EMENTA: REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL – INCONSTITUCIONALIDADE – MENOR INFRATOR – ECA – CRIMINALIDADE – EDUCAÇÃO
Trata-se de consulta formulada por Maria Julia de Castro, acerca da redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Aborda a consulente, questões sobre a constitucionalidade da redução, prós e contras, a necessidade de reformulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Questiona ainda a eficácia da redução da menoridade na redução da criminalidade e traz possíveis soluções.
É o relatório. Passo a opinar.
A problemática acerca da constitucionalidade da redução da maioridade penal encontra respaldo na Constituição Federal vigente. A referida Constituição traz em seu artigo 228 a inimputabilidade dos menores de 18 anos, dizendo ainda que estes estão sujeitos à normas de legislação especial. No entanto, esse artigo é tido como um direito individual, embora não esteja elencado no artigo 5º e, desse modo, se insere na proteção pela imutabilidade que rege o artigo 60, §4º, IV da CF/88, onde estão dispostas as cláusulas pétreas, qual seja:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Assim sendo, tratando-se de cláusula pétrea, a inimputabilidade concedida aos menores de 18 anos não pode ser objeto de emenda, tornando então, a proposta de redução da maioridade penal inconstitucional e inviável de se concretizar senão pelo poder constituinte originário que é o único que possui legitimidade para tal feito.
A PEC 171, que propõe a supracitada redução, é objeto de grande discussão e divergência. Quem se coloca a favor, argumenta as punições para o menor infrator aplicadas à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) atualmente são muito brandas e que isso provoca o aumento da violência e da sensação de insegurança jurídica instaurada na sociedade. Compara-se o índice de violência no Brasil ao índice de países que tem a maioridade penal reduzida e, alega-se ainda que, as medidas de ressocialização utilizadas pelo ECA não são eficazes e que o fato de ter conhecimento a respeito da inimputabilidade faz com que as organizações criminosas recrutem os jovens menores de 18 anos para atividades delituosas e tráfico de drogas.
Sobre esse último ponto cabe comentar que, com a redução da maioridade, há uma probabilidade muito grande de que as organizações criminosas deixem de recrutar os jovens de 16/17 anos e passem a aliciar os de 14/15 anos e assim sucessivamente, o que torna, dessa forma, este um argumento a ser desconsiderado.
Há ainda quem considere que, nos dias atuais, o jovem de 16 e 17 anos tem total capacidade de discernimento de seus atos e responsabilidade suficiente para responder penalmente por eles. Correlaciona-se, inclusive, com a faculdade de votar conferida a esses jovens arguindo que, se existe a capacidade de discernimento para o voto, existe também a capacidade de discernimento sobre seus atos. A respeito da referida capacidade discorre Fernando Capez:
Estamos “vendando” os olhos para uma realidade que se descortina: o Estado está concedendo uma carta branca para que indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes, bárbaros.
Ora, no momento em que não se propicia a devida punição, garante-se o direito de matar, de estuprar, de traficar, de ser bárbaro, de ser atroz.
No que tange ao pensamento de que o aumento da violência devido a aplicação de punições consideradas brandas demais, há um grande equívoco. Existem pesquisas comprovando que os menores infratores respondem por menos de 10% dos delitos, e que a melhor opção não é reduzir a maioridade, mas sim investir na educação. Sobre o assunto, informa pesquisa realizada pelo IPEA:
“Pesquisa divulgada hoje (21) pelo Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), com base em denúncias apresentadas em 2013 pelo Ministério Público em todo o país, envolvendo delitos praticados por maiores e menores de idade, mostra que os menores respondem por menos de 10% do total de delitos. Nos crimes contra a vida, os menores representam 8% de todas as representações por ato infracional feitas pelo Ministério Público.
O economista Daniel Cerqueira, que divulgou o documento, participou de seminário promovido pelo Ipea sobre a redução da maioridade penal, no Rio de Janeiro, onde afirmou que a melhor estratégia para diminuir a incidência de crimes é por meio da socialização do indivíduo, e não pela punição. “Endurecer simplesmente as leis não funciona. O que funciona, basicamente, é educação, é oportunidade para os jovens”.
A partir de dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e informações do Ministério da Saúde, o Ipea avaliou se a mudança do estado de maioridade penal teria algum efeito sobre homicídios no Brasil. “Não há nenhum indício disso aqui”. Estudo feito pelo instituto apurou as consequências da existência no Brasil de uma política abrangente de colocar no nível médio educacional todas as pessoas com mais de 15 anos de idade. “O resultado é substancial”, manifestou o economista.
