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Indenização por danos a carga em transporte marítimo

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01/04/2002 às 00:00
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A carga embarcada no Brasil sofreu mofo durante exportação para a Argentina, tornando-se imprópria para o consumo. Inclui também a réplica à contestação, a qual trata de aspectos interessantes sobre transporte marítimo.

EXMº(A) SR.(A) DR.(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE FORTALEZA(CE).

"No Direito Marítimo, em geral, a responsabilidade decorrente do inadimplemento contratual ou deriva de acontecimentos aleatórios em decorrência de danos por acidentes ou fatos da navegação. No primeiro caso, temos o descumprimento de cláusulas contratuais nos contratos de afretamentos, transportes, seguros etc., e, no segundo caso, as colisões, os abalroamentos, poluição, avarias, ou qualquer outro tipo de sinistro"

Carla Adriana C. Gilbertoni

AMAZON PIPER IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., sociedade por quotas de responsabilidade limitada, inscrita no CNPJ sob o n.º 04.205.183/0001-32, com sede na Rua Duque de Caxias, n.º 2173, bairro da Saudade, CEP.: 68741-360, na Cidade de Castanhal(PA), neste ato representada por seu sócio Francisco Marcelino Freires, brasileiro, casado, comerciante, portador da ident. n.º 840.242/SEGUP(PA), inscrito no CIC sob o n.º 118.340.992-34, residente e domiciliado na rua Raquel Lemos, n.º 558, bairro Caiçara, Município de Castanhal(PA) (contrato social e aditivos anexos por cópia, doc. 1), vem, à presença de V.Ex.ª, com o devido respeito e súpero acatamento, por intermédio de seu advogado que a presente subscreve (m. i – doc. 2), propor a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS contra CENAVE – CEARÁ CARGAS E REPRESENTAÇÕES LTDA., sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com sede na rua Antonelle Bezerra, n.º 316-A, bairro Meireles, nesta Capital, CEP.: 60160-070, Agente Marítimo do afretador ARPEZ S/A - NAVEGACIÓN, com sede na cidade de Buenos Aires – Argentina e ZIM ISRAEL NAVIGATION CO., transportador da carga, com sede na cidade de Haifa – Israel e filial na Av. Paulista, n.º 509, 16.º Andar, CEP.: 01311-000, São Paulo(SP), na pessoa de seu Agente local, V. CASTRO & CIA LTDA, SOCIEDADE DE QUOTAS POR RESPONSABILIDADE LIMITADA, inscrita no CNPJ sob o n.º 07199409/0001-28, com sede na Av. Rui Barbosa, n.º 780, lj. 01, Aldeota, nesta urbe, com supedâneo nos artigos 99, 101, 519, 521, 575 e ss, 761, da Lei 556, de 25.06.1850(Código Comercial Brasileiro) e no Decreto-lei 116/67 regulamentado pelo Decreto n.º 64.387/69 e demais legislação atinente à espécie, pelos motivos fáticos e jurídicos na dianteira circunstancialmente expendidos:


ASSEVERAÇÕES FÁTICAS

A DEMANDANTE, contratou com as DEMANDADAS, o transporte de 15t de pimenta negra a granel, devidamente acondicionada, conforme faz o prova o Conhecimento de Carga (bill of lading - BL – doc.3) n.º MFA000468, sem qualquer ressalva, ou seja "Clean on board", indicando que as mercadorias foram embarcadas em perfeito estado de conservação.

A mercadoria, acondicionada em sacaria dupla de polipropileno, deixou o lugar de origem em perfeitas condições fitossanitárias conforme atestados exarados pela firma C.U HOLDING (C.U.H) SURVEYSEED SERVICES S/A (doc.4), por solicitação do importador(doc.11), e do Ministério da Agricultura(Reg. MAARA/PA.05135-7-série"B"-n.º 7893 – doc.5 ).

