segs. do CC).
Em síntese, pode-se afirmar que a indenização existe para reparar (1) o dano emergente, no caso de efetiva lesão ao patrimônio existente, (2) o lucro cessante, quando se deixa de auferir ganhos, ou (3) o dano imaterial, se não houver diminuição do patrimônio econômico.
O pagamento de indenização poderá ou não resultar em acréscimo patrimonial. Como regra, haverá retenção na fonte pagadora nos casos de pagamento de indenização que resulte em aumento do patrimônio do beneficiário. Além do comando geral, o RIR/1999 enumera expressamente hipóteses de indenizações tributáveis:
“Art. 55. São também tributáveis (Lei nº 4.506/64, art. 26, Lei nº 7.713/88, art. 3º, § 4º, e Lei nº 9.430/96, arts. 24, § 2º, IV, e 70, § 3º, I):
(...)
VI - as importâncias recebidas a título de juros e indenizações por lucros cessantes;
(...)
IX - a multa ou qualquer outra vantagem recebida de pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, em virtude de rescisão de contrato, ressalvado o disposto no art. 39, XX;”
Assim, haverá incidência do tributo, se a indenização ultrapassar o dano material ocorrido ou se for destinada a compensar o lucro cessante.
Porém, o regulamento também traz as indenizações isentas e não tributáveis, que afastarão a regra de incidência tributária, ainda que haja acréscimo patrimonial.
I.II. Indenizações Isentas ou não Tributáveis
O art. 39 do Decreto 3.000/1999 relaciona as espécies de indenizações que são isentas ou não tributáveis:
“Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:
(...)
Indenização por Danos Patrimoniais
XVIII - a indenização destinada a reparar danos patrimoniais em virtude de rescisão de contrato (Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, art. 70, § 5º);”
Portanto, para saber se há incidência de IRRF no pagamento de indenização, inicialmente deve-se verificar a ocorrência de acréscimo patrimonial, diante das regras estabelecidas na legislação. Entretanto, mesmo ocorrendo aumento do patrimônio, não haverá incidência e retenção nas hipóteses expressamente enumeradas no art. 39 do RIR/99.
II. Conclusões
O fato gerador do IR é o acréscimo patrimonial, denominando-o o CTN de renda, quando decorrente do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, e de proventos de qualquer natureza, nos demais casos.
Desta feita, tendo em vista ter a indenização pelos danos emergentes a finalidade precípua de recompor o patrimônio do lesado, buscando-se a reposição in natura ou em dinheiro pelo valor equivalente ao decréscimo patrimonial sofrido, operando-se a recondução do seu patrimônio ao estado em que se encontraria se não tivesse ocorrido o fato danoso, não há que se cogitar da incidência do IRRF.
Portanto, a indenização pelos danos emergentes, via de regra, não estará sujeita ao IRRF, pois não há, nesta hipótese, acréscimo patrimonial.
Entretanto, na indenização pelos lucros cessantes, haverá a incidência do IR sobre o quantum indenizatório, pois, de fato, o que está sendo restituído ao lesado é o ganho ou acréscimo patrimonial que auferiria (art. 43, II, CTN).
Conclui-se, assim, que sobre a verba indenizatória que vise recompor a quantia que deixou de ser acrescida ao patrimônio do lesado há incidência do IRRF.
II.I. Da indenização contratual por atraso de obra
Para saber se a verba indenizatória paga a título de atraso na entrega de obra está sujeita ou não à retenção de IR na fonte, é preciso classificar o dano em uma das hipóteses materiais supracitadas, quais sejam, danos emergentes ou lucros cessantes.