Caso todas as pessoas no país tivessem, pelo menos, o ensino médio, a taxa de homicídios cairia cerca de 42%, indicou. “O que os nossos resultados mostram é que o caminho das oportunidades é pela educação”.
Há equívoco também no que diz respeito às punições estabelecidas no ECA. A lei nº 8.069/90 (ECA) é a principal norma de que se dispõe para tutelar os interesses dos menores, trazendo, inclusive, em seu texto medidas de proteção para delitos cometidos por crianças e medidas socioeducativas aplicáveis aos jovens infratores a partir de 12 anos de idade, quais sejam: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional, sendo aplicadas conforme a capacidade de cumpri-las, a gravidade da infração e as circunstâncias.
É perceptível que o ECA é uma legislação completa e avançada, a falha está na sua aplicação que não é realizada com eficácia. Portanto, não há necessidade de modificação da referida norma no sentido de tornar as penas mais severas, o que há, de fato, é a necessidade de se fazer cumprir de forma efetiva e eficaz o que nela está disposto. Segundo Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “a falta de aplicação da lei, no caso o ECA, aumenta o favorecimento a criminalidade” [capturado em 2008 jan 29]. Disponível em: www.comunidadesegura.org/?q=pt/node/37699-35k.
A ineficácia quanto ao objetivo de ressocialização é evidente, mas isso se deve ao fato de que as instituições criadas para esse fim não funcionam como deveriam. Tais instituições são criadas com o objetivo de ser um local onde os jovens seriam reeducados para o convívio social, porém, na prática, esses jovens ficam à mercê, submetidos a tratamentos degradantes e subumanos.
O local de internação e o tratamento designado aos menores é tão importante no que concerne à ressocialização que foram instituídas as Regras Mínimas das Nações Unidas, que cuidam de todos os detalhes desde a chegada até a saída do centro de detenção, para a proteção dos jovens que tem sua liberdade privada.
“A primeira parte da regra 32 determina que o desenho dos centros de detenção para jovens e o ambiente físico deverão corresponder a sua finalidade, ou seja, a reabilitação dos jovens internados, em tratamento, levando devidamente em conta a sua necessidade de intimidade, de estímulos sensoriais, de possibilidades de associação com seus companheiros e de participação em atividades esportivas, exercícios físicos e atividades de entretenimento”.
A educação é também uma questão, das mais importantes, a ser observada pelos centros de detenção. Os jovens internados devem receber ensino condizente com suas capacidades e respectivas idades, com o intuito de instruí-los à reintegração para a convivência em sociedade. Devem ainda atentar-se para com a formação profissional do menor, capacitando-os para a inserção no mercado de trabalho.
No entanto, como já dito anteriormente, embora as organizações mundiais tenham se preocupado em elaborar essas regras, a realidade é completamente contrária, como preleciona Greco:
“Os adolescentes são jogados em calabouços, afastados de suas famílias e amigos, maltratados por aqueles que deveriam cuidar da sua segurança, espancados por outros menores, autores de atos infracionais graves que, devido à falta de classificação adequada, encontram-se internados com outros que praticaram fatos de menor gravidade; não lhes é oferecida a necessária educação escolar, não são preparados para o mercado de trabalho. Em resumo, não lhes concedem o mínimo de dignidade”.
Dessa forma, não cabe exigir que esses jovens saiam dos centros de detenção melhores do que entraram, pois não lhes é oferecido nem o mínimo básico para que tal feito aconteça. Pelo contrário, a propensão é de que haja apenas uma mudança de endereço, que saiam das instituições para menores, voltem para a sociedade e, ao atingirem a maioridade, pratiquem novos delitos, possivelmente piores e sejam transferidos para as prisões, onde a tendência é sofrerem influência do meio em que vão viver e se tornem pessoas ruins.
De acordo com o art. 37, b, da Convenção cerca dos Direitos das Crianças: “a detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança será efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado”, ou seja, deve ser utilizada apenas como uma medida extrema. E ainda, segundo o art. 121 do ECA: “a internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Não cabendo assim, o clamor por medidas mais extremas ou que durem mais tempo.
Entretanto, a pressão exercida pela sociedade, que é em sua grande maioria a favor da redução, e pela mídia, que funciona como a maior disseminadora da ideia de insegurança, induz os legisladores a buscar uma forma de tratar os jovens de forma cada vez mais severa. A mídia exerce sua grande influência ao transformar em verdadeiros espetáculos determinados fatos ocorridos isoladamente, principalmente quando envolvem crianças e adolescentes como sujeitos ativos, instaurando assim, o medo e a sensação de insegurança na sociedade, que passa a agir instigada pelo calor do momento e sobrepondo a emoção à razão, fazendo com que, exija dos legisladores um posicionamento rigoroso. Dessa forma, como diz Greco, o que era para ser a exceção (a privação da liberdade), acaba tornando-se a regra.
