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Ação civil pública: irregularidades em cadeia pública

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29/05/2011 às 16:23
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3. DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL

A narração fática indica a prática de conduta(s) ofensiva(s) ao ordenamento jurídico, afetando diversos cânones, contidos na Constituição da República e na Lei das Execuções Penais (Lei Federal nº 7.210/84), conforme acima exaustivamente mencionado.

Qualquer que seja a modalidade de tutela adiantada que o arsenal jurídico contemple, terá ela em vista a realização de dois nortes fundamentais: a celeridade do processo e a efetividade da decisão judicial. Nem por terem inspirações análogas são, contudo, as aludidas modalidades soluções idênticas, do mesmo calibre e de conseqüências uniformes.

A par da ação cautelar (de inegável feição satisfativa), com previsão de liminar em seu bojo (art. 4º, Lei 7.347/85), o referido diploma, em seu artigo 12, ainda estatui uma outra modalidade de provimento antecipatório, cujas particularidades a distingue das provisões cautelares, em sentido estrito.

Dentre elas a doutrina especializada destaca "a imperatividade de se ouvir, previamente, o representante judicial da pessoa jurídica de direito público interessada (Lei 8.437/92, art. 2º)" [41].

A situação descrita nesta peça é alarmante sob o ponto de vista social, pois que tamanho desrespeito à legislação ordinária e à Carta Magna não pode ser tratado de forma parcimoniosa pelo Poder Judiciário, sob pena de se tornar socialmente aceitável e habitual, contribuindo para o aumento da abominável "erosão da consciência constitucional", que é brilhantemente delineada pelo STF (RE 482611/SC). Eis um trecho da decisão:

"O desprestígio da Constituição - por inércia de órgãos meramente constituídos - representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado

. Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN ("Teoria de la Constitución", p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, como resulta da seguinte decisão, consubstanciada em acórdão assim ementado:"(...) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.- O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório - infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).- A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos."

A eventual demora na prestação jurisdicional pleiteada acarretará graves e irreparáveis prejuízos extrapatrimoniais para inúmeros indivíduos (pessoas encarceradas na Cadeia Pública, pessoas que trabalham em tal estabelecimento e para a sociedade como um todo) e permitirá a continuidade da sangria constante ao ordenamento jurídico, com a ostensiva violação a direitos humanos básicos, restando afetados os limites do "mínimo existencial" (dignidade humana). Sob este aspecto, repita-se, não há dúvida quando ao perigo da demora (fundado receio de danos irreparáveis e de difícil reparação).

Realmente, o direito tardio pode representar a total perda da identidade do ser humano e de nada serve se não reparada a tempo, principalmente em se tratando de serviço considerado essencial à sociedade (segurança pública). A conduta praticada pelo Estado da Paraíba na condução da Cadeia Pública de Pombal – PB é gravemente ilícita e todos os indivíduos afetados por tal atitude, que se espraia no tempo de maneira inadmissível, não podem e nem devem ficar reféns da burocracia, de entraves e de recursos protelatórios (garantia da duração razoável do processo; art. 5º, LXXVIII, CRFB).

Não há como negar a verossimilhança das alegações expendidas anteriormente, nem tampouco a adequação dos dispositivos constitucionais e legais que embasam os pedidos ora deduzidos. Demonstrada, portanto, a aparência do bom direito (verossimilhança da alegação).

Ademais, o procedimento administrativo em anexo consubstancia prova inequívoca dos fatos debatidos.

Esclarecida a questão, observa-se que a situação apresentada configura brutal afronta ao ordenamento jurídico e reclama uma medida de urgência, que tem amparo na nossa legislação e na nossa Doutrina:

"Art. 12. Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificativa prévia, em decisão sujeita a agravo. (Lei nº 7.347/85). Essa liminar, embora tenha disciplina, no que tange aos requisitos, diversa da antecipação da tutela, na forma que ela vem disciplinada pelo novel art. 273 do Código de Processo Civil, pode ser considerada como modalidade de provimento jurisdicional de urgência, a meio caminho entre as liminares concedidas em ação cautelar e a antecipação da tutela jurisdicional, embora tenha a mesma natureza destas, não deixando também de constituir um esforço do legislador de 1985 em disciplinar modalidades de provimento de urgência para melhor tutelar o direito material." (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública, Editora ATLAS, 3ª edição, pág. 71)

Como demonstrado, o provimento liminar em comento tem pressupostos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela antecipatória e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal.