Com os resultados satisfatórios dos exames acima, foi autorizado o transporte da mercadoria por via terrestre, com destino ao Porto de Fortaleza(CE), onde foi realizada a coleta de amostras, de acordo com o Termo de Fiscalização e Coleta de Amostras n.º 888/2000(doc.6), restando comprovada as perfeitas condições das mesmas, conforme atestam os resultados dos exames efetuados pelo Serviço de Defesa Sanitária Vegetal do Brasil, insertos no Certificado Fitossanitário n.º 732/200(doc. 7), por ocasião da ovação(enchimento) no contêiner designado pelos agentes/transportadores.

As amostras acima mencionadas, foram colhidas por ocasião da ovação(enchimento) do contêiner SCZU – 771808-0, designado pelos agentes/transportadores e sob sua inteira responsabilidade, para o armazenamento da carga durante a aventura marítima entre o porto de origem e o de destino.

Repise-se que, o B/L n.º MFA000468(doc.3), foi devidamente assinado por Ceará Cargas e Representações LTDA., dando a carga a bordo, no dia 27 de julho de 2000, sem nenhuma ressalva, ou seja, "clean on board", indicando que as mercadorias foram embarcadas sem nenhuma avaria logo em seguida, seguiram viagem para o Porto de Buenos Aires.

Aberto o contêiner, no Porto de Buenos Aires, pelas autoridades sanitárias locais, foi constado que a mercadoria encontrava-se com alto grau de umidade, mofo e bolores, proibindo-se sua internalização (entrada no país), em face das condições insatisfatórias em que se encontravam, conforme a Ata de Recusa de Mercadoria, exarada pela Autoridade Argentina(doc. 8).

A DEMANDANTE, foi notificada da ocorrência em FAX (doc.9) transmitido no dia 11 de agosto de 2000, pela representante da firma importadora – Cafés La Virginia S. A -, Sra. Paula Vercelli, onde textualmente informou (tradução livre do documento): "Referência: 15.000 kgs de pimenta negra em grãos conforme fatura 06/00.

Pela presente, informamos que, no momento da abertura do contêiner, o Serviço Sanitário informou que os sacos com pimenta estavam com alto grau de umidade, proibindo a entrada da mercadoria em território argentino. De princípio, esclareceu que o problema foi originado da condensação dentro do contêiner. Tão logo tenhamos outras informações, voltaremos ao assunto....".

Em 14 de agosto de 2000, a supramencionada Sra. Paula Vercelli, representante da firma importadora, por fax, retoma o assunto(doc.10):

"Referência: SINISTRO DE PIMENTA NEGRA. Após nossa conversação telefônica de hoje, entrei em contato com nosso despachante aduaneiro em Buenos Aires para que me informasse como proceder, a fim de que V.S.as pudessem examinar o contêiner.

Acabo de ser informada que já não é possível qualquer verificação do conteúdo, pelo seguinte motivo:

No dia 10/08, quando da inspeção habitual do Serviço Sanitário Argentino, foi constatado o mal estado da pimenta, tendo sido proibida, de imediato, a sua circulação.

Solicitamos uma nova verificação, em conjunto com nossa Agência de Seguro.

Nesta segunda verificação, ficou determinado que a pimenta não estava em condições de ser usada, motivo pelo qual as Autoridades fitossanitárias lavraram o "TERMO DE RECUSA DA MERCADORIA" (Acta de rechazo de la mercadoria – doc.8). Este TERMO DE RECUSA tem caráter irrevogável, o que torna impossível pedir uma nova inspeção na mercadoria.

A única opção que teríamos seria a destruição ou retorno da mercadoria.

Enviaremos amanhã, uma amostra da pimenta que nos foi remetida pelo nosso despachante. Informaremos o nome do transportador e do bilhete aéreo.

Pelo acima exposto e, para evitar demora, providenciaremos o reembarque do contêiner. Lembramos que a permanência do contêiner no porto, acarreta gastos que aumentam à medida que passam os dias, motivo pelo qual, teremos que agir com rapidez.... "

No dia 20 de setembro de 2000, o contêiner com a mercadoria avariada, foi reembarcado no N/M "ZIM SÃO PAULO", com destino ao Porto de Fortaleza, de conformidade com o B/L PANDNEA 003298, da ARPEZ S.A – Navegation e Certificado de Re-exportação n. 001/2000, expedido pela Autoridade Sanitária Argentina (docs. 12/13).