Cabe salientar que, grande parte dos menores infratores atingidos diretamente pelo sistema punitivo fazem parte de uma classe social que sofre com a desigualdade, que convive com a miséria, e vive cara a cara com a violência e o crime, desprovidos de sistemas básicos necessários a uma vida digna e, principalmente, desprovidos de educação de base e de qualidade. Esses jovens, além de sofrer com a seleção social, sofre também com a seleção pré-determinada existente no sistema punitivo, onde apenas os jovens que pertencem a essas classes sociais mais baixas sofrem as punições estabelecidas na lei. Sobre esse assunto Greco dispõe:
“Não podemos nos esquecer que essa grande maioria de jovens que faz parte do sistema de punitivo que lhes é próprio, também sofre com o processo de seletividade. Isso quer dizer que, também nessa esfera punitiva, existe uma seleção pré-determinada de quem, efetivamente, cairá nas “garras” da Justiça de Menores, ou seja, existe também aqui um processo natural de seleção, pelo qual somente os jovens pertencentes às camadas sociais mais baixas é que sofrerão os rigores da legislação que lhes é destinada.
Tal como acontece com a aplicação da lei penal para os imputáveis, existe um cruel processo de seleção dos jovens miseráveis, pertencentes, muitas vezes, a famílias desestruturadas socialmente. O abandono dos pais, o alcoolismo, o vício em substâncias entorpecentes, a miséria, enfim, esse conjunto de fatores cria uma fórmula quase que infalível: a delinquência”.
Desse modo, torna-se perceptível que a desigualdade social é a grande propulsora da criminalidade, caindo por terra, portanto, o argumento de que a redução da maioridade penal consequentemente acarretará a redução da criminalidade.
“Se a criminalidade no Brasil fosse realmente diminuída com o aumento da severidade da pena, com a entrada em vigor das leis dos crimes hediondos, onde ocorreram algumas restrições de benefícios, o preso sendo tratado de forma mais rigorosa, os estupros, homicídios qualificados, etc., teriam ao menos, seus índices diminuídos, o que na verdade não ocorreu”.
É evidente que a solução está no cumprimento das funções sociais pelo Estado, buscando proporcionar uma vida digna aos indivíduos pertencentes às classes sociais mais baixas, implantando para isso políticas públicas eficazes e, principalmente, investindo na educação.
“O simples fato da existência da lei, não reduz a criminalidade, mas sim, uma aplicação e execução adequada da mesma, associadas com outras políticas públicas”.
“Pesquisas indicam que não existe nexo de causalidade entre a redução da maioridade penal e uma diminuição nos índices de violência, ao passo que também apontam uma taxa de reincidência de 70% no atual modelo de sistema prisional que adotamos e de apenas 19% no caso de adoção de medidas com caráter sócio educativo”.
Nesse sentido, para que se pudesse discutir de forma a corretamente a redução da maioridade penal, se faria necessário proporcionar a todos os jovens as mesmas condições sociais e, aí sim, se nessas condições, os atos infracionais não reduzissem, poderia se pensar em diminuir o limite da maioridade penal como uma possível solução.
CONCLUSÃO
Em face do exposto, opino contra a redução da maioridade penal, considerando que, como dito ao longo do que foi discorrido, tal redução se mostra ineficiente quanto ao intuito desejado de diminuição da criminalidade. Conforme já exposto, a solução está na participação do governo na implantação de políticas públicas voltadas para as melhorias das condições de vida atrelada a remodelação da sociedade no sentido de reeducação, ou seja, a solução não é reprimir, e sim educar.
É o parecer.
Ilhéus, 06 de novembro de 2015.
Indira Mariana Cunha Passos
REFERÊNCIAS
http://dyshow.jusbrasil.com.br/artigos/111812596/inconstitucionalidade-na-reducao-da-maioridade-penal
http://www.ebc.com.br/educacao/2015/09/menores-respondem-por-menos-de-10-do-total-de-delitos-diz-ipea
http://www.escoladegoverno.pr.gov.br/arquivos/File/artigos/justica_e_cidadania/reducao_da_maioridade_penal_uma_abordagem_juridica.pdf
http://www.rogeriogreco.com.br/?p=2910
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14107
http://www.fernandocapez.com.br/o-promotor/atualidades-juridicas/reducao-da-maioridade-penal-uma-necessidade-indiscutivel/
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 03 nov. 2015.