O princípio da Proteção do Patrimônio Público não é norma programática. Reclama efetivação e existência diuturna, quando a si é dado conhecimento de violações a ele. Sobre a matéria versa o aresto seguinte:

"O Poder Judiciário não pode ser conivente com a prática de atos desviados de suas finalidades específicas, que não atendem aos preceitos da Constituição e que deixam de satisfazer pretensões coincidentes com os interesses da coletividade. Nega-se provimento ao recurso." (TJMG – AG 000.300.924-8/00 – 4a. C.Civ. – Rel. des. Almeida Melo – J. 05.12.2002)

A liminar tem como escopo, em ação civil pública, fazer cessar imediatamente a atividade danosa, nociva, e exigir o cumprimento de normas jurídicas, visto que a violação não pode continuar, sob pena de ineficácia ou desprestígio do provimento final, que, na maioria das vezes, tarda, principalmente no âmbito das ações civis públicas.

Sobre a possibilidade de concessão de liminares em sede de ação civil pública contra o Poder Público, condicionada apenas a prévia oitiva do representante da pessoa jurídica de direito público, no prazo e na forma do artigo 2º da Lei 8.437/92, é maciça a jurisprudência pátria (STJ – AARESP 303206 – RS – 1ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJU 18.02.2002 – p. 00256).

Assim, preenchidos os requisitos próprios à concessão da medida de urgência, aflora necessária a concessão de ORDEM ANTECIPATÓRIA para determinar ao demandado que, no âmbito da Cadeia Pública de Pombal - PB, sob pena de interdição e de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) [42]:

a) no prazo máximo de 10 (dez) dias, contados da intimação da decisão judicial, elimine as irregularidades mencionadas nos itens 3, 5, 6, 8, 14, 15, 23, 24, 27, 28, 29, 30 e 31, mediante as seguintes condutas (além de outras vislumbradas pelo Juízo de Direito; art. 461, CPC):

3 à prestação de ampla e regular assistência material, com fornecimento de vestuário digno e instalações higiênicas, bem como material de higiene pessoal (sabonetes, aparelho de barbear, absorvente íntimo para mulheres, pasta dental, papel higiênico e escova dental);

5 à prestação de ampla e regular assistência à saúde, em caráter preventivo e curativo, no atendimento médico, farmacêutico e odontológico;

6 à prestação de ampla e regular assistência jurídica aos presos sem recursos financeiros para constituir advogado, através da Defensoria Pública, que deverá contar com local apropriado e especificamente destinado ao atendimento pelo Defensor Público;

8 à prestação de ampla e regular assistência social pelo Estado, com profissional da área designado/incumbido das atividades previstas na LEP (conhecimento dos resultados dos diagnósticos ou exames; relatos, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, dos problemas e das dificuldades enfrentadas pelo assistido; acompanhamento do resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias; promoção, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, da recreação; promoção de orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; obtenção de documentos, dos benefícios da Previdência Social e do seguro por acidente no trabalho; e colaboração com o egresso para a obtenção de trabalho);

14 à Transferência/remoção das mulheres e indivíduos maiores de sessenta anos, atualmente encarcerados na Cadeia Pública de Pombal – PB, para estabelecimento(s) próprio(s) e adequado(s) à condição pessoal da mulher e do maior de sessenta anos, separadamente do estabelecimento comum, com garantia do indispensável isolamento entre os diferentes indivíduos (jovens X idosos; homens X mulheres), enquanto não existir, na Comarca de Pombal – PB, um estabelecimento próprio e adequado à condição pessoal da mulher e do maior de sessenta anos, separadamente do estabelecimento comum;

15 à Enquanto houver mulheres e indivíduos maiores de sessenta anos encarcerados na Cadeia Pública de Pombal – PB, proibição da presença de agentes do sexo masculino na segurança quanto aos compartimentos ocupados por mulheres e por maiores de sessenta anos;

23 à Enquanto houver condenados por sentença transitada em julgado na Cadeia Pública de Pombal – PB, separação do preso provisório em relação ao condenado por sentença definitiva;

24 à Enquanto houver condenados por sentença transitada em julgado na Cadeia Pública de Pombal – PB, existência de seções distintas para cumprimento da pena dos reincidentes e dos primários;

27 à Organização e atualização permanentes do arquivo da Cadeia Pública em relação às guias de recolhimento/mandados de prisão, com (i) informatização de todos os dados existentes, (ii) designação de servidor estadual para organizar o arquivo e (iii) proibição de designação de pessoa encarcerada para tal finalidade;