O contêiner SCZU771808-0, deixou o Porto de Buenos Aires(ARG) no dia 20 de setembro do ano transato, tendo sido desembarcado em Fortaleza(CE), em 01 de outubro do mesmo ano. Após os procedimentos regulamentares atinentes ao desembarque, o conteúdo foi examinado pela Autoridade Sanitária do Porto local e tido como imprestável, conforme TERMO DE INUTILIZAÇÃO(doc.14), TERMO DE APREENSÃO E INUTILIZAÇÃO N.º 16/00(doc.15) e TERMO DE APREENSÃO E INTERDIÇÃO N.º 0042(doc.16).

A análise efetuada pelo Laboratório Central de Saúde Pública, de n.º 2869/2000(doc.17), deduz que: "O produto é inaceitável para consumo direto".

Em 27 de novembro do ano próximo passado, na presença dos interessados, Srs. Vicente Ayrton Almeida Ramos, na qualidade de Comissário de Avarias e Perito nomeado pelas partes; Régis Martins, representante da Montemar/Arpez, Francisco Marcelino Freires, proprietário da mercadoria e Wagner Souza, como representante da CENAVE, foi realizada a desova(descarga) do contêiner ao lado do Armazém A-4 da CIA. DOCAS, onde foram constatadas de imediato, as avarias detectadas pelas autoridades sanitárias argentinas e nacionais, conforme fotografias anexadas ao Laudo Pericial n.º 00095/2000(doc.18).

No ato da desova, verificou-se a presença de bastante umidade na sacaria e no interior do contêiner, tendo sido colhido aspecto fotográfico, mostrando da melhor maneira possível, as condições precárias da mercadoria e do contêiner. Após a desova, toda a carga avariada foi recolhida ao interior do Armazém A-4.

Após a retirada da mercadoria, no dia 28 de novembro de 2000, o Comissário de Avarias, na presença das partes envolvidas, periciou o contêiner de acordo com as normas utilizadas para determinação de avarias e/ou danos causados aos conteúdos(do contêiner), obtendo os seguintes resultados, conforme relatório acostado às fls. 11/15, do Laudo Pericial(doc.18), in litteris :

"Fizemos várias tomadas fotográficas, mostrando o objeto da vistoria, conforme se constata pela reportagem fotográfica, (anexo 01);

Externamente, o container apresentava, em seu todo, inúmeros "pontos de oxidação" e algumas mossas pequenas originadas de impactos em operações de carga e descarga;

Não constatamos indícios de reparos externos para correção de danos sofridos, como por exemplo, soldagens e/ou imassamentos(sic), portanto, a olho nu nada foi detectado, externamente, que pudesse ter originado os danos constatados nos 300(trezentos) sacos duplos contendo pimenta do reino em grãos.

EXAME INTERNO

Convidamos as partes interessadas que acompanhavam nosso trabalho, para entrar no container objeto da perícia e, em seguida, mandanos que o mesmo fosse totalmente fechado, para que pudessemos(sic) efetuar o teste de luz.

Tão logo as portas foram fechadas, de imediato, foi constatado pêlos(sic) presentes, fechados no interior do container, a penetração da luz solar, em grande escala, pela parte superior da porta esquerda de quem entra no container. Havia uma brecha de aproximadamente um centímetro, causada pela má vedação da borracha, anormalidade esta visível nas fotos tiradas por nós, dentro do container fechado, como mostra a reportagem fotográfica.

O aspecto interno deixava patenteado que a infiltração d’água para o interior do container, tinha sido em grande escala, justificando os danos gerados no conteúdo. (grifos nossos)

Na parte inferior, nas proximidades da porta do lado direito, houve também, em escala muito diminuta, pequena infiltração, bem como, na junção do piso com a lateral do mesmo lado, locais ainda molhados.