O voto condutor do julgado infra, do TJDF, traz elucidações acerca da natureza das indenizações relativas ao atraso de obras, a ver:
“Havendo previsão contratual quanto à entrega das unidades imobiliárias, deve a construtora cumpri-lo, sob pena de incorrer em mora e responder por lucros cessantes, os quais ostentam um caráter compensatório, isto é, tem por escopo, recompor o patrimônio correspondente ao que o promitente comprador deixou de auferir com a locação do imóvel em face da demora na entrega do bem, além da cláusula penal contratual. 3.1 É infenso de dúvida que o imóvel gera potencialidade de ganhos, seja pela locação seja pela ocupação própria, sendo certo que, em uma ou em outra situação, os lucros cessantes devem ser calculados pelo seu potencial de renda, que é apurado pela estimativa de valor de aluguel do imóvel equivalente.” (TJDF; Rec 2009.01.1.068814-3; Ac. 607.872; Quinta Turma Cível; Rel. Des. João Egmont; DJDFTE 09/08/2012; Pág. 162)
Percebe-se que o atraso na entrega da obra foi interpretado como tendo natureza de lucros cessantes. Esse também é o posicionamento de outros Tribunais, conforme se depreende dos julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. Contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel. Atraso na entrega da obra por culpa exclusiva da promitente-vendedora. (...) Dano material evidenciado. Responsabilização da construtora/incorporadora pelos lucros cessantes. Inteligência do art. 43, inc. II, da Lei nº 4.591/1964. (...). Recurso conhecido e desprovido. (TJSC; AC 2008.004707-1; São José; Quarta Câmara de Direito Civil; Rel. Des. Luiz Fernando Boller; Julg. 19/07/2012; DJSC 25/07/2012; Pág. 114)
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA ALEGAÇÃO DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR DESCABIMENTO. SENTENÇA- DE PROCEDÊNCIA. IMÓVEL QUE SERIA DESTINADO PARA FINS DE LOCAÇÃO. LUCROS CESSANTES DEVIDOS A PARTIR DO TÉRMINO DO PERÍODO DE TOLERÂNCIA ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. Quantum debeatur a ser apurado na fase de liquidação por arbitramento, com base no valor da locação do período, mais as despesas condominiais, cobradas indevidamente descabimento da indenização de danos morais. Imóvel adquirido para locação, não para moradia da família precedentes recurso adesivo. Pedido de não conhecimento. (...) (TJSP; APL 9105091-53.2005.8.26.0000; Ac. 5668010; São Paulo; Oitava Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Theodureto Camargo; Julg. 07/12/2011; DJESP 14/02/2012)
Vale referir que o último acórdão colacionado faz uma distinção entre o bem adquirido para a moradia da família e o bem adquirido para locação. Tal distinção tem relevância no âmbito fiscal, haja vista que a natureza da verba indenizatória poderá ter caráter diferenciado, a nosso ver, pois a reparação do dano do bem destinado à família não deve ser enquadrada como lucro cessante, mas sim, como dano emergente.
Entretanto, nada impede que o Fisco entenda de forma diversa, encontrando inclusive amparo na jurisprudência, para interpretar que toda e qualquer reparação contratual por atraso de obra sejam lucros cessantes.
Outro ponto que robusteceria esse entendimento por parte da Receita Federal é justamente o quantum pago a título desse atraso. Explica-se: caso o valor pago se aproxime do valor dos alugueres mensais, tal reparação seria superior ao valor atribuído à real depreciação ou obsolescência do bem, que, por sinal, nem ocorre, pois o imóvel sequer fora acabado; deste modo, o dano real ao patrimônio não estaria de fato ocorrendo, pois o objetivo precípuo de um imóvel (residencial) é a moradia e não a aferição de rendimentos.
Em contraponto, poder-se-ia alegar que o valor da multa equivalente ao locatício serviria para que o adquirente alugasse um imóvel em decorrência do atraso na obra e que a reparação pelo atraso seria mera compensação decorrente dessa despesa inesperada, enquadrando-se, assim, como dano emergente.
Por fim, é possível afirmar que é plenamente defensável, em alguns casos, que a indenização contratual por atraso de obra não está sujeita à IRRF. Todavia, em muitos casos, em que o adquirente é um investidor, por exemplo, fica bastante fragilizada a tese de que a natureza dessa reparação não se enquadra como lucros cessantes.
NOTAS
[1] Art. 37. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados (Lei nº 5.172, de 1966, art. 43, incisos I e II, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 1º).
[2] Art. 639. Estão sujeitos à incidência do imposto na fonte, calculado na forma do art. 620, quaisquer outros rendimentos pagos por pessoa jurídica a pessoa física, para os quais não haja incidência específica e não estejam incluídos entre aqueles tributados exclusivamente na fonte (Lei nº 7.713, de 1988, arts. 3º, § 4º, e 7º, inciso II).