28 à A utilização da Cadeia Pública de Pombal – PB somente para o recolhimento de presos provisórios (reservada uma seção especial para os presos civis; art. 201, LEP) e a transferência/remoção para local adequado de todos os demais indivíduos encarcerados, independente do regime prisional (fechado, semiaberto e aberto), inclusive os condenados ao cumprimento de pena restritiva de direitos consistente na limitação de final de semana, enquanto não existir, na Comarca de Pombal – PB, estabelecimentos próprios e adequados para o cumprimento de penas no regime fechado (penitenciária), semiaberto (colônia agrícola, industrial ou similar) e aberto (casa de albergado), inclusive os condenados ao cumprimento de pena restritiva de direitos consistente na limitação de final de semana (casa de albergado);

29 à O pagamento regular das remunerações vencidas e vincendas dos detentos que trabalham(ram)/prestam(ram) serviços ao Estado da Paraíba, no âmbito da Cadeia Pública de Pombal – PB, respeitando-se o limite mínimo de 3/4 (três quartos) do salário mínimo;

30 à Respeito à lotação carcerária conforme a estrutura e a finalidade da Cadeia Pública, resguardado o limite mínimo de 6 (seis) metros quadrados por preso, removendo-se o excedente dos presos para outro local adequado;

31 à Submissão à perícia médica de todas as pessoas detentas com suspeitas de doenças mentais e, nos casos de confirmação, transferência/remoção ao estabelecimento adequado (Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico);

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b) no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da intimação da decisão judicial, elimine as irregularidades mencionadas nos itens 1, 2, 7, 10, 11, 12, 13 e 32, mediante as seguintes condutas (além de outras vislumbradas pelo Juízo de Direito; art. 461, CPC):

1 à Classificação dos condenados/presos, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal/prisão processual;

2 à Instituição e funcionamento regulares da Comissão Técnica de Classificação (CTC) no estabelecimento;

7 à Assistência educacional consistente em: instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado; ensino de 1º grau; biblioteca, no estabelecimento, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos;

10 à Enquanto houver condenados por sentença definitiva na Cadeia Pública de Pombal – PB, assistência ao egresso consistente em: orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses;

11 à Enquanto houver condenados por sentença definitiva na Cadeia Pública de Pombal – PB, atestado de pena a cumprir, emitido pela autoridade judiciária;

12 à Instituição e funcionamento regulares do Patronato;

13 à Instituição e funcionamento regulares do Conselho da Comunidade;

32 à Garantia plena da segurança da Cadeia Pública de Pombal – PB, com a reforma do prédio (ou, subsidiariamente, a construção de um novo) voltada à implementação de todos os itens necessários ao cumprimento das ordens de prisão, com muros altos, providos de grampos, cercas elétricas, arame farpado, guaritas (e outros elementos de segurança), livre de qualquer vegetação ou objeto que favoreça a escalada-fuga dos detentos e/ou invasão externa, bem como com o reforço concreto de todas as paredes das celas e dos muros;

c) no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da intimação da decisão judicial, elimine as irregularidades mencionadas nos itens 4, 9, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 25 e 26, mediante as seguintes condutas (além de outras vislumbradas pelo Juízo de Direito; art. 461, CPC):

4 à Instalação de local destinado à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração;

9 à Instalação de local apropriado e especificamente destinado para os cultos religiosos (assistência religiosa);

16 à Instalação de áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva, nas dependências da Cadeia Pública de Pombal – PB;

17 à Instalação de local destinado especificamente a estágio de estudantes universitários;

18 à Instalação de salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante;

19 à Enquanto houver mulheres encarceradas na Cadeia Pública de Pombal – PB, instalação de berçário, onde as condenadas/presas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade;

20 à Enquanto houver mulheres na Cadeia Pública de Pombal – PB, a instalação (i) de seção para gestante e parturiente e (ii) de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa, com atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas, e horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável;

21 à Instalação de Colônia Agrícola, Industrial ou Similar, na Comarca de Pombal – PB;

22 à Instalação, na Comarca de Pombal – PB, de Casa do Albergado conforme a LEP (regime aberto e limitação de final de semana), que deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga, contendo: a) aposentos para acomodar os presos; b) local adequado para cursos e palestras; e c) instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados;

25 à Garantia de celas individuais;

26 à Garantia de celas com dormitório, aparelho sanitário e lavatório em condições adequadas ao uso humano, com salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, e área mínima de 6,00m² (seis metros quadrados);

d) além de prestar informações ao Juízo, garanta publicidade ampla (mediante informações através do "site" do Governo Estadual) a respeito do cumprimento da(s) decisão(ões) judicial(is) liminar(es).

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Sobre o autor
Leonardo Fernandes Furtado

Promotor de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FURTADO, Leonardo Fernandes. Ação civil pública: irregularidades em cadeia pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2888, 29 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/19214. Acesso em: 23 abr. 2024.

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