Na parte lateral direita, na metade da altura e a um terço da parte do fundo, havia um pedaço de madeira tapando uma abertura, não aparente do lado externo.

A reportagem fotográfica, mostra visivelmente o que acima foi verificado, na presença das partes interessadas".

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E conclui que:

"a) a mercadoria saiu da origem e chegou ao Porto de Fortaleza, em perfeito estado, o que é confirmado pêlos(sic) Certificados das Autoridades Sanitárias do Pará e do Ceará, anexados no presente relatório.

b) No momento da ovação do container SCZU 771808-0, designado pelo representante do armador, também não há duvida(sic) de que a mercadoria se achava em perfeito estado, também, confirmado pêlos(sic) certificados das autoridades sanitárias do Ceará, anexados ao presente relatório.

c) Portanto, positivamente, a mercadoria foi embarcada para Buenos Aires, em perfeito estado de conservação e sem nenhuma restrição quanto a sua qualidade.

d) No porto de destino, ao ser aberto o container, há a interdição por parte das autoridades sanitárias argentinas, condenando a mercadoria, por estar mofada, em decorrência da condensação causada pelo excesso de umidade.

e) Sem sombra de dúvida, a avaria aconteceu no trajeto do porto de Fortaleza para Buenos Aires, levando-se em conta que a mercadoria saiu do nosso porto em boas condições e sem nenhuma restrição, conforme menciona, ainda, o B/L FOR468/2000-MFA000468-Clean on Board(doc.3)

Ante os fatos descritos no corpo do presente laudo e, comprovações dos certificados oficiais das autoridades sanitárias do Pará e Ceará, mostrados também na reportagem fotográfica, concluimos, dentro do melhor dos nossos conhecimentos e, principalmente diante das provas apontadas e confirmadas documentalmente que a geração dos danos no conteúdo do container, foram as brechas na parte superior da porta do lado esquerdo e outras mencionadas no relatório.

A causa da avaria, que tornou a mercadoria imprópria ao fim a que se destinava, foi a infiltração d’água pelo(sic) locais acima designados, gerando umidade excessiva" (grifos nossos).

Ante todo o exposto, e diante da robustez das provas documentais apresentadas, restou evidente a existência do dano relativo à carga no valor de U$D 77.250,00(anexo-2 – doc.18 e doc. 20), equivalentes, na presente data a R$ 160.911,75 e, por conseqüência, a necessidade imposta por lei, no tocante ao seu ressarcimento, bem como das despesas advindas do mesmo.

Tais despesas compreendem o frete de retorno no valor de U$D 5.108,77, equivalente, nesta data, a R$ 10.641,56(doc.19); despesas com armazenagem no cais do Mucuripe que giram em torno de R$ 3.000,00; frete marítimo no valor de U$D 600,00(doc.3), perfazendo, nesta data, o valor de R$ 1.249,80 e, por último a quantia de R$ 27.170,02(doc.22), atinentes a passagens aéreas, hospedagem e demais despesas do DEMANDANTE visando a solução do problema.

Por último, o DEMANDANTE, por várias vezes, tentou uma solução amigável no tocante ao ressarcimento dos prejuízos oriundos da avaria. Não encontrando guarida aos seus insistentes apelos(doc.21), não restando outra solução, se não a busca da tutela jurisdicional, como meio único para o deslinde da questão.


ASSEVERAÇÕES JURÍDICAS

Para uma melhor compreensão de V.Ex.ª, necessária se faz uma breve alusão aos procedimentos atinentes à contratação de um navio, para o transporte de carga. Senão vejamos, na brilhante acepção de Theóphilo Azeredo Santos: " Regra geral, o transportador instrui um expedidor (forwarding agent) a procurar espaço para sua carga. O proprietário do navio, ou armador, por sua vez, contrata um agente(no direito inglês conhecido por loading broker), para agenciar cargas para seu navio.

O transportador, através de seu agenciador, avisa ao expedidor, ou a terceiros que contratem em seu nome, qual o navio disponível para o transporte, a localidade para onde as mercadorias devam ser remetidas para carregamento, e o horário em que o navio estará pronto para recebê-las. Esse aviso é dado por escrito e contém referência `closing date – o prazo máximo em que se aceitará receber as mercadorias para carregamento. Essa data é sempre anterior à efetiva saída do navio do porto, para permitir que este seja preparado para a viagem. O exportador, portanto, deve cuidar em remeter as mercadorias ao local apontado em tempo adequado, mesmo porque o capitão pode vedar o carregamento das mesmas se lhe forem apresentadas após o prazo pactuado(art. 591 do Cod. Com. Brasileiro)

Quando as mercadorias são enviadas às docas, o expedidor(afretador) deve também remeter as instruções de carregamento ao transportador ou a quem de direito, com as particularidades de sua carga, bem como uma nota ao superintendente do porto, comunicando-lhe a chegada e situação de suas mercadorias, e ainda, o nome do navio que realizará o transporte.

O lugar e o modo de entrega das mercadorias ao transportador estão sujeitos a acordo entre as partes, podendo ser fixados pelo costume ou regulamento do porto. A lei determina que na ausência de disposições contratuais sobre o assunto, o transportador, às suas custas, tenha de providenciar a entrega das mesmas ao lado do navio(costado) ou na área de alcance de seu equipamento.

Quando as mercadorias são entregues ao transportador, o expedidor geralmente recebe um documento do capitão conhecido no direito internacional como mate’s receipt, o qual contém informações sobre as mercadorias carregadas à bordo do navio, no que diz respeito à data do carregamento, marcas de identificação, tipo de empacotamento, quantidade, tamanho, assim como qualquer imperfeição, falha ou vício, ou outra observação que se faça necessária sobre as condições em que foram recebidas, enfim, todos os elementos que devam constar posteriormente do conhecimento(B/L). Registram-se, principalmente, a existência de danos a pacotes e seu estado geral, falta de proteção adequada, marcas ambíguas, etc.

Quando o carregamento do navio é completado, o oficial do navio assina o mate’s receipt, que se diz claused quando contém ressalvas, ou clean, se não forem feitas observações acerca do bom estado de conservação e propriedade do empacotamento das mercadorias. A expedição e assinatura deste documento é o reconhecimento do transportador de que efetivamente recebeu as mercadorias nas condições descritas e também de que elas estão sob sua responsabilidade, nos termos constantes do conhecimento de embarque usual da transportadora(B/L). O mate’s receipt também se presta a comprovar a titularidade da carga, seja emitido nominativo ou não; seu portador, portanto, é quem receberá do transportador ou seu representante, o conhecimento de embarque(B/L), que, espelhando aquele documento, será claused ou clean (in, Direito de Navegação(marítima e aérea). 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1968).

Exsurge à luz do ordenamento jurídico pátrio que, de acordo com o Decreto n.º 116, de 25.01.67(que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d’água nos portos brasileiros, determinando suas responsabilidades e tratando das faltas e avarias) os volumes em falta, avariados ou sem embalagem ou embalagem inadequada ao transporte por água, serão desde logo ressalvados pelo recebedor, e vistoriados no ato da entrega, na presença dos interessados.

Repise-se que no conhecimento de transporte(B/L) emitido por ocasião do embarque não constava nenhuma ressalva

, o que dá a mercadoria por recebida, em bom estado e devidamente acondicionada para o transporte marítimo, não bastassem os laudos comprobatórios expedidos pelas autoridades sanitárias brasileiras.

E nesse sentido, assim se posiciona a jurisprudência dominante:

" Responsabilidade Civil – Avaria constatada na descarga – Conhecimento de transporte emitido sem ressalva – Responsabilidade da transportadora – Direito de regresso da seguradora.

A emissão de conhecimento de transporte sem ressalva resulta em reconhecimento da regularidade do estado da mercadoria correspondente. A falta ou avaria constatadas na descarga são de responsabilidade da transportadora, havendo direito de regresso da seguradora que pagou o respectivo seguro" TACRJ – Ap. 20.125 – RJ – 6ª C. – J. 29.05.85 – Rel. Mauro Junqueira Bastos (RT 606/219).

A execução natural de um contrato de transporte envolve diversas etapas, iniciando-se com o carregamento das mercadorias à bordo do navio, dentro da programação de escala do mesmo no porto, ao que se segue a viagem até o destino, numa rota previamente programada, e descarregamento e entrega da carga, tudo sem que tenha ocorrido dano ou perda de mercadoria.

À vista dos assentamentos jurisprudenciais, observamos que: " À luz do art. 3.º do Dec.-Lei 116/67, a responsabilidade do transportador começa com o recebimento da mercadoria a bordo e cessa com sua entrega no porto de destino (ADCOAS, 1981, n.º 77.907 – TFR), sendo que, " A solidariedade entre afretador e transportador é inequívoca (RT, 600:201).

Pode-se assim, afirmar, como preleciona Flávia de Vasconcelos Lanari, que: "se verifica a responsabilidade nos seguintes casos: a) se houver perda total ou parcial das mercadorias; b) se elas chegarem em mau estado(com dano); c) se houver atraso na entrega. Em qualquer dessas hipóteses, caracterizada estará a má-execução do Contrato de Transporte, ou até mesmo sua inexecução. E, sem dúvida alguma, a responsabilidade do transportador pelos prejuízos então decorrentes, quando sendo de direito, traduzir-se-á no dever de indenizar (in, Direito Marítimo Contratos & Responsabilidade, 1ª Ed. Ed. Del Rey, Belo Horizonte(MG), 1998, pp. 109/110 ).

No caso vertente, dois pressupostos indenizatórios são encontrados: 1) houve a perda total da carga conforme atestam os laudos exarados pelas autoridades sanitárias locais(docs. 8 e 14/17); 2) as mesmas chegaram ao porto de destino e retornaram ao de origem em péssimas condições fitossanitárias, ocasionando sua inutilização, em função do dano ou avaria verificada (docs. 8 e 14/17).

Em linguagem coloquial, a avaria é um dano, um estrago que sofre um objeto. Mas a acepção jurídica do termo, em direito comercial marítimo, é diversa (mais ampla). É o dano ou a despesa extraordinária, em relação ao navio ou à carga, por acidentes e incidentes da navegação. Nos dizeres de Avio Brasil: " É o prejuízo material, extraordinário e imprevisto, resultante de transporte, e que os proprietários do navio ou da sua carga suportam conjunta ou separadamente (in, Transportes e seguros marítimos e aéreos. Coleção Estudos Brasileiros de Direito Atual, 1955, p. 105).

Estatui o art. 761, do Código Comercial Brasileiro, verba legis:

"art. 761. Todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente, e todos os danos acontecidos àquele ou a esta, desde o embarque e partida até a sua volta e desembarque, são reputadas avarias."

Possuindo o transportador, várias obrigações decorrente do contrato de transporte ajustado(Bill of lading – doc. 3), responderá ele pelo inadimplemento de qualquer delas, como infere Sampaio Lacerda: " Recebida a mercadoria, obriga-se a entregá-la no porto de destino dentro do prazo convencionado e tal como lhe foi entregue (in, Curso de Direito Comercial Marítimo e Aeronáutico – Direito Privado da Navegação, 2ª Ed. Livraria Freitas Bastos, 1954, pp. 217). Se assim não o fizer, de acordo com Flávia de Vasconcelos Lanari: " por isso responde, mesmo que em razão de falta do Capitão e da equipagem (arts. 99, 494, 519, 565, Código Comercial – Ob. Cit. p.112).

A responsabilidade moderna comporta dois pólos, o pólo objetivo, onde reina o risco criado, o pólo subjetivo, onde triunfa a culpa, e é em torno desses dois pólos que gira a vasta teoria da responsabilidade (L’Évolution de la Responsabilité, em Évolutions et Actualités, Paris, 1936, p. 49).

Conforme aduz, Antônio Chaves: " Não há contrato, atividade, ato, até mesmo abstenção, que não contenha o germe de uma responsabilidade criminal ou civil (in, Responsabilidade Civil, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1ª Ed., 1972, pp. 17 e 36).

A responsabilidade civil é a situação de indenizar o dano moral ou patrimonial causado a terceiro, em razão de ato próprio ou de fato da coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), decorrente de inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta por lei(responsabilidade objetiva).

Assim, qualquer inobservância de um preceito legal acarretará responsabilidade ao transgressor.

Acentua, com muita propriedade, Álvaro Villaça de Azevedo, que " a classificação da responsabilidade civil objetiva em pura e impura é de extrema necessidade, para compreensão da matéria, pois, na primeira o indenizador responde por ato lícito ou fato jurídico, não tendo contra quem regressar, já que inexiste culpa de quem quer que seja. Na segunda, sendo impura a responsabilidade, porque o indenizador ressarce prejuízo causado por terceiro, que age culposamente, tem aquele direito de regressar contra este (Artigo elaborado para o I Simpósio de Direito Processual Civil do Centro de Extensão Universitária de São Paulo – maio 1994 – Publicado na Revista do Advogado – AASP – n.º 44 – outubro/94)".

Diferenciando a responsabilidade civil, da decorrente de responsabilidade essencialmente contratual, que deriva de direitos e obrigações constantes do contrato assinado entre as partes, in casu, o de transporte marítimo, assim discorre, Carla Adrina C. Gilbertoni, em sua obra, Teoria e Prática do Direito Marítimo: " No Direito Marítimo, em Geral, a responsabilidade decorre do inadimplemento contratual ou deriva de acontecimentos aleatórios em decorrência de danos por acidentes ou fatos da navegação. No primeiro caso temos o descumprimento de cláusulas contratuais nos contratos de afretamentos, transportes, seguros etc., e, no segundo caso, as colisões, os abalroamentos, poluição, avarias, ou qualquer outro tipo de sinistro.

A responsabilidade do navio ou embarcação transportadora começa com o recebimento da mercadoria a bordo e cessa com sua entrega à entidade portuária ou trapiche municipal, no porto de destino, ao costado do navio.

A responsabilidade do transportador começa no momento em que a mercadoria lhe é entregue, instituindo-se ele depositário da mesma; e só termina com a sua entrega efetiva, ilesa ao destinatário.

Ressalvados alguns casos regulados em leis específicas, em direito marítimo, os aspectos relativos à responsabilidade civil se ajustam perfeitamente às normas de direito civil e comercial, havendo tanto a responsabilidade direta, quando a lesão é praticada pelos próprios armadores, proprietários ou afretadores, como a responsabilidade indireta, caso em que o evento danoso decorre de atos ilícitos de seus representantes legais, empregados, comissários, prepostos e/ou consignatários.

Dentro do que é corriqueiro em matéria de responsabilidade civil, entende-se que responde perante o consignatário também o afretador e depois, se for o caso, que exerça seu possível direito de regresso contra o armador da embarcação (RT 560/117). A solidariedade entre afretador e transportador é inequívoca (RT 600/201). (Ob. Cit. pp. 352 e 354)."

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Sobre o autor
Eugênio de Aquino dos Santos

Advogado militante na área do Direito Marítimo e Portuário. Bacharel em direito pelas universidades Cândido Mendes (RJ) e UNIFOR (CE). Especialista em Direito Marítimo. Pós-graduado em Direito Constitucional pela UNIFOR. Advogado do Sindicato dos Operadores Portuários do Estado do Ceará – SINDOPCE, durante o período 2003/2008 Advogado do Sindicato das Agências de Navegação Marítima do Ceará – SINDACE, durante o período 2003/2008 Membro Titular da Comissão Paritária do OGMO-Fortaleza representante dos operadores portuários, durante o período 2007/2008. Representante da Associação Brasileira de Terminais Retroportuários Alfandegados no Conselho da Autoridade Portuária do Porto de Fortaleza/CE Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Marítimo (IIDM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Eugênio Aquino. Indenização por danos a carga em transporte marítimo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16471. Acesso em: 28 mar. 2024